Apesar do advento dos stents farmacológicos (SF), diabéticos ainda experimentam risco aumentado de eventos cerebrovasculares e cardiovasculares maiores (ECCAM) após intervenção coronária percutânea (ICP). Nosso objetivo foi avaliar a incidência de ECCAM (óbito, acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio não fatal ou revascularização da lesão alvo) no seguimento de pelo menos 1 ano, além da capacidade de os escores SYNTAX e SYNTAX residual predizerem eventos.
MétodosEstudo unicêntrico, retrospectivo, de diabéticos com doença coronariana multiarterial, incluindo lesões de tronco de coronária esquerda (TCE), tratados com SF entre 2012 a 2014.
ResultadosForam incluídos 158 pacientes, com média de idades de 65,1 ± 9,1 anos. Em 44,2% dos casos, havia lesão proximal da artéria descendente anterior e 9% apresentavam lesão de TCE. A maioria dos procedimentos foi realizada com SF de segunda geração (91,1%). A média de seguimento foi de 1.054 ± 725 dias, e o ECCAM ocorreu em 17,4% dos pacientes. Entre aqueles com escore SYNTAX baixo (< 23), 10,2% apresentaram ECCAM, enquanto que entre os que foram categorizados como com SYNTAX moderado/alto (≥ 23), a incidência foi de 33,3% (p = 0,003). Dos pacientes com escore SYNTAX residual zero (revascularização completa), 7,5% evoluíram com ECCAM, comparados com 22,0% com revascularização incompleta (p = 0,01).
ConclusõesO presente estudo aponta para a factibilidade e a segurança da realização de ICP em diabéticos multiarteriais, especialmente entre aqueles com baixa complexidade angiográfica. A revascularização incompleta foi preditora da maior ocorrência de ECCAM no seguimento de médio/longo prazo.
Despite the advent of drug‐eluting stents (DES), diabetic patients still have increased risk of major adverse cardiovascular and cerebrovascular (MACCE) after percutaneous coronary intervention (PCI). Our aim was to evaluate the incidence of MACCE (death, stroke, non‐fatal acute myocardial infarction, or target‐lesion revascularization) during a follow‐up of at least 1 year, in addition to the ability of the SYNTAX and residual SYNTAX scores to predict events.
MethodsSingle‐center, retrospective study of diabetic patients with multivessel coronary disease, including left main coronary artery (LMCA) lesions treated with DES between 2012 and 2014.
ResultsA total of 158 patients were included, with a mean age of 65.1 ± 9.1 years. In 44.2% of the cases, there was a proximal lesion in the left anterior descending artery and 9% had a lesion in the LMCA. Most procedures were performed with second‐generation DES (91.1%). Mean follow‐up was 1,054 ± 725 days, and MACCE occurred in 17.4% of the patients. Among those with a low SYNTAX score (< 23), 10.2% had MACCE, while among those classified as having a moderate/high SYNTAX score (≥ 23), the incidence was 33.3% (p = 0.003). Of the patients with zero residual SYNTAX score (complete revascularization), 7.5% progressed with MACCE, compared with 22.0% with incomplete revascularization (p = 0.01).
ConclusionsThe present study points to the feasibility and safety of performing PCI in multivessel diabetic patients, especially among those with low angiographic complexity. Incomplete revascularization was a predictor of a higher occurrence of MACCE in the medium/long‐term follow‐up.
A presença de diabetes melito eleva em duas a quatro vezes o risco de doença cardiovascular1 e piora o prognóstico dos indivíduos tratados,2,3 independentemente da modalidade de revascularização coronária instituída.
Estima‐se que aproximadamente 25% dos pacientes tratados com intervenção coronária percutânea (ICP) sejam diabéticos.4 Mesmo com o advento dos stents farmacológicos (SF) que, comparados aos não farmacológicos, reduziram sobremaneira as taxas de reestenose,5–7 estes indivíduos ainda apresentam pior evolução clínica, com maiores taxas de reintervenção na lesão alvo, trombose e infarto agudo do miocárdio (IAM) quando comparados aos pacientes não diabéticos.8
Embora alguns ensaios clínicos controlados tenham demonstrado a superioridade dos SF de segunda geração em relação aos de primeira geração, sobretudo na redução de trombose,9,10 ainda não está claro se este benefício se estende aos pacientes diabéticos tratados na prática clínica diária.
No presente estudo objetivamos avaliar a incidência de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM) em pacientes diabéticos com doença arterial coronariana multiarterial, incluindo lesão de tronco de coronária esquerda (TCE), tratados com intervenção coronária percutânea (ICP) com implante de SF e seguidos clinicamente pelo período mínimo de 1 ano. Analisamos também a capacidade dos escores SYNTAX e SYNTAX residual em predizer eventos nesta população.
MétodosDesenho do estudo e população avaliadaTrata‐se de estudo unicêntrico, observacional, retrospectivo, de análise de prontuários e revisão das cineangiocoronariografias pré e pós‐intervenção. Foram incluídos todos os pacientes com diagnóstico de diabetes, de acordo com os critérios diagnósticos da American Diabetes Association (ADA),11 e doença coronariana significativa de pelo menos duas das três principais artérias epicárdicas, incluindo lesões de TCE tratadas com ICP e implante de SF entre janeiro de 2012 e agosto de 2014. Foram excluídos os pacientes tratados na fase aguda de IAM com supradesnivelamento de ST (ICP primária ou de resgate).
ProcedimentoApós a realização da coronariografia diagnóstica, todos os casos foram analisados e discutidos em reunião por uma equipe composta por cardiologistas intervencionistas e cardiologistas clínicos. Os casos de baixa complexidade (SYNTAX < 23) com anatomia favorável eram tratados de forma percutânea. Casos de maior complexidade anatômica eram analisados juntamente da equipe de cirurgiões cardiotorácicos e clínicos especialistas em cuidados perioperatórios, sendo a proposta final decidida após avaliação do Heart Team da instituição.
As ICP foram realizadas de acordo com as diretrizes atuais,12,13 e a estratégia final do procedimento foi deixada a critério do operador. O tratamento de múltiplas lesões por procedimento estagiado foi permitido e realizado em um prazo máximo de até 60 dias. O tratamento foi individualizado, pesando na relação risco/benefício em termos de estabilidade clínica, complexidade e gravidade das lesões, e disfunção ventricular. O tipo de SF utilizado ficou a critério do operador e de acordo com a disponibilidade no período da inclusão no estudo.
O protocolo antitrombótico consistia na administração de dois agentes antiplaquetários: ácido acetilsalicílico e clopidogrel. Pré‐tratamento com ácido acetilsalicílico 200 a 500mg e clopidogrel 300mg foi realizado > 24 horas antes da intervenção para casos eletivos ou 600mg de clopidogrel > 2 horas antes do procedimento para síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST. Após a intervenção, a terapia com ácido acetilsalicílico foi mantida indefinidamente, na dose de 100mg ao dia, e o clopidogrel, na dose de 75mg diários, foi mantido pelo período de 12 meses. Durante o procedimento, heparina não fracionada endovenosa era administrada (70 a 100 U/kg) para manter tempo de coagulação ativada > 250 segundos (ou > 200 segundos no caso de administração de inibidor da glicoproteína IIb/IIIa).
Eletrocardiograma com 12 derivações foi obtido antes e imediatamente após a intervenção. Exames laboratoriais incluíram a isoenzima MB da creatina fosfoquinase pré‐procedimento, 18 a 24 horas pós‐procedimento e diariamente, até a alta hospitalar.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.
Objetivos, definições e seguimento clínicoO objetivo primário do estudo foi reportar a ocorrência de ECCAM no seguimento clínico tardio (≥ 1 ano) nos pacientes diabéticos multiarteriais tratados com SF. Este desfecho combinado incluiu morte cardíaca, acidente vascular cerebral, IAM não fatal ou revascularização da lesão alvo guiada pela presença de isquemia.
Como desfecho secundário, comparamos a evolução dos pacientes segundo o escore SYNTAX de base e também de acordo com o SYNTAX residual.
Como regra, todas as mortes foram consideradas cardíacas, a não ser que uma causa não cardíaca pudesse ser claramente estabelecida por estudo clínico e/ou patológico.
O diagnóstico de IAM periprocedimento foi baseado na elevação da isoenzima MB da creatina fosfoquinase > 3 vezes o limite superior da normalidade dentro de 48 horas do procedimento, e: (1) evidência de isquemia prolongada (> 20 minutos), demonstrada por dor no peito persistente; ou (2) alterações isquêmicas do segmento ST ou nova onda Q patológica em > 2 derivações contíguas no eletrocardiograma; ou (3) evidência angiográfica de uma limitação do fluxo coronário; ou (4) comprovação por imagem de perda de miocárdio viável.
O IAM não fatal após a alta hospitalar foi definido por elevação de marcadores de necrose miocárdica (preferencialmente troponina) acima do percentil 99 do limite máximo de referência e, pelo menos, um dos seguintes parâmetros: (1) sintomas sugestivos de isquemia miocárdica; (2) desenvolvimento de novas ondas Q no eletrocardiograma; (3) novas ou presumivelmente novas alterações significativas no segmento ST, na onda T ou bloqueio de ramo esquerdo novo; (4) evidência, em exame de imagem, de perda de miocárdio viável ou de nova alteração segmentar de contratilidade ventricular; (5) identificação de trombo intracoronariano por angiografia ou necrópsia.
As tromboses de stent foram definidas de acordo com o Academic Research Consortium (ARC)14 em definitiva, provável e possível, e também foram classificadas de acordo com a ocorrência temporal, incluindo: fase aguda (< 24 horas do procedimento), fase subaguda (entre 24 horas e 30 dias), fase tardia (entre 1 mês e 12 meses) e fase muito tardia (> 12 meses).
Também foram avaliadas as complicações hospitalares incluindo no‐reflow, hematoma retroperitoneal, pseudoaneurisma, insuficiência renal aguda (obedecendo aos critérios Risk, Injury, Failure, Loss, End‐Stage ‐ RIFLE)15 perfuração coronária e dissecção coronária.
Os pacientes foram alocados de acordo com o escore SYNTAX em dois grupos, segundo o grau de complexidade angiográfica: grupo 1, definido por escore SYNTAX < 23 (baixa complexidade); e grupo 2, definido por escore SYNTAX ≥ 23 (intermediária e alta complexidade).
Além disso, os pacientes também foram classificados de acordo com o resultado pós‐ICP em dois grupos de escore SYNTAX residual: escore SYNTAX residual igual a zero (revascularização completa) e escore SYNTAX residual > 0 (revascularização incompleta).16 Os indivíduos submetidos previamente à cirurgia de revascularização miocárdica foram excluídos da análise dos escores SYNTAX e SYNTAX residual, uma vez que estes escores não foram validados nesta população.
O seguimento clínico foi realizado por meio de visita médica agendada, segundo protocolo predefinido do serviço de cardiologia invasiva. Os dados foram registrados em formulários apropriados, desenvolvidos para o estudo, armazenados em planilhas eletrônicas.
Análise estatísticaAs variáveis categóricas foram apresentadas como números absolutos e porcentuais, e comparadas pelo teste qui quadrado e, quando indicado, pelo teste exato de Fisher. As variáveis quantitativas foram apresentadas como média ± desvio padrão e comparadas pelo teste t de Student.
A ocorrência de eventos adversos em função do tempo foi descrita por meio de curvas de Kaplan‐Meier, comparadas pelo teste de log‐rank. Valor de p < 0,05 foi considerado significativo. O pacote estatístico utilizados foi o programa R (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria), versão 3.1.1.
ResultadosNo período de inclusão, 158 pacientes diabéticos com doença multiarterial, abrangendo lesões em TCE, foram tratados com SF e preencheram critérios para inclusão no estudo.
A média de idade dos pacientes foi de 65,1 ± 9,1 anos, sendo 59,5% do sexo masculino e 28,5% faziam uso de insulina. Quanto à apresentação clínica inicial, a maioria dos pacientes (67,1%) apresentou quadro estável (assintomáticos com prova funcional positiva ou angina estável) e 12,0% já tinham sido previamente submetidos à procedimentos de revascularização miocárdica cirúrgica (tabela 1).
Características dos pacientes
Variáveis | n = 158 |
---|---|
Idade, anos | 65,1 ± 9,1* |
Sexo masculino, n (%) | 94 (59,5) |
Hipertensão arterial, n (%) | 155 (98,1) |
Dislipidemia, n (%) | 133 (84,2) |
Tabagismo, n (%) | 108 (68,3) |
História familiar de DAC precoce, n (%) | 18 (11,4) |
AVC prévio, n (%) | 4 (2,5) |
Infarto do miocárdio prévio, n (%) | 44 (27,8) |
Revascularização cirúrgica prévia, n (%) | 19 (12,0) |
DAOP, n (%) | 6 (3,8) |
ICP prévia, n (%) | 26 (16,4) |
DPOC, n (%) | 2 (1,3) |
Creatinina, mg/dL | 1,0 ± 0,3 (0,5‐3,7)† |
Fração de ejeção, % | 57,9 ± 10,5* |
Quadro clínico, n (%) | |
Assintomático | 25 (15,8) |
Angina estável | 81 (51,2) |
Infarto com supradesnivelamento de ST > 72 horas | 10 (6,3) |
Infarto sem supradesnivelamento de ST | 24 (15,2) |
Angina instável | 18 (11,4) |
* Desvio padrão; † variação.
DAC: doença arterial coronária; AVC: acidente vascular cerebral; DAOP: doença arterial obstrutiva periférica; ICP: intervenção coronária percutânea; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica.
Com relação às características angiográficas (tabela 2), 44,2% dos pacientes apresentavam lesão proximal da artéria descendente anterior e 9% apresentavam lesão de TCE não protegido. A maioria dos pacientes apresentava acometimento biarterial (75,3%).
Características angiográficas e do procedimento
Variáveis | n = 158 |
---|---|
Lesão de artéria DA proximal, n (%) | 62 (39,2) |
Lesão em TCE, n (%) | 16 (10,1) |
Via de acesso, n (%) | |
Radial | 64 (40,5) |
Femoral | 94 (59,5) |
Vasos acometidos, n (%) | |
2 | 119 (75,3) |
3 | 39 (24,7) |
Comprimento do stent por paciente, mm | 53,4 (9‐146) |
Escore SYNTAX | 15,1 ± 9 (3‐61) |
Baixo (0‐22) | 107 (85,6) |
Moderado ou alto (≥ 23) | 18 (14,4) |
SYNTAX residual | 3,1 ± 7 (0‐58) |
= 0 | 66 (52,8) |
> 0 | 59 (47,2) |
Número de stents por paciente | 2,59 ± 1,0 [1 a 7] |
Stents farmacológicos*, n (%) | |
Primeira geração | 12 (9,0) |
Segunda geração | 122 (91,0) |
Tipo de stent*, n (%) | |
Endeavor® | 90 (67,2) |
CYPHER™ | 14 (10,4) |
XIENCE Xpedition | 11 (8,2) |
PROMUS™ | 5 (3,7) |
Resolute | 4 (3) |
Outros stents | 10 (7,5) |
* 134 pacientes.
DA: descendente anterior; TCE: tronco de coronária esquerda.
Foram utilizados, em média, 2,6 ± 1,0 stents por paciente, sendo a maioria dos procedimentos realizados com SF de segunda geração (91,1%). No somatório do comprimento dos stents, a média por paciente foi de 53,4mm, com variação de 9 a 146mm. A taxa de sucesso angiográfico foi de 98,7%, e o sucesso clínico foi obtido em 94,3% da população.
Os escores SYNTAX e o SYNTAX residual foram avaliados em 125 (79,1%) pacientes do estudo. A média do escore SYNTAX foi 14,2 ± 7,1, e a maioria dos pacientes foi classificada como de baixo risco angiográfico (85,6%). O escore SYNTAX residual médio após a intervenção foi de 2,1 ± 3,3. A maior parte dos pacientes (52,8%) foi submetida à revascularização anatômica completa (SYNTAX residual de zero). Dos 107 pacientes com baixo escore SYNTAX, 63 (58,8%) atingiram revascularização completa (SYNTAX residual de zero), enquanto entre os pacientes de maior complexidade (escore SYNTAX moderado/alto), 83,4% tiveram revascularização incompleta.
Observaram‐se apenas um caso de no‐reflow (0,6%), um caso de dissecção de coronária (0,6%) e dois casos de insuficiência renal pós‐intervenção (1,3%). Sete pacientes (4,4%) sofreram IAM periprocedimento, e três (1,9%) evoluíram com pseudoaneurisma de artéria femoral. Não ocorreram hematomas retroperitoneais nem perfuração de coronária nesta população.
A tabela 3 contém os principais desfechos clínicos adversos na fase hospitalar e tardia. O seguimento clínico tardio foi obtido em toda a população, com média de 1.054 ± 725 dias.
Desfechos no seguimento intra e extra‐hospitalar (não cumulativo)
Hospitalar, n (%) | n = 158 |
---|---|
Óbito | 0 (0) |
Acidente vascular cerebral | 0 (0) |
Infarto do miocárdio | 7 (4,4) |
Tardio, n (%) | n = 153 |
Óbito | 1 (0,6) |
Acidente vascular cerebral | 2 (1,3) |
Infarto do miocárdio | 10 (6,4) |
Nova intervenção coronária percutânea | 18 (11,8) |
Nova revascularização miocárdica cirúrgica | 3 (2) |
Restenose clínica | 16 (10,4) |
Trombose de stent | 1 (0,6) |
A maioria dos pacientes manteve‐se assintomática na evolução pós‐ICP (77,8%). A taxa geral de ECCAM no seguimento de longo prazo foi de 17,4%, com apenas um caso de óbito (morte súbita em 3 anos e 6 dias após a intervenção). A ocorrência de IAM não fatal foi de 6,4%, sendo a maioria sem supradesnivelamento do segmento ST (5,9%), e a taxa de acidente vascular cerebral foi de 1,3%. Reestenose clínica foi observada em 10,4% dos casos e houve apenas uma trombose definitiva (0,6%).
A figura 1 apresenta a sobrevida livre de ECCAM de acordo com o escore SYNTAX de base. Houve uma evolução mais favorável nos pacientes que apresentaram escore SYNTAX baixo. Entre os 107 pacientes com escore SYNTAX < 23, 10,2% apresentaram ECCAM, enquanto entre os indivíduos com complexidade angiográfica moderada/alta, 33,3% apresentaram ECCAM em evolução tardia (p = 0,003).
Da mesma forma, houve maior ocorrência de ECCAM na evolução de pacientes nos quais a revascularização anatômica completa não foi obtida (fig. 2). Dos 66 pacientes com escore SYNTAX residual zero, 5 (7,5%) evoluíram com ECCAM no seguimento tardio, ao passo que, entre os indivíduos com revascularização incompleta, a taxa de ECCAM foi significativamente superior (22%; p = 0,01).
DiscussãoO presente trabalho aponta a ICP com utilização de SF como alternativa de revascularização miocárdica para pacientes diabéticos multiarteriais selecionados, com bons resultados clínicos no seguimento de médio prazo. Nossa pesquisa também reforça a relevância da complexidade angiográfica e da capacidade de se obter revascularização completa no desfecho desta população.
A indicação de revascularização nos pacientes com diabetes melito tem como objetivo proporcionar diminuição de eventos cardiovasculares maiores e/ou melhora da qualidade de vida.17 A maioria dos estudos comparando a ICP com cirurgia de revascularização miocárdica em pacientes com doença coronária multiarterial tem demonstrado melhores desfechos no grupo cirúrgico. No entanto, ensaios clínicos anteriores em geral restringem‐se à utilização de SF de primeira geração.18 No presente levantamento, entretanto, observou‐se que os SF de segunda geração foram implantados na quase totalidade dos pacientes (91,1%).
O escore SYNTAX é utilizado para extrair de forma objetiva informações da angiografia coronariana e determina desafios técnicos a cirurgiões ou intervencionistas para a estratégia de revascularização adotada. A análise do seguimento do estudo SYNTAX (5 anos) demonstrou que os pacientes (diabéticos e não diabéticos) submetidos à ICP apresentaram resultados não inferiores em relação à cirurgia de revascularização miocárdica quanto a desfechos cardiovasculares.19 Neste estudo, os pacientes com escore SYNTAX de baixa complexidade tiveram uma menor taxa de ECCAM quando comparados aos de moderada e grave complexidade, com significância estatística (p = 0,03), corroborando os achados dos estudos randomizados anteriores.20
A revascularização coronariana completa, apesar de desejável, nem sempre é factível, sobretudo em pacientes multiarteriais submetidos à ICP.20 Análise prévia demonstra que pacientes com revascularização completa têm melhor evolução em comparação àqueles em que isto não foi possível.22 No entanto, a maioria dos registros que investigam o impacto clínico da revascularização completa carece de definições padronizadas. Nesse contexto, o SYNTAX residual permite avaliação quantitativa objetiva da extensão da revascularização em indivíduos tratados com ICP. Além disso, o valor incremental do SYNTAX residual na capacidade de predição de eventos faz com que a quantificação deste escore seja útil na condução dos pacientes multiarteriais na prática diária.
Quando foi comparada a taxa de revascularização completa (SYNTAX residual zero), apenas 16,6% do grupo com maior complexidade angiográfica (SYNTAX ≥ 23) a atingiu, enquanto que, nos pacientes com menor complexidade angiográfica (SYNTAX < 23), essa taxa foi de 58,8%. Head et al.21 examinaram o impacto da revascularização nos resultados de 3 anos no ensaio SYNTAX e demonstraram que a revascularização incompleta ocorreu mais frequentemente em pacientes com doença coronariana mais complexa, corroborando os dados da presente análise.
Em nosso estudo, os pacientes em que a ICP não conseguiu revascularizar todas as lesões (SYNTAX residual > 0) apresentaram maiores taxas de eventos clínicos adversos. Já foi demonstrado que quanto maior o SYNTAX residual, maior o número de desfechos clínicos adversos, inclusive de mortalidade.23 O SYNTAX residual é um novo instrumento para quantificar a extensão e a complexidade da aterosclerose após o tratamento das lesões coronárias, sendo um forte preditor independente de desfechos adversos de longo prazo.12
LimitaçõesEste estudo possui algumas limitações a serem observadas. Primeiramente, trata‐se de uma análise retrospectiva. O número de pacientes incluídos ainda é relativamente pequeno para que se tenham conclusões definitivas. As regras do Sistema Único de Saúde, que limitam o número de stents possíveis para utilização no mesmo paciente, introduzem um claro viés na seleção dos pacientes indicados para tratamento percutâneo neste sistema. Não há reembolso sistemático para SF, portanto o tratamento de pacientes com estes dispositivos ficou limitado à disponibilidade dos mesmos no período avaliado. Por fim, trata‐se da experiência de um único centro.
ConclusõesO presente estudo aponta para a factibilidade e a segurança da realização de intervenção coronária percutânea em pacientes diabéticos multiarteriais, especialmente entre aqueles com baixa complexidade angiográfica. Sempre que possível, a revascularização completa deve ser almejada, sendo o grau de lesão residual um preditor de maior ocorrência de eventos adversos no seguimento de médio/longo prazo.
Fonte de financiamentoNão há.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
A revisão por pares é de responsabilidade da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista.