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Vol. 33. Núm. 3.
Páginas 310-317 (septiembre 2015)
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Vol. 33. Núm. 3.
Páginas 310-317 (septiembre 2015)
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Qualidade da dieta de pré‐escolares de 2 a 5 anos residentes na área urbana da cidade de Pelotas, RS
Diet quality of preschool children aged 2 to 5 years living in the urban area of Pelotas, Brazil
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Katharine Konrad Leal
Autor para correspondencia
katharineeleal@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Bruna Celestino Schneider, Giovanny Vinicius Araújo França, Denise Petrucci Gigante, Iná dos Santos, Maria Cecília Formoso Assunção
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS, Brasil
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Tabela 1. Critérios para a pontuação do escore do Índice de Alimentação Saudável dos pré‐escolares de acordo com os componentes 1 a 13. Pelotas, RS, 2012
Tabela 2. Descrição da amostra de pré‐escolares, por sexo, idade, cor, renda familiar e escolaridade materna. Pelotas, RS, 2012
Tabela 3. Média do escore do IAS para cada componente de acordo com sexo dos pré‐escolares. Pelotas, RS, 2012
Tabela 4. Média do escore do IAS segundo as variáveis de interesse para todos os pré‐escolares estratificada por sexo. Pelotas, RS, 2012
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Resumo
Objetivo

Avaliar a qualidade da dieta de pré‐escolares residentes na área urbana da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Métodos

A qualidade da dieta foi avaliada de acordo com o Índice de Alimentação Saudável (IAS), adaptado para o Brasil. O consumo alimentar foi medido por meio de Questionário de Frequência Alimentar. O escore do índice foi obtido por uma pontuação distribuída em 13 grupos alimentares, que caracterizam diferentes aspectos de uma dieta saudável, variação de 0 a 100 pontos. Quanto mais próximo de 100, melhor será a qualidade da dieta.

Resultados

A qualidade da dieta foi avaliada em 556 pré‐escolares. O valor médio do escore do IAS foi de 74,4 pontos. Isso indica que as dietas necessitam ser melhoradas. As médias dos escores foram significativamente maiores entre as meninas e entre crianças provenientes de famílias com renda familiar entre um e menos de três salários mínimos mensais.

Conclusões

As crianças apresentaram consumo de verduras e legumes abaixo da recomendação, enquanto os alimentos do grupo dos óleos e gorduras, bem como do grupo dos açúcares, balas, chocolates e salgadinhos, foram consumidos em excesso. É importante reforçar orientações para promover um hábito alimentar mais saudável, que poderá perdurar em etapas posteriores da vida

Palavras‐chave:
Pré‐escolar
Índices
Hábitos alimentares
Dieta
Abstract
Objective

To assess the dietary quality of preschool children in the urban area of Pelotas, Rio Grande do Sul, southern Brazil.

Methods

Dietary quality was measured according to the Healthy Eating Index (HEI), adapted to Brazil. Food consumption was obtained using the Food Frequency Questionnaire (FFQ). The index score was obtained by a score, ranging from 0 to 100, distributed in 13 food groups that characterize different components of a healthy diet. The better the quality of the diet, the closer the score is to 100.

Results

Dietary was evaluated in 556 preschoolers. The mean HEI score value was 74.4 points, indicating that diets need improvement. The mean scores were significantly higher among girls and in children from families with income between one and less than three minimum wages.

Conclusions

The children showed vegetable consumption below the recommended level, while the food group of oils and fats, as well as the group of sugars, candies, chocolates and snacks were consumed in excess. It is important to reinforce guidelines to promote healthier eating habits, which may persist later in life.

Keywords:
Preschool
Indexes
Food habits
Diet
Texto completo
Introdução

Uma alimentação adequada na infância reflete‐se no crescimento e no desenvolvimento fisiológico, na saúde e no bem‐estar das crianças. Nessa fase, uma dieta equilibrada torna‐se muito importante, porque essas se encontram em fase de crescimento, desenvolvimento e formação da personalidade e dos hábitos alimentares.1

Os pais influenciam o desenvolvimento de hábitos alimentares nas crianças, pois são responsáveis pelo processo de introdução alimentar, pelo padrão alimentar oferecido e pelos exemplos de atitudes perante o alimento.2 As preferências alimentares das crianças são aprendidas a partir de experiências repetidas do consumo de determinados alimentos. Esses hábitos refletem‐se em sua ingestão alimentar, condicionada às consequências fisiológicas e ao contexto social em que a criança vive. Nessa fase elas preferem alimentos mais calóricos, pois causam maior saciedade e garantem o aporte energético necessário para as necessidades básicas.3

Nas últimas décadas, tem‐se avaliado a qualidade da alimentação da população por meio de índices dietéticos. Esses consistem em um método de análise da alimentação com a finalidade de determinar sua qualidade por meio de um ou mais parâmetros, simultaneamente: ingestão adequada de nutrientes, número de porções consumidas de cada grupo de alimentos e quantidade de diferentes gêneros alimentícios presentes na dieta.4 A maioria desses índices foi desenvolvida nos Estados Unidos e adaptada e usada em outros países.5 Dentre os mais citados na literatura, destacam‐se: o índice de nutrientes,6 o escore de variedade da dieta,7 o escore da diversidade da dieta,8 o índice de qualidade da dieta – IQD (Healthy Eating Index – HEI),4 o índice de alimentação saudável (IAS)9 e o índice de qualidade da dieta revisado.10

O IAS foi criado em 1995 pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, com o objetivo de construir um índice de qualidade global da dieta que incorporasse em uma só medida as necessidades nutricionais e os guias dietéticos para consumidores americanos.11 O IAS é constituído por dez componentes, baseados em diferentes aspectos de uma dieta saudável, e foi adaptado para o Brasil com base nas Diretrizes Alimentares para a População Brasileira (DAPBs)12 por Domene et al.,13 para ser usado com pré‐escolares de dois a seis anos.

Este estudo avalia a qualidade da dieta de uma amostra de pré‐escolares da cidade de Pelotas, RS, Brasil, por meio do emprego do IAS.

Método

Este trabalho, feito em Pelotas, RS, em 2008, usa dados referentes à alimentação de pré‐escolares participantes de estudo transversal de base populacional, que consistiu na quarta avaliação de uma série temporal, com o objetivo de avaliar o efeito da fortificação com ferro em farinhas de trigo e milho sobre anemia em crianças menores de seis anos.14 Dados metodológicos se encontram descritos em publicação anterior. 14

A entrevista foi feita por nutricionistas treinadas, com as mães ou o responsável pela criança, com a aplicação de um questionário pré‐codificado. Foram coletadas variáveis demográficas (sexo e idade das crianças, em meses), socioeconômicas (renda familiar, em salários mínimos, e escolaridade da mãe, em anos completos) e relativas à alimentação. Por meio da aplicação de um questionário de frequência alimentar (QFA) quantitativo, com 56 itens alimentares, distribuídos em cereais, leguminosas, vegetais, frutas, leite e derivados, carne e derivados, gorduras, açúcares e outros alimentos, desenvolvido para o estudo, com período recordatório de um ano, foram avaliados o consumo e, a partir desse, a qualidade da dieta. O QFA foi validado com o uso de três recordatórios de 24 horas. Os coeficientes de correlação de Pearson atenuados foram todos iguais ou superiores a 0,50 para macronutrientes, cálcio, ferro, sódio, vitamina C, colesterol e gordura saturada (dados não publicados).

A análise da qualidade da dieta foi feita por meio do Índice de Alimentação Saudável (IAS) proposto por Domene et al.13 Dessa forma, foi gerado um escore de pontos a partir da pontuação de 13 componentes. Os primeiros oito estavam relacionados com os grupos alimentares: 1) cereais; 2) legumes e verduras; 3) frutas e sucos de frutas; 4) leite e derivados; 5) carnes e ovos; 6) leguminosas; 7) óleos e gorduras e; 8) açúcares, balas, chocolates e salgadinhos. Esses oito componentes contribuem com 50% do escore total. Para a adaptação do IAS, que originalmente classifica os alimentos em cinco grupos alimentares, foi feita uma redução proporcional na soma de pontos possíveis, de 80 para 50. Os outros cinco componentes, os quais contribuíram com os outros 50% da pontuação do escore, foram: 9) gordura total; 10) gordura saturada; 11) colesterol; 12) sódio e; 13) variedade da dieta. Para a pontuação dos componentes 1‐8, o número ideal de porções a ser consumido diariamente foi estabelecido por meio da proporção entre a necessidade energética da faixa etária e o número de porções proposto pelas Diretrizes Alimentares para a População Brasileira (DAPBs),12 que foram adaptadas de acordo com a idade e com as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).15 Cada alimento consumido recebeu uma pontuação de acordo com o tamanho da porção ingerida, como mostra a tabela 1. Nessa, alguns componentes estão repetidos, uma vez que algumas recomendações são diferentes para meninos e meninas.

Tabela 1.

Critérios para a pontuação do escore do Índice de Alimentação Saudável dos pré‐escolares de acordo com os componentes 1 a 13. Pelotas, RS, 2012

Componente/alimento  RecomendaçãoEscore
  Meninas  Meninos  2,5  5,0  7,5  10 
1. Cereais  <1  1 porção  2 porções  3 porções  4 porções 
2. Legumes e verduras  0,5    >0 e <0,25 porção  0,25 porção  >0,25 e <0,5 porção  0,5 porção 
2. Legumes e verduras    <0,25  0,25 porção  0,5 porção  0,75 porção  1 porção 
3. Frutas e sucos de frutas    <0,25  0,25 porção  0,5 porção  0,75 porção  1 porção 
3. Frutas e sucos de frutas    <0,5  0,5 porção  1 porção  1,5 porção  2 porções 
4. Leite e derivados    <0,25  0,25 porção  0,5 porção  0,75 porção  1 porção 
4. Leite e derivados    <0,5  0,5 porção  1 porção  1,5 porção  2 porções 
5. Carnes e ovos  <0,25  0,25 porção  0,5 porção  0,75 porção  1 porção 
6. Leguminosas  0,5    0 e <0,25 porção  0,25 porção  0,25 e <0,5 porção  0,5 porção 
6. Leguminosas    <0,25  0,25 porção  0,5 porção  0,75 porção  1 porção 
7. Óleos e gorduras  <0,25  0,25 porção  0,5 porção  0,75 porção  1 porção 
8. Açúcares, balas, chocolates, salgadinhos  <0,25  0,25 porção  0,5 porção  0,75 porção  1 porção 
9. Gordura total  30%  30%  45% ou mais  >37,5% e <45%  37,5%  >30% e <37,5%  30% ou menos 
10. GorduraSaturada  10%  10%  15% ou mais  >12,5% e <15%  12,5%  >10% e <12,5%  10% ou menos 
11. Colesterol  300mg  300mg  450mg ou mais  375mg e <450mg  375mg  >300mg e <375mg  300mg ou menos 
12. Sódio  2.400mg  2.400mg  4.800mg ou mais  >3.600mg e <4.800mg  3.600mg  >2.400mg e <3.600mg  2.400mg ou menos 
13. Variedade da dieta  8 ou+diferentes tipos de alimentos  8 ou+diferentes tipos de alimentos  3 ou menos diferentes tipos de alimentos diferentes no dia  4 ou 5 diferentes tipos de alimentos diferentes no dia  6 diferentes tipos de alimentos diferentes no dia  7 diferentes tipos de alimentos diferentes no dia  8 ou mais diferentes tipos de alimentos diferentes no dia 

A pontuação dos componentes 9‐13 não exigiu adaptação e foi feita com o emprego dos mesmos parâmetros indicados por Bowman et al.9 Para a ingestão de gordura total e de gordura saturada, o critério de pontuação usado foi a porcentagem de energia diária fornecida por esses nutrientes. A pontuação máxima (10) foi atribuída a valores iguais ou inferiores a 30% para gordura total e 10% para saturada, enquanto, para o critério de pontuação mínima (zero), foram usados 45% e 15% para gordura total e saturada, respectivamente. Para a ingestão de colesterol e sódio, a pontuação máxima de 10 foi atribuída para quem consumisse 300mg ou menos de colesterol e 2.400mg ou menos de sódio por dia. Já a pontuação mínima de zero foi dada a quem consumisse 450mg ou mais de colesterol e 4.800mg ou mais de sódio por dia. Finalmente, para a pontuação da variedade da dieta foram considerados apenas alimentos dos seis primeiros grupos e excluídos os alimentos classificados como óleos e gorduras ou como doces e salgadinhos. A pontuação máxima de 10 foi obtida quando a criança havia consumido pelo menos meia porção de oito ou mais diferentes tipos de alimentos no dia. A pontuação mínima de zero era atribuída quando a criança havia consumido três ou menos tipos de alimentos no dia. Para todos os componentes avaliados foram atribuídos valores intermediários, conforme mostra a tabela 1.

O escore final do IAS foi construído a partir da soma dos 13 componentes de avaliação: 50% da pontuação obtida dos componentes 1‐8 e a outra metade dos componentes 9‐13. No escore de pontuação foram considerados os seguintes intervalos: valores iguais ou superiores a 80 pontos caracterizavam a dieta como adequada; entre 51 e 80 pontos, como necessitada de melhoria; e menos do que 51 caracterizava uma dieta pobre.9

Os dados demográficos, socioeconômicos e da frequência de ingestão de alimentos foram processados por meio da dupla digitação com checagem de consistência das informações no programa Epi info 6.0. Os alimentos e as preparações registrados nos questionários de frequência alimentar (QFAs) foram analisados em relação a sua composição nutricional no programa HHHQ – DietSys Analysis Software, Version 4.02, National Cancer Institute, 1999. Essas informações foram analisadas no programa Stata versão 11.1. Foram feitas análises descritivas para caracterizar a amostra estudada. Para a comparação de médias do IAS por sexo foi usado o teste t de Student. Finalmente, foram feitas análises bivariadas entre as exposições e as médias do IAS por regressão linear simples. Todas as análises consideraram um valor p<0,05 para significância estatística. A variação amostral foi apresentada na forma de erro padrão, uma vez que as análises levaram em conta o delineamento amostral (comando svy no programa Stata versão 11.1.), visto que o processo de amostragem foi feito em múltiplos estágios.14 O erro padrão da média é obtido dividindo o desvio padrão da amostra pela raiz quadrada do número de observações e indica, da mesma forma que o desvio padrão, a imprecisão associada à estimativa das médias.

O consentimento por escrito da mãe ou responsável foi obtido antes da coleta das informações. Este estudo foi submetido à comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas e aprovado sob o n° 011/08.

Resultados

O estudo original avaliou 799 crianças de zero a cinco anos. Essas representaram 94% da amostra inicialmente calculada, o que conferiu um percentual baixo de perdas e recusas.14 Após a exclusão de 243 crianças menores de dois anos, foi avaliada a dieta de 556 crianças entre dois–cinco anos. A média de idade foi de quatro anos (EP=0,5), a maioria era do sexo masculino (53,6%), com cor da pele branca (75,8%), com mães que tinham nove anos ou mais de escolaridade (44,9%) e provenientes de famílias com renda familiar mensal entre um e menos de três salários mínimos (48,4%), conforme mostra a tabela 2.

Tabela 2.

Descrição da amostra de pré‐escolares, por sexo, idade, cor, renda familiar e escolaridade materna. Pelotas, RS, 2012

Variável 
Sexo
Feminino  258  46,4 
Masculino  298  53,6 
Idade (anos)
Dois  116  20,9 
Três  140  25,2 
Quatro  159  28,6 
Cinco  141  25,4 
Cor
Branca  420  75,8 
Não branca  134  24,2 
Renda familiar (salários mínimos)
Menos de 1  134  24,2 
1 a 2.99  268  48,4 
3 a 5.99  99  17,9 
6 ou mais  53  9,6 
Escolaridade materna (anos)
0 a 4  87  15,7 
5 a 8  218  39,4 
9 ou mais  249  44,9 

Os alimentos menos consumidos pelos pré‐escolares foram verduras, legumes e cereais, com, respectivamente, 45,7% e 64% das crianças tendo consumido a quantidade diária recomendada. Já os mais consumidos, por 99,6% das crianças, foram os pertencentes ao grupo dos doces, açúcares e salgadinhos. Alimentos do grupo de óleos e gorduras tiveram consumo maior do que o recomendado por 74,3% das crianças. Alimentos dos grupos das carnes e ovos, leguminosas, frutas e leite e derivados obtiveram um consumo adequado, variação entre 81,1% e 89,2% (fig. 1).

Figura 1.

Frequência de consumo dos componentes 1 a 13 de acordo com a pontuação do IAS categorizado dos pré‐escolares. Pelotas, RS, 2012.

(0.23MB).

Em relação aos componentes 9 a 12 (gordura total, gordura saturada, colesterol e sódio), observou‐se um escore alto na avaliação; 100% das crianças atingiram a pontuação 10 do escore em consumo de gordura saturada. Com relação ao componente variedade da dieta, 57,4% das crianças consumiram oito ou mais tipos de alimentos diferentes em um dia (fig. 1).

A tabela 3 apresenta a média de escore relativa a cada um dos 13 componentes do IAS de acordo com o sexo das crianças. Dos 10 pontos atingíveis em cada um dos componentes, nota‐se que as meninas alcançaram um escore maior em relação aos meninos para o consumo de legumes e verduras (8 vs. 6,4), frutas (9,5 vs. 9), leite e derivados (9,4 vs. 8,9), leguminosas (9,7 vs. 9,2) e gordura total (8,3 vs. 7,7).

Tabela 3.

Média do escore do IAS para cada componente de acordo com sexo dos pré‐escolares. Pelotas, RS, 2012

Componentes do IAS  Meninos (n=298)  Meninas (n=258)  Valor pa 
1. Cereais  8,9  8,8  0,61 
2. Legumes e verduras  6,4  8,0  <0,001 
3. Frutas  9,0  9,5  0,002 
4. Leite e derivados  8,9  9,4  0,030 
5. Carnes e ovos  9,3  9,5  0,22 
6. Leguminosas  9,2  9,7  0,003 
7. Óleos e gorduras  1,5  1,5  0,98 
8. Açúcares, balas, chocolates e salgadinhos  <1,0  <1,0  0,62 
9. Gordura total (%VET)  7,7  8,3  0,005 
10. Gordura saturada (% VET)  10  10  ‐ 
11. Colesterol (mg)  6,3  6,6  0,34 
12. Sódio (mg)  7,1  7,2  0,75 
13. Variedade da dieta  8,43  8,5  0,70 
a

Teste t de Student.

Do máximo de 100 pontos atingíveis no escore do IAS, a média alcançada pelas crianças estudadas foi de 74,4 pontos (EP=0,4), maior entre as meninas do que entre os meninos, (75,4; EP=0,6 vs. 73,4; EP=0,5, respectivamente). Em relação à renda familiar, crianças provenientes de famílias com renda entre um e 2,99 salários mínimos obtiveram uma média de escore maior (75,1 EP=0,8), quando comparadas com aquelas cuja renda familiar era maior ou menor do que um salário mínimo. As variáveis cor da pele, idade e escolaridade materna não apresentaram associação estatisticamente significativa com as médias do escore, como mostra a tabela 4.

Tabela 4.

Média do escore do IAS segundo as variáveis de interesse para todos os pré‐escolares estratificada por sexo. Pelotas, RS, 2012

Variável  Todos(n=556)  Valor pa  Meninos(n=298)  Valor pa  Meninas(n=258)  p‐valora 
  Média (EP)    Média (EP)    Média (EP)   
Sexo    0,001         
Masculino  73,4 (0,5)    ‐  ‐  ‐   
Feminino  75,4 (0,6)    ‐  ‐  ‐   
Cor    0,12    0,23    0,38 
Branca  74,6 (0,5)    73,7 (0,4)    75,7 (0,6)   
Não branca  73,5 (0,7)    72,7 (0,9)    74,8 (1,0)   
Idade (anos)    0,19    0,19    0,47 
Dois  74,7 (1,1)    74,2 (1,6)    75,3 (1,2)   
Três  73,9 (0,9)    72,5 (1,4)    75,4 (1,1)   
Quatro  73,4 (1,1)    72,2 (1,4)    74,7 (1,1)   
Cinco  75,6 (0,9)    75,0 (1,2)    76,5 (1,0)   
Escolaridade materna (anos)    0,64    0,99    0,75 
0 a 4  73,7 (0,8)    73,3 (0,8)    74,2 (1,8)   
5 a 8  74,3 (0,6)    73,4 (1,3)    75,4 (1,8)   
9 ou mais  74,6 (0,9)    73,4 (1,1)    75,8 (2,1)   
Renda familiar (salários mínimos)    0,02    0,17    0,14 
Menos de 1  72,5 (0,6)    71,8 (0,7)    73,5 (1,1)   
1 a 2,99  75,1 (0,8)    74,1 (1,0)    76,2 (1,2)   
3 a 5,99  74,4 (1,1)    73,8 (1,5)    75,0 (1,5)   
6 ou mais  74,5 (1,8)    73,0 (1,9)    76,3 (2,7)   

EP, erro padrão.

a

Regressão linear simples.

Discussão

Este estudo, de base populacional, feito em município de porte médio da Região Sul do Brasil, apontou que a dieta das crianças estudadas necessita de melhorias. Resultado similar foi encontrado por Domene et al.13 em estudo que avaliou a dieta de 94 pré‐escolares de dois‐seis anos, residentes em bolsões de pobreza do município de Campinas, onde 70% das crianças tinham dietas classificadas entre 51 e 80 pontos.

Cerca de dois terços das crianças (64%) atingiram escore máximo no grupo dos cereais ao ingerir quatro porções diárias. Barbosa et al,16 em estudo com crianças de dois a três anos de uma creche filantrópica na Ilha de Paquetá (RJ), observaram que somente 20% delas consumiam cereais adequadamente.

Em relação ao consumo de legumes e verduras, apenas 45,7% das crianças atingiram a recomendação preconizada pelo IAS, que é de duas porções diárias para meninos e uma para meninas. O inverso foi observado para o consumo adequado de frutas (duas porções diárias para meninos e uma porção para meninas), visto que 86% das crianças atingiram a recomendação. As frutas, verduras e legumes são fontes de fibra alimentar, com impacto positivo sobre a massa corporal, os níveis glicêmicos e as concentrações dos lipídios sanguíneos, além de aumentar o bolo fecal, prevenir a constipação intestinal17 e ser excelentes fontes de vitaminas e minerais.18

Foi observado um considerável consumo de leite e derivados, já que 81,1% das crianças atingiram a recomendação para esse grupo, que é de duas porções diárias para meninos e uma para meninas. Esse achado corrobora estudo feito por Valente et al.19 com 39 pré‐escolares em uma creche em Santa Maria (RS), no qual os autores observaram que 92,3% das crianças consumiam leite uma ou mais vezes ao dia. O leite é um alimento bastante presente na alimentação de crianças da faixa etária estudada e ótima fonte de cálcio. No entanto, é necessário atentar para o fato de que muitas crianças substituem refeições importantes, como café da manhã e almoço, por uma mamadeira de leite.3,17

Quanto ao consumo de carnes e ovos, 85,4% das crianças consumiram o recomendado (uma porção diária). Já na pesquisa feita por Castro et al.,20 metade dos pré‐escolares (53,8%) consumiam carnes uma a três vezes por semana. As carnes, especialmente as vermelhas, são ricas em ferro, componente de enzimas que participam do processo de respiração celular e imprescindível para o transporte de oxigênio e gás carbônico no sangue. Sua deficiência pode determinar a anemia, com consequentes prejuízos para o crescimento e desenvolvimento cognitivo.20,21

As leguminosas, grupo avaliado por meio do consumo de feijão, são importantes fontes de ferro, ácido fólico e fibras alimentares e estiveram presentes na alimentação diária de 89,2% das crianças, as quais atingiram a pontuação máxima nesse grupo alimentar.

O consumo de açúcares, balas, chocolates e salgadinhos esteve acima do recomendado, já que 99,6% das crianças estudadas consumiam mais do que uma porção de alimentos desse grupo, diariamente. Valente et al.,19 no estudo em Santa Maria (RS), observaram que mais da metade das crianças consumia achocolatado uma ou mais vezes ao dia. Esse produto geralmente contém mais de 70% de sacarose em sua composição. Esse é o carboidrato mais cariogênico por ser um ótimo substrato para microrganismos bucais patogênicos.3 Em um estudo feito por Barbosa et al.,22 o consumo de açúcar foi três vezes maior do que o recomendado (uma porção), principalmente pelo alto consumo de refrescos industrializados, refrigerantes, balas e açúcar de adição.

Todas as crianças deste estudo consumiram porções do grupo dos óleos e gorduras acima da recomendação, que é de uma porção diária. Essa situação pode contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Das crianças, 43% atingiram a recomendação no componente gordura total, ou seja, ingestão menor do que 30% do valor energético total (VET) diário derivado desse nutriente. Já em relação à gordura saturada, 100% das crianças apresentaram ingestões que representaram 10% ou menos de contribuição calórica desse nutriente no VET. O consumo adequado desse tipo de gordura diminui o risco de dislipidemias e de doenças cardíacas. As gorduras são fontes de ácidos graxos essenciais e de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), que necessariamente devem ser veiculadas pelos alimentos, pois o organismo não pode produzi‐las. Assim, todos os seres humanos precisam de alimentos fontes de gordura. O importante é saber distinguir aquelas mais saudáveis e essenciais ao bom funcionamento do organismo daquelas a serem evitadas por prejudicar a saúde, além de consumi‐las dentro das faixas recomendadas para a boa nutrição.12

Para os componentes sódio e colesterol, 36,9% e 45,1% das crianças, respectivamente, ingeriram ≤2.400mg diárias de sódio e ≤300mg diárias de colesterol e receberam a pontuação máxima. O consumo frequente e em grande quantidade de gorduras e sal aumenta o risco de doenças como obesidade, hipertensão arterial e doenças do coração. O colesterol é um componente das paredes celulares e precursor de muitos hormônios (estrógeno e testosterona) e de ácidos biliares, além de participar dos processos de absorção das gorduras e da síntese de vitamina D, porém o seu consumo em excesso traz riscos à saúde.12

Quanto à variedade da dieta, os resultados apontaram para uma dieta variada, já que 97,3% das crianças receberam mais de sete pontos nesse componente por terem consumido sete ou mais tipos de alimentos diariamente. Esse achado corrobora o estudo feito por Domene et al.13 em que 81% das crianças obtiveram mais de seis pontos, o que caracterizou uma dieta variada.

A média de escore do IAS foi maior nas meninas em relação aos meninos, (75,4 e 73,4, respectivamente), ao contrário do encontrado no estudo de Domene et al.13 As crianças pertencentes a famílias com renda entre um e menos de três salários mínimos obtiveram um escore maior em relação àquelas cuja renda era menor ou superior a essa categoria. Isso pode se relacionar ao fato de famílias mais pobres terem acesso dificultado a alimentos como frutas, verduras, carnes e leites, enquanto crianças de famílias com maior renda consomem mais alimentos industrializados. Nesse sentido, além da família, o papel da escola torna‐se importante, pois instrui sobre a importância do consumo dos nutrientes e oferece, de forma balanceada, os alimentos que fornecem esses nutrientes.23

Existem vantagens na aplicação do IAS para a população brasileira, por se basear na ingestão de grupos de alimentos, e não apenas de nutrientes. O IAS permite dimensionar a complexidade de diferentes padrões alimentares em itens pontuáveis e analisar as tendências de consumo, se aplicado repetidas vezes.24 Além disso, pelo fato de a pontuação ter sido adaptada para a faixa etária em estudo, os resultados refletem adequadamente a qualidade da dieta avaliada.

O estudo teve como instrumento para avaliar a qualidade da dieta um QFA construído especialmente para a pesquisa e, por isso, adaptado à realidade local. A principal limitação do uso desse índice é que o consumo excessivo de certos grupos de alimentos não é pontuado de forma distinta e não se pode diferenciar consumos excessivos benéficos ou maléficos.

Observou‐se neste estudo que, de acordo com o IAS, as crianças apresentaram consumo de verduras e legumes abaixo da recomendação, enquanto os alimentos do grupo dos óleos e gorduras, bem como do grupo dos açúcares, balas, chocolates e salgadinhos, foram consumidos em excesso. Esses alimentos são caloricamente densos e pobres em nutrientes e fazem parte de hábitos alimentares inadequados. Nesse sentido, conhecer a qualidade da dieta de crianças e, a partir daí, reforçar orientações sobre uma alimentação saudável pode ser uma forma de melhorar a dieta de crianças e promover um hábito alimentar mais saudável, que poderá perdurar em etapas posteriores da vida.

Financiamento

Ministério da Saúde, Brasil.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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