Avaliar os efeitos da obesidade sobre os volumes e as capacidades pulmonares em crianças e adolescentes.
Fontes de dadosTrata‐se de uma revisão sistemática, através das bases de dados Pubmed, Lilacs, SciELO e PEDro, por meio das seguintes palavras‐chave: Plethysmography, Whole Body OR Lung Volume Measurements OR Total Lung Capacity OR Functional Residual Capacity OR Residual Volume AND Obesity. Foram selecionados estudos observacionais ou ensaios clínicos que avaliaram os efeitos da obesidade sobre os volumes e as capacidades pulmonares em crianças e adolescentes (0 a 18 anos), sem qualquer outra doença associada, nos idiomas inglês, português e espanhol. A qualidade metodológica foi avaliada através da Agency for Healthcare Research and Quality.
Síntese dos dadosDos 1.030 artigos, apenas quatro foram incluídos nesta revisão. Os estudos totalizaram 548 participantes, com predomínio do sexo masculino e tamanho amostral entre 45 e 327 indivíduos; 100% dos estudos avaliaram o estado nutricional através do IMC (escore‐z) e 50% informaram os dados da circunferência abdominal. Todos demonstraram que a obesidade causa efeitos negativos sobre os volumes e as capacidades pulmonares, causa redução, principalmente, da capacidade residual funcional em 75% dos estudos, do volume de reserva expiratório em 50% e do volume residual em 25%. A qualidade metodológica variou entre moderada e alta, com 75% dos estudos classificados com alta qualidade metodológica.
ConclusõesA obesidade causa efeitos deletérios sobre os volumes e as capacidades pulmonares em crianças e adolescentes, com redução principalmente da capacidade residual funcional, volume de reserva expiratório e volume residual.
To assess the effects of obesity on lung volume and capacity in children and adolescents.
Data sourceThis is a systematic review, carried out in Pubmed, Lilacs, Scielo and PEDro databases, using the following Keywords: Plethysmography; Whole Body OR Lung Volume Measurements OR Total Lung Capacity OR Functional Residual Capacity OR Residual Volume AND Obesity. Observational studies or clinical trials that assessed the effects of obesity on lung volume and capacity in children and adolescents (0‐18 years) without any other associated disease; in English; Portuguese and Spanish languages were selected. Methodological quality was assessed by the Agency for Healthcare Research and Quality.
Data synthesisOf the 1,030 articles, only four were included in the review. The studies amounted to 548 participants, predominantly males, with sample size ranging from 45 to 327 individuals. 100% of the studies evaluated nutritional status through BMI (z‐score) and 50.0% reported the data on abdominal circumference. All demonstrated that obesity causes negative effects on lung volume and capacity, causing a reduction mainly in functional residual capacity in 75.0% of the studies; in the expiratory reserve volume in 50.0% and in the residual volume in 25.0%. The methodological quality ranged from moderate to high, with 75.0% of the studies classified as having high methodological quality.
ConclusionsObesity causes deleterious effects on lung volume and capacity in children and adolescents, mainly by reducing functional residual capacity, expiratory reserve volume and residual volume.
A obesidade infantil é, atualmente, um importante problema de saúde pública e aumenta em ritmo alarmante na população mundial, o que inclui a população brasileira.1 Estima‐se que 150 milhões de adultos e 15 milhões de crianças sejam obesos.2 Recentemente, dados epidemiológicos indicam que a prevalência de obesidade nos Estados Unidos encontra‐se em torno de 17% e afeta cerca de 12,7 milhões de crianças e adolescentes.3 No Brasil, alguns estudos demonstram que a prevalência da obesidade varia entre 2,4‐19,2%e afetando mais as regiões Sul e Sudeste do país.4
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a obesidade pode ser definida como uma condição anormal de gordura ou excesso de tecido adiposo, que ocasiona prejuízos à saúde do indivíduo.1 Algumas situações ou condições clínicas parecem estar associadas ao seu desenvolvimento, como sedentarismo, asma, diabetes, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e respiratórias. Dentre essas, o sistema respiratório merece uma atenção especial, uma vez que o excesso de peso acarreta alterações diretas na mecânica ventilatória.1,5,6
Nas últimas décadas, estudos prévios sugerem que a obesidade causa uma importante mudança no sistema respiratório, resulta em prejuízos no sincronismo tóraco‐abdominal.7 O aumento do peso corporal acarreta limitação da mobilidade diafragmática e redução do movimento costal, com comprometimento nas trocas gasosas pulmonares e no controle do padrão respiratório.7–10 Além disso, o excesso de tecido adiposo está associado ao aumento de citocinas e mediadores inflamatórios, o que poderia alterar as vias aéreas pulmonares desses sujeitos e colaborar para o desenvolvimento de hiper‐reatividade brônquica.11
Além das alterações acima citadas, a pesquisa no tema aponta para a presença de alterações importantes na função pulmonar de crianças e adolescentes com excesso de tecido adiposo, incluindo a redução do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), da capacidade vital forçada (CVF) e do fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da CVF (FEF25‐75%).12,13 Uma revisão sistemática publicada em 201214 evidenciou, por meio de uma análise crítica de cinco estudos, que a obesidade leva a prejuízos principalmente no VEF1 e a CVF. No entanto, tal estudo avaliou apenas os efeitos do peso corporal sobre as variáveis espirométricas.14 Levando em conta que o teste de espirometria investiga de maneira direta os parâmetros de obstrução pulmonar e que o fator obesidade parece comprometer mais o padrão restritivo,1,5 destaca‐se a importância de investigar, por meio da pletismografia corporal, os efeitos da massa corpórea sobre os volumes e as capacidades pulmonares na população infantil. Além disso, até o momento, os resultados são contraditórios no que tange ao impacto da obesidade sobre esses desfechos pulmonares em amostras jovens.15
Portanto, considerando o crescimento da prevalência de obesidade na população infantil, os prejuízos dessa condição crônica sobre a mecânica ventilatória e as informações conflitantes sobre o impacto do excesso de peso sobre os volumes pulmonares, sente‐se a necessidade de se obter mais informações sobre o tema. Assim, o objetivo desta revisão foi avaliar os efeitos da obesidade sobre os volumes e as capacidades pulmonares em crianças e adolescentes.
MétodoO estudo consiste em uma revisão sistemática feita por meio de pesquisa nos bancos de dados Pubmed, Lilacs, SciELO e PEDro. Foram selecionados estudos observacionais ou ensaios clínicos, nos idiomas inglês, português e espanhol, sem filtro quanto à idade e ao ano de publicação dos artigos. O período da seleção dos estudos foi de setembro a outubro de 2015.
A busca usada para a seleção dos artigos foi baseada em seis palavras‐chave, associadas com descritores booleanos. Usou‐se a seguinte estratégia: Plethysmography, Whole Body OR Lung Volume Measurements OR Total Lung Capacity OR Functional Residual Capacity OR Residual Volume AND Obesity. Esses descritores deveriam constar, pelo menos, no título, no resumo ou nas palavras‐chave.
Foram usados como critérios de inclusão estudos que avaliaram a função pulmonar por meio da pletismografia corporal em crianças e adolescentes com obesidade (0 a 18 anos). A obesidade foi definida como índice de massa corporal (IMC) com valores de escore‐z>+2 ou percentil ≥97. Em contrapartida, foram excluídos estudos de revisão, relatos de caso, artigos que não avaliaram os volumes e as capacidades pulmonares através da pletismografia corporal, estudos que avaliaram a função respiratória por meio de outros métodos de avaliação ou que não normalizaram os resultados de função pulmonar (pletismografia corporal) em escore‐z, percentual do previsto ou aqueles que não compararam os resultados com um grupo controle. Os estudos que avaliaram a faixa etária adulta ou que não incluíram somente crianças e adolescentes, também foram excluídos. Além disso, excluíram‐se os estudos com sujeitos portadores de alguma outra doença crônica.
Após identificar os descritores no título, resumo e/ou palavras‐chave, os artigos selecionados passaram por leitura dos resumos (abstracts) para avaliar a adequação quanto aos critérios de elegibilidade. Os estudos que apresentaram os critérios predeterminados tiveram o texto completo adquirido para análise detalhada e extração dos dados. A busca e a análise dos artigos, de acordo com a estratégia descrita anteriormente, foram conduzidas de forma independente por dois avaliadores e as divergências foram resolvidas com um terceiro avaliador, por consenso.
Foram registradas as seguintes características dos estudos: nome do primeiro autor, ano de publicação do estudo, país (origem) da coleta de dados, faixa etária, tamanho amostral, índice de massa corporal (IMC), circunferência abdominal, equipamento pletismográfico, metodologia usada, forma de apresentação dos dados (escore‐z, percentual do previsto ou litros), variáveis pletismográficas avaliadas [volume de reserva expiratório (VRE), volume de reserva inspiratório (VRI), volume residual (VR), capacidade residual funcional (CRF), capacidade vital (CV), capacidade inspiratória (CI) e capacidade pulmonar total (CPT)], testes pulmonares extras, principais resultados pletismográficos e os resultados adicionais.
A qualidade metodológica foi analisada por dois avaliadores, qualquer problema de divergência era resolvido por consenso. Usou‐se uma escala apropriada para estudos observacionais da Agency for Health Care Research and Quality (AHRQ).16 Esse instrumento avalia nove itens relacionados à questão do estudo, aspectos metodológicos, coerência dos resultados, discussão e patrocínio. O somatório final de cada item avaliado totaliza uma pontuação de 100, os estudos são classificados como de baixa (<50 pontos), moderada (50‐66 pontos) e alta (>66 pontos) qualidade metodológica.
ResultadosForam encontrados 1.030 artigos, 808 no Pubmed, 218 no Lilacs, dois no SciELO e dois no PEDro. Desses, 199 foram excluídos por estar repetidos nas bases de dados usadas e 827 pelo fato de não preencherem os critérios de elegibilidade desta revisão. Assim, foram incluídos apenas quatro estudos que avaliaram os efeitos da obesidade sobre os volumes e as capacidades pulmonares em crianças e adolescentes por meio da pletismografia corporal. A figura 1 apresenta o fluxograma em relação ao total de artigos encontrados nas bases de dados usadas e os motivos de exclusão dos estudos.
Os artigos selecionados totalizaram uma amostra de 548 participantes, com predomínio de 296 (54%) do sexo masculino. O tamanho amostral dos estudos apresentou grande diversidade, variou de 45 até 327 sujeitos. A idade dos participantes selecionados nos estudos variou de 6 a 18,9 anos. Todos avaliaram o IMC por meio do escore‐z e dois (50,0%) informaram os dados da circunferência abdominal. Dos quatros estudos, dois foram feitos no continente asiático, um no americano e um no europeu (tabela 1).
Identificação e características dos estudos incluídos nessa revisão
Primeiro autor | Ano | País | Faixa etária (anos) | Tamanho amostral | IMC (escore‐z) | Circunferência abdominal |
---|---|---|---|---|---|---|
Davidson et al.17 | 2014 | Canadá | 6‐17 | 327 | 2,18±0,41 | NC |
van de Griendt et al.18 | 2012 | Holanda | 8,5‐18,9 | 112 | 3,38±0,40 (2,50‐4,62) | 122,2±15,7 |
Li et al.19 | 2003 | China | 7‐18 | 64 | 2,42 (2,13‐2,66) | NC |
Kongkiattikul et al.20 | 2015 | Tailândia | 8,6‐17,3 | 45 | 3,2±0,5 (1,9‐4,6) | 99,1±10,4 (81‐134) |
IMC, índice de massa corporal; NC, não consta a informação.
Em relação às características dos equipamentos usados para a mensuração dos volumes e das capacidades pulmonares por meio da pletismografia corporal, três (75,0%) estudos usaram equipamentos da marca SensorMedics e apenas um aplicou um instrumento da marca Jaeger. Do total de estudos, três (75%) seguiram as recomendações das diretrizes internacionais, enquanto um não relatou a metodologia usada para obter os dados pulmonares. Todos os estudos incluídos normalizaram os achados dos volumes e das capacidades pulmonares por meio do percentual do previsto, apesar de um (25,0%) avaliar algumas variáveis pletismográficas em valores absolutos (litros). Além disso, todos mensuraram as variáveis espirométricas e 50% mediram a difusão do monóxido de carbono (DLCO).
Os dados pletismográficos avaliados incluíram CV, VRE, VR, CRF e CPT. Todos os estudos demonstraram que a obesidade causa efeitos negativos sobre os volumes e as capacidades pulmonares, com redução principalmente da CRF em 75% dos estudos, do VRE em 50% e do VR em 25%. De maneira geral, os estudos também testaram associações das variáveis ventilatórias com desfechos relacionados à obesidade, incluindo o IMC, circunferência da cintura, índice de massa gorda e razão cintura‐estatura (tabela 2).
Características e principais resultados dos estudos incluídos nessa revisão
Tipo de equipamento | Metodologia usada | Apresentação dos dados | Variáveis pletismográficas | Testes pulmonares extras | Principais resultados pletismográficos | Resultados adicionais |
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SensorMedics 620017 | American Thoracic Society (ATS) | % do previsto e em litros* | CPT, CV*, CRF*, VRE*, VR* | Espirometria DLCO | Redução média de 0,44da CRF, 0,22 do VRE e 0,20 do VR | Redução do VEF1/CVF (p<0,001). Relação linear positiva entre o IMC e a CVF (p<0,001) e a DLCO (p=0,015) Relação linear negativa entre o IMC e a CRF (p<0,001), VRE (p<0,001), VR (p<0,001) e o VEF1/CVF (p<0,001). |
Jaeger Viasys18 | NC | % do previsto | CPT, VRE, CV | Espirometria | Redução média de 14,3% do VRE | Aumento de 2,91% (p=0,002) do VEF1, 3,08% (p=0,001) da CVF, 2,27% (p=0,001) da CPT, 14,8% (p<0,001) do VRE após redução do peso corporal. Correlações negativas do aumento do VRE com o IMC (r=–0,27; p=0,01) e a CC (r=–0,34; p=0,002). |
SensorMedics 620019 | British Thoracic Society | % do previsto | CPT, VR, CRF | Espirometria DLCO | Redução média de 7% da CRF | Redução de 23,5% da DLCO. Correlações negativas com a gordura corporal subtotal e do tronco, respectivamente de: CRF (r=–0,367; p<0,01; r=–0,337; p<0,01), VR (r=–0,298; p<0,05; r=–0,290; p<0,05), CPT (r=–0,268; p<0,05; r=–0,264; p<0,05). |
SensorMedics 620020 | European Respiratory Society (ERS) | % do previsto | CPT, CRF, VR | Espirometria | Redução média de 33,1% da CRF | Correlações negativas da CRF com o IMC (r=–0,32; p=0,03), razão cintura‐estatura (r=–0,32; p=0,02), % de gordura corporal (r=–0,32; p=0,03), % de gordura no troco (r=–0,32; p=0,04) e o IMG (r=–0,36; p=0,02). |
%, percentual; CV, capacidade vital; CPT, capacidade pulmonar total; CRF, capacidade residual funcional; VR, volume residual, VRE, volume de reserva expiratório; VEF1, volume expiratório forcado no primeiro segundo; CVF, capacidade vital forçada; DLCO, difusão do monóxido de carbono; CC, circunferência da cintura; IMG, índice de massa gorda; NC, não consta a informação.
Por fim, quanto à qualidade metodológica dos artigos selecionados (tabela 3), o escore médio foi de 71 pontos, com uma variação entre 63 e 83. Desses, um (25%) estudo obteve uma pontuação compatível à moderada qualidade metodológica e três (75%) com alta qualidade, de acordo com a escala de AHRQ. Os fatores que baixaram a pontuação da qualidade dos estudos selecionados foram relativos a alguns itens referentes à população do estudo, à comparação dos sujeitos, à mensuração dos desfechos, à análise estatística, à discussão dos dados e quanto às informações sobre patrocínio e/ou financiamento do estudo. Cabe destacar que, dos quatro estudos, apenas um apresentou justificativa para o tamanho amostral, bem como relatou as informações quanto ao cegamento nas avaliações dos resultados. Além disso, apenas dois estudos relataram apoio ou financiamento da pesquisa, nenhum calculou o poder da análise e também como foram tratadas possíveis variáveis confundidoras e os vieses dos resultados.
Avaliação da qualidade metodológica dos incluídos nessa revisão sistemática
Critérios avaliados | Pontuação de referência | Davidson et al.17 | van de Griendt et al.18 | Li et al.19 | Kongkiattikul et al.20 |
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Pergunta do estudo | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 |
População do estudo | 8 | 5 | 5 | 5 | 8 |
Comparabilidade dos indivíduos para os estudos observacionais | 22 | 16 | 14 | 11 | 11 |
Exposição ou intervenção | 11 | 11 | 11 | 11 | 11 |
Medidas de resultados | 20 | 20 | 15 | 15 | 15 |
Análise estatística | 19 | 12 | 9 | 7 | 7 |
Resultados | 8 | 8 | 8 | 8 | 8 |
Discussão | 5 | 4 | 3 | 4 | 4 |
Financiamento e patrocínio | 5 | 5 | 0 | 0 | 5 |
Escore total | 100 | 83 | 67 | 63 | 71 |
Na presente revisão, foram identificados quatro estudos, a maioria de alta qualidade metodológica, que avaliaram os efeitos da obesidade sobre os volumes e as capacidades pulmonares em crianças e adolescentes.17–20 Os achados demonstram redução principalmente da CRF, VRE e do VR, indicaram efeitos negativos do excesso de peso corporal sobre esses desfechos pulmonares.
Estudos feitos em indivíduos obesos sem comorbidades associadas indicam que o aumento do tecido adiposo na região do tórax e do abdome causa elevação da pressão intra‐abdominal, com consequente redução da complacência pulmonar e mobilidade da parede torácica.14,15
Essas alterações causam assincronismo tóraco‐abdominal, levam ao comprometimento na contração diafragmática devido ao aumento da carga imposta ao abdome e comprometem também o aumento do diâmetro torácico através da movimentação das costelas. Alguns achados sugerem que o aumento da massa corpórea está associado com a elevação da resistência elástica e com a diminuição da distensibilidade das estruturas extrapulmonares.15,21
Em situações fisiológicas normais, a CRF é o ponto de equilíbrio das retrações elásticas entre o pulmão e a parede torácica.22 Assim, considerando que a CRF é a somatória do VR e do VRE, qualquer mudança nessas variáveis ventilatórias implica alterações desse ponto de equilíbrio, como evidenciado por Davidson et al.17 As alterações no fole pulmonar causam redução dos volumes pulmonares, com consequente instalação de um padrão restritivo.23,24 Kongkiattikul et al.20 relataram ainda que a redução da CRF leva a aumento da resistência aérea, da resistência vascular periférica e compromete a ventilação alveolar. Além disso, dados sugerem que essas alterações fisiológicas aumentam o risco de atelectasias e hipoxemia em indivíduos obesos.20,25 Uma revisão sistemática feita na população obesa adulta também evidenciou redução das mesmas variáveis pletismográficas, com adição da CPT e da CV.15
Metade dos estudos incluídos foi conduzido no continente asiático,19,20 seguido do americano e europeu.17,18 Até o presente momento, não foi encontrado estudo na população brasileira infantil que objetivasse avaliar a influência da obesidade sobre os volumes e as capacidades pulmonares. Talvez essa carência de informações em âmbito nacional deva‐se ao fato de que existem poucos pletismógrafos corporais no país, ao elevado custo do equipamento e, também, à maior dificuldade para obtenção de um teste satisfatório na amostra infantil.26 A maioria dos estudos usou equipamentos da marca SensorMedics17,19,20 e todos normalizaram os resultados dos volumes pulmonares por meio do percentual do previsto,17–20 embora um estudo não tenha relatado a equação usada.18
Do total de estudos incluídos, três seguiram as diretrizes internacionais para a pletismografia corporal, incluindo a American Thoracic Society, European Respiratory Society e a British Thoracic Society.17,19,20 De maneira geral, as metodologias usadas parecem incluir as mesmas manobras ventilatórias para obtenção dos volumes e capacidade pulmonar, o que contribui para uma maior validade externa dos resultados encontrados.
Recentemente, uma revisão sistemática evidenciou efeitos negativos da obesidade infantil sobre as variáveis espirométricas, indicou redução do VEF1, CVF e da relação VEF1/CVF. No entanto, tal estudo não investigou os efeitos do fator obesidade sobre os volumes e as capacidades pulmonares.14 Levando em conta que a obesidade pode ser considerada uma doença com padrão restritivo,1,5 os dados aqui apresentados adicionam informações importantes sobre o impacto da doença no sistema respiratório infantil, em comparação com o estudo publicado em 2012.14 Espera‐se que futuras pesquisas, principalmente em nível nacional, sejam desenvolvidas para avaliar os efeitos dessa condição crônica sobre o sistema pulmonar. Contudo, destaca‐se a importância de novos estudos estratificarem suas faixas etárias (crianças e adolescentes), para investigar a possível influência do estado maturacional sobre esses desfechos. Além disso, torna‐se essencial a divisão desses sujeitos quanto aos diferentes graus da obesidade, já que na presente revisão não foi possível avaliar a influência desses fatores.
Apesar de ser possível avaliar a massa corporal de crianças e adolescentes por meio de diversos métodos, a quantificação do IMC destaca‐se por ser uma ferramenta simples e de baixo custo.27 Sabe‐se que a normalização através do percentil ou do escore‐z é essencial para uma melhor avaliação do estado nutricional da população infantil.27,28 Todos os estudos incluídos nesta revisão avaliaram o IMC através do escore‐z, o que está de acordo com as recomendações pediátricas.27,28 Desses, dois estudos17,20 demonstraram influência negativa do IMC sobre a CRF, VRE e o VR por meio de testes de correlações e de modelos de regressão. Esses resultados sugerem que quanto maior a composição corporal, menores são os volumes e as capacidades pulmonares. Além disso, estudos prévios demonstraram uma correlação negativa entre o IMC e as variáveis espirométricas, incluindo o VEF1, CVF, FEF25‐75% e a relação do VEF1/CVF.10,17,20,29 Tais achados corroboram a hipótese de que o aumento da massa corpórea cause limitação da mobilidade diafragmática, redução do movimento costal, e comprometa a fisiologia pulmonar.7,10 Griendt et al.18 demonstraram que a redução do peso corporal está relacionada com ganhos significativos do VEF1, CVF, CPT e do VRE, indica que a redução do IMC colabora para o aumentos desses desfechos. Os autores justificam esses resultados devido ao fato de que a redução do peso corporal aumenta o espaço do compartimento torácico e melhora a complacência pulmonar, facilita, assim, a mecânica ventilatória. A correlação entre o aumento do VRE e a diminuição da circunferência da cintura apoia essa justificativa.18
Estudos anteriores têm observado associação significativa entre fatores de risco cardiovasculares e a circunferência da cintura abdominal.30,31 No período da infância e adolescência, o excesso de peso corporal pode estar relacionado com mudanças metabólicas relevantes, tais como hipertensão arterial, dislipidemias e hiperinsulinemia, o que resulta na síndrome metabólica.32,33 Dados prévios indicam que a relação entre a obesidade e a síndrome metabólica é ainda mais forte se a adiposidade for localizada na região abdominal.34,35 Nesta revisão, dois estudos avaliaram a circunferência abdominal de seus participantes.18,20 Van de Griendt et al.18 evidenciaram correlação negativa entre a redução da circunferência da cintura e o aumento do VRE. Já Kongkiattikul et al.,20 além de demonstrar correlação negativa entre a circunferência da cintura e a CRF, evidenciaram associação inversa entre a razão cintura‐estatura, percentual de gordura corporal e o índice de massa gorda com a CRF. Tais resultados apoiam o fato de que o aumento do tecido adiposo na região abdominal acarreta prejuízos diretos para a função pulmonar desses indivíduos.20 Outros dados também demonstraram uma correlação inversa da razão cintura‐estatura e as variáveis antropométricas com os valores pulmonares.36 Dentre os dois estudos que avaliaram a circunferência da cintura, o de van de Griendt et al.18 apresentou valores médios mais elevados, em comparação com o de Kongkiattikul et al,20 o que pode ser atribuído à amostra do primeiro ter incluído indivíduos de faixa etária mais elevada (8,5‐18,9 anos) com obesidade grave, com peso corporal entre 52,3 e 192,2 quilogramas.
De maneira geral, a qualidade dos estudos selecionados foi considerada elevada, com variação entre moderada19 e alta qualidade metodológica.17,18,20 Para tal avaliação, usou‐se uma escala modificada para quantificação de estudos observacionais.16 Essa escala tem‐se demonstrado adequada para esse tipo de delineamento14 e avalia a questão de pesquisa, a população do estudo, a comparação dos participantes, as medidas de exposição, a análise estatística, os resultados, a discussão e o financiamento.16 Os estudos incluídos nesta revisão parecem apresentar algumas limitações, embora acredite‐se que tais restrições não influenciaram na questão de pesquisa investigada, tendo em vista a boa qualidade metodológica atingida.
Alguns fatores baixaram a pontuação da qualidade dos estudos, como ausência do cálculo amostral,17–19 o poder da análise,17–19 as informações quanto ao cegamento na quantificação dos resultados,18–20 os cuidados referentes às possíveis variáveis confundidoras17–20 e o impacto dos vieses sobre os resultados encontrados.17–20 Como a maioria dos estudos incluídos apresentou delineamento transversal,17,19,20 nenhum avaliou os sujeitos por um período de seguimento, com exceção do estudo de van de Griendt et al.,18 que analisou o efeito de um programa de redução de peso sobre os parâmetros de função pulmonar em crianças e adolescentes obesos. Além disso, nenhum estudo avaliou os efeitos da dose resposta e poucos fizeram modelos ou análises multivariadas, testes de comparação múltipla17,18,20 e relataram financiamento ao estudo.17,20 Esses itens acima colaboram, de maneira direta, para a redução da pontuação obtida nos estudos avaliados.
Em resumo, os achados desta revisão demonstram efeitos deletérios da obesidade sobre os volumes e as capacidades pulmonares em crianças e adolescentes, com redução principalmente da capacidade residual funcional, volume de reserva expiratório e volume residual. Os resultados ressaltam a necessidade da elaboração de medidas efetivas estratégicas no combate da obesidade infantil por meio de programas de intervenção, para evitar ou amenizar o impacto negativo da obesidade sobre a função pulmonar dessa população.
FinanciamentoO estudo não recebeu financiamento.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.