Investigar a associação entre o índice glicêmico e a carga glicêmica da dieta sobre o risco de sobrepeso e adiposidade em crianças de cinco anos.
MétodosEstudo transversal aninhado a uma coorte de 232 crianças nascidas e residentes em Diamantina (MG, Brasil). Os pais e/ou responsáveis forneceram os dados de consumo alimentar, usando num questionário semiquantitativo de frequência alimentar, histórico do paciente e condições socioeconômicas. Os dados antropométricos e a gordura corporal foram coletados das crianças. O índice glicêmico da dieta e a carga glicêmica foram calculados a partir da ingestão de alimentos. O efeito do índice glicêmico e da carga glicêmica no sobrepeso e na adiposidade das crianças foi avaliado por meio da regressão de Poisson (p<0,05).
ResultadosA prevalência de sobrepeso pelo índice de massa corporal foi de 17,3% e adiposidade elevada foi observada em 3,4% e 6,9% por meio da prega cutânea do tríceps e da prega cutânea subescapular, respectivamente. Não houve diferença entre a média de índice de massa corporal, prega cutânea do tríceps e prega cutânea subescapular de acordo com os tercis de índice glicêmico e carga glicêmica; no entanto, o grupo com sobrepeso apresentou maior ingestão de carboidratos (p=0,04). Não foi encontrada associação entre índice glicêmico e carga glicêmica com sobrepeso e adiposidade entre as crianças avaliadas.
ConclusõesO índice glicêmico e carga glicêmica da dieta não foram identificados como fatores de risco para sobrepeso e adiposidade neste estudo transversal.
To investigate the association between the glycemic index and the glycemic load of the diet with the risk of overweight and high adiposity in children with 5 years of age.
MethodsCross‐sectional study nested in a cohort of 232 children born and living in Diamantina (MG, Brazil). Parents and/or guardians provided the food intake data, using a semiquantitative food frequency questionnaire, past history and socioeconomic conditions. Anthropometric and fatness data were collected from the children. The dietary glycemic index and the glycemic load were calculated from the food intake. The glycemic index and glycemic load effect on overweight and adiposity in children was assessed by the Poisson regression (p<0.05).
ResultsThe prevalence of overweight by body mass index was 17.3%, and high adiposity was observed in 3.4% and 6.9% by triceps skinfold and subscapular skinfold, respectively. No difference was reported between the mean body mass index, triceps skinfold and subscapular skinfold according to the glycemic index and glycemic load tertiles; however, the overweight group presented a higher carbohydrate intake (p=0.04). No association was found between glycemic index and glycemic load with overweight and adiposity among the children assessed.
ConclusionsThe glycemic index and glycemic load of the diet were not identified as risk factors for overweight and adiposity in this cross‐sectional study.
A população brasileira, em especial as crianças, tem experimentado uma transição nutricional caracterizada por uma diminuição da desnutrição e um correspondente aumento na prevalência de sobrepeso e obesidade.1,2 Em correspondência a esse processo, foi observada uma queda no consumo de cereais, feijões e tubérculos, com um subsequente aumento da ingestão de alimentos processados, como sanduíches, biscoitos, lanches e doces.2
Essa mudança no padrão de consumo predispõe à ingestão de uma dieta rica em carboidratos refinados, caracterizada por um alto índice glicêmico (IG) e uma carga glicêmica (CG) alta. O IG é definido como a área incremental sob a curva de resposta glicêmica após o consumo de 25 ou 50g de carboidratos disponíveis em um alimento. Esse parâmetro é expresso como uma porcentagem relativa para a resposta glicêmica de um alimento de referência (glicose ou pão branco) que, assim, reflete a qualidade do carboidrato.3 A CG é o produto do IG do alimento e o seu teor de carboidrato disponível; portanto, ela representa ao mesmo tempo a qualidade e a quantidade de carboidratos e sua capacidade de elevar a glicose no sangue.4
Dietas com cargas altas de IG e CG são rapidamente digeridas, absorvidas e transformadas em glicose. Esses processos aceleram as flutuações de insulina e glicose, resultam no retorno precoce da fome e causam um consumo calórico excessivo. No entanto, dietas de baixo IG e CG proporcionam uma liberação de insulina e glicose lenta e gradual na corrente sanguínea, promovem assim o aumento da oxidação da gordura, reduzem a lipogênese e, consequentemente, aumentam a saciedade e reduzem a ingestão de alimentos.5
Em relação a esses fatores, alguns pesquisadores têm estudado a associação entre o índice glicêmico e carga glicêmica e o risco de sobrepeso em crianças.6–11 Nielsen et al.10 e Murakami et al.11 relataram que dietas de alta CG e IG aumentam o risco de sobrepeso entre crianças e adolescentes; no entanto, essas conclusões não foram confirmadas por outros autores.6–9
Considerando‐se o efeito do índice glicêmico e da carga glicêmica sobre a fome e o alto consumo de energia, este estudo se propôs a investigar a associação entre esses parâmetros e o risco de sobrepeso/obesidade e alta adiposidade em crianças.
MétodoEsse estudo transversal foi aninhado em uma coorte de nascidos vivos entre setembro de 2004 e julho de 2005 em Diamantina, MG, Brasil. O objetivo foi monitorar o crescimento e o desenvolvimento no primeiro ano de vida.12 Detalhes sobre a seleção da coorte e estudo transversal foram descritos anteriormente em outro artigo.13
O presente estudo incluiu crianças de cinco anos (±5 meses) de ambos os sexos da coorte mencionada acima.12 A coleta de dados foi feita entre julho de 2009 e julho de 2010. Os pré‐escolares foram visitados em suas casas. As entrevistas e a coleta de dados começaram somente depois que os pais assinaram o termo de consentimento de que a criança participasse do estudo. Os pesquisadores foram treinados antes da coleta de dados para evitar erros de medição. Quatro nutricionistas coletaram os dados. Como é um estudo transversal aninhado em uma coorte, o poder da amostra foi calculado post hoc com o uso do parâmetro risco de sobrepeso/obesidade em relação ao terceiro tercil para carga glicêmica ajustado para a energia obtida pela regressão de Poisson, que foi de 1,20. Com o software estatístico G*Power foi obtido o poder de 85%.
Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), sob o protocolo número 039/08. Os pais ou responsáveis assinaram um termo de consentimento para participar do estudo.
O estado nutricional foi avaliado pelo índice de massa corporal por idade (IMC/idade) e a adiposidade foi avaliada através da prega cutânea do tríceps (PCT) e subescapular (PCS). O peso foi medido com uma balança digital portátil, eletrônica, Kratos®, com capacidade máxima de 150kg e incrementos de 50g; a estatura foi medida em um estadiômetro portátil (Alturaexata®), com uma precisão de escala de 0,1 cm, de acordo com recomendações de Jellife14. As dobras cutâneas foram medidas com um paquímetro Lange® Skinfold Caliper de até 60mm com ±1mm de precisão, no lado direito do corpo, com base na padronização de Lohman et al.15 Foram feitas três medições em cada ponto anatômico e a média foi usada nas análises.
O escore‐z <2 identificou crianças com baixo peso, escore‐z ≥–1 e escore‐z ≤+1, crianças com peso normal, escore‐z >+1 e escore‐z ≤+2 acima do peso, escore‐z >2 crianças com obesidade, de acordo com o IMC/idade.16,17 Os indivíduos foram agrupados em duas categorias para a análise estatística, baixo peso/peso normal foram classificados como peso normal e aqueles com sobrepeso/obesidade como sobrepeso. O escore‐z >+2,0 identificou crianças com adiposidade elevada (PCT/idade, PCS/idade).16 Para identificar o escore‐z das crianças, foram usados os programas WHO Anthro e WHO Anthro plus nas versões 3.0.1 e 1.0.3, respectivamente (OMS, Genebra). Os dois programas foram usados porque algumas crianças já haviam passado dos cinco anos quando avaliadas.
As mães das crianças também foram submetidas a avaliações de peso e altura para obter o seu índice de massa corporal. Um IMC ≥25kg/m2 foi considerado alto.18
Os dados das mães e das crianças foram avaliados em uma única ocasião, na parte da manhã, nas instalações da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
As crianças identificadas com algum tipo de distúrbio nutricional receberam orientação sobre nutrição, mas essa orientação foi dada somente após a coleta de todos os dados. Essas diretrizes foram direcionadas para as crianças e suas famílias.
O consumo habitual de crianças pré‐escolares foi avaliado por um questionário quantitativo de frequência alimentar (QQFA) desenvolvido por Sales et al.19 adaptado a este estudo após um teste‐piloto. Os pais ou responsáveis preencheram o QQFA durante a visita domiciliar. Para aumentar a precisão na determinação da quantidade de alimento ingerido pelas crianças, foi usado um álbum de fotografias com porções de alimentos e utensílios de cozinha. Para obter a ingestão diária de cada nutriente, empregamos a metodologia proposta por Willet20; a soma dos pesos das porções foi multiplicada pela frequência de consumo. A composição química dos alimentos foi determinada com o programa Diet PRO versão 5i (Agromídia Software Ltda, Brasil).
Para obter o índice glicêmico da dieta, o IG de um alimento foi inicialmente multiplicado pela sua contribuição diária para os carboidratos disponíveis em cada porção e em seguida esses produtos foram somados, com o uso da equação proposta por Wolever et al.21 A carga glicêmica da dieta foi obtida a partir do produto do IG da dieta e o consumo total de carboidratos disponíveis dividido por 100.21 Os carboidratos disponíveis foram obtidos subtraindo‐se o teor de fibra do total de carboidratos disponíveis no alimento.
O IG de cada alimento foi identificado com o uso da Tabela de Composição de Alimentos da Universidade de São Paulo (TBCA/USP)22; na ausência dessa tabela, foram usados os valores listados na Tabela Internacional de Índice Glicêmico e Carga Glicêmica.4 Quando o alimento não foi identificado em qualquer tabela, determinou‐se o IG com o índice glicêmico de um alimento com características nutricionais semelhantes, seguindo a mesma ordem de referência. O alimento usado como padrão foi a glicose, IG=100.
Para entender melhor a relação entre o IG e CG da dieta e sobrepeso/obesidade e adiposidade, essas taxas foram ajustadas pela energia da dieta para monitorar o efeito da ingestão calórica nessa relação. Finalmente, para isso foi aplicado o método de nutriente residual proposto por Willet et al.23 A ingestão do nutriente residual do nutriente foi ajustada pela energia calculada ao somar‐se o resíduo de um modelo de regressão linear. O consumo total de energia foi considerado a variável independente e o valor nutricional absoluto como variável dependente. A demanda energética estimada para cada criança foi calculada por meio das fórmulas sugeridas pelo Institute of Medicine (IOM).24
Considerando‐se que outras variáveis, além da dieta, podem influenciar o sobrepeso/obesidade e a adiposidade em crianças pré‐escolares, decidimos também avaliar a situação socioeconômica das crianças (renda familiar per capita em salários mínimos), tempo total de amamentação, educação materna (anos de estudo) e mães com sobrepeso. Os pais ou responsáveis responderam a um questionário estruturado sobre essas variáveis. Os dados sobre a prática do aleitamento materno foram obtidos prospectivamente a partir do estudo de coorte, quando as crianças foram visitadas mensalmente em casa. Isso reduziu a possibilidade de viés da memória da mãe sobre os hábitos alimentares de seus filhos. Pontos de corte de tercis foram usados para categorizar a carga glicêmica média e o índice glicêmico da refeição para análises estatísticas posteriores. A relação entre as características das crianças e os tercis de índice glicêmico e a carga glicêmica da dieta foi avaliada pelos testes Anova (variáveis paramétricas) e de Kruskal‐Wallis (variáveis não paramétricas). A associação entre a composição nutricional das dietas e o estado nutricional foi avaliada pelos testes t de Student e U de Mann‐Whitney. A regressão de Poisson foi aplicada para determinar a influência do índice glicêmico e carga glicêmica sobre a condição de sobrepeso em pré‐escolares. Inicialmente foi feita a análise bivariada e as variáveis com valor de p<0,20 foram selecionadas para a análise multivariada. O nível de significância foi de p<0,05.
Todas as análises estatísticas foram realizadas feitas com o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 19.0 para Windows (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A aprovação do comitê de ética (ref. n. 545/08 ETIC) foi obtida da Universidade Federal de Minas Gerais.
ResultadosA distribuição de baixo peso, peso normal, sobrepeso e obesidade foi de sete (3%), 185 (79,7%), 38 (16,4%) e dois (0,9%), respectivamente. A prevalência de sobrepeso/obesidade foi de 17,3%, com 16,2% (n=23) em meninos e 18,9% (n=17) em meninas. A prevalência de alta adiposidade foi de 3,5% para prega cutânea do tríceps e 6,9% para a subescapular.
A maioria das crianças era do sexo masculino (61,2%), vivia com menos da metade do salário mínimo per capita (56,0%), foi amamentada predominantemente por menos de três meses (50,4%) e tinha mães com IMC normal (69,7%) e menos de nove anos de escolaridade (50,4%).
Considerando‐se que carne, ovos e margarina não têm carboidratos e, por conseguinte, não contribuem para o cálculo do IG e CG, apenas 87,7% dos alimentos que constituem o QQFA contribuíram para o perfil glicêmico da dieta. Os alimentos restantes foram categorizados e consumidos pelas crianças nas seguintes frequências: cereais e grãos em 3‐4 ×/semana, leite/produtos lácteos e bebidas com adição de açúcar em 2‐3 ×/semana, produtos de padaria/biscoitos, vegetais, frutas e doces em 1‐2 ×/semana.
A tabela 1 mostra as características antropométricas, socioeconômicas e alimentares dos escolares de acordo com os tercis do índice glicêmico da dieta. Observou‐se que o IMC, PCT e PCS das crianças não diferiam pelos tercis de IG. Com base nas variáveis da dieta, a ingestão média de carboidrato aumentou progressivamente entre os tercis, ao contrário da ingestão média de fibra e proteína, que diminuiu enquanto o IG médio aumentou entre os tercis.
Características antropométricas, socioeconômicas e alimentares de crianças em Diamantina, Brasil, de acordo com os tercis do índice glicêmico da dieta
Variáveis | Índice glicêmico da dieta | |||
---|---|---|---|---|
1° Tercil (n=77) | 2° Tercil (n=78) | 3° Tercil (n=77) | p‐valor | |
IMC da criança (Kg/m2, média±DP) | 15,5 (1,8) | 15,4 (1,6) | 15,3 (1,5) | 0,574a |
Prega tricipital (mm, média±DP) | 8,9 (3,3) | 8,1 (2,4) | 8,3 (2,7) | 0,514a |
Prega subescapular (mm, média±DP) | 6,1 (2,5) | 5,5 (1,9) | 5,4 (1,7) | 0,601a |
Dias de aleitamento materno (mediana±DP) | 271,2 (115,8) | 254,9 (126,7) | 267,2 (123,4) | 0,596a |
CG ajustada por energia (%, média±DP) | 151,6 (45,9) | 165,6 (35,4) | 185,5 (34,2) | <0,001b |
IG ajustado por energia (%, média±DP) | 64,0 (3,6) | 66,8 (3,9) | 70,7 (4,0) | <0,001a |
Consumo de energia (g/dia, média±DP) | 1528 (575) | 1695 (641) | 1528 (613) | 0,146b |
Consumo de carboidratosc (g/dia, mediana±DP) | 226,4 (45,2) | 235,5 (24,9) | 240,8 (25,6) | 0,001a |
Consumo de lipídiosc (g por dia, média±DP) | 63,3 (14,9) | 61,1 (8,0) | 59,1 (8,9) | 0,058b |
Consumo de proteínac (g/dia, média±DP) | 50,4 (12,9) | 47,7 (9,1) | 43,0 (8,4) | <0,001a |
Consumo de fibrac (g/dia, média±DP) | 17,1 (30,1) | 12,0 (2,9) | 11,6 (3,0) | <0,001a |
Anos de estudo da mãe (média±DP) | 10,0 (4,0) | 8,6 (3,8) | 7,4 (3,2) | <0,001a |
Renda per capitad (média±DP) | 422,5 (422,2) | 269,1 (259,3) | 207,2 (173,2) | <0,001a |
IMC materno (Kg/m2, média±DP) | 26,2 (11,5) | 27,4 (14,5) | 27,1 (13,7) | 0,780a |
IMC, índice de massa corporal; GL, carga glicêmica; IG, índice glicêmico; DP, desvio padrão.
Na análise do IG da dieta, não foi observada diferença entre as variáveis antropométricas (IMC) e adiposidade (PCT e PCS) e os tercis de CG da dieta.
Analisando o comportamento das variáveis da dieta distribuídas de acordo com os tercis de CG, descobrimos que, embora elas sejam semelhantes ao IG em relação à ingestão de carboidratos e proteínas, elas diferem em relação às fibras e à energia. O consumo de energia é significativamente mais elevado para o último tercil da CG, mas não há diferença para o consumo de fibra (tabela 2).
Características antropométricas, socioeconômicas e alimentares de crianças em Diamantina, Brasil, de acordo com os tercis de carga glicêmica da dieta
Variáveis | Carga glicêmica da dieta | |||
---|---|---|---|---|
1° Tercil (n=77) | 2° Tercil (n=78) | 3° Tercil (n=77) | p‐valor | |
IMC da criança (Kg/m2, média±DP) | 15,3 (1,6) | 15,2 (1,6) | 15,7 (1,8) | 0,163a |
Prega tricipital (mm, média±DP) | 8,5 (2,9) | 8,4 (2,9) | 8,5 (2,8) | 0,978a |
Prega subescapular (mm, média±DP) | 5,8 (2,4) | 5,5 (1,9) | 5,6 (2,1) | 0,888a |
Dias de aleitamento materno (mediana±DP) | 282,3 (11,7) | 262,3 (124,8) | 248,6 (129,8) | 0,637a |
CG ajustada por Energia (%, média±DP) | 131,6 (33,8) | 165,2 (6,4) | 205,8 (34,0) | <0,001b |
IG ajustado por energia (%, média±DP) | 64,4 (4,3) | 67,3 (4,1) | 69,8 (4,2) | <0,001a |
Consumo de energia (g/dia, média±DP) | 1531,6 (627) | 1446 (534) | 1779 (632) | 0,002b |
Consumo de carboidratosc (g/dia, média±DP) | 218,9 (48,5) | 234,3 (14,2) | 249,5 (19,9) | <0,001a |
Consumo de lipídiosc (g/dia, média±DP) | 62,8 (15,1) | 61,8 (7,8) | 58,9 (8,9) | 0,092b |
Consumo de Proteínac (g/dia, média±DP) | 51,3 (13,6) | 47,8 (6,7) | 42,1 (8,7) | <0,001a |
Consumo de Fibrac (g/dia, média±DP) | 15,2 (30,2) | 12,7 (2,7) | 12,89 (3,8) | 0,677a |
Anos de estudo materno (média±DP) | 9,7 (4,0) | 8,6 (3,7) | 7,7 (3,6) | 0,008a |
Renda per capitad (média±DP) | 374,0 (360,9) | 280,1 (337,3) | 244,6 (215,9) | 0,013a |
IMC materno (Kg/m2, média±DP) | 26,4 (11,1) | 27,1 (14,7) | 27,8 (15,1) | 0,835a |
IMC, índice de massa corporal; CG, carga glicêmica; IG, índice glicêmico; DP, desvio padrão.
Ambas as análises revelaram que as crianças de famílias com maior renda per capita e que têm mães com educação de nível superior têm dietas com melhores perfis glicêmicos (tabelas 1 e 2).
O grupo com sobrepeso tinha maior mediana de ingestão de carboidratos (ajustado para a energia) do que o grupo com peso normal. Isso indica claramente o efeito da composição da dieta sobre o estado nutricional (tabela 3).
Composição nutricional das dietas de acordo com o índice de massa corporal
Variáveis | Grupos | ||
---|---|---|---|
Eutrófico (n=192) | Sobrepeso (n=40) | p‐valor | |
CG ajustada para energia (%, mediana±DP) | 164,8 (38,9) | 182,0 (37,1) | 0,090a |
IG ajustado para energia (%, mediana±DP) | 67,2 (4,6) | 66,9 (5,3) | 0,772b |
Consumo energético (g/dia, mediana±DP) | 1578 (599) | 1517 (682) | 0,742b |
Consumo de Carboidratosc (g/dia, mediana±DP) | 232,5 (35,2) | 242,6 (22,8) | 0,041a |
Consumo de Lipídiosc (g/dia, média±DP) | 61,5 (11,5) | 59,5 (8,9) | 0,226b |
Consumo de Proteínac (g/dia, mediana±DP) | 47,4 (11,2) | 45,7 (7,9) | 0,552a |
Consumo de Fibrasc (g/dia, mediana±DP) | 13,9 (19,3) | 12,1 (2,2) | 0,269a |
CG, carga glicêmica; IG, índice glicêmico; DP, desvio padrão.
As taxas de prevalência ajustada e bruta de sobrepeso e adiposidade pela carga glicêmica e índice glicêmico da dieta são apresentadas na tabela 4. Observa‐se que, após o ajuste para os potenciais fatores de confusão (por exemplo, o IMC materno, renda per capita, amamentação exclusiva, nível de escolaridade materno), o IG e CG da dieta não foram fatores de risco independentes para sobrepeso/obesidade e adiposidade nas crianças avaliadas.
Razões de prevalência (RP) bruta e ajustada para sobrepeso e adiposidade de acordo com a carga glicêmica e índice glicêmico da dieta
Variáveis | IMC | PCT | PCS | |||
---|---|---|---|---|---|---|
RP | p‐valor | RP | p‐valor | RP | p‐valor | |
Análise bruta | ||||||
CG ajustada para consumo de energia | ||||||
1° Tercil | 1 | 1 | 1 | |||
2° Tercil | 0,82 | 0,623 | 0,99 | 0,987 | 0,82 | 0,738 |
3° Tercil | 1,50 | 0,228 | 0,75 | 0,700 | 1,00 | 1,000 |
IG ajustado para consumo de energia | ||||||
1° Tercil | 1 | 1 | 1 | |||
2° Tercil | 0,68 | 0,278 | 0,14 | 0,064 | 0,62 | 0,377 |
3° Tercil | 0,81 | 0,538 | 0,43 | 0,027 | 0,50 | 0,241 |
Análise ajustadaa | ||||||
CG ajustada para consumo de energia | ||||||
1° Tercil | 1 | 1 | 1 | |||
2° Tercil | 0,77 | 0,509 | 1,12 | 0,872 | 0,94 | 0,917 |
3° Tercil | 1,20 | 0,599 | 0,98 | 0,981 | 1,31 | 0,634 |
IG ajustado para consumo de energia | ||||||
1° Tercil | 1 | 1 | 1 | |||
2° Tercil | 0,71 | 0,331 | 0,16 | 0,082 | 0,71 | 0,536 |
3° Tercil | 0,81 | 0,579 | 0,57 | 0,465 | 0,61 | 0,441 |
CG, carga glicêmica; IG, índice glicêmico; IMC, índice de massa corporal; PCT, prega cutânea do tríceps; PCS, prega cutânea subescapular.
Um número razoável de estudos tem observado a influência da qualidade dos carboidratos da dieta na promoção de ganho de peso e obesidade.25–27 Dietas de baixo índice glicêmico e baixa carga glicêmica têm sido usadas para tratar e prevenir sobrepeso e obesidade em vários estudos, principalmente nos Estados Unidos.28 No entanto, a maioria desses estudos foi feita em pacientes adultos e idosos com doenças crônicas. Como contraponto a esse contexto da literatura científica, o presente estudo explora essa hipótese em crianças com cinco anos.
Ao analisar o tercil superior do IG e CG da dieta, observou‐se que as crianças consumiam uma quantidade de carboidratos significativamente maior. Esse fato pode ser explicado pela alta frequência de consumo de alimentos que contribuem para o aumento do IG e CG. Os grupos de alimentos mais consumidos foram cereais e feijões, seguidos por bebidas açucaradas. Esses alimentos são ricos em carboidratos simples e, assim, contribuem para um aumento do IG da dieta. As frutas e vegetais que poderiam diminuir o IG nas dietas devido ao seu alto teor de fibras foram consumidos em uma frequência muito menor. É digno de nota que os cereais consumidos eram todos refinados, porque o QQFA usado não incluiu produtos integrais. Nesse desenho de questionário, os produtos integrais não foram incluídos porque raramente eram consumidos pela população estudada.19 Além disso, o consumo regular de alimentos integrais por crianças (cinco anos) é muito baixo, especialmente nessa amostra, que incluiu principalmente o grupo de baixa renda.
Os tercis de IG e CG superiores têm níveis de proteína significativamente mais baixos e de carboidratos mais elevados em comparação com os tercis mais baixos. Consequentemente, as dietas com CG mais elevadas eram compostas por níveis de carboidratos mais elevados para o valor calórico total, considerando‐se que os lipídios não diferiram significativamente entre os tercis. Além disso, na análise univariada, apenas a ingestão de carboidratos diferiu entre os grupos, enquanto as crianças com sobrepeso consomem dietas com maiores quantidades desse nutriente. Essa foi a razão para incluir a ingestão total de carboidratos na análise estatística como um fator de confusão, para evitar o possível efeito do IG e da CG sobre o risco de sobrepeso e a adiposidade entre as crianças estudadas.
Neste trabalho, o IG e CG não foram associados com o sobrepeso, pois as médias de IG e CG não diferiram entre os grupos de peso normal e com sobrepeso. Esse achado pode estar relacionado com a baixa prevalência de indivíduos obesos (0,2%) encontrada na amostra, quando comparada com a prevalência nacional (14,3%).2 Talvez essa associação seja mais bem percebida em crianças e adultos obesos, que constituem os grupos que geralmente consomem maiores quantidades de alimentos. Crianças de cinco anos normalmente consomem pequenas porções; portanto, mesmo consumindo alimentos hiperglucídicos, devido às pequenas quantidades, somente são observados níveis mais baixos de IG e CG. A metodologia usada para identificar o IG e CG considera a quantidade de carboidratos que a criança consome por porção,21 reafirma o impacto do tamanho da porção para o cálculo desses parâmetros.
A associação entre o perfil glicêmico da dieta e o risco de sobrepeso na infância ainda não está bem estabelecida na literatura, devido ao número limitado de estudos em crianças, com resultados bastante controversos.6–11
Scaglione et al.6 avaliaram a dieta de 111 crianças italianas que usaram o questionário de frequência alimentar (QQFA) e não identificaram qualquer associação entre o índice de massa corporal e o IG e CG da dieta. Um estudo prospectivo de 380 crianças recrutadas da Germanic Dortmund Nutrition and Anthropometric Longitudinally Designed Association também não encontrou essa associação.7 Essa hipótese também não foi confirmada no estudo feito com 316 crianças de seis a sete anos em Hong Kong, em que a CG na dieta foi obtida a partir de três questionários recordatórios alimentares e o sobrepeso por meio do IMC.8 Davis et al.9 analisaram o IMC e a adiposidade em 120 jovens latino‐americanos com sobrepeso pela absorciometria por raio X com dupla energia (DEXA); os autores encontraram que apenas a ingestão total de açúcares, obtida por dois questionários recordatórios, estava associada com esses parâmetros.
Em contraste, outros pesquisadores identificaram uma associação positiva entre o perfil glicêmico da dieta e o sobrepeso.10,11 Nielsen et al.10 estudaram uma população de 485.364 crianças e adolescentes dinamarqueses com um questionário recordatório alimentar e a soma das dobras cutâneas. Eles relataram que o IG e a CG da dieta foram positivamente associados com os parâmetros analisados somente nos adolescentes do sexo masculino. Murakami et al.11 avaliaram crianças e adolescentes japoneses em um estudo longitudinal em que os dados foram obtidos a partir de um questionário de frequência de consumo alimentar semiquantitativo, autorrelatado pelas famílias dos alunos; os autores também analisaram peso e altura. Semelhantemente ao estudo de Nielsen et al.,10 esses autores observaram que a CG da dieta estava associada com um aumento do risco de sobrepeso apenas entre crianças e adolescentes do sexo masculino.
Dois estudos encontraram uma associação positiva entre sobrepeso10 e alta adiposidade11 e IG e CG. Nesses estudos, o grupo com sobrepeso apresentou maiores médias de IG e CG quando comparado com o grupo de peso normal, um achado não observado em nosso estudo. Além disso, o tamanho da amostra era susceptível de influenciar a análise estatística. Murakami et al.11 e Nielsen et al.10 trabalharam com populações muito maiores do que as de outros estudos.
Os primeiros quatro estudos relataram6–9 uma variável que foi incluída nas análises estatísticas como um fator de confusão em potencial, o sobrepeso materno. Esse achado também ocorreu no presente estudo. Essa mesma variável não foi considerada nos dois estudos10,11 que tinham identificado uma associação positiva entre o IG e CG e sobrepeso. O fato é que o sobrepeso materno é um potencial fator de confusão e merece uma análise mais aprofundada. Além disso, sabe‐se que as crianças com predisposição genética podem ser mais vulneráveis às consequências metabólicas do consumo de alimentos com alto IG e CG em comparação com aquelas sem histórico familiar de sobrepeso.29
A inconsistência nos achados pode ser parcialmente explicada pelas diferentes características apresentadas em cada estudo, tais como hábitos alimentares e estilos de vida das populações estudadas, método de avaliação dietética empregada, estado nutricional medido e os potenciais fatores de confusão incluídos (ou não) nas análises.
Nesse contexto, o presente estudo inclui algumas limitações. Entre elas, o desenho transversal do estudo pode ser inadequado para investigar a frequência de ingestão de alimentos e as características antropométricas. Nesse caso, o fenômeno da causalidade reversa pode ter ocorrido, como mães de crianças com sobrepeso terem oferecido alimentos mais saudáveis em comparação com a comida que elas normalmente consumiam. Como o questionário de frequência alimentar19 foi dirigido ao consumo alimentar do mês anterior e o intervalo entre o convite e a coleta de dados poderia exceder um mês, essas mudanças recentes podem ter influenciado a associação que o estudo procurou investigar. Esse limitado período pode ter sido influenciado pelo efeito de causalidade reversa.
Outra limitação está relacionada com as Tabelas de IG de Alimentos: no Brasil, não temos uma tabela de alimentos que inclua uma grande variedade de alimentos locais. Assim, para estudar o IG, foi usada uma tabela internacional tabela 4, a qual pode não representar exatamente o consumo de alimento pelas crianças.
Em conclusão, o índice glicêmico da dieta e a carga glicêmica não são fatores de risco independentes para sobrepeso/obesidade e adiposidade em crianças brasileiras de cinco anos. Apesar desses resultados, é necessário investigar essa hipótese em outros estudos, tanto prospectivos quanto observacionais, pois a literatura revelou que esses índices são ferramentas estratégicas que podem prevenir e tratar o sobrepeso. No entanto, embora esse resultado não seja estabelecido na infância, o ensino e a orientação das crianças para selecionar alimentos mais saudáveis, refeições com baixo nível de carboidratos, deve ser uma responsabilidade universal, especialmente dentro da família.
FinanciamentoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, processo n° APF‐00428‐08.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.