Todo serviço de reprodução humana necessita de um banco de dados para arquivar e manejar avaliações estatísticas. O serviço público de Reprodução Humana do Hospital Pérola Byington usava uma planilha Excel™ que se mostrou insuficiente para o adequado gerenciamento de informações, evidenciou a necessidade de um programa específico que facilitasse uma consulta rápida ao resumo dos ciclos de FIV, sem que houvesse qualquer probabilidade de erro no preenchimento e nas estatísticas posteriormente feitas. Considerando a inexistência de recursos para compra de um programa, tornava‐se necessária a criação de uma plataforma a partir de um software de uso livre. Optamos por usar a plataforma fornecida pelo Centers for Disease Control and Prevention e assim originou‐se o CRSMinfo, composto de formulários com subdivisões dos procedimentos, incluindo todas as informações relevantes para consulta e levantamento automatizado de dados. Seu uso mostrou‐se extremamente eficiente, aprimorou os protocolos laboratoriais e possibilitou estudos e pesquisas.
Efficient software it's absolutely necessary for any human assisted reproduction (ART) lab. Perola Byington Public Hospital's ART center has used a spreadsheet in Excel with more than 200 columns for data storage of all in vitro fertilization cycles for years, making it very difficult to create complex statistics to analyze data and lead to quick statistic evaluation. Since we are working with a very tight budget, we selected an open source software created by the Centers for Disease Control and Prevention, and after months of programming we created CRSMinfo, which contains a form with subdivision of procedures, including all the information for research and automatic sorting of the data. The use of CRSMinfo software at Perola Byington Hospital has been extremely efficient, improving the protocols for the realization of studies and researches.
O Hospital Pérola Byington é um dos únicos centros de saúde pública do Brasil com tratamento de infertilidade totalmente gratuito. A Divisão de Reprodução Humana Assistida faz cerca de 400 ciclos de fertilização in vitro de alta complexidade por ano, além de ter importante papel na área de ensino e pesquisa.1–3
Desde sua criação, o setor de Reprodução Humana do Hospital Pérola Byington, assim como em diversos centros de RH, usava uma planilha eletrônica em Excel para armazenamento e gerenciamento de dados. Planilha essa que tinha mais de 200 colunas nas quais era possível a inserção de qualquer tipo de dado sem formatação específica, sistema de autocorreção ou sequer alerta de erro de digitação, o que aumentava as chances de erro nas informações, bem como o conflito delas. Esse sistema básico de banco de dados foi suficiente por alguns anos, mas com a maciça inserção de informações e ciclos feitos, a pesquisa e os levantamentos estatísticos tornou‐se exageradamente trabalhoso, limitado e dependente da complexidade dos dados cruzados, até mesmo duvidoso. Um software específico para o setor de Reprodução Humana era vital para a segurança das informações e evolução do serviço.
Um sistema de banco de dados confiável e de manuseio estatístico eficaz é indispensável para um serviço de Reprodução Humana Assistida. Os resultados do serviço são definidos por uma matemática sensível, muitas vezes imperceptível para quem está imerso na rotina laboratorial. A oportunidade de desmembrar todas as características particulares de um serviço em números e taxas precisas serve de suporte para correções e ajustes em etapas da rotina laboratorial, que apresentem desempenho aquém do esperado, além de possibilitar o reforço em aspectos de bons resultados. Não obstante, a combinação flexível dos dados de diferentes etapas no processo do ciclo traz a oportunidade de confeccionar diversos projetos de pesquisa, que favorece particularmente o setor de Reprodução Humana Assistida do Hospital Pérola Byington, que, devido ao seu caráter público/gratuito, recebe uma ampla variedade de casais, incluindo diversas faixas etárias, etnias e fatores diagnósticos. Vale ressaltar que para se enquadrar em qualquer estudo científico internacional é necessário o uso de um software específico de banco de dados.
Fizemos uma pesquisa com algumas empresas que fornecem softwares específicos para a área de saúde e hoje a aquisição de um software pronto gira em torno de R$ 30.000, somados a R$ 15.000 anuais para a manutenção. A maioria dos grandes centros privados de RHA faz uso desse tipo de tecnologia, entretanto a aquisição para médios e pequenos centros privados é exageradamente onerosa e praticamente impossível para um serviço público. De acordo com o setor de Tecnologia da Informação do Hospital Pérola Byington, o programa usado para banco de dados no Sistema Único de Saúde é o S4SP, que não oferece plataforma específica para os dados relevantes da reprodução humana e a verba para aquisição de novos softwares é inexistente, visto que o setor de Tecnologia da Informação tem como finalidade a manutenção da rede de informática e sistemas oferecidos, e não a criação de tecnologias.
DiscussãoDiante da inexistência de recursos para a aquisição de um programa específico, fomos inclinados a criar uma plataforma a partir de um software de uso livre, que são plataformas moldáveis nas quais o usuário com domínio em programação pode criar, modificar e redistribuir os formulários sem restrições de propriedade.4,5
A plataforma escolhida foi originalmente criada pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), que oferece um sistema em branco para que seja criado um formulário específico para o serviço desejado.
A criação do programa de dados, batizado de CRSMInfo, iniciou‐se com a confecção de um formulário que trazia todas as informações relevantes para a consulta e o levantamento de dados. Contudo, o intuito não poderia ser apenas um formulário capaz de receber o histórico do caso, mas sim um sistema de autocorreção para que todos os campos fossem preenchidos de maneira padronizada, o que impediria erros de digitação, alertaria para a existência de dados conflitantes (por exemplo, quando uma unidade de espécime é duplicada ou subtraída sem justificativa) e principalmente criaria uma linguagem de programação que restringisse a digitação a uma linha coerente com seu histórico, devidamente atada para que nenhuma informação se perdesse ou fosse duplicada. Além da consulta do status atual da paciente e todo seu material biológico sob a guarda do laboratório feita de forma automatizada, a partir das informações inseridas. A montagem dessa linguagem de programação, os testes e a validação levaram por volta de cinco meses e resultaram num total aproximado de 4.500 códigos de ordens.
A plataforma CRSMInfo foi subdivida em: dados pessoais do casal, protocolo de indução, captação e maturação oocitária, informações da técnica de fertilização usada, evolução embrionária, meio de cultura usado, incubadora que acomodou o caso em cada fase, além de outras informações, como vitrificação, aquecimento, transferência, biópsia embrionária, beta HCG, dados da gestação e evolução obstétrica.
Na figura 1, é possível comparar a antiga forma de armazenamento de dados referente aos materiais biológicos vitrificados com o atual programa. No software a consulta é clara e as contas são geradas automaticamente a partir das informações inseridas.
Com todas as ordens de restrição de digitação criadas para o programa, alcançamos a primeira meta: minimizar ao máximo a possibilidade de erro de digitação e inexatidão de informações, para que consultas sejam feitas de forma rápida e precisa.
A segunda meta estabelecida era a obtenção de taxas simples de desempenho de maneira rápida e eficiente (fig. 2), assim como a viabilidade de uma combinação complexa de dados a fim de visualizar os índices e as taxas para avaliação de cada etapa do ciclo de maneira a influenciar e melhorar nossos protocolos de rotina.
Como mostra a figura 3, já nos primeiros períodos de teste cruzamos taxa de blastulação x incubadora x meio de cultura. Evidenciamos então que a taxa de blastulação se alterava não só entre as incubadoras, como também de acordo com a marca comercial do meio usado. Com isso, tendo por base a incubadora que mostrou os melhores resultados por marca de meio de cultura, ajustamos o pH e alteramos a concentração de CO2 de forma a elevar a taxa de blastulação de todo o grupo de incubadoras usadas para desenvolvimento de embriões do dia 3 ao dia 6.
ConclusãoUm banco de dados rigoroso que traga as informações do casal e da progressão do ciclo é imprescindível para um serviço de Reprodução Humana Assistida. Porém, apenas com um software específico é possível criar ferramentas de segurança no preenchimento e garantir a precisão dos dados. O CRSMInfo possibilita, ainda, consulta a estatísticas simples de maneira automatizada e a obtenção de estatísticas complexas a partir da combinação dos dados armazenados. Pode, assim, aprimorar os protocolos de rotina, além de ser uma plataforma de inúmeras possibilidades para estudos e pesquisas.
O programa CRSMInfo, criado a partir de um software de uso livre, tem se mostrado uma ferramenta eficiente e pragmática no contexto do serviço de Reprodução Humana Assistida. É também uma solução para a limitação econômica e burocrática do sistema público de saúde, bem como para o serviço privado de pequeno e médio porte.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.