Identificar os pontos de corte do índice Homeostatic Model Assessment for Insulin Resistance (HOMA‐IR) estabelecidos para adolescentes e discutir a sua aplicabilidade para o diagnóstico da resistência à insulina em adolescentes brasileiros.
Fontes de dadosRevisão sistemática feita nas bases de dados PubMed, Lilacs e SciELO com os descritores “Adolescentes”, “Resistência à insulina” e “Curva ROC”. Foram incluídos artigos originais, publicados entre 2005 e 2015, conduzidos com adolescentes, no idioma português, inglês ou espanhol e incluindo análise estatística com uso da curva ROC para determinação dos pontos de corte do índice (HOMA‐IR).
Síntese dos dadosForam identificados 184 artigos e, após a aplicação das etapas do procedimento, foram selecionados sete para compor a revisão. Todos os estudos selecionados estabeleceram seus pontos de corte com a curva ROC. O menor ponto de corte observado foi de 1,65 para meninas e 1,95 para meninos e o maior de 3,82 para meninas e 5,22 para meninos. Dos estudos analisados, um propôs validade externa, recomendando o uso do ponto de corte do HOMA‐IR >2,5 para ambos os sexos.
ConclusõesO índice HOMA‐IR constitui‐se em método confiável para detecção da resistência insulínica em adolescentes, desde que usados os pontos de corte que mais se adequem à realidade da população em estudo, o que permite um diagnóstico precoce da resistência à insulina e possibilita intervenções multiprofissionais para a promoção da saúde dessa população.
To identify cutoff points of the Homeostatic Model Assessment for Insulin Resistance (HOMA‐IR) index established for adolescents and discuss their applicability for the diagnosis of insulin resistance in Brazilian adolescents.
Data sourceA systematic review was performed in the PubMed, Lilacs and SciELO databases, using the following descriptors: “Adolescents”, “insulin resistance” and “ROC curve”. Original articles carried out with adolescents published between 2005 and 2015 in Portuguese, English or Spanish languages, which included the statistical analysis using ROC curve to determine the index cutoff (HOMA‐IR) were included.
Data synthesisA total of 184 articles were identified and after the study phases were applied, seven articles were selected for the review. All selected studies established their cutoffs using a ROC curve, with the lowest observed cutoff of 1.65 for girls and 1.95 for boys and the highest of 3.82 for girls and 5.22 for boys. Of the studies analyzed, one proposed external validity, recommending the use of the HOMA‐IR cutoff >2.5 for both genders.
ConclusionsThe HOMA‐IR index constitutes a reliable method for the detection of insulin resistance in adolescents, as long as it uses cutoffs that are more adequate for the reality of the study population, allowing early diagnosis of insulin resistance and enabling multidisciplinary interventions aiming at health promotion of this population.
A adolescência é um período crítico para o início da obesidade e outros distúrbios metabólicos associados ao acúmulo de gordura corporal. Adolescentes com excesso de peso têm risco elevado de ser adultos obesos e propensos ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares.1,2
O acúmulo excessivo de gordura corporal, principalmente aquela localizada em região central ou visceral, favorece a elevação de ácidos graxos livres na corrente sanguínea, os quais podem prejudicar a sinalização da insulina, diminuir a sensibilidade dos receptores nas membranas celulares e criar o quadro de resistência à insulina (RI).3
Estudos brasileiros já detectaram a prevalência da RI na faixa etária da adolescência, e foram relatadas prevalências que variaram em torno de 6,5% a 90,8% em adolescentes com e sem excesso de peso, respectivamente.3‐5 Os métodos mais usados para determinação da RI em estudos epidemiológicos são obtidos a partir de fórmulas práticas que usam a glicemia e a insulinemia de jejum, como o Fasting glucose/insulin Ratio (FGIR), o Quantitative insulin sensitivity check index (QUICKI) e o Homeostatic Model Assessment for Insulin Resistance (HOMA‐IR), o qual tem sido validado com frequência em crianças e adolescentes e é preconizado como o método mais sensível e específico para avaliar sensibilidade insulínica nessa população.6‐8 Vale salientar que um dos aspectos importantes a ser observado na aplicação do índice HOMA‐IR com sucesso em uma dada população é o uso de pontos de corte específicos para sexo, etnia, faixa etária e/ou grau de maturação sexual (se empregado em adolescentes). Por esse motivo, vários pontos de corte para o diagnóstico da RI, a partir do índice, já foram recomendados.9‐12 O objetivo deste estudo foi identificar os pontos de corte do índice HOMA‐IR estabelecidos para adolescentes e discutir a sua aplicabilidade para o diagnóstico da RI em adolescentes brasileiros.
MétodoEstratégia de busca bibliográficaFoi feita uma revisão sistemática da literatura dos artigos científicos relativos ao tema “Resistência à insulina em adolescentes”, levando‐se em consideração a seguinte pergunta condutora: “Quais os pontos de corte do índice HOMA‐IR estabelecidos para determinação da RI em adolescentes com e sem síndrome metabólica em estudos observacionais?”
A definição da questão da pesquisa foi estruturada no formato do acrônimo PECO, recomendado pelas Diretrizes Metodológicas para elaboração de revisão sistemática e metanálise de estudos observacionais comparativos sobre fatores de risco e prognóstico, em que cada letra equivale a um componente da pergunta condutora: P – População, E – Exposição, C – Controle, O – Outcome (Desfecho).13 Após a determinação da questão, foi conduzida uma busca nas bases de dados PubMed, Lilacs e SciELO.
Para a pesquisa foram usados os descritores: “Adolescente”, “Resistência à insulina” e “Curva ROC (Receiver Operating Characteristic)”. Os termos presentes no modelo foram localizados na lista do Medical Subject Headings (Mesh), disponível na U.S. National Library of Medicine, e na lista dos Descritores em Ciências da Saúde, disponível no portal da BVS.
A busca no PubMed usou a seguinte estratégia: (“adolescent” [Mesh Terms] OR “adolescent” [All Fields] OR “adolescents” [All Fields]) AND (“insulin resistance” [Mesh Terms] OR (“insulin” [All Fields] AND “resistance” [All Fields]) OR “insulin resistance” [All Fields]) AND (“roc curve” [MeSH Terms] OR (““roc” [All Fields] AND “curve” [All Fields]) OR “roc curve” [All Fields]). No Lilacs e SciELO, a busca foi conduzida com a expressão: (tw:[adolescentes]) AND (tw:[resistência à insulina]) AND (tw:[curva roc]) AND (instance: regional).
O procedimento metodológico adotado para a condução desta pesquisa foi completo e finalizado em 1 de março de 2015.
Seleção dos estudosOs artigos identificados durante a busca nas bases de dados foram selecionados a partir da leitura dos títulos, seguido da leitura dos resumos e dos textos completos, quando indicado. O procedimento foi feito por dois pesquisadores de forma independente, levando‐se em consideração os critérios de inclusão pré‐definidos: artigo original, publicado nos últimos 10 anos (entre 2005 e a data final de busca), feito com adolescentes, idioma português, inglês ou espanhol e incluindo análise estatística com uso da curva ROC para determinação dos pontos de corte do índice HOMA‐IR.
Após a seleção dos artigos, foi aplicado o índice Kappa14 para análise da concordância entre os dois pesquisadores e foi encontrada uma concordância excelente/quase perfeita (κ=0,90). Os trabalhos para o qual houve discordância foram analisados em reunião com os autores para avaliação e consenso sobre a inclusão na revisão.
Todo o procedimento de descrição para identificação e seleção dos estudos foi baseado na diretriz Preferred Reporting Items for Systematic Reviews (Prisma).15
Análise da qualidade dos artigosA qualidade dos artigos selecionados foi avaliada a partir da iniciativa do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (Strobe), traduzido para o português.16 O checklist que compõe o Strobe engloba 22 perguntas divididas em seis grupos: Título e Resumo, Introdução, Métodos, Resultados, Discussão e Outras informações. Com isso, os artigos incluídos na presente revisão receberam pontuações de 0 a 22, as quais foram posteriormente transformadas em percentuais para melhor análise qualitativa.
Em virtude da natureza da busca inicial por estudos observacionais, dos critérios de elegibilidade para conduzir os achados para artigos direcionados e do número reduzido de pesquisas no Brasil, optou‐se por incluir todos os artigos elegíveis, independentemente da pontuação determinada.
Extração dos dadosA extração dos dados foi feita no Microsoft Excel versão 2007 em um protocolo elaborado pelos pesquisadores, no qual foram incluídos os seguintes dados: título do artigo, autor, local e ano de publicação, número amostral, características da população em estudo, faixa etária, ponto de corte elaborado para o índice HOMA‐IR, sensibilidade e especificidade do ponto de corte determinado para o índice HOMA‐IR, limitações e validação externa dos estudos selecionados.
ResultadosInicialmente foram identificados 184 artigos. Após a análise dos títulos e resumos, foram selecionados 16 que aparentemente preenchiam os critérios de inclusão. Com a leitura dos artigos na íntegra, foram excluídos nove que não se enquadraram nos critérios de elegibilidade, totalizando sete artigos completos incluídos. O fluxograma do processo de identificação e seleção dos artigos está esquematizado na figura 1.
Os dados concernentes às principais características dos estudos incluídos na revisão sistemática estão apresentados na tabela 1. Os estudos foram dispostos em ordem decrescente da pontuação obtida, segundo os critérios do Strobe. A mediana da pontuação da qualidade dos artigos foi de 14,3 (Intervalo Interquartílico: 12,7‐17,5) pontos e, dentre os trabalhos incluídos, seis17‐22 obtiveram escore de qualidade percentual acima de 50%.
Características, pontuação e percentual da qualidade dos artigos selecionados para inclusão na revisão sistemática
Autor, ano e local do estudo | Tamanho amostral | Tipo de estudo | Pontuaçãoa | Percentual (%) |
---|---|---|---|---|
Yin J et al., 2013, Beijing/China | 3203 | Transversal aninhado a uma coorte | 18,5 | 84,0 |
Burrows R et al., 2015, Santiago/Chile | 667 | Transversal aninhado a uma coorte | 17,5 | 79,5 |
Kurtoglu S et al., 2010, Kayseri/Turquia | 268 | Transversal em clínica de pediatria | 16,1 | 73,2 |
Singh Y et al., 2013, Delhi/Índia | 691 | Transversal aninhado a uma coorte | 14,3 | 65,0 |
Rocco ER et al., 2011, São Paulo/Brasil | 319 | Transversal de base escolar | 14,0 | 63,6 |
Tresaco B et al., 2005, Zaragoza/Espanha | 140 | Transversal de base escolar | 12,7 | 57,7 |
Keskin M et al., 2005, Kayseri/Turquia | 57 | Transversal em clínica de pediatria | 10,0 | 45,4 |
aAvaliação da qualidade dos artigos segundo os critérios do Strengthening the Reporting of observational Studies in Epidemiology (Strobe).
Seis investigações17,18,20‐23 foram conduzidas em países estrangeiros entre 2005 e 2015 e uma19 foi feita com adolescentes brasileiros em 2011. A menor amostra foi composta por 57 participantes23 e a maior teve 3.203.22 Todos os estudos analisados foram de delineamento transversal, três17,20,22 deles aninhados a uma coorte.
As características das amostras incluídas nos diferentes estudos e os pontos de corte determinados para o índice HOMA‐IR, com suas respectivas sensibilidades e especificidades, estão expostas na tabela 2.
Características da amostra e pontos de corte do índice HOMA‐IR estabelecidos para adolescentes nos estudos selecionados para inclusão na revisão sistemática
Autor | Características da amostra | HOMA‐IR | Sensibilidade | Especificidade |
---|---|---|---|---|
Yin J et al. | Amostra: População com e sem SM | 2,3 (Total) | 80,0% (Total) | 66,0% (Total) |
Faixa etária: 6‐18 anos (x¯±DP:12,1±3,0) | 2,6 (Púberes) | 78,0% (Púberes) | 67,0% (Púberes) | |
IMC (x¯±DP): Variando de 18,72±3,36 a 27,66±4,11 | ||||
EMS: 66,1% púberes | ||||
Prevalência de RI (HOMA‐IR): 17,9% (Eutróficos)/ 47,7% (Sobrepeso)/ 63,2% (Obesos) | ||||
Burrows R et al. | Amostra: População saudável | 2,6 | 59,0% | 87,0% |
Faixa etária: 16‐17 anos (x¯±DP: 16,8±0,3) | ||||
IMC (x¯±DP): 0,65±1,2 (z‐escore) | ||||
Prevalência de obesidade: 16,2% | ||||
EMS: Amostra na faixa etária indicativa de adolescentes púberes/pós‐púberes | ||||
Prevalência de RI (HOMA‐IR): 16,3% | ||||
Kurtoglu S et al. | Amostra: População de obesos (100,0%) | 3,82 (Meninas púberes) | 77,1% (Meninas púberes) | 71,4% (Meninas púberes) |
Faixa etária: 5‐18 anos | 5,22 (Meninos púberes) | 56,0% (Meninos púberes) | 93,3% (Meninos púberes) | |
IMC (x¯±DP): 30,4±5,0 (Meninas) e 30,9±4,9 (Meninos) | ||||
EMS: 69,4% púberes | ||||
Prevalência de RI (TOTG): 66,7% (Meninas) e 61,7% (Meninos) | ||||
Singh Y et al. | Amostra: População saudável | 2,5 | >70,0% | >60,0% |
Faixa etária: 10‐17 anos | ||||
IMC (x¯±DP): 23,86±5,87 (Meninas) e 22,81±5,64 (Meninos) | ||||
Prevalência de EP/Obesidade: 59,0% | ||||
EMS: 86,1% púberes | ||||
Prevalência de RI (HOMA‐IR): 19,7% (Eutróficos)/ 51,7% (Sobrepeso)/ 77,0% (Obesos) | ||||
Rocco ER et al. | Amostra: População saudável | 1,65 (Meninas) | 70,6% (Meninas) | 55,8% (Meninas) |
Faixa etária: 10‐19 anos | 1,95 (Meninos) | 90,0% (Meninos) | 77,3% (Meninos) | |
IMC (x¯±DP): 22,5±5,9 (Meninas) e 21,3±4,7 (Meninos) | ||||
EMS (x¯±DP): 4,1±1,2 (Meninas) e 3,2±1,5 (meninos) | ||||
Prevalência de RI (Percentis do HOMA‐IR): 24,0% | ||||
Tresaco B et al. | Amostra: População com e sem SM | Próximo a 3,0 | Variando de 65,0% a 87,0% | Variando de 64,0% a 91,0% |
Faixa etária: 7‐16 anos | ||||
Prevalência de obesidade: 48,0% | ||||
*EMS e prevalência da RI: Não disponível | ||||
Keskin M et al. | Amostra: População de obesos (100,0%) | 3,16 | 76,0% | 66,0% |
Idade (x¯±DP): 12,04±2,90 | ||||
IMC (x¯±DP): 29,57±5,53 | ||||
Prevalência de RI (TOTG): 44,0% | ||||
*EMS: Não disponível |
EMS, Estágio de maturação sexual; EP, Excesso de peso; HOMA‐IR, Homeostasis Model Assessment‐Insulin Resistance; RI, Resistência à insulina; SM, Síndrome metabólica; TOTG, Teste oral de tolerância à glicose; x¯±DP, Média±Desvio‐padrão.
Os adolescentes envolvidos nos estudos selecionados foram indivíduos com síndrome metabólica ou com tolerância normal à glicose, com idade que variou de cinco a 19 anos.
A prevalência de RI variou de 16,3% a 77% e foi determinada principalmente pelo teste oral de tolerância à glicose (TOTG) ou pelos pontos de corte estabelecidos para o índice HOMA‐IR. Em um estudo,19 a frequência da RI foi avaliada por meio da distribuição percentil do índice HOMA‐IR e foi considerada RI quando acima do percentil 85.
No tocante ao estado nutricional dos adolescentes avaliados, a maior parte dos estudos18,20,23 foi composta por uma maior frequência de adolescentes com excesso de peso/obesidade. Dois trabalhos18,23 foram conduzidos unicamente com indivíduos classificados com o diagnóstico de obesidade, de acordo com os parâmetros antropométricos empregados.
Dos sete trabalhos incluídos, quatro18‐20,22 englobaram amostras com maior percentual de indivíduos púberes. Dois trabalhos21,23 não apresentaram informações relativas à maturação sexual dos adolescentes avaliados e um estudo17 usou amostra com adolescentes em faixas etárias representativas de indivíduos púberes/pós‐púberes.
Com relação aos pontos de corte do índice HOMA‐IR, todos os estudos selecionados estabeleceram seus pontos de corte com a curva ROC como ferramenta. Seis estudos17,18,20,23 preferiram a adoção do ponto de corte com alta sensibilidade e especificidade e um estudo19 priorizou o ponto de corte com maior sensibilidade. O menor ponto de corte encontrado foi de 1,65 para meninas e 1,95 para meninos19 e o maior foi de 3,82 para meninas e 5,22 para meninos.18
Para determinar o ponto de corte, dois estudos18,22 levaram em consideração o ajuste de acordo como estágio de maturação sexual e dois18,19 estabeleceram pontos de corte segundo o sexo. Um estudo18 propôs o ponto de corte ajustado para o sexo e o estágio de maturação sexual. Os pontos de corte estabelecidos para adolescentes do sexo feminino foram menores em comparação com aqueles encontrados para os do sexo masculino. Nos estudos18,22 em que foram avaliados indivíduos pré‐púberes e púberes separadamente, os dados relativos aos pré‐púberes não foram expostos nesta revisão sistemática.
As principais limitações evidenciadas nos estudos incluídos foram: número amostral reduzido, estudos com delineamento transversal, ausência de cálculo amostral e representatividade da amostra, impossibilidade de extrapolação dos resultados (validação externa), pontos de corte não específicos para sexo e estágio de maturação sexual e falta de padronização nos métodos laboratoriais para detecção da insulinemia (tabela 3).
Principais limitações metodológicas e validação externa dos estudos selecionados para inclusão na revisão sistemática
Autor | Principais limitações metodológicas | Validação externa |
---|---|---|
Yin J et al. | Falta de padronização nos métodos de detecção da insulinemia, ausência de comparação pelo clamp euglicêmico e estudo transversal. | Estudo feito com adolescentes chineses, não é possível extrapolar os resultados para outras etnias. |
Burrows R et al. | Amostra não é representativa, estudo transversal. | O ponto de corte é aplicável na prática clínica. |
Kurtoglu S et al. | Tamanho amostral reduzido interferiu na determinação de pontos de corte precisos, ausência de comparação pelo clamp euglicêmico, estudo transversal. | Tamanho amostral reduzido, não é possível extrapolar os resultados encontrados. |
Singh Y et al. | Ausência de acompanhamento longitudinal e de comparação pelo clamp euglicêmico. | O ponto de corte é aplicável por ter sido derivado de uma grande coorte com uma mistura homogênea de eutróficos e obesos. |
Rocco ER et al. | Falta de padronização nos métodos de detecção da insulinemia, ausência de comparação pelo clamp euglicêmico, estudo transversal. | Os dados encontrados podem ser aplicados para detecção de um conjunto de alterações cardiometabólicas. |
Tresaco B et al. | Determinação de um conjunto de pontos de corte aproximados sem o estabelecimento de um único ponto de corte, ausência de comparação pelo clamp euglicêmico, estudo transversal, sem consideração ao EMS e sexo para determinação dos pontos de corte. | Restrito para a área clínica pediátrica. Não devem ser usados com a população geral em estudos epidemiológicos |
Keskin M et al. | Estudo transversal, tamanho amostral reduzido, ausência de comparação pelo clamp peuglicêmico, sem consideração ao EMS e sexo para determinação dos pontos de corte. | Sem informações |
EMS, Estágio de maturação sexual.
Dos estudos analisados, um trabalho20 apresentou a possibilidade de extrapolação dos resultados encontrados (validação externa) para outras populações (tabela 3).
DiscussãoA identificação precoce de fatores de risco cardiovasculares em adolescentes é de grande valor na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis na vida adulta e o diagnóstico da RI, por ter papel central na origem dos distúrbios metabólicos, se constitui como um meio inicial para intervenção.24,25
O padrão‐ouro para detecção da RI é o clamp euglicêmico, recomendado pelas diretrizes da American Diabetes Association,26 entretanto esse método não é usado rotineiramente por ser de alto custo e se constituir em procedimento invasivo e complexo. O índice HOMA‐IR, inicialmente descrito por Matthews et al.27 em 1985, apresenta a vantagem de ser um método prático, rápido, de baixo custo e que apresenta alta correlação com o clamp euglicêmico (r=0,88; p<0,0001).
Em estudo conduzido por Souza et al.5 com crianças e adolescentes atendidos ambulatorialmente, foi proposto o uso do índice HOMA‐IR (ponto de corte>2)12 para identificação precoce da presença de RI, visto que esse critério foi capaz de detectar um maior percentual de indivíduos com o distúrbio da RI quando comparado com o TOTG (90,8% vs. 64,1%, respectivamente).
Algumas limitações com respeito ao uso do índice HOMA‐IR merecem ser destacadas, dentre elas o uso de parâmetros advindos do jejum; o emprego de pontos de corte que, ainda que sejam de alta sensibilidade e especificidade, nem sempre são desprovidos de erros e podem incluir diagnósticos errôneos; e a estimativa de uma sensibilidade insulínica total, a qual pode ser diferente no fígado e nos tecidos periféricos.28,29
Apesar disso, o HOMA‐IR é bem aceito pelos pesquisadores e usado em estudos epidemiológicos para determinação da RI em adultos, crianças e adolescentes como uma opção simplificada às metodologias mais onerosas e sofisticadas de avaliação da RI.6,12,30‐34 Vários autores propuseram pontos de corte para identificar a RI em adolescentes a partir do índice HOMA‐IR9‐12 e a curva ROC é um dos métodos estatísticos mais usados para esse fim. Essa ferramenta é bastante empregada em estudos clínicos e epidemiológicos que objetivam determinar pontos de corte para métodos diagnósticos. Tal procedimento leva em consideração as medidas de sensibilidade e especificidade do teste em estudo, as quais são relativas à probabilidade de que o exame distribua corretamente a população estudada em não saudáveis/doentes (positivos) e saudáveis/não doentes (negativos), respectivamente.29,35 Na presente revisão, observou‐se que seis17,18,20‐23 estudos incluídos preferiram adotar os pontos de corte com maiores sensibilidade e especificidade. Apenas o estudo brasileiro19 assumiu o ponto de corte com maior sensibilidade.
Segundo Carrazzone et al.,36 testes de triagem necessitam de alta sensibilidade e moderada especificidade. Em contrapartida, testes diagnósticos necessitam de maiores especificidades. Isso possibilita que apenas os indivíduos realmente doentes sejam classificados nessa condição. Com base nisso, é possível inferir que o ponto de corte de maior sensibilidade, proposto no estudo feito por Rocco et al.,19 pode ser indicado para avaliação precoce da RI como um método de triagem dos adolescentes com maior risco de desenvolver complicações cardiometabólicas.
Nos estudos em que os pontos de corte foram ajustados para o sexo,18,19 as adolescentes tiveram valores menores para o ponto de corte do índice HOMA‐IR, evento provavelmente observado devido às maiores médias do índice HOMA‐IR e maiores frequências de RI nos indivíduos do sexo feminino. De fato, estudos4,37 mostram que, durante a adolescência, ocorre uma redistribuição fisiológica da gordura das extremidades para o tronco no sexo feminino. Em adição, esse aumento na gordura corporal total e abdominal, decorrente da fase de maturação sexual e início da menarca nas meninas, pode se associar a médias significativamente mais elevadas do índice HOMA‐IR. Diante disso, a população de adolescentes deve ser estudada em função do sexo e do estádio de maturação sexual. Nos estudos avaliados, a análise da maturação sexual foi feita com os critérios de classificação propostos por Tanner,38 que consideram como indivíduos púberes aqueles que se encontram em estágio maior ou igual a II da classificação para o estádio de maturação sexual.
Das investigações incluídas, apenas o estudo de Singh et al.20 com adolescentes indianos apresentou a possibilidade de extrapolar os resultados para outras populações. Entretanto, o autor não levou em consideração o sexo e o estadiamento da maturação sexual nas suas análises. Em adição, vale salientar que, para o uso do ponto de corte elaborado neste estudo nos adolescentes brasileiros, devem‐se observar as diferenças das prevalências de excesso de peso e obesidade entre adolescentes brasileiros e indianos. O percentual desse diagnóstico nutricional é menor entre os brasileiros (25,4% em adolescentes brasileiros39vs. 59,0% em indianos). Apesar disso, o ponto de corte determinado pelo estudo apresenta boa sensibilidade e especificidade e o valor pode ser útil na detecção precoce do quadro de RI.
No estudo feito por Burrows et al.17 com adolescentes da América do Sul residentes no Chile, o ponto de corte determinado para o índice HOMA‐IR foi próximo ao recomendado pela investigação previamente citada20 e foi encontrada alta associação do HOMA‐IR ≥2,6 com o elevado risco cardiometabólico. Sugere‐se que os achados de Burrows et al.17 corroborem a validade externa do ponto de corte recomendado por Singh et al.,20 visto a proximidade dos pontos de corte elaborados nos dois trabalhos.
A I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência40 indica o uso do ponto de corte elaborado por Keskin et al.23 para a determinação da RI em adolescentes brasileiros. Em virtude de não haver estudos referentes ao tema com amostras representativas de adolescentes brasileiros, vários trabalhos feitos no país usam a recomendação proposta pela diretriz40 para o diagnóstico da RI.4,41‐44 Entretanto, vale salientar que, após a publicação da diretriz,40 outras investigações foram feitas com procedimentos metodológicos mais controlados e amostras maiores e mais semelhantes à população de adolescentes brasileiros, que propõem pontos de corte mais condizentes com a fisiologia desses indivíduos.17,20
O ponto de corte elaborado pelo estudo de Rocco et al.19 é uma opção para a detecção da RI em adolescentes brasileiros, contudo, por ter sido elaborado para a análise de um conjunto de alterações cardiometabólicas, recomenda‐se que o ponto de corte seja usado na prática clínica para a triagem de adolescentes em risco. Os pontos de corte observados nas investigações de Yin et al.,22 Kutoglu et al.18 e Tresaco et al.21 são voltados para as populações analisadas nos estudos de base e podem não ser concordantes com a presença de RI em adolescentes brasileiros.
Algumas limitações referentes ao desenho dos estudos primários foram registradas, como o delineamento transversal, não sendo possível inferir relações de causa e efeito; a ausência do clamp euglicêmico para comparação desse método com o índice HOMA‐IR; no entanto, como já mencionado, o clamp euglicêmico não é feito com frequência em estudos clínicos e epidemiológicos em virtude do seu alto custo; e a falta de padronização nos métodos laboratoriais para detecção da insulinemia, o que torna difícil a comparação entre os estudos originais. Além disso, outro fator limitante foi a inclusão de crianças e adolescentes nos desenhos dos estudos originais analisados, sem o devido ajuste para o estádio de maturação sexual na determinação dos pontos de corte para o índice HOMA‐IR.21,23
Com relação à interpretação dos resultados do presente estudo, deve‐se considerar a probabilidade de haver artigos não encontrados na busca bibliográfica, apesar de a estratégia de pesquisa ter levado em consideração a possibilidade desse viés em todas as etapas, e a ausência de análises quantitativas e o cálculo de medidas sumarizadas (metanálise), em decorrência da heterogeneidade das pesquisas analisadas em termos de amostragem, uso de critérios de classificação e análises estatísticas diferenciadas e variações biológicas e sociais entre as populações dos estudos de base.
Em síntese, o índice HOMA‐IR se constitui num método confiável para detecção da RI em adolescentes, desde que usados os pontos de corte que mais se adequem à realidade da população em estudo. Observa‐se que não foram encontrados na literatura estudos representativos, conduzidos no Brasil, que objetivassem determinar pontos de corte para detecção da RI pelo índice HOMA‐IR em adolescentes do país. Diante disso, faz‐se necessária a condução de estudos nacionais com amostras representativas que possam definir de maneira mais fidedigna os pontos de corte do índice HOMA‐IR para adolescentes brasileiros.
Espera‐se que os resultados apresentados nesta revisão sistemática contribuam para o incentivo à padronização dos métodos de classificação da RI pelo índice HOMA‐IR em adolescentes e auxiliem na detecção precoce do quadro de RI e prevenção de doenças cardiometabólicas para a vida adulta.
FinanciamentoO estudo não recebeu financiamento.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.