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Vol. 34. Núm. 1.
Páginas 1-2 (marzo 2016)
Vol. 34. Núm. 1.
Páginas 1-2 (marzo 2016)
Editorial
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O desafio do uso off label de medicamentos
Challenges on off label medicine use
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Marisa Lima Carvalho
Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, SP, Brasil
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Após a Segunda Guerra Mundial ocorreu o que se costuma chamar de explosão farmacológica, que deu lugar a grandes avanços no tratamento de enfermidades que antes eram inevitavelmente mortais ou incapacitantes.

Essa expansão farmacológica contribuiu para a ocorrência de acidentes gravíssimos, como a epidemia de focomelia atribuída à talidomida. Desde então, a preocupação com a segurança dos medicamentos contribuiu para o desenvolvimento e a aplicação de métodos clínicos e epidemiológicos para avaliar os benefícios e os riscos potenciais de qualquer tipo de intervenção terapêutica, seja farmacológica ou não.1

É claro que com a administração de um medicamento pretende‐se obter um efeito benéfico para quem o toma. Não obstante, é importante que as premissas que derivam de análises de evidências científicas não sejam esquecidas: em primeiro lugar, alguns medicamentos não têm a eficácia pretendida e, em segundo, independentemente de seus efeitos benéficos, todos os medicamentos podem produzir efeitos não desejados.

Quando um medicamento é lançado no mercado, todo o conhecimento sobre o fármaco baseia‐se nos estudos pré‐comercialização: durante o desenvolvimento da molécula, iniciam‐se estudos experimentais sobre seus efeitos e sua toxicidade em animais (estudos pré‐clínicos) e, caso não se observem efeitos tóxicos inaceitáveis, fazem‐se os primeiros ensaios clínicos em humanos. São os denominados estudos de fase I, II e III, para investigar aspectos relacionados com a farmacocinética, toxicidade e eficácia em seres humanos.

Nos ensaios clínicos vários fatores podem interferir nos resultados, como os critérios de inclusão e exclusão, o tamanho das amostras e até mesmo critérios “aparentemente éticos”, que, embora plenamente justificados nas primeiras fases de avaliação de um novo fármaco, impedem o estudo científico em certas populações. Durante muito tempo, salvo exceções, as crianças foram excluídas dos ensaios clínicos. Apenas na fase IV (pós‐comercialização) os medicamentos passam a ser usados em crianças, o que pode favorecer que se tornem sujeitos de uma prática clínica não controlada.1,2

Essa prática de indicação pediátrica sem evidências clínicas, em condições diversas das estudadas e preconizadas (indicações, posologias, formulações extemporâneas, idade em que foi testada), são conhecidas como uso off label, que está comprovadamente associado a um aumento dos efeitos adversos3‐5 e deve ser desencorajado.

Neste fascículo da Revista Paulista de Pediatria, Gonçalves e Heineck fizeram um estudo descritivo transversal, com metodologia simples.6 Neste estudo os autores mostraram que, do total, 232 (31,7%) prescrições eram off label e observaram‐se os seguintes tipos e frequências: off label de dose ‐ 90 (38,8%); de idade ‐73 (31,5%); e de frequência de administração ‐ 68 (29,3%). O mais preocupante foi o achado de sobredose para medicamentos cujo uso nessa situação pode ser fatal, como é o caso do salbutamol.

A indicação de uso off label de medicamentos em pediatria no Brasil é uma prática recorrente. Será que essa prática é necessária? O que se pode fazer para garantir a segurança das crianças?

Com o objetivo de proteger a saúde das crianças e garantir que esses medicamentos sejam usados de forma mais ética, desde 2007 a União Europeia editou uma legislação para o desenvolvimento e a autorização de medicamentos pediátricos.7 Desde então as indústrias farmacêuticas estão obrigadas a desenvolver seus medicamentos tanto na população adulta como na população pediátrica, com o objetivo de adaptar os medicamentos às necessidades, à posologia, à forma farmacêutica, à via de administração, entre outros, a fim de que sejam eficazes e sua segurança não seja alterada pelo risco de superdosagem. Foi criado ainda um Comitê Pediátrico, encarregado de assegurar a avaliação dos Planos de Investigação em Pediatria, os PIPs, apresentados pelas indústrias farmacêuticas. O comitê é composto por 12 representantes dos países membros e entre suas funções se destaca a elaboração de uma lista que contemple as necessidades específicas em Pediatria.7

No mesmo ano de 2007, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou a primeira Lista de Medicamentos Essenciais para Crianças, que é revisada a cada dois anos, e lançou ainda a campanha Make medicines child size, com o intuito de sensibilizar e promover uma ação global sobre o problema da falta de formulações pediátricas.8

Nos Estados Unidos da América o órgão regulador, Food and Drug Administration (FDA), criou em 2012, subordinado ao IND (Investigação de Novas Drogas), o Safety and Innovation Act (FDASIA‐2012), que implantou o Plano de Estudos Pediátricos. Esse plano é exigido para novas moléculas, nova indicação, nova forma farmacêutica, nova posologia e nova via de administração.9,10

No Brasil existem iniciativas isoladas de estabelecimentos de saúde que, ao padronizar medicamentos, criar comissões de farmacologia e outras medidas, conseguem avaliar o uso de medicamentos off label. No Estado de São Paulo, O Centro de Vigilância Sanitária (CVS), na área de farmacovigilância, tem por base as notificações de eventos adversos e faz publicar em Diário Oficial Alertas Terapêuticos em Farmacovigilância. Recentemente o CVS publicou dois Alertas, “Metilfenidato: indicações terapêuticas e reações adversas” (julho de 2013) e “Risco de neoplasia pancreática associado à terapia baseada nas incretinas” (fevereiro de 2014). Ambos têm como foco o alerta após reações adversas decorrentes do uso off label dos medicamentos. O primeiro é amplamente usado para crianças.11,12 No âmbito federal, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n° 9, de 20 de fevereiro de 2015, que tem por objetivo definir procedimentos e requisitos para a feitura de ensaios clínicos com medicamentos, ressalta que os ensaios clínicos pós‐comercialização estão sujeitos apenas a Notificação de Ensaio Clínico.13

De imediato, para induzir o emprego ético de medicamentos off label, é necessário que seu uso excepcional seja justificado clinicamente, ainda que seja acompanhado de esclarecimento e consentimento dos responsáveis.14 Essa medida pode ser tomada pelas unidades de saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a exemplo do órgão regulador da União Europeia, deveria estabelecer critérios e normas que induzam estudos comparativos e mostrem a eficácia e segurança do uso de medicamentos em crianças. Quando promissoras, as terapias devem ser testadas em ensaios clínicos controlados e as bulas reformuladas.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

A autora declara não haver conflitos de interesse.

Referências
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J.R. Laporte.
Principios básicos de investigación clínica.
2a ed., Astrazéneca, (2001),
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M.M.M.A. Meiners, G. Berqsten-Mendes.
Prescrição de medicamentos para crianças hospitalizadas: como avaliar a qualidade?.
Rev Ass Med Brasil., 47 (2001), pp. 332-337
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J. Manson, M. Pirmohamed, T. Nunn.
Off‐label and unlicensed medicine use and adverse drug reactions in children: a narrative review of the literature.
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J.R. Bellis, J.J. Kirkham, S. Thiesen, E.L. Conroy, L.E. Bracken, H.L. Mannix, et al.
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[5]
L. Aagaard, E.H. Hansen.
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Br J Clin Pharmacol., 71 (2011), pp. 751-757
[6]
M.G. Gonçalves, I. Heineck.
Frequência de prescrições de medicamentos off label e não licenciados para pediatria na atenção primária à saúde em município do sul do Brasil.
Rev Paul Pediatr., 34 (2016), pp. 11-17
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Noguera VF, Trabajo de Investigación: Análisis descriptivo de los planes de investigación em Pediatria resueltos por la Agencia Europea del Medicamento durante el período 2007‐2009, Doctorado em Farmacologia, Universidade Autonoma de Barcelona. Disponível em: http://ddd.uab.cat/pub/trerecpro/2011/hdl_2072_116979/TR_FerrandoNoguera.pdf.
[8]
Finney, E. Children's medicine: A situation analysis [página na Internet]. WHO, 2011. Disponível em: http://www.who.int/childmedicines/progress/CM_analysis.pdf
[9]
https://www.fda.gov/regulatoryinformation/guidances/ucm126486.htm.
[10]
http://www.fda.gov/RegulatoryInformation/Legislation/FederalFoodDrugandCosmeticActFDCAct/SignificantAmendmentstotheFDCAct/FDASIA/.
[11]
São Paulo, Secretaria de Estado da Saúde, Centro de Vigilância Sanitária. Comunicado CVS ‐ Alerta Terapêutico em Farmacovigilância – 01/2014: Risco de Pancreatite e Neoplasia Pancreática associado à terapia baseada nas Incretinas. Disponível em: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/zip/ALERTA%2001_2014_Incretinas_sem_bandeirola.pdf.
[12]
São Paulo, Secretaria de Estado da Saúde, Centro de Vigilância Sanitária. Comunicado CVS – 45 ‐ Divulgação do Alerta Terapêutico em Farmacovigilância 01/2013 – Metilfenidato – Indicações Terapêuticas e Reações Adversas. Disponível em: http://www.cvs.saude.sp.gov.br/zip/ALERTA%20TERAP%C3%8AUTICO%2010%20Metilfenidato_010813_final.pdf.
[13]
Brasil, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Resolução da Diretoria Colegiada – RDC N° 9, de 20 de fevereiro de 2015, que tem por objetivo definir procedimentos e requisitos para realização de ensaios clínicos com medicamentos. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/c3dc820047823081b0a7fbfe096a5d32/RDC+9‐2015.pdf?MOD=AJPERES.
[14]
Brasil, Ministério da Saúde. CONITEC no SUS, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Humanos Estratégicos. Uso off label: erro ou necessidade? Rev Saúde Pública. 2012; 46:398‐9.
Copyright © 2015. Sociedade de Pediatria de São Paulo
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