Atualmente, contamos com evidências contundentes de que a abordagem transradial confere benefícios variados e significativos, em comparação com o acesso femoral tradicional para angiografias diagnósticas e para a intervenção coronária percutânea (ICP).1 Na verdade, graças à sua localização superficial, a artéria radial é facilmente comprimida, tão logo o procedimento tenha sido completado; com isso, ficam virtualmente eliminados os riscos de complicações graves ao local de acesso, ou de hemorragia. Como resultado, a recuperação pós‐procedimento é rápida e a deambulação ocorre precocemente; em muitos casos o paciente poderá ter alta hospitalar no mesmo dia. Em geral, a agilização dos cuidados periprocedimento, ao mesmo tempo em que diminui o risco de complicações, tem grande influência na redução dos custos associados à angiografia diagnóstica ou à ICP. Em alguns cenários clínicos, como a ICP primária, a abordagem transradial tem sido até mesmo associada a uma significativa redução da mortalidade, em comparação com a abordagem femoral, embora os mecanismos exatos para tal benefício ainda são objeto de discussão, sendo improvável que são atribuídos exclusivamente à diminuição das complicações relacionadas ao local de acesso e ao sangramento.2
Um reconhecimento mais consistente dos benefícios da abordagem radial levou as sociedades científicas internacionais a promoverem a conscientização e a sugerirem a priorização da abordagem transradial em cenários específicos, como nas síndromes coronárias agudas, em que um maior ganho clínico foi demonstrado em estudos randomizados de grande porte, e para as quais terapias antiplaquetárias e anticoagulantes se fazem necessárias para otimização dos resultados da ICP. Portanto, não surpreende que a abordagem transradial esteja crescendo em todo o mundo, mesmo em países que permaneceram relutantes em adotá‐la durante longos períodos, como é o caso dos Estados Unidos. No Brasil, a análise dos dados espontaneamente informados à Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC) demonstrou que de 2003 até 2008 a opção pela abordagem radial aumentou de 2,8 para 14%, e que esse aumento esteve associado a uma redução significativa de complicações vasculares, em comparação com a abordagem femoral (2,5% vs. 3,6%; p < 0,0001). O registro ACCEPT (Acute Coronary Care Evaluation of Practice), recentemente analisado, demonstrou 30,3% de uso da abordagem radial para casos de ICP primária.3
Contudo, os dados relativos ao uso da abordagem transradial em pacientes pós‐cirurgia de revascularização miocárdica (pós‐RM) permanecem limitados. Diante disso, Andrade et al.4 devem ser louvados por terem proporcionado seus resultados, que em boa hora se somam aos dados disponíveis. Vale a pena mencionar que os pacientes pós‐RM nos dois grandes estudos randomizados, RIVAL e MATRIX, representavam apenas <3,5% dos pacientes incluídos.5,6 Mas, nesse estudo, os pacientes pós‐RM representavam 7,1% do número total de procedimentos completados durante o período de estudo. Deve‐se ter em mente que, nesse estudo monocêntrico, os pacientes pós‐RM eram mais idosos e, além disso, um maior número de mulheres participava na composição da amostra, em comparação com estudos semelhantes com pacientes não tratados com RM. Esses dois fatores foram associados a maior risco de insucesso com o acesso radial, provavelmente devido à maior incidência de alças e tortuosidades vasculares graves nas extremidades superiores.7 Desse modo, não surpreende que, concordando com estudos precedentes, esse artigo informou um porcentual >5% de troca para a abordagem femoral de rotina.
Analogamente aos achados obtidos pelo único estudo randomizado comparativo dos acessos radial e femoral em pacientes pós‐RM, Andrade et al. constataram maior tempo de fluoroscopia associado à abordagem transradial. Os problemas do maior tempo de fluoroscopia e da exposição mais prolongada à radiação com a abordagem transradial são frequentemente apresentados contra tal escolha. Recentemente, demonstramos que, embora o excesso no tempo de fluoroscopia com a abordagem transradial tenha representado há 20 anos algo em torno de 1 a 2 minutos, em 2014 essa diferença ficava próxima dos 30 segundos, graças à melhor experiência com a abordagem transradial e aos progressos nas técnicas e equipamentos radiológicos.8,9 Também deve ser enfatizado que a manipulação especial de cateteres, como a canulação da artéria mamária esquerda a partir da artéria radial direita, pode ser tecnicamente desafiadora, podendo requerer tempo extra.10 Como está demonstrado nesse relato, sublinhamos que não foi notada diferença na exposição à radiação no subgrupo de pacientes tratados com ICP. Esse achado reforça a noção de que, tão logo os cateteres diagnósticos ou cateteres‐guia tenham sido posicionados na aorta ascendente, o operador irá trabalhar da mesma maneira, independentemente do local de acesso.
No presente relato, os porcentuais de sucesso do procedimento e de complicações relacionadas ao local de acesso foram similares nos dois grupos. Isso sublinha o fato de que, com o uso de equipamento moderno e com cateteres de calibre correto (6 F), praticamente todos os tipos de ICP podem ser realizados pela abordagem transradial com porcentual de sucesso similar, em comparação com a abordagem femoral tradicional. O porcentual de complicações vasculares baixo e comparável nesse estudo pode ser explicado por diversos fatores, como um maior porcentual de procedimentos diagnósticos e com uso de cateteres 5 F no subgrupo femoral. Outros estudos demonstraram redução significativa nas complicações relacionadas ao local de acesso e a altas hospitalares mais rápidas em pacientes pós‐RM com a abordagem transradial.11–13
Em conclusão, a cateterização e a intervenção em pacientes pós‐RM permanecem mais tecnicamente desafiadoras. Contudo, considerando que esses pacientes se encontram em risco particularmente alto de complicações vasculares e de sangramento periprocedimento, são também os que mais se beneficiarão com a abordagem transradial.
Conflito de interessesOs autores declaram não ter conflitos de interesses.