A medida acurada do tamanho do anel valvar aórtico tem importância fundamental para o planejamento do implante percutâneo de prótese valvar aórtica transcateter (TAVI) em pacientes com estenose valvar aórtica grave. Embora haja recomendação de se realizar a medida na sístole, pouco se sabe sobre a importância das diferenças entre as dimensões sistólica e diastólica do anel.
MétodosPacientes consecutivos referidos para TAVI foram avaliados com tomografia computadorizada para medida do anel valvar na sístole e na diástole. Área, circunferência, diâmetros máximo e mínimo, e seus diâmetros médios derivados foram obtidos em ambas as fases do ciclo cardíaco. Gráficos de Bland‐Altman foram construídos para se avaliarem as diferenças entre as medidas.
ResultadosForam incluídos na análise 41 pacientes com estenose aórtica grave. As médias da área, circunferência e diâmetros médios foram discretamente maiores na sístole. No entanto, em 35% dos pacientes, as dimensões diastólicas foram maiores. Essas diferenças, embora estatisticamente significantes, foram pequenas (a maior diferença de 0,6mm no diâmetro médio). Gráficos de Bland‐Altman revelaram bons níveis de concordância entre as medidas sistólicas e diastólicas em todos os parâmetros avaliados.
ConclusõesObservamos pequenas diferenças nas dimensões sistólicas e diastólicas no anel valvar aórtico à tomografia computadorizada, as quais, embora estatisticamente significantes, provavelmente não impactam na seleção da prótese e nem no resultado do procedimento.
Accurate aortic valve annulus sizing has critical importance for the planning of percutaneous transcatheter aortic valve implantation (TAVI) in patients with severe aortic valve stenosis. Although there is a recommendation to perform the measurement during systole, little is known about the importance of the differences between systolic and diastolic dimensions of the annulus.
MethodsConsecutive patients referred for TAVI were evaluated with computed tomography for valve annulus sizing during systole and diastole. Area, circumference, minimum and maximum diameters, and their mean derived diameters were obtained in both phases of the cardiac cycle. Bland‐Altman plots were constructed to evaluate the differences between the measures.
ResultsThe analysis included 41 patients with severe aortic stenosis. Mean area, circumference, and diameters were slightly greater in systole. However, in 35% of patients, diastolic dimensions were greater. These differences, although statistically significant, were small (the greatest difference of 0.6mm in mean diameter). Bland‐Altman plots showed good agreement between systolic and diastolic measurements on all parameters evaluated.
ConclusionsSmall differences were observed in the systolic and diastolic dimensions of the aortic valve annulus with computed tomography scan, which, although statistically significant, probably do not impact the selection of prosthesis or the procedure outcome.
A angiotomografia computadorizada (angio‐TC) é uma importante ferramenta para a avaliação anatômica de pacientes com estenose valvar aórtica candidatos ao implante percutâneo de prótese valvar aórtica transcateter (TAVI, sigla do inglês transcatheter aortic valve implantation).1 Em muitos centros, a angio‐TC é considerada o método diagnóstico mais importante para o planejamento da estratégia de intervenção para esses pacientes. Ela tem particularmente um papel fundamental na medida do tamanho do anel valvar, para guiar a escolha do tipo e do tamanho da prótese a ser implantada.
Estudos prévios demonstraram que as dimensões da raiz aórtica podem variar durante o ciclo cardíaco.2,3 Essas diferenças nas dimensões na sístole e na diástole são aparentemente imprevisíveis, com as dimensões sistólicas tendendo a ser maiores. No entanto, o oposto também pode ocorrer.2
Na prática clínica diária, as imagens da angio‐TC são comumente adquiridas numa única fase do ciclo cardíaco, frequentemente no final da diástole, embora um consenso internacional de especialistas recomende que as medidas devam ser realizadas na sístole.1
Apesar de alguns estudos terem demonstrado importantes diferenças nas medidas sistólicas e diastólicas, outros grupos sugerem que essas diferenças são de menor importância, com pouca chance de alterar o processo de tomada de decisão.2,4 Existem, entretanto, poucos dados na literatura que suportem as recomendações em relação à importância dessas variações dinâmicas no tamanho do anel valvar aórtico para a avaliação do paciente candidato à TAVI.
O presente estudo teve por objetivo avaliar as diferenças no tamanho do anel valvar na sístole e na diástole à angio‐TC e seu potencial efeito no planejamento do procedimento de TAVI.
MétodosPacientes consecutivos de dois centros (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Hospital Sírio‐Libanês) em São Paulo (SP), portadores de estenose valvar aórtica grave (área valvar aórtica < 1cm2), considerados inoperáveis ou de alto risco cirúrgico, que foram tratados com TAVI e apresentavam imagens de angio‐TC basal adquiridas no final da sístole e da diástole, foram incluídos na presente análise. Todos os procedimentos de TAVI foram realizados pela via transfemoral com a prótese balão‐expansível Edwards Sapien XT (Edwards Lifesciences, Irvine, EUA) ou a prótese autoexpansiva Medtronic CoreValve (Medtronic, Minneapolis, EUA).
Todas as tomografias foram realizadas antes (dentro de 2 meses) do procedimento de TAVI. Tomógrafos de 64 ou 256 colunas de detectores Aquilion (Toshiba Medical Systems, Tóquio, Japão) foram utilizados, e os protocolos de aquisição foram aplicados como previamente descrito.1 A análise das imagens de angio‐TC foi realizada com estação de trabalho dedicada, como previamente descrito, e por um único experiente analista.1 Em resumo, o plano valvar aórtico foi identificado, e as seguintes medidas foram obtidas para o anel valvar, tanto na sístole como na diástole: diâmetros máximo (Dmax) e mínimo (Dmin) do anel valvar aórtico oval; diâmetro médio do anel valvar aórtico oval (DM=[(Dmax+Dmin)/2]); área planimetrada do anel valvar (A); diâmetro médio derivado da área, sob a suposição de circularidade total (DA=2√A/π); perímetro ou circunferência do anel (C); diâmetro médio derivado da circunferência, sob a suposição de circularidade total (DC=C/π).
Análise estatísticaVariáveis categóricas foram apresentadas como números absolutos e proporções. Variáveis contínuas foram apresentadas como média±desvio padrão e comparadas utilizando‐se o teste t de Student pareado. Coeficientes de correlação de Pearson foram utilizados para correlacionar as medidas sistólicas e diastólicas. O método proposto por Bland e Altman foi usado para avaliar as diferenças nas medidas na sístole e na diástole do anel valvar aórtico à angio‐TC. Na análise de Bland‐Altman, a diferença entre as duas medidas é plotada contra sua média, com limites de 95% calculados para se avaliar a concordância entre essas medidas.5,6
ResultadosPopulação do estudoEntre novembro de 2012 e novembro de 2014, 41 pacientes submetidos a TAVI em 2 centros apresentavam angio‐TC basal com imagens no fim da sístole e da diástole. As características da população encontram‐se resumidas na tabela 1. No total, 48,8% dos pacientes eram do sexo feminino e tinham idade de 83,5±6,9 anos. O EuroSCORE logístico médio foi 13,7±11,8%, e o escore da Society of Thoracic Surgeons (STS) médio foi 19,2±14,9%, refletindo uma população de alto risco cirúrgico. A maioria (85,3%) encontrava‐se em classe funcional III ou IV da New York Heart Association (NYHA). Ao ecocardiograma basal, o gradiente transvalvar médio foi de 51,5±17,4mmHg e a area valvar aórtica média, 0,7±0,2cm2.
Características basais
n=41 | |
---|---|
Idade, anos | 83,5±6,9 |
Sexo feminino, n (%) | 20 (48,8) |
Escore STS, (%) | 19,2±14,9 |
EuroSCORE logístico, (%) | 13,7±11,8 |
Doença arterial coronária, n (%) | 22 (53,7) |
Classe funcional NYHA, n (%) | |
I | 1 (2,4) |
II | 5 (12,2) |
III | 24 (58,5) |
IV | 11 (26,8) |
IAM prévio, n (%) | 9 (22,0) |
Cirurgia de revascularização prévia, n (%) | 10 (24,4) |
ICP prévia, n (%) | 7 (17,1) |
Valvoplastia aórtica por balão prévia, n (%) | 3 (7,3) |
Doença vascular cerebral, n (%) | 5 (12,2) |
Doença arterial periférica, n (%) | 7 (17,1) |
Creatinina > 2 mg/dL, n (%) | 4 (9,8) |
DPOC grave, n (%) | 2 (4,9) |
Cirrose hepática (Child A ou B), n (%) | 1 (2,4) |
Fragilidade, n (%) | 6 (14,6) |
Aorta em porcelana, n (%) | 1 (2,4) |
Marca‐passo definitivo prévio, n (%) | 1 (2,4) |
Fração de ejeção do VE, % | 57,3±12,4 |
Gradiente transvalvar aórtico médio, mmHg | 51,5±17,4 |
Área valvar aórtica, cm2 | 0,7±0,2 |
STS: Society of Thoracic Surgeons; NYHA: New York Heart Association; IAM: infarto agudo do miocárdio; ICP: intervenção coronária percutânea; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; VE: ventrículo esquerdo.
Boa correlação linear foi observada para as medidas sistólica e diastólica dos diâmetros máximo, mínimo e médio derivados do anel valvar aórtico oval; da área planimetrada do anel valvar; do diâmetro médio derivado da área, sob a suposição de circularidade total; da circunferência do anel e do diâmetro médio derivado da circunferência, sob a suposição de circularidade total (tabela 2, figs. 1‐3).
Correlação entre as dimensões sistólica e diastólica do anel valvar aórtico na angiotomografia computadorizada
Parâmetro | Coeficiente de correlação de Pearson | Valor de p |
---|---|---|
Diâmetro máximo do anel | 0,77 | < 0,001 |
Diâmetro mínimo do anel | 0,76 | < 0,001 |
Área do anel | 0,83 | < 0,001 |
Circunferência do anel | 0,83 | < 0,001 |
Diâmetro médio do anela | 0,82 | < 0,001 |
Diâmetro médio derivado da áreab | 0,82 | < 0,001 |
Diâmetro médio derivado da circunferênciac | 0,83 | < 0,001 |
Os diâmetros médios derivados da circunferência foram maiores, tanto na sístole quanto na diástole, quando comparados aos diâmetros médios derivados do anel valvar aórtico oval ou diâmetros médios derivados da área, sob a suposição de circularidade total (tabela 3).
Medidas do anel valvar aórtico na angiotomografia
Parâmetro | Sístole | Diástole |
---|---|---|
Diâmetro máximo do anel, mm | 26,4±2,4 | 26,2±2,4 |
Diâmetro mínimo do anel, mm | 21,0±2,3 | 20,0±2,3 |
Área do anel, cm2 | 43,8±7,4 | 42,0±7,7 |
Circunferência, mm | 75,9±6,3 | 74,7±6,8 |
Diâmetro médioa, mm | 23,7±2,1 | 23,1±2,1 |
Diâmetro médio derivado da áreab, mm | 23,5±2,0 | 23,0±2,2 |
Diâmetro médio derivado da circunferênciac, mm | 24,2±2,0 | 23,8±2,2 |
À exceção do diâmetro máximo, todas as medidas do anel valvar aórtico foram maiores na sístole, com significância estatística (tabela 4). No entanto, as diferenças entre as medidas sistólicas e diastólicas foram pequenas, com a maior diferença encontrada para o diâmetro médio do anel (0,6±1,2mm; intervalo de confiança de 95% IC95% 0,2‐1,0; p=0,004). Além disso, quando consideradas as medidas dos 41 pacientes, 14 (35%) apresentaram pelo menos uma medida diastólica maior que sua medida sistólica correspondente. Isso contribui para as pequenas, embora estatisticamente significantes, diferenças entre as medidas médias.
Diferenças nas dimensões do anel valvar aórtico entre sístole e diástole
Parâmetro (mm) | Diferença média±DP (IC95%) | Valor de p |
---|---|---|
Diâmetro máximo, mm | 0,2±1,6 (‐0,3–0,7) | 0,44 |
Diâmetro mínimo, mm | 1,0±1,6 (0,5–1,5) | < 0,001 |
Área, cm2 | 1,8±4,5 (0,4–3,2) | 0,01 |
Circunferência, mm | 1,2±3,9 (‐0,02–2,4) | 0,05 |
Diâmetro médioa, mm | 0,6±1,2 (0,2–1,0) | 0,004 |
Diâmetro médio derivado da áreab | 0,5±1,3 (0,1–0,9) | 0,01 |
Diâmetro médio derivado da circunferênciac, mm | 0,4±1,2 (‐0,01–0,8) | 0,05 |
Os gráficos de Bland‐Altman demonstraram bons níveis de concordância entre as medidas sistólicas e diastólicas, ao redor de±2mm de diferença entre elas (figs. 4‐6).
O principal achado do presente estudo foi que, em pacientes com estenose aórtica grave submetidos a TAVI, existem pequenas diferenças, embora estatisticamente significantes, nas dimensões sistólicas e diastólicas do anel valvar aórtico, quando avaliadas pela angio‐TC, utilizando‐se diversas medidas, como área, circunferência e diâmetros. Nossos dados mostraram que, apesar dessas diferenças, existe um bom nível de concordância entre as medidas nas duas fases do ciclo cardíaco.
A medida rigorosamente acurada do anel valvar aórtico tem importância fundamental no planejamento da TAVI. Isso ocorre porque o sobredimensionamento pode levar à ruptura aórtica, geralmente fatal, enquanto o subdimensionamento pode causar regurgitação periprotética, que está associada a pior prognóstico no seguimento.7
A angio‐TC é atualmente considerada o método mais acurado para a medida do tamanho do anel valvar aórtico, porém a literatura é escassa a respeito da importância das variações das dimensões do anel valvar aórtico no ciclo cardíaco. Enquanto alguns especialistas recomendam que as medidas sejam realizadas na sístole, muito centros adquirem as imagens em fase única no fim da diástole, já que imagens das coronárias são frequentemente obtidas conjuntamente.1 Nesse contexto, não se sabe a real importância de se escolher uma fase específica do ciclo cardíaco para a medida do anel valvar aórtico.
Em pacientes sem doença na raiz da aorta, existe variação dinâmica individual significativa em suas dimensões, da ordem de±5mm. Essas variações são independentes de variáveis clínicas, como idade, sexo, altura e peso, e bastante imprevisíveis.2 Muito embora a presença de cálcio não pareça alterar essas variações dinâmicas, em pacientes com estenose valvar aórtica grave, a variabilidade parece ocorrer em menor escala.3,4
Em nosso estudo, também encontramos variabilidade no ciclo cardíaco nas dimensões do anel valvar aórtico, e esta ocorreu numa escala de aproximadamente±2mm. Essa variabilidade parece também muito imprevisível, já que, embora as medidas sistólicas médias tenham sido maiores que as diastólicas médias em todos os parâmetros, em 35% de nossos pacientes, pelo menos um parâmetro foi maior na diástole que na sístole. Isso pode explicar as pequenas diferenças encontradas nas médias das medidas, com as diferenças negativas cancelando as positivas. De fato, a maior diferença média observada foi de 0,6mm para o diâmetro médio do anel valvar aórtico oval, que é improvável que tenha impacto na seleção da prótese ou no resultado do procedimento.
Limites de concordância entre duas medidas diferentes são, na verdade, arbitrariamente definidos.5 Podemos argumentar que uma diferença de 2mm entre medidas do anel valvar aórtico representa uma diferença inaceitavelmente grande. Existem casos que uma diferença ainda maior é encontrada. No entanto, nossos dados mostram nos gráficos de Bland‐Altman que aproximadamente 95% da nossa população encontra‐se entre esses limites. É possível que, em alguns casos, uma diferença maior existirá e poderá influenciar na seleção da prótese e no resultado do procedimento. Infelizmente, não foi possível encontrar nenhum modo de prever tais casos.
Limitações do estudoEste foi um estudo de tamanho amostral pequeno, realizado apenas em dois centros. Como houve apenas um analista de imagens, não foi possível tratarmos da variabilidade interobservador. Como diversos parâmetros (área, circunferência e diâmetros) mostraram previamente ter diferentes taxas de variabilidade interobservador na literatura, isso pode ter influenciado nossos resultados.
ConclusõesApesar de existirem diferenças estatisticamente significantes entre as medidas sistólicas e diastólicas do anel valvar aórtico, estas foram pequenas e com bons níveis de concordância entre as medidas nos diversos parâmetros avaliados. Assim, é pouco provável que a escolha da medida do tamanho do anel valvar aórtico na sístole ou na diástole tenha impacto significativo na seleção da prótese, assim como no resultado do procedimento.
Fonte de financiamentoNão há.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
A revisão por pares é da responsabilidade Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista.