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Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 343-351 (septiembre 2016)
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Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 343-351 (septiembre 2016)
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Prevalência de obesidade abdominal em adolescentes: associação entre fatores sociodemográficos e estilo de vida
Prevalence of abdominal obesity in adolescents: association between sociodemographic factors and lifestyle
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1607
João Antônio Chula Castro, Heloyse Elaine Gimenes Nunes, Diego Augusto Santos Silva
Autor para correspondencia
diegoaugustoss@yahoo.com.br

Autor para correspondência.
Programa de Pós‐Graduação em Educação Física, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil
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Tablas (4)
Tabela 1. Descrição das variáveis, instrumento de medida/questão e categorização
Tabela 2. Distribuição da amostra, perímetro da cintura (média e desvio padrão) e prevalência de obesidade abdominal de acordo com as variáveis sociodemográficas
Tabela 3. Distribuição da amostra, perímetro da cintura (média e desvio padrão) e prevalência de obesidade abdominal de acordo com as variáveis comportamentais
Tabela 4. Razões de chances e intervalos de confiança de 95%, nas análises regressão logística binária bruta e ajustada, entre obesidade abdominal e variáveis independentes
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Resumo
Objetivo

Estimar a prevalência de obesidade abdominal e verificar a associação com fatores sociodemográficos (sexo, turno de estudo, cor da pele, idade, escolaridade materna e nível econômico) e o estilo de vida (consumo de álcool, sono, consumo de refrigerante, nível de atividade física e comportamento sedentário) em adolescentes do Sul do Brasil.

Métodos

Estudo epidemiológico descritivo transversal, feito com 930 adolescentes (490 do sexo feminino) de 14‐19 anos de São José, SC, Brasil. Usou‐se questionário autoadministrado para coletar dados sociodemográficos e do estilo de vida. A obesidade abdominal foi avaliada pelo perímetro da cintura e analisada de acordo com sexo e idade. Empregou‐se estatística descritiva (frequência absoluta e relativa, média e desvio padrão) e regressão logística binária, expressa em odds ratio (OR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%), foi significativo p<0,05 e usou‐se o software SPSS 17.0.

Resultados

A prevalência de obesidade abdominal foi de 10,6% para mostra total (10,5% masculino; 10,8% feminino). Adolescentes que assistiam à televisão diariamente por duas ou mais horas (OR=2,11; IC95% 1,08‐4,13) apresentaram maiores chances de obesidade abdominal e os adolescentes cujas mães tinham escolaridade inferior a oito anos (OR=0,56; IC95% 0,35‐0,91) tiveram menor chance de obesidade abdominal.

Conclusões

Aproximadamente um a cada 10 adolescentes apresentou obesidade abdominal, os fatores associados foram a escolaridade materna (≥8 anos) e o tempo de tela de televisão (≥2 horas/dia).

Palavras‐chave:
Circunferência da cintura
Estilo de vida
Antropometria
Epidemiologia
Saúde do adolescente
Saúde pública
Abstract
Objective

To estimate the prevalence of abdominal obesity and verify the association with sociodemographic factors (gender, school shift, ethnicity, age, maternal education and economic status) and lifestyle (alcohol consumption, sleep, soft drink consumption, level of physical activity and sedentary behavior) in adolescents in Southern Brazil.

Methods

This was a cross‐sectional epidemiological study of 930 adolescents (490 girls) aged 14 to 19 years, living in the city of São José, SC, Brazil. A self‐administered questionnaire was used to collect sociodemographic and lifestyle data. Abdominal obesity was measured through the waist circumference and analyzed according to gender and age. Descriptive statistics (absolute and relative frequency, mean and standard deviation) and binary logistic regression, expressed as odds ratios (OR) and 95% confidence interval (95%CI) were employed, with p<0.05 being considered statistically significant; the SPSS 17.0 software was used for the statistical analyses.

Results

The prevalence of abdominal obesity was 10.6% for the total sample (10.5% male, 10.8% female). Adolescents that watched television daily for two or more hours (OR=2.11, 95%CI 1.08 to 4.13) had a higher chance of having abdominal obesity and adolescents whose mothers had fewer than eight years of schooling (OR=0.56; 95%CI from 0.35 to 0.91) had a lower chance of having abdominal obesity.

Conclusions

Approximately one in 10 adolescents had abdominal obesity; the associated factors were maternal schooling (≥8 years) and television screen time (≥2hours/day).

Keywords:
Waist circumference
Lifestyle
Anthropometry
Epidemiology
Adolescent health
Public health
Texto completo
Introdução

O acúmulo de gordura abdominal em adolescentes é fator de risco independente para doenças crônicas não transmissíveis como hipertensão arterial, esteatose hepática, resistência à insulina e diabetes tipo II,1,2 além de ter associação com a síndrome metabólica na adolescência e vida adulta.2 O perímetro da cintura (PC) é uma das formas de avaliar a obesidade abdominal (OA), é descrito como indicador antropométrico de fácil aplicabilidade e precisão.3

A literatura reporta distintas prevalências de AO, o que demonstra diferenças e/ou semelhanças culturais e sociais.4 Park et al.1 encontraram diferentes prevalências de OA ao comparar adolescentes de 12 a 19 anos, nos Estados Unidos e na Coreia do Sul (34,7% e 8,4%, respectivamente). Schröder et al.5 descreveram prevalência de OA de 11,6% ao investigar adolescentes espanhóis de 12‐17 anos. Essas diferenças de prevalência de OA também são observadas no Brasil. Estudo conduzido com adolescentes do Maranhão (Região Nordeste) apresentou prevalência de 22,7%.6 Silva et al.,7 ao investigar 1.065 adolescentes (14‐17 anos), encontraram prevalência de OA de 2,1% na Região Sudeste (Minas Gerais) e 6,3% na Região Sul (Santa Catarina). Também na Região Sul, estudos feitos em Curitiba8 e Saudades9 encontraram prevalências de OA em adolescentes de 12,2% e 13,3%, respectivamente.

As evidências sobre a associação entre OA com fatores sociodemográficos e o estilo de vida ainda não estão claras. Apesar de se observar que adolescentes do sexo feminino têm maiores percentuais de gordura corporal,10 percebe‐se tendência na literatura para descrever maiores prevalências de AO no sexo masculino,5,7,8 porém ainda não há consenso da relação entre OA e sexo em adolescentes.4 São encontradas também divergências nos achados em relação ao nível econômico, com estudos que demonstram maior prevalência de OA em países com maiores níveis econômicos,4 ao mesmo tempo em que investigações em regiões com menores níveis econômicos também apresentaram elevadas prevalências de OA.7,8 Pesquisas que observaram o consumo excessivo de refrigerantes em adolescentes não encontraram associação com a OA,11,12 mesmo sabendo‐se que dietas inadequadas e elevado consumo de açúcar estão associados a maiores prevalências de OA.

Levando‐se em conta que: (i) a OA acarreta riscos à saúde de adolescentes e implicações ao longo da vida; (ii) ainda não estão claras as possíveis associações da OA com fatores sociodemográficos e o estilo de vida, deve‐se investigar a prevalência de OA em adolescentes e possíveis fatores associados. Este estudo objetivou estimar a prevalência de OA e verificar a associação com fatores sociodemográficos e do estilo de vida em adolescentes de uma cidade do Sul do Brasil.

Método

A população deste estudo epidemiológico, transversal, foi composta por adolescentes de 14‐19 anos matriculados no Ensino Médio em São José, Santa Catarina, Brasil. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (CAAE: 33210414.3.0000.0121).

A amostragem foi determinada em dois estágios: estratificado por escolas públicas estaduais de Ensino Médio (de acordo com o número de alunos por escola) e conglomerado de turmas, considerando turno de estudo e série de ensino. Para a determinação do tamanho da amostra, seguiram‐se os procedimentos sugeridos por Luiz e Magnanini,13 a partir da população finita. Considerou‐se a população de 5.182 estudantes em 11 escolas elegíveis e 170 turmas distribuídas nas séries do Ensino Médio (74,8% dos alunos eram do turno diurno). Adotou‐se nível de confiança de 1,96 (intervalo de confiança de 95%), erro tolerável de cinco pontos percentuais, prevalência de 50% e efeito de delineamento de 1,5.13 Acrescentou‐se 20% para minimizar eventuais perdas e recusas, mais 20% para controle de possíveis variáveis de confusão nos estudos de associação.14 Com esses parâmetros, o tamanho amostral necessário seria de 751 estudantes. Foram considerados elegíveis para o estudo adolescentes de ambos os sexos, com 14‐19 anos, matriculados no Ensino Médio da rede estadual do município de São José, SC, Brasil. Não foram avaliadas as adolescentes grávidas, aquelas que tiveram filhos nos últimos seis meses, adolescentes que não apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais (idade<18 anos) ou pelo próprio adolescente (idade≥18 anos), os que se recusaram a participar do estudo e aqueles que tivessem alguma deficiência física que impedisse os testes físicos do macroprojeto. Após o processo de conglomerado de turmas, em que foram coletados todos os alunos das turmas sorteadas, e atendidos os critérios de elegibilidade, a amostra foi totalizada em 1.132 estudantes.

As mensurações antropométricas e a compreensão do questionário foram pré‐testadas e um estudo‐piloto foi feito em julho de 2014 em Paulo Lopes, SC, Brasil, com 84 estudantes do Ensino Médio que aceitaram participar da pesquisa. A coleta de dados em São José, SC, Brasil, foi feita de agosto a novembro de 2014. Para tanto, foram selecionados sete estudantes de pós‐graduação e quatro de graduação em educação física, três deles tinham certificação nível 1da International Society for the Advancement of Kinanthropometry e fizeram a mensuração antropométrica.

O PC foi medido na porção mais estreita do tronco, entre a borda costal inferior e a crista ilíaca, com fita antropométrica.3 Para classificar os adolescentes com OA usaram‐se os pontos de corte propostos por Taylor et al.,3 que definiram como excesso de gordura os valores com escore‐z≥1. Esses pontos de corte se aproximam do percentil 85, considerado ponto de corte para sobrepeso através do índice de massa corporal.3 Os pontos de corte foram propostos de acordo com a idade e o sexo (valores de sensibilidade e especificidade para o sexo feminino de 84% e 94% e para o masculino de 87% e 92%, respectivamente)3 (tabela 1).

Tabela 1.

Descrição das variáveis, instrumento de medida/questão e categorização

Tipo  Variáveis  Instrumento/Questão  Categorização
DependentePerímetro da cinturaFita antropométricaPontos de corte
Sexo feminino:  Sexo masculino: 
14 anos≥77  14 anos≥79 
15 anos≥78,3  15 anos≥81,1 
16 anos≥79,1  16 anos≥83,1 
17 anos≥79,8  17 anos≥84,9 
18 anos≥80,1  18 anos≥86,7 
19 anos≥80,1  19 anos≥88,4 
≥Ponto de corte=Obesidade abdominal3
IndependentesSexo  Qual o seu sexo?  Feminino/Masculino
Cor da peleO censo brasileiro usa as palavras branca, parda, preta, amarela e indígena para classificar a cor ou raça das pessoas. Se você tivesse que responder essa pergunta, como se classificaria a respeito da sua cor ou etnia?Branca
Preta/Parda/Amarela/Indígena 15
IdadeQual a sua idade?14‐16 anos
17‐19 anos[30]
Escolaridade da mãeAté que série sua mãe estudou?<8 anos
≥8 anos16
Nível econômicoQual a renda mensal da sua família (o valor atual do salário mínimo é R$ 724)?17A/B=Alto
C/D/E=Baixo9
Turno de estudoEm qual turno você estuda?Manhã/Tarde/Integral=Diurno
Noturno=Noturno
Atividade físicaDurante uma semana normal (típica), em quantos dias você pratica atividade física moderada a vigorosa (atividade física no lazer, no trabalho e no deslocamento)?18<5 dias=Insuficientemente ativo
≥5 dias=Ativo19
Consumo de álcoolDurante os últimos 30 dias, em quantos dias você tomou cinco ou mais doses de bebida alcoólica em uma mesma ocasião?18Nenhum dia=Não
≥1 dia=Sim29
Consumo de refrigeranteDurante os últimos 7 dias, quantas vezes você bebeu uma garrafa, lata ou copo de refrigerante, como Coca‐Cola, Fanta, Sprite, Pepsi ou Pureza? (Não considerar os refrigerantes diet ou light)18Eu não bebi refrigerantes nos últimos 7 dias=Não
Demais opções=Sim12
SonoVocê dorme bem e se sente descansado?20Quase nunca/ Raramente/ Algumas vezes=Não
Com relativa frequência/Quase sempre=Sim20
Tempo de televisãoQuantas horas por dia você assiste Tv nos dias de aula (2a a 6a feira)?  <2 horas/≥2 horas19
Quantas horas por dia você assiste Tv nos fins de semana (sábado e domingo)?     
Tempo de computadorQuantas horas por dia você usa computador nos dias de aula (2a a 6a feira)?  <2 horas/≥2 horas19
Quantas horas por dia você usa computador nos fins de semana (sábado e domingo)?     
Tempo de videogameQuantas horas por dia você joga videogame nos dias de aula (2a a 6a feira)?  <2 horas/≥2 horas19
Quantas horas por dia você joga videogame nos fins de semana (sábado e domingo)?     
Tempo de tela total  Somatório  <4 horas/≥4 horas21,22
Deslocamento para escolaComo você normalmente se desloca para ir à escola (colégio)?A pé/bicicleta=Ativo
Carro ou moto/ônibus=Passivo22

Foi aplicado questionário autoadministrado com questões relativas a variáveis sociodemográficas (sexo, cor da pele, idade, escolaridade da mãe, nível econômico e turno de estudo) e ao estilo de vida (atividade física, consumo de álcool, consumo de refrigerante, sono e comportamento sedentário) (tabela 1).

As categorias da cor da pele foram coletadas de acordo com as recomendações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística15 e categorizadas em parda, preta, amarela ou vermelha como uma categoria e em branca em outra categoria.15 A escolaridade da mãe foi categorizada levando‐se em consideração a média de escolaridade dos brasileiros (7,2 anos),16 foi classificada em baixa (<8 anos) e alta (≥8 anos). O nível econômico foi avaliado pelo poder de compra das famílias; para o presente estudo as categorias A e B foram definidas como alto e as demais como baixo.17

Para avaliar o consumo de álcool e de refrigerante e o nível de atividade física (AF), foram usadas questões do Youth Risk Behavior Survey (YRBS) traduzidas e validadas para o Brasil.18 A categorização da AF levou em conta as evidências que demonstraram que a prática de 60 minutos de AF em cinco dias semanais é suficiente para manutenção da saúde na adolescência e que quantidades maiores proporcionariam benefícios adicionais.19 Para o consumo de álcool os indivíduos foram categorizados em não (aqueles que não consumiram nos últimos 30 dias cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas em uma mesma ocasião) e sim (aqueles que consumiram tal dosagem em um ou mais dias nos últimos 30 dias). Para o consumo de refrigerante os adolescentes foram classificados em não (aqueles que não consumiram alguma vez durante a semana) e em sim (os que consumiram uma ou mais vezes durante a semana).

O sono foi avaliado quanto à qualidade por meio do questionário Estilo de Vida Fantástico, traduzido e validado para o Brasil.20 Os indivíduos que responderam que dormiam bem “quase sempre” e “com relativa frequência” foram considerados com boa qualidade de sono (sim’), enquanto os que responderam “quase nunca”, “raramente” e “algumas vezes” foram considerados sem boa qualidade de sono (não).

Para avaliar o comportamento sedentário (CS) nos dias de semana e fins de semana, usou‐se o ponto de corte de duas horas para cada comportamento isolado, em virtude das evidências de danos à saúde dos jovens que têm CS superior a esse valor.19 Quando os comportamentos são somados, tem‐se usado a multiplicação do ponto de corte de duas horas por dois (totalizando em quatro horas) para o tempo de tela total.21,22

O deslocamento para a escola foi classificado em ativo, para aqueles que tinham gasto calórico nesse deslocamento, ou passivo, para aqueles que se deslocavam por meio de automóveis e não tinham dispêndio energético.22

Empregou‐se estatística descritiva por meio de frequência absoluta e relativa, média e desvio‐padrão. Para comparar as medianas, usou‐se o teste U de Mann Whitney e para comparar as frequências, o teste qui‐quadrado de heterogeneidade. Para identificar os fatores associados à variável dependente, foi aplicada a regressão logística binária com estimativa de odds ratio e intervalos de confiança de 95%. Para todos os testes estatísticos adotou‐se p<0,05. Na análise de regressão foi usado modelo de determinação hierarquizado, hipoteticamente temporal, dos determinantes distais para os proximais,23 no bloco distal foram incluídas as variáveis demográficas (sexo, cor da pele e idade), no bloco intermediário as variáveis socioeconômicas (nível econômico, escolaridade materna e turno de estudo) e no distal as variáveis do estilo de vida (AF, consumo de álcool, consumo de refrigerante, sono e CS). Todas as covariáveis foram tratadas no modelo de regressão de forma dicotômica, como descrito na tabela 1. A seleção para entrada das variáveis no modelo ajustado foi feita pelo método backward. Todas as variáveis foram incluídas na análise ajustada, independentemente do valor de p da análise bruta. Os ajustes foram feitos para as variáveis do mesmo nível e de níveis acima que apresentassem p≤0,20 no teste de Wald na análise ajustada e permaneceram no modelo.24 Para todas as análises foi usado o software SPSS 17.0.

Resultados

Houve uma perda amostral de 17,8% dos adolescentes, que compreendeu aqueles que responderam ao questionário, porém não participaram da avaliação antropométrica do macroprojeto. Assim, o presente estudo compreendeu amostra de 930 adolescentes com média de 16,1±1,1 anos, a maioria do sexo feminino (n=490) (tabela 2). A maioria dos adolescentes tinha cor da pele branca (62,7%), de 14‐16 anos (58%), escolaridade da mãe baixa (56,4%), nível econômico alto (68,2%) e estudava no período diurno (69,8%) (tabela 2). Nove a cada 10 adolescentes eram pouco ativos fisicamente (92,1%), 3 a cada 10 indivíduos consumiam álcool em excesso (33,9%), 8 a cada 10 consumiam refrigerante (84,1%) e cerca de dois terços não dormiam bem (61,4%). Em relação ao CS, sete a cada 10 adolescentes assistiam televisão 2 horas ou mais (78,6%), cerca de dois terços dos estudantes usavam computador por 2 horas ou mais (68,7%) e 3 a cada 10 jogavam videogame mais de 2 horas (28%). Aproximadamente, 9 a cada 10 tinham tempo de tela acima de 4 horas por dia (87,2%) e metade dos estudantes fazia deslocamento passivo para a escola (50,1%) (tabela 3). Os adolescentes que eram do sexo masculino, mais velhos, estudavam no período noturno, consumiam bebida alcoólica e jogavam videogame diariamente por duas horas ou mais apresentaram maior PC (p<0,05). Não foi encontrada diferença na prevalência de OA entre as categorias das variáveis independentes (tabelas 2 e 3).

Tabela 2.

Distribuição da amostra, perímetro da cintura (média e desvio padrão) e prevalência de obesidade abdominal de acordo com as variáveis sociodemográficas

Variáveis  Amostra  Perímetro da cintura  p‐valor  Obesidade abdominal  p‐valor 
  n (%)  M±DP    n (%)   
Total  930  71,5±8,0    99 (10,6)   
Sexo
Masculino  440 (47,3)  73,8±7,7    46 (10,5)   
Feminino  490 (52,7)  69,4±7,6  <0,01a  53 (10,8)  0,85 
Cor da pele
Branca  574 (62,7)  71,0±7,7    56 (9,8)   
Preta/parda/amarela/vermelha  342 (37,3)  72,0±8,3  0,09  41 (12,0)  0,28 
Idade (anos)
14‐16  539 (58,0)  70,6±7,7    54 (10,0)   
17‐19  391 (42,0)  72,7±8,2  <0,01a  45 (11,5)  0,46 
Escolaridade da mãe
<8 anos  518 (56,4)  71,3±8,0    49 (9,5)   
≥8 anos  400 (43,6)  71,7±8,0  0,38  50 (12,5)  0,14 
Nível econômico
Alto  537 (68,2)  71,5±7,7    51 (9,5)   
Baixo  250 (31,8)  71,2±8,6  0,32  31 (12,4)  0,21 
Turno de estudo
Diurno  644 (69,8)  70,8±7,9    66 (10,2)   
Noturno  278 (30,2)  72,9±8,0  <0,01a  33 (11,9)  0,46 

M, média; DP, desvio padrão.

a

p≤0,05; teste U de Mann Whitney para amostras independentes.

Tabela 3.

Distribuição da amostra, perímetro da cintura (média e desvio padrão) e prevalência de obesidade abdominal de acordo com as variáveis comportamentais

Variáveis  Amostra  Perímetro da cintura  p‐valor  Obesidade abdominal  p‐valor 
  n (%)  M±DP    n (%)   
Total  930  71,5±8,0    99 (10,6)   
Atividade física
Insuficientemente ativo  832 (92,1)  71,5±8,1    94 (11,3)   
Ativo  71 (7,9)  72,0±6,7  0,30  5 (7,0)  0,27 
Consumo de álcool
Não  610 (66,1)  70,9±7,9    61 (10,0)   
Sim  313 (33,9)  72,4±8,1  0,01a  38 (12,1)  0,32 
Consumo de refrigerante
Não  143 (15,9)  72,2±8,7    21 (14,7)   
Sim  754 (84,1)  71,3±7,9  0,45  78 (10,3)  0,12 
Sono (dorme bem)
Não  559 (61,4)  71,3±8,0    58 (10,4)   
Sim  351 (38,6)  71,7±7,9  0,62  39 (11,1)  0,72 
Tempo de televisão
<2 horas  192 (21,4)  71,6±7,3    15 (7,8)   
≥2 horas  705 (78,6)  71,4±8,3  0,23  84 (11,9)  0,08 
Tempo de computador
<2 horas  281 (31,3)  71,6±8,7    36 (12,8)   
≥2 horas  616 (68,7)  71,4±7,8  0,83  63 (10,2)  0,29 
Tempo de videogame
<2 horas  646 (72,0)  71±7,9    72 (11,1)   
≥2 horas  251 (28,0)  72,6±8,3  0,01a  27 (10,8)  0,85 
Tempo de tela total
<4 horas  115 (12,8)  70,7±7,9    13 (10,3)   
≥4 horas  782 (87,2)  71,6±8,1  0,41  86 (11,0)  0,86 
Deslocamento para escola
Ativo  448 (49,9)  71,2±7,8    43 (9,6)   
Passivo  449 (50,1)  71,7±8,3  0,58  56 (12,5)  0,17 

M, média; DP, desvio padrão.

a

p≤0,05; teste U de Mann Whitney para amostras independentes.

Os adolescentes cujas mães tinham baixa escolaridade apresentaram menor chance de OA na análise bruta (OR=0,59; IC95% 0,35‐0,98). Na análise ajustada, a associação com a escolaridade materna permaneceu (OR=0,56; IC95% 0,35‐0,91) e os estudantes que assistiam televisão por 2 horas ou mais apresentaram maior chance de OA (OR=2,11; IC95% 1,08‐4,13) (tabela 4).

Tabela 4.

Razões de chances e intervalos de confiança de 95%, nas análises regressão logística binária bruta e ajustada, entre obesidade abdominal e variáveis independentes

  Análise brutaAnálise ajustadaa
  RC (IC)  p‐valor  RC (IC)  p‐valor 
Sexob    0,70    0,71 
Masculino     
Feminino  0,90 (0,53‐1,53)    1,08 (0,70‐1,65)   
Cor da peleb    0,10    0,28 
Branca     
Preta/Parda/Amarela/Vermelha  1,50 (0,92‐2,45)    1,26 (0,82‐1,93)   
Idade (anos)b    0,44    0,49 
14‐16  0,82 (0,50‐1,35)    0,86 (0,56‐1,31)   
17–19     
Escolaridade da mãec    0,04d    0,02d 
<8 anos  0,59 (0,35‐0,98)    0,56 (0,35‐0,91)   
≥8 anos     
Nível econômicoc    0,06    0,07 
Alto     
Baixo  1,65 (0,97‐2,78)    0,64 (0,39‐1,06)   
Turnoc    0,45    0,49 
Diurno     
Noturno  1,22 (0,72‐2,07)    1,18 (0,72‐1,93)   
Atividade físicae    0,66    0,71 
Insuficientemente ativo  1,24 (0,46‐3,35)    1,19 (0,45‐3,15)   
Ativo     
Consumo de álcoole    0,56    0,37 
Não     
Sim  1,16 (0,69‐1,93)    1,24 (0,76‐2,03)   
Consumo de refrigerantee    0,08    0,11 
Não     
Sim  0,57 (0,30‐1,07)    0,62 (0,34‐1,12)   
Sono (dorme bem)e    0,34    0,46 
Não  0,78 (0,47‐1,29)    0,83 (0,51‐1,35)   
Sim     
Tempo de televisãoe    0,10    0,02d 
<2 horas     
≥2 horas  1,82 (0,88‐3,73)    2,11 (1,08‐4,13)   
Tempo de computadore    0,09    0,09 
<2 horas     
≥2 horas  0,61 (0,35‐1,08)    0,66 (0,40‐1,07)   
Tempo de videogamee    0,57    0,78 
<2 horas     
≥2 horas  0,84 (0,46‐1,52)    0,92 (0,53‐1,60)   
Tempo de tela totale    0,44    0,54 
<4 horas     
≥4 horas  1,40 (0,59‐3,36)    1,29 (0,55‐3,01)   
Deslocamento escolae    0,06    0,09 
Ativo     
Passivo  1,60 (0,97‐2,65)    1,51 (0,93‐2,44)   

RC, razão de chance; IC, intervalo de confiança; p, p‐valor.

a

Análise ajustada por todas as variáveis independentes.

b

Variáveis do nível distal ao desfecho.

c

Variáveis do nível intermediário.

d

p≤0,05.

e

Variáveis do nível proximal ao desfecho.

Discussão

Os principais achados do presente estudo foram: i) cerca de um a cada 10 adolescentes apresentavam AO (10,6%); ii) adolescentes que assistiam à televisão por duas ou mais horas (OR=2,11; IC95% 1,08‐4,13) apresentaram maiores chances de OA e os adolescentes cujas mães tinham escolaridade inferior a 8 anos (OR=0,56; IC95% 0,35‐0,91) tiveram menores chances de OA. Estudos anteriores na mesma região descreveram prevalências de OA de 6,3%,7 13,3%9 e 12,8%.8 O presente estudo traz como avanço a informação de que o comportamento sedentário foi o principal fator do estilo de vida associado à OA. Tal comportamento é modificável por meio de iniciativas de educação em saúde, que pode resultar em menores prevalências de OA. Além dessa variável, o único fator sociodemográfico que se associou à OA foi a alta escolaridade materna, o que revela a necessidade de investigações específicas para esse indicador.

A prevalência de OA encontrada de 10,6% está abaixo de valores descritos em adolescentes espanhóis (11,6%)5 e americanos (34,7%),1 é semelhante à de adolescentes sul‐coreanos (8,4%).1 Quando comparada com estudos feitos no Brasil, a prevalência de OA encontrada foi superior aos valores descritos em Minas Gerais (Januária) (2,1%)7 e inferior aos do Maranhão (22,7%)6 e Curitiba (12,2%).8 Essas distintas prevalências de OA podem demonstrar semelhanças e diferenças culturais e sociais,4 se levarmos em conta que São José e Curitiba têm índice de desenvolvimento humano classificado como muito alto (0,809 e 0,823),16 já Januária tem classificação média (0,658).16

Outro fator que pode explicar a discrepância entre as prevalências encontradas é o uso de diferentes pontos de corte pelos diversos estudos. Assim como na presente investigação, três5–7 fizeram uso dos pontos de corte propostos por Taylor et al.,3 que definiram como OA valores com escore‐z≥1. A validação da medida do PC foi feita pela densitometria por dupla emissão de raios‐X (DXA), apresentou alta correlação para ambos os sexos (r=0,92) e valores de sensibilidade e especificidade para as meninas de 84% e 94% e para os meninos de 87% e 92%.3 Diferentemente desses estudos, outros três1,8,9 fizeram uso de diferentes percentis do PC. O diagnóstico de OA depende do uso de pontos de corte com elevados valores de sensibilidade e especificidade para a população estudada. O uso de referências que não adotem esses critérios pode gerar erros de classificação e sub ou superestimar os valores encontrados.4

Adolescentes com mães que estudaram menos de 8 anos tinham menores chances de apresentar OA. A escolaridade dos pais determina a chance de escolarização dos filhos e a esfera cultural familiar.25 Devido à relação positiva com a renda familiar, quanto maiores os níveis de escolarização, maior a renda familiar.25 Assim, esse achado vai de encontro aos estudos que relatam associação entre OA e nível econômico alto, o qual tem relação com ambientes obesogênicos.4,6,7,11 Neste estudo, quando pesquisado diretamente o nível econômico dos adolescentes, não foi observada associação com a prevalência de OA. Fato que demonstra a importância de se verificarem fatores associados à OA por diferentes formas para determinar a presença de ambientes obesogênicos.

O tempo de televisão igual a ou maior do que 2 horas esteve associado à OA. O resultado do presente estudo é convergente com pesquisa de Byun et al.,26 que descreveram associação da OA e CS. Essa associação pode ser explicada pelo menor gasto energético ao longo do dia em adolescentes que tenham maior engajamento em CS.27 Ademais, a literatura demonstrou que o consumo de alimentos altamente calóricos ocorre concomitante ao ato de assistir televisão.27

O PC foi maior nos adolescentes do sexo masculino em comparação com o feminino, porém essas diferenças não se mantiveram quando se analisou a prevalência de OA. Moraes et al.4 encontraram que, apesar de existir tendência a valores elevados de PC para o sexo masculino, a associação entre OA e sexo em adolescentes ainda não está clara. Maiores valores de PC em adolescentes do sexo masculino ocorrem em decorrência do dimorfismo sexual da distribuição de gordura.10 Adolescentes do sexo feminino, mesmo apresentando maior percentual de gordura corporal, devido a diferenças hormonais entre os sexos, têm acúmulo de tecido adiposo maior na região do quadril e menor na cintura, quando comparados com seus pares do sexo masculino.10

Adolescentes que jogavam videogame por duas ou mais horas tiveram maior PC, fato que pode ser explicado pelo maior PC em adolescente do sexo masculino, pois esses têm tempo de tela de videogame superior ao do sexo feminino.26,28 No presente estudo, os meninos apresentaram maior média de tempo de tela de videogame (171,5±257,6 minutos) do que as meninas (53,9±157,7 minutos). Ademais, o percentual de adolescentes que jogavam videogame por duas ou mais horas também foi superior no sexo masculino (45,5%) do que no feminino (15,5%) (dados não apresentados em tabela/figuras).

Adolescentes mais velhos tiveram maior PC. A literatura afirma que, devido ao desenvolvimento morfológico e fisiológico, o PC aumenta de acordo com a idade e o estágio de maturação sexual, independentemente de se o sujeito apresenta OA.3,10 Outro achado do presente estudo foi que adolescentes com maior consumo de álcool também apresentaram maior PC. Estudo epidemiológico indicou que o consumo de álcool aumenta com a idade.29 Como os estudantes mais velhos apresentaram maiores valores de PC, a idade pode ser uma variável que confunde a associação entre consumo de álcool e PC.

Em relação ao turno de estudo, foi encontrado maior PC em adolescentes que estudavam no período noturno. Especula‐se que esse achado esteja relacionado ao fato de esses adolescentes serem mais velhos, terem baixos níveis econômicos e, por consequência, trabalharem. Assim, apresentam hábitos de vida mais próximos dos de adultos e maior engajamento em CS.22

A pesquisa com adolescentes matriculados no Ensino Médio da rede pública de São José foi uma limitação, pois implica a não extrapolação dos resultados para estudantes de escolas particulares, que apresentam, no Brasil, características socioeconômicas distintas daquelas observadas em jovens de escolas públicas. Os pontos fortes dessa pesquisa foram a amostra de base escolar e o uso de pontos de corte validados por meio de método com forte correlação com padrões de referência na avaliação da gordura abdominal.3 Além disso, várias pesquisas brasileiras fazem uso dos mesmos pontos de corte,6,7 o que facilita a comparação entre os estudos.

Pode‐se concluir que foi encontrada elevada prevalência de obesidade abdominal, observada em aproximadamente um a cada 10 adolescentes. A escolaridade materna (≥8 anos) e o tempo sentado à frente da televisão (≥2 horas) estiveram associados à obesidade abdominal.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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