Descrever a prevalência da dor dentária em pré‐escolares brasileiros, assim como seus fatores associados, considerando uma amostra representativa desse contingente populacional no Brasil.
MétodosEstudo transversal, analítico, que usou os dados do Inquérito Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil) feito em 2010. Considerou‐se uma amostra representativa de pré‐escolares com 5 anos. Foram feitas entrevistas (respondidas pelos responsáveis) e exames clínicos nas crianças. Conduziram‐se análises descritivas, bivariadas e múltiplas, descritas em odds ratio e intervalo de confiança de 95% (OR/IC95%).
ResultadosForam incluídos 7.280 pré‐escolares. Desses, 1.520 (21,1%) tiveram dor dentária nos últimos 6 meses. A chance da ocorrência de dor dentária foi maior entre aqueles que usaram serviços odontológicos (1,51/1,02‐2,23), com cárie dentária (3,08/2,08‐4,56), perceberam a necessidade de tratamento odontológico (3,96/2,48‐6,34), os que os pais relatavam insatisfação por parte das crianças com seus dentes e sua boca (1,47/1,04‐2,10) e os que relataram impacto dos problemas bucais na qualidade de vida (5,76/3,90‐8,49).
ConclusõesA prevalência da dor dentária entre pré‐escolares brasileiros foi relativamente alta e associada ao uso de serviços odontológicos e às condições normativas e subjetivas de saúde bucal.
To describe the prevalence of dental pain in Brazilian preschoolers, as well as its associated factors, considering a representative sample of that population group in Brazil.
MethodsCross‐sectional study that used the analytical data of the national oral health survey (SB Brazil) carried out in 2010. A representative sample of Brazilian preschoolers aged 5 years was considered. Interviews were carried out (answered by parents/tutors), as well as clinical examinations in children. Descriptive, bivariate and multivariate analyzes were performed, described in odds ratios and 95% confidence interval (OR/95%CI).
Results7,280 preschoolers were included. Of these, 1520 (21.1%) had had dental pain in the last 6 months. The chance of the occurrence of dental pain was higher among those who used dental services (1.51 / 1.02 to 2.23), with tooth decay (3.08 / 2.08 to 4.56), that realized the need for dental treatment (3.96 / 2.48 to 6.34), whose parents reported dissatisfaction by children with their teeth and mouth (1.47 / 1.04 to 2.10) and those who reported impact of oral problems on quality of life (5.76 / 3.90 to 8.49).
ConclusionsThe prevalence of dental pain among Brazilian preschool children was relatively high, being associated with the use of dental services and the normative and subjective oral health status.
A dor dentária tem sido considerada o sintoma, ou consequência, mais comum da presença de agravos bucais, tais como cárie dentária e doença periodontal.1–3 A Associação Internacional para o estudo da Dor (International Association for the Study of Pain – IASP) conceitua a dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável, proveniente de lesões teciduais.4 Dentre as dores orofaciais, a de origem dentária tem sido reportada como a mais frequente,5 pode afetar a interação social e as atividades cotidianas,6 assim como ter um impacto negativo na qualidade de vida.7,8 Ressalta‐se que a percepção da dor pode ser influenciada pelo conhecimento e pela crenças das pessoas e pelo ambiente cultural e social no qual estão inseridos.9,10 Diferentes fatores têm sido associados à presença e percepção da dor dentária, tais como: piores condições socioeconômicas,9 presença de cárie dentária,11 dificuldades relacionadas à alimentação e distúrbios do sono.6 Além disso, a sua ocorrência tem sido apontada como um dos principais motivos da busca por assistência odontológica.2,9
A prevalência da dor dentária varia bastante entre os diferentes estudos e faixas etárias. Estudos internacionais abordam a prevalência de episódios de dor dentária e apontam resultados que variam de 9% no Japão12(11‐15 anos) a 40%, em distritos de Manchester (Inglaterra) (até 12 anos).13 No Brasil, essa prevalência também é variável, com taxas entre 11% e 39% (indivíduos de 5‐60 anos).1,5,11,14–16 Dentre os contingentes populacionais investigados em relação a esse acometimento destacam‐se as crianças, principalmente as de idade pré‐escolar.8,15
No Brasil, as condições de saúde bucal dos pré‐escolares são preocupantes. Apesar das melhorias modestas registradas nos dois últimos levantamentos epidemiológicos da população, feitos em 2002/200317 e 2010,18 como o aumento em cerca de 6% de crianças de cinco anos livres de cárie, tal contingente populacional ainda é acometido por uma alta prevalência de agravos bucais, tais como cárie dentária e má oclusão.18 Tal fato pode acarretar alta prevalência de dor dentária e, consequentemente, impacto negativo na sua vida diária.
No entanto, os estudos de base populacional com amostra representativa dos pré‐escolares brasileiros e que tenham como tema a dor dentária são raros. Portanto, o presente estudo teve como objetivo descrever a prevalência da dor dentária em pré‐escolares brasileiros, assim como seus fatores associados.
MétodoEstudo transversal, que usou a base de dados do Inquérito Nacional das Condições de Saúde Bucal da população, denominado SB Brasil, feito pelo Ministério da Saúde em 2010.18 Seguindo os critérios propostos pela Organização Mundial de Saúde em 1997,19 uma amostra representativa da população brasileira nas faixas etárias índices foi entrevistada e examinada em seus domicílios quanto às condições de saúde bucal, demográficas e socioeconômicas, uso de serviços odontológicos e questões subjetivas de saúde bucal. No presente estudo considerou‐se a amostra de pré‐escolares, foram avaliadas no SB Brasil 2010 apenas as crianças de 5 anos.
Foram entrevistados e examinados residentes de 177 municípios, incluindo as 27 capitais, das cinco macrorregiões (Norte, Nordeste, Centro‐Oeste, Sudeste e Sul), selecionados por amostragem probabilística por conglomerados, em múltiplos estágios, com probabilidade proporcional ao tamanho e considerando um efeito de desenho (deff) igual a 2. Os 30 municípios em cada região e 30 setores censitários para capitais e Distrito Federal foram sorteados pela técnica de probabilidade proporcional ao tamanho.20
Os exames e as entrevistas foram feitos por cirurgiões‐dentistas previamente treinados e calibrados pela técnica do consenso, o valor mínimo aceitável de kappa para cada examinador, grupo etário e agravo estudado foi igual a 0,65. As entrevistas foram feitas com auxílio de computador de mão (Personal Digital Assistant).20
Na presente investigação usou‐se um recorte do banco de dados e foram incluídos nas análises os pré‐escolares que responderam a questão referente à presença de dor dentária.
A variável dependente – dor dentária – foi avaliada pela questão: “Nos últimos 6 meses o Sr (a) teve dor de dente?” (Não/Sim). Por se tratar de uma amostra de crianças de 5 anos, tal resposta foi dada pelo responsável. Dessa forma, foi caracterizada a presença de dor dentária nos pré‐escolares a partir da resposta “sim” à questão.
As variáveis independentes foram reunidas em três grupos: condições sociodemográficas, serviços de saúde e desfechos de saúde (condições normativas e subjetivas de saúde bucal). As condições sociodemográficas avaliadas foram: sexo, etnia autodeclarada, renda familiar e região do Brasil. Em relação aos serviços de saúde, considerou‐se o uso de serviço odontológico ao longo da vida. Ressalta‐se que esse uso não necessariamente está relacionado aos desfechos em saúde ou com a ocorrência de dor dentária, é caracterizado o uso do serviço pelo menos uma vez ao longo da vida. Nos desfechos em saúde, a condição normativa de saúde bucal avaliada foi a presença de dentes com cárie. Essa avaliação foi feita a partir do componente cariado do índice ceo‐D, no qual se contabiliza a quantidade de elementos dentários decíduos acometidos por cárie, com extração indicada e restaurados.18,19 Em relação às condições subjetivas de saúde bucal, avaliaram‐se a autopercepção da necessidade de tratamento, a satisfação com dentes e boca e os impactos dos problemas bucais na qualidade de vida. Devido à idade dos pacientes, esses dados foram respondidos pelos responsáveis. Tal impacto foi mensurado pelo instrumento Oral Impacts on Daily Performance (OIDP), que avalia o impacto das condições bucais na habilidade do indivíduo em desenvolver atividades diárias,21,22 são considerados com impacto no presente estudo os pré‐escolares que relataram o comprometimento em pelo menos um dos nove itens que compõe o instrumento. Portanto, foi usado o escore OIDP dicotomizado (Sim/Não).
Na análise dos dados, empregou‐se o software SPSS® Statistics 18.0 (SPSS, IBM Company, Hong Kong, China). Como o estudo envolveu amostra complexa por conglomerados, foi feita a correção pelo efeito do desenho amostral, levaram‐se em consideração o efeito dos conglomerados e a atribuição de ponderações aos elementos amostrados. Para variáveis categóricas, a análise descritiva incluiu a distribuição da amostra, frequência relativa corrigida (%) e erro padrão (EP). Para avaliação dos fatores associados ao desfecho (dor dentária) foram feitas análises bivariada e múltipla. Na análise bivariada foram estimados odds ratio brutas (ORbruta) e intervalos de confiança de 95% (IC95%), com a correção pelo efeito do desenho amostral. As variáveis independentes que apresentaram nível descritivo menor ou igual a 20% (p≤0,20), nessa etapa das análises, foram selecionadas para a análise múltipla. Na análise múltipla dos fatores associados ao desfecho, a partir de regressão logística (ORajustada/IC95%), foi adotado nível de significância de 5% (α=5%).
O levantamento epidemiológico foi conduzindo com base nos princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 196/96 e foi aprovado e registrado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), sob o n° 15.498/2010.
ResultadosForam incluídos no presente estudo 7.280 crianças de 5 anos. Dessas, 1.520 (21,1%) tiveram episódios de dor dentária nos 6 meses anteriores à coleta de dados. A maioria das crianças era do sexo masculino, já fez uso dos serviços odontológicos e era livre de cárie (tabela 1).
Análise descritiva da dor dentária, características sociodemográficas, serviços de saúde e desfechos de saúde entre pré‐escolares brasileiros em 2010 (n=7.280)
n | % | EP | |
---|---|---|---|
Dor dentária nos últimos 6 meses | |||
Não | 5.760 | 78,9 | |
Sim | 1.520 | 21,1 | 1,7 |
Sexo | |||
Masculino | 3.643 | 51,9 | |
Feminino | 3.637 | 48,1 | 1,4 |
Etnia | |||
Branco | 3.259 | 48,5 | |
Amarelo/ Negro/ Pardo/ Indígena | 4.021 | 51,5 | 2,1 |
Renda familiar | |||
Mais de 500 reais | 5.434 | 78,1 | |
Até 500 reais | 1.526 | 21,9 | 1,8 |
Região do Brasil | |||
Centro‐Oeste | 1.141 | 8,1 | 1,1 |
Sul | 917 | 13,3 | 2,1 |
Sudeste | 1.283 | 50,3 | 4,3 |
Nordeste | 2.145 | 17,2 | 2,0 |
Norte | 1.794 | 11,1 | 1,4 |
Uso de serviços odontológicos | |||
Não | 3.416 | 46,7 | |
Sim | 3.800 | 53,3 | 1,6 |
Dentes com cárie | |||
0 | 3.624 | 52,6 | |
1 ou mais | 3.535 | 47,4 | 1,8 |
Autopercepção da necessidade de tratamento | |||
Não | 3.027 | 45,8 | |
Sim | 3.962 | 54,2 | 2,0 |
Satisfação dentes e boca | |||
Satisfeito | 4.788 | 71,5 | |
Insatisfeito | 2.066 | 28,5 | 1,9 |
Impacto problemas bucais na QV | |||
Não | 5.510 | 74,8 | |
Sim | 1.770 | 25,2 | 2,2 |
n, número de indivíduos; EP, erro padrão; QV, qualidade de vida.
A análise bivariada identificou que variáveis pertencentes a todas as categorias (sociodemográficas, uso de serviços e desfechos em saúde) mantiveram‐se associadas à dor dentária (p≤0,20) e foram consideradas na análise múltipla (tabela 2).
Análise bivariada dos fatores associados à dor dentária em pré‐escolares brasileiros em 2010
Presença de dor dentária | ||||
---|---|---|---|---|
% | ORbruta | IC95% | p‐valor | |
Sexo | ||||
Masculino | 21,6 | 1,00 | ||
Feminino | 20,7 | 0,94 | 0,72‐1,23 | 0,694 |
Etnia | ||||
Branco | 18,5 | 1,00 | ||
Amarelo/ Negro/ Pardo/ Indígena | 23,6 | 1,36 | 1,06‐1,75 | 0,016 |
Renda familiar | ||||
Mais de 500 reais | 18,6 | 1,00 | ||
Até 500 reais | 30,0 | 1,87 | 1,39‐2,51 | 0,000 |
Região do Brasil | ||||
Centro‐Oeste | 23,4 | 1,00 | ||
Sul | 17,4 | 0,68 | 0,44‐1,06 | 0,094 |
Sudeste | 19,6 | 0,80 | 0,55‐1,15 | 0,237 |
Nordeste | 24,4 | 1,05 | 0,80‐1,37 | 0,688 |
Uso de serviços odontológicos | ||||
Não | 17,6 | 1,00 | ||
Sim | 24,4 | 1,51 | 1,16‐1,96 | 0,002 |
Dentes com cárie | ||||
0 | 7,8 | 1,00 | ||
1 ou mais | 35,5 | 6,48 | 4,76‐8,83 | 0,000 |
Autopercepção da necessidade de tratamento | ||||
Não | 5,2 | 1,00 | ||
Sim | 35,3 | 10,02 | 6,36‐15,76 | 0,000 |
Satisfação dentes e boca | ||||
Satisfeito | 12,9 | 1,00 | ||
Insatisfeito | 42,0 | 4,90 | 3,76‐6,40 | 0,000 |
Impacto problemas bucais na QV | ||||
Não | 10 | 1,00 | ||
Sim | 54,2 | 10,63 | 7,58‐14,91 | 0,000 |
ORbruta, odds ratio bruta; IC95%, intervalo de confiança de 95%; QV, qualidade de vida.
Na análise múltipla, identificou‐se que a dor dentária nos últimos 6 meses em crianças aos 5 anos foi associada a: não uso de serviços odontológicos (p=0,037); cárie dentária (p≤0,001); percepção por parte dos pais das crianças de necessidade de tratamento (p≤0,001); relato pelos pais de insatisfação das crianças com dentes e boca (p=0,029) e impacto dos problemas bucais na qualidade de vida segundo o instrumento aplicado (OIDIP – p≤0,001) (tabela 3).
Análise múltipla dos fatores associados a dor dentária entre pré‐escolares brasileiros em 2010
ORajustada | IC95% | p‐valor | |
---|---|---|---|
Uso de serviços odontológicos | |||
Não | 1,00 | ||
Sim | 1,51 | 1,02‐2,23 | 0,037 |
Dentes com cárie | |||
0 | 1,00 | ||
1 ou mais | 3,08 | 2,08‐4,56 | <0,001 |
Autopercepção da necessidade de tratamento | |||
Não | 1,00 | ||
Sim | 3,96 | 2,48‐6,34 | <0,001 |
Satisfação dentes e boca | |||
Satisfeito | 1,00 | ||
Insatisfeito | 1,47 | 1,04‐2,10 | 0,029 |
Impacto problemas bucais na qualidade de vida | |||
Não | 1,00 | ||
Sim | 5,76 | 3,90‐8,49 | <0,001 |
ORajustada, odds ratio ajustada; IC95%, intervalo de confiança de 95%.
Na distribuição da dor dentária entre pré‐escolares no Brasil, de acordo com as unidades federativas, percebe‐se uma menor prevalência desse relato naqueles residentes na Região Sul (fig. 1).
DiscussãoIdentificou‐se uma prevalência de dor dentária elevada entre as crianças de 5 anos, com taxa de 21,1%. Tal prevalência foi superior à identificada em outros estudos feitos no Brasil com pré‐escolares.15,23 Apesar disso, prevalências superiores foram identificadas em estudos nacionais11,16 e internacionais12,13 que consideraram crianças mais velhas (6 a 12 anos) e evidenciaram a possibilidade de que o avançar da idade possa influenciar na ocorrência de problemas bucais e, consequentemente, na percepção da dor. A prevalência da dor dentária entre os pré‐escolares brasileiros possivelmente é decorrente da alta prevalência de alguns problemas bucais entre esses indivíduos, como, por exemplo, a cárie dentária.18 No entanto, considerando a prevalência desses problemas, esperava‐se uma maior prevalência de dor dentária, já que a cárie dentária tem sido apontada como principal responsável pela ocorrência de dor dentária em crianças.24 Ressalta‐se ainda que o relato de dor foi feito pelo responsável do pré‐escolar, que pode subestimar a ocorrência desse evento. Além das taxas de dor dentária, identificou‐se que foi associada a variáveis referentes ao uso de serviços odontológicos e desfechos em saúde bucal (condições normativas e subjetivas de saúde bucal).
Identificou‐se uma maior prevalência da ocorrência de dor dentária entre aqueles que consultaram o cirurgião‐dentista. Tal associação torna‐se preocupante ao se considerar que a consulta ao dentista deveria acarretar um maior cuidado e tratamento dos problemas bucais e resultar no alívio da dor. Dessa forma, tem‐se por hipótese a possibilidade de não resolutividade dos serviços odontológicos usados. Estudo prévio conduzido entre pré‐escolares de Montes Claros (MG) identificou uma menor chance do uso de serviços odontológicos entre aqueles que nunca tiveram experiência de cárie dentária,25 o que evidencia a possibilidade da não ocorrência de agravos ou dor e, consequentemente, não uso do serviço.
A cárie dentária tem sido apontada como principal motivo para dor dentária.24,26 A prevalência da dor dentária foi maior entre os pré‐escolares com um ou mais dentes com cárie dentária. Tal associação era esperada, já que a dor é um dos sintomas da presença de cárie dentária. Essa associação foi identificada também entre adolescentes5 e adultos.9 Estudo prévio de coorte feito com pré‐escolares de 5 anos de Pelotas (RS) identificou que indivíduos com lesões de cárie têm uma maior chance (4,8 vezes) de ter dor dentária.26 Um maior acesso a serviços odontológicos, assim como medidas preventivas e de educação em saúde, poderia impactar positivamente na redução dos índices de cárie nessa população e, consequentemente, na ocorrência de dor dentária.
Identificou‐se uma maior chance da ocorrência de dor dentária em pré‐escolares que possivelmente estavam insatisfeitos com suas condições de saúde bucal e necessitavam de tratamento odontológico, de acordo com o relato dos responsáveis. A presença de dor dentária é uma consequência da presença de agravos bucais,1–3 esses, por sua vez, podem levar a uma insatisfação com a saúde bucal e à percepção da necessidade de tratamento. Ressalta‐se que os dados referentes às questões subjetivas de saúde bucal foram relatados pelos responsáveis pelas crianças. Dessa forma, a percepção avaliada pode não representar totalmente o quanto os pré‐escolares se sentem afetados pelos seus problemas bucais. Porém, ao considerar a pouca idade da amostra e a dificuldade de julgamento de suas condições bucais, o relato por parte daqueles que convivem com essas crianças (responsáveis) representa uma medida confiável de avaliação. Nesse sentido, a dor dentária representa um importante preditor na busca pela assistência odontológica.
Considerando o fato de a dor dentária impactar negativamente na vida diária das pessoas6 e comprometer a qualidade de vida,7,8 a maior chance da dor dentária entre aqueles com impacto dos problemas bucais na qualidade de vida identificada no presente estudo era esperada. Ressalta‐se aqui o caráter subjetivo do relato de dor, assim como dos impactos na qualidade de vida capturados, principalmente entre crianças. Assim como para a autopercepção da saúde bucal e a necessidade de tratamento odontológico, a avaliação do impacto na qualidade de vida foi respondida pelos responsáveis pelas crianças e pode diferir do quanto as crianças realmente se sentem afetadas pelos problemas bucais.
A dor é um fenômeno multidimensional, pode ser influenciada por diferentes fatores, sua avaliação objetiva em pré‐escolares é um desafio para profissionais de saúde. Portanto, a identificação da prevalência de dor dentária, assim como seus fatores associados, pode permitir a melhoria e aplicação de políticas públicas que visem à melhoria das condições de saúde bucal e da vida diária desse contingente populacional. Dentre as limitações do presente estudo, destaca‐se sua característica transversal, que não permite a identificação de causas e efeitos, e o fato de os dados serem provenientes de 2010 e modificações nesse perfil de acometimento da dor podem ter ocorrido ao longo dos anos. Além disso, o relato de dor, assim como as demais questões subjetivas de saúde bucal, foi feito pelos responsáveis, é uma medida subjetiva e dinâmica. Apesar disso, o presente estudo possibilitou a caracterização da ocorrência de dor dentária entre pré‐escolares brasileiros considerando uma amostra representativa dessa faixa etária. Tal caracterização permitiu também identificar a distribuição da ocorrência de episódio de dor dentária em pré‐escolares brasileiros entre as regiões do Brasil e suas capitais. Ressalta‐se uma variabilidade na prevalência de dor entre as capitais de uma mesma região, identificou‐se uma menor prevalência em geral na Região Sul do país.
Dos pré‐escolares incluídos no presente estudo, 21,1% tiveram dor dentária nos últimos seis meses anteriores à coleta de dados. Ressalta‐se ainda que a presença desse fenômeno se manteve associada ao uso de serviços odontológicos, ocorrência de cárie dentária, necessidade de tratamento, insatisfação com dentes e boca e impacto dos problemas bucais na qualidade de vida. Portanto, tais associações devem ser consideradas no planejamento em saúde por parte de profissionais e gestores que visem à redução da ocorrência da dor dentária entre pré‐escolares brasileiros.
FinanciamentoO estudo não recebeu financiamento.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse