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Vol. 34. Issue 3.
Pages 197-198 (September - December 2016)
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Vol. 34. Issue 3.
Pages 197-198 (September - December 2016)
Editorial
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Redefinição dos cuidados de saúde em Portugal
Redefining Health Care in Portugal
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Luís Morais
Área Laboratorial, Serviço de Patologia Clínica, Centro Hospitalar Médio Tejo, EPE, Tomar, Portugal
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Aplicar os princípios competitivos para retirar vantagem da concorrência na prestação de cuidados de saúde deve ser um dos aspetos a considerar na nova gestão das organizações de saúde, sem descurar, antes pelo contrário, ter em linha de conta, os utentes, e tendo‐os na centralidade das políticas e do sistema de saúde.

Deve assim existir uma nova forma de pensar o sistema de saúde, assente na criação de valor para os doentes, e fazer algumas recomendações para o futuro e a sustentabilidade do sistema nacional de saúde, tal como defendeu Michael Porter no simpósio «Sistemas de Saúde em tempos de crise: Proteger o Presente, Construir o Futuro» (Lisboa, 2012). A organização dos sistemas de saúde tem de estar centrada nos doentes e não nos resultados de um serviço ou de um hospital. Reitera‐se a ideia de que criar valor é pensar em todo o ciclo do doente/utente e que o pagamento tem de deixar de ser por ato. Deve ser pago por todo o pacote de cuidados.

Portugal não tira vantagem da concorrência na prestação de cuidados de saúde. O conceito de concorrência na saúde tem vindo a gerar algumas críticas em determinados setores e correntes de opinião, tendo‐se sugerido o termo escolha, por se considerar que daí poderia advir uma nova dinâmica nos sistemas de saúde. Não olhar só para o acesso, mas também para a escolha.

Sobre os custos da saúde, refira‐se que o aumento dos copagamentos (taxas moderadoras) e a redução do salário dos profissionais de saúde são o tipo de medidas que não criam valor, havendo agora uma opção por diminuir as taxas moderadoras e pelo incentivo a alguns profissionais de saúde.

O sistema de saúde, em qualquer parte do mundo e não só em Portugal, é um dos fatores de insustentabilidade do próprio sistema, inclusive o económico. O aumento da qualidade de vida, devido às condições socioeconómicas e ao progresso tecnológico para diagnosticar, tratar e curar doenças, leva a que a população viva mais tempo, contribuindo para o crescimento dos cuidados de saúde. No entanto, não houve um acompanhamento por parte das reformas do Estado no modo como os cuidados são prestados. Não foi prioridade reformá‐los. O utente limitou‐se a pagar cada vez mais por eles.

Existe atualmente um aumento do sector privado na prestação de cuidados e um aumento de pessoas idosas. Para manter um Estado Social, há que equilibrar o orçamento, controlar os custos, melhorar a sustentabilidade, a eficiencia e ter melhores resultados (outcomes) para os doentes, através de reformas e da obtenção de consensos.

Deve elaborar‐se uma agenda estratégica para a criação de valor para o sistema de saúde, defendendo alguns princípios que devem prevalecer na reforma do sistema: em primeiro lugar, a necessidade de organizar os cuidados em unidades integradas (cuidados de saúde primários, cuidados diferenciados e cuidados continuados), em torno das condições de determinados grupos de doentes. Um dos problemas em Portugal é o elevado número de urgências hospitalares, onde é difícil planear, são mais caras e onde os cuidados de saúde primários podiam e deviam fazer a diferença (acesso, qualidade, etc.). Atualmente os cuidados de saúde primários são iguais para toda a população, mas deviam ser adaptados às necessidades dos doentes e mais focados em determinados grupos de doentes. Aumentariam os custos numa primeira fase, mas numa segunda seriam mais eficientes. O que também não se justifica é haver duplicação de serviços, organizações a prestar o mesmo tipo de cuidados, devendo avançar‐se para a especialização das unidades (por exemplo, consolidação hospitalar).

Em segundo lugar, medir os resultados (outcomes) da atividade (performance), os custos envolvidos no tratamento de cada doente. Devem ser criados parâmetros de avaliação diferentes (melhorar a qualidade e melhorar os resultados) para cada doente. É a fraca qualidade que aumenta os custos e o desperdício. Só medindo é possível introduzir melhorias e perceber em que área(s) se deve intervir.

Terceiro ponto: pagamento diferenciado, não em função de um determinado serviço, mas associado à criação de valor. Os serviços de saúde devem ser remunerados pela totalidade do tratamento e não por um determinado serviço. Deve haver uma partilha do risco com os prestadores, principalmente em torno dos aspetos que estes possam controlar – doente como gestor da sua saúde.

Por fim, utilizar as tecnologias da informação no setor da saúde, com a criação de plataformas tecnológicas (acesso de todos os intervenientes a informação sobre todas as intervenções e cuidados a que foram sujeitos).

Assim sendo, o objetivo central de todas as reformas deve visar o aumento do valor para o doente, sendo esse valor definido pelos resultados de saúde alcançados em relação aos gastos.

O relatório «Health at a Glance Europe 2012», publicado pela OCDE, mostra como a crise travou a tendência da maioria dos países para aumentar anualmente a despesa na saúde. Nele é referido que o tempo atual de dificuldades foi precedido por um período de abundância, no qual quase toda a Europa aumentou a despesa na saúde (pública e privada) muito acima do crescimento do seu PIB, contribuindo deste modo para a sua provável insustentabilidade.

Advoga‐se, assim, a reestruturação e a reorganização da forma como se prestam cuidados de saúde em Portugal, protegendo o presente e construindo o futuro dos sistemas de saúde, nomeadamente a gestão integrada da doença, e tendo como foco o doente, solicitando a este a colaboração na gestão da sua saúde/doença.

Os sistemas de saúde poderão desenvolver‐se em direções que pouco contribuem para a equidade e justiça social, são pouco eficientes na consecução de melhores resultados em saúde e podem pôr em causa a sua sustentabilidade. As 3 tendências mais preocupantes podem ser caracterizadas da seguinte forma:

  • (i)

    sistemas de saúde centrados, de forma desproporcionada, numa oferta em cuidados de saúde especializados (ao invés, deveria apostar‐se mais na prevenção da doença e promoção da saúde);

  • (ii)

    sistemas de saúde em que a prestação de serviços está a ser fragmentada por abordagens de controlo de doenças, com objetivos imediatistas, num espírito de comando‐e‐controlo;

  • (iii)

    sistemas de saúde em que uma abordagem laissez‐faire da governação facilitou a expansão duma comercialização desregulamentada da saúde.

Estas tendências vão totalmente contra uma resposta compreensiva e equilibrada às necessidades de saúde e à criação de valor. Em alguns países, a iniquidade de acesso, os custos e a erosão da confiança nos cuidados de saúde constituem uma ameaça à estabilidade social.

Estando‐se a celebrar os 100 anos do nascimento de Coriolano Ferreira, e tendo passado em 2012 100 anos sobre o nascimento de Gonçalves Ferreira, 2 vultos notáveis da saúde pública portuguesa, ligados ao seu ensino, investigação, política e administração (quer a nível hospitalar quer a nível da saúde pública), sem esquecer os 50 anos da Escola Nacional de Saúde Pública (a comemorar em 2017), deve colocar a ênfase na promoção e educação para a saúde, a fim de existir no futuro uma população portuguesa mais saudável, que participe na gestão (integrada) da sua saúde dando, desse modo, um exemplo de cidadania para o mundo.

Deve pois, caminhar‐se para um sistema de reformas da cobertura universal, reformas da prestação de serviço, reformas de política pública e reformas da liderança.

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