Apresentar os principais resultados dos estudos que investigaram polimorfismos genéticos em síndrome de Turner, bem como sua associação com alguns sinais clínicos e etiologia desse distúrbio cromossômico.
Fontes de dadosRevisão bibliográfica feita no PubMed, sem limite de período, com os seguintes termos: Turner syndrome and genetic polymorphism. Foram identificados 116 artigos e, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, 17 foram selecionados para leitura.
Síntese dos dadosOs polimorfismos investigados em pacientes com síndrome de Turner estavam relacionados com déficit de crescimento, que causou baixa estatura, densidade mineral óssea baixa, autoimunidade e anomalias cardíacas, que podem estar presentes com frequências significativas nas pacientes. Também foi verificado o papel dos polimorfismos de único nucleotídeo (SNPs) na etiologia da síndrome de Turner, ou seja, na não disjunção cromossômica.
ConclusõesOs polimorfismos genéticos parecem estar associados à síndrome de Turner. Entretanto, por conta dos poucos estudos publicados e dos achados contraditórios, pesquisas em diferentes populações são necessárias para esclarecer o papel dessas variantes genéticas para os sinais clínicos e a etiologia do distúrbio cromossômico.
To present the main results of the literature on genetic polymorphisms in Turner Syndrome and their association with the clinical signs and the etiology of this chromosomal disorder.
Data SourceThe review was conducted in the PubMed database without any time limit, using the terms Turner syndrome and genetic polymorphism. A total of 116 articles were found, and based on the established inclusion and exclusion criteria 17 were selected for the review.
Data synthesisThe polymorphisms investigated in patients with Turner Syndrome were associated with growth deficit, causing short stature, low bone mineral density, autoimmunity and cardiac abnormalities, which are frequently found in patients with Turner Syndrome. The role of single nucleotide polymorphisms (SNPs) in the etiology of Turner syndrome, i.e., in chromosomal nondisjunction, was also confirmed.
ConclusionsGenetic polymorphisms appear to be associated with Turner Syndrome. However, in view of the small number of published studies and their contradictory findings, further studies in different populations are needed in order to clarify the role of genetic variants in the clinical signs and etiology of the Turner Syndrome.
A descrição de pacientes do sexo feminino com síndrome de Turner (ST) foi publicada em 1938 por Henry Turner,1 porém em 1930 o pediatra alemão Otto Ullrich já havia relatado um caso de uma menina de oito anos com sinais sugestivos de ST.2 Por esse motivo, essa síndrome também é denominada Ullrich‐Turner.
O distúrbio tem incidência de 1/2.500 meninas e os sinais clínicos incluem linfedema de mãos e pés, pescoço curto e alado, baixa implantação de cabelos na nuca, cubitus valgus, unhas hipoplásicas e hiperconvexas, micrognatia, palato alto e arcado, baixa estatura, disgenesia gonadal, amenorreia primária, infantilismo sexual, infertilidade, tórax em escudo, hipertelorismo mamário, anomalias cardíacas (coartação da aorta e defeitos no septo ventricular) e renais (rins em ferradura, duplicação uretral e agenesia unilateral do rim), múltiplos nevi pigmentados, escoliose, hipoplasia do quarto e quinto metacarpos ou metatarsos ou ambos. Também podem estar presentes os seguintes problemas: deficiência auditiva, hipertensão arterial, osteoporose, obesidade, distúrbios visuais, intolerância à glicose, dificuldades de aprendizagem, problemas psicossociais e doenças tireoidianas, entre outras doenças autoimunes.3 A ST é caracterizada por grande variabilidade fenotípica, pode se manifestar desde a forma clássica (meninas com atraso no desenvolvimento puberal e do crescimento) até aquelas com poucos sinais dismórficos e que são quase indistinguíveis da população geral.4 O diagnóstico definitivo da ST é feito por exame do cariótipo, que permite identificar a constituição cromossômica do indivíduo. A etiologia cromossômica da ST só foi elucidada em 1959, quando a primeira paciente foi investigada por citogenética e mostrou constituição cromossômica 45,X.5 Estudos brasileiros em pacientes com ST mostraram que o cariótipo 45,X, ou seja, monossomia do cromossomo sexual X, foi encontrado em 40%‐60% das pacientes com ST, mas também são encontrados mosaicos e cariótipos com alterações estruturais, principalmente isocromossomo.4,6‐8 Estudo retrospectivo indicou que o aprimoramento diagnóstico permitiu melhorar a qualidade do resultado citogenético da ST, com modificação da proporção entre os tipos de cariótipos observados e destaque para a redução progressiva na identificação de pacientes 45,X e aumento na detecção de cariótipos com aberrações estruturais.6
No Brasil, a idade média de diagnóstico da ST é por volta dos 12 anos4,7,9,10 e 25,3% e 51,1% das pacientes foram diagnosticadas respectivamente na infância (1‐11 anos) e adolescência (12‐18 anos), por conta de baixa estatura.7 Nesse sentido, é importante avaliar meninas com baixa estatura, independentemente da presença de quadro dismórfico típico e atraso puberal, com solicitação do exame do cariótipo para confirmação ou exclusão da ST. Ainda, os autores chamam a atenção para que neonatologistas e pediatras permaneçam atentos quanto à possibilidade da existência de síndromes genéticas como a ST, tendo em vista que os principais sinais estão presentes desde o nascimento, mas não são valorizados nessa época.7 Desse modo, é necessário o aprimoramento da formação médica para reconhecer o espectro de manifestações clínicas dessa síndrome cromossômica. Além da dificuldade dos médicos no diagnóstico precoce dessa condição genética, outros fatores associados a atraso no diagnóstico da ST incluem déficit de crescimento menos acentuado, presença de sinais puberais espontâneos, determinantes socioeconômicos e ausência de dismorfias evidentes.4,10
O diagnóstico precoce da ST é imprescindível porque também permite a identificação de anomalias congênitas e adquiridas e possibilita detectar casos com sequências do cromossomo Y no cariótipo, o qual está associado ao gonadoblastoma, um tumor com alto potencial de transformação maligna que pode ser evitado com gonadectomia profilática,11 além de permitir tratamentos hormonais com hormônio de crescimento (GH) e oxandrolona12 e estrógeno/progestágeno12,13 para, respectivamente, elevar a estatura final e acentuar os caracteres sexuais secundários em idade cronológica adequada. Assim evitam‐se danos adicionais à saúde das pacientes. Portanto, um diagnóstico precoce e preciso é importante para sucesso da abordagem terapêutica. Vale ressaltar que não há um cariótipo e nem fenótipo clássicos associados à ST e o diagnóstico nem sempre salta aos olhos, mas deve ser buscado ativamente, tanto do ponto de vista clínico quanto citogenético.6
Além disso, a ST é um distúrbio genético e os polimorfismos de único nucleotídeo (SNPs: single nucleotide polymorphisms) podem estar envolvidos na sua etiologia. Os SNPs, definidos como uma variação que pode ocorrer em um a cada 1.000 pares de base, são comuns no genoma humano e estão envolvidos em diversas doenças humanas. Eles correspondem a alterações genéticas presentes em mais de 1% da população e podem se localizar em várias regiões do gene: promotora, codificadora e não codificadora. Os SNPs na região promotora e codificadora têm maior probabilidade de modificar o funcionamento do gene e, consequentemente, a proteína formada.14
Nesse contexto, este trabalho tem por objetivo revisar os principais resultados dos estudos que investigaram polimorfismos genéticos em ST, bem como sua associação com alguns sinais clínicos e etiologia desse distúrbio cromossômico.
MétodoTrata‐se de um estudo do tipo revisão bibliográfica, com abordagem descritiva. Foi feita uma pesquisa no PubMed, em julho de 2014, sem limite de período, com os seguintes termos: Turner syndrome and genetic polymorphism. A PubMed foi a base de dados escolhida para essa revisão sistemática por ser mais abrangente e internacionalmente usada em pesquisas na área da saúde.
Os critérios de inclusão foram: artigos intimamente relacionados ao tema. A seleção foi baseada nos títulos e/ou resumos, na disponibilidade do artigo completo e na publicação nos idiomas inglês e/ou português. Foram excluídos aqueles que não cumpriram os critérios anteriormente estabelecidos.
Foram encontrados 116 artigos. Desses, 14 foram selecionados e 102 excluídos. Dos excluídos, em 21 deles o termo Turner constava na lista de autores. As referências bibliográficas dos artigos incluídos também foram consultadas para identificar estudos relevantes não detectados na busca eletrônica. Com base nos critérios de inclusão estabelecidos, foram selecionados mais três estudos, totalizando 17.
ResultadosOs principais resultados dos 17 estudos15‐31 incluídos nesta revisão sistemática estão apresentados na tabela 1.
Síntese dos principais resultados dos 17 estudos que avaliaram polimorfismos genéticos em síndrome de Turner
Gene/Referência | Tamanho amostral | Origem | Principais achados ou conclusão |
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GHR Binder et al.15 | 53 meninas com baixa estatura por ST | Alemanha | Meninas com ST tratadas com terapia rhGH e portadoras de um ou dois alelos d3 mostraram aumento na velocidade de crescimento, excederam a previsão de crescimento e exibiram um ganho de 1,5cm de altura. |
60 crianças nascidas pequenas para IG | |||
62 controles | |||
GHR Binder et al.16 | 48 mulheres com ST | Alemanha | A homozigose para d3‐GHR foi associada a ganho de estatura e a média de peso e IMC foram menores no grupo d3/d3 em pacientes sob terapia com GH. |
GHRKo et al.17 | 175 pacientes com ST | Coreia | O genótipo d3‐GHR não foi associado a crescimento e peso (IMC) em pacientes com ST sob terapia GH. |
100 controles | |||
GHR e VDR Alvarez‐Nava et al.18 | 28 crianças com GHD | Venezuela | Os polimorfismos, tanto individualmente ou combinados, não contribuíram para a resposta à terapia GH. |
25 pacientes com ST | |||
100 adultos saudáveis | |||
GHR Bas et al.19 | 218 pacientes com GHD | Turquia | A resposta à terapia GH não depende dos genótipos d3‐GHR. |
43 pacientes com ST | |||
477 adultos controles | |||
GHR e IGFBP3 Braz et al.20 | 112 pacientes com ST | Brasil | Pacientes portadoras de pelo menos um alelo GHR‐d3 ou ‐202 A IGFBP3 apresentaram velocidade de crescimento mais elevada e tornaram‐se adultas mais altas que aquelas homozigotas para GHR‐fl ou ‐202C IGFBP3, sendo esses últimos associados com resultados de crescimento menos favoráveis após tratamento com rhGH. |
GHR, IGFBP3 e SOCS2 Braz et al.21 | 65 pacientes com ST | Brasil | O polimorfismo SOCS2 isolado (alelo C) teve influência na estatura adulta. As homozigoses SOCS2 – T, GHR‐fl e ‐202C IGFBP3 constituíram genótipos desfavoráveis para estatura adulta. |
47 pacientes com GHD | |||
VDRPeralta‐López et al.22 | 65 mulheres com ST | Argentina | Os polimorfismos BsmI e FokI, genótipos bb e ff respectivamente, foram associados a DMO mais baixa, enquanto o sítio polimórfico ApaI não. A osteocalcina e β‐CrossLaps, marcadores de formação e reabsorção óssea, respectivamente, foram similares nas pacientes com ST, independentemente do genótipo. |
110 mulheres saudáveis | |||
VDRPeralta‐López et al.23 | 55 pacientes com ST | Argentina | Pacientes portadoras do genótipo GG do polimorfismo Cdx2 exibiram níveis mais elevados de osteocalcina e β‐CrossLaps, ou seja, de marcadores de formação e reabsorção óssea, respectivamente. |
59 mulheres controles | |||
ER‐αSowinska‐Przepiera et al.24 | 32 pacientes com ST | Polônia | Os genótipos homozigotos recessivos (xx e pp) dos polimorfismos XbaI e PvuII foram considerados como bons marcadores de mineralização óssea em pacientes sob terapia com estroprogestágeno. |
82 mulheres controles saudáveis | |||
VDR Bianco et al.25 | 101 mulheres com ST | Brasil | A análise individual dos quatro polimorfismos (ApaI, TaqI, FokI e BsmI) e por haplótipo não revelou qualquer associação com anormalidades na tireoide e ST. |
133 mulheres férteis saudáveis sem história de doença autoimune | |||
PTPN22 Bianco et al. 26 | 142 mulheres com ST | Brasil | As frequências genotípicas do polimorfismo C1858T foram estatisticamente diferentes em ST, o que sugere que esse SNP pode ser um fator genético importante que predispõe a risco para doença autoimune em pacientes brasileiras com ST. |
180 mulheres saudáveis e férteis sem história de doença autoimune | |||
AT2RStruwe et al.27 | 97 pacientes com CoA | Alemanha | A transição A→G na posição 1675 no intron 1 do gene AT2R não está associada a patogênese da CoA e/ou ST. |
28 pacientes com ST | |||
10 pacientes com CoA e ST | |||
96 crianças saudáveis | |||
MTHFRSantos et al.28 | 49 pacientes com ST | Brasil | Indivíduos com ST apresentaram um aumento na frequência do genótipo homozigoto C677T, o que indica ser um fator de risco para não disjunção cromossômica por diminuir a atividade da enzima MTHFR. |
200 indivíduos aparentemente saudáveis | |||
MTHFR Oliveira et al.29 | 140 pacientes com ST | Brasil | Nas pacientes com ST, o genótipo 1298CC foi mais frequente e associado a risco elevado de aneuploidia. |
209 mulheres férteis, saudáveis e sem prole com aneuploidia cromossômica | |||
MTHFR Oliveira et al.30 | 78 mulheres com ST | Brasil | O polimorfismo MTHFR A1298C (alelo C) e os dois haplótipos CC e TC dos SNPs MTHFR, C677T e A1298C também foram associados a ST. |
372 indivíduos saudáveis sem história pessoal ou familiar de doença cardiovascular e câncer | |||
EFHC2 Zinn et al.31 | 97 pacientes brancas com ST | Estados Unidos | O polimorfismo rs7055196 não foi associado a medo. |
ST, síndrome de Turner; rhGH, hormônio de crescimento recombinante humano; GH, hormônio de crescimento; IMC, índice de massa corpórea; GHD, deficiência de GH; DMO, densidade mineral óssea; CoA, coartação da aorta; SNPs, single nucleotide polymorphisms; IG, idade gestacional.
A presente pesquisa é um artigo de revisão sobre estudos da contribuição dos polimorfismos nas manifestações da ST, na etiologia e na resposta ao tratamento. Os SNPs apresentados na tabela 1 se relacionam ao déficit de crescimento, que ocasiona baixa estatura, densidade mineral óssea baixa, autoimunidade e anomalias cardíacas, características essas presentes com frequências significativas nas pacientes com ST. Também foi verificado o papel dos polimorfismos na etiologia da ST, ou seja, na não disjunção cromossômica.
Baixa estaturaA ST tem como um dos principais sinais clínicos a baixa estatura, que esteve presente em 97% e 100% das pacientes com ST investigadas.7,8 Desse modo, a terapia com hormônio de crescimento (GH) é aplicada a essas pacientes para aumentar sua estatura adulta final. O GH exerce suas funções biológicas por ligação direta com o GHR (growth hormone receptor) ou indireta, via IGF‐1 (insulin‐like growth factor) em sinergia.32 Portanto, polimorfismos em GHR podem afetar a resposta à terapia GH em pacientes com ST. O gene GHR está localizado em 5p13.1‐p12 e tem duas isoformas diferentes: a completa ou full‐lenght (GHRfl) e aquela com deleção do exon 3 (GHRd3). Três genótipos possíveis podem ser observados: fl/fl, fl/d3 e d3/d3, esse último aquele com menor frequência. O polimorfismo GHRd3 foi avaliado em sete estudos quanto à sua influência na resposta à terapia com hormônio de crescimento recombinante humano (rhGH) em pacientes com ST. Quatro estudos investigaram esse SNP isoladamente15,17,19 e, em três, seu papel isolado e em combinação com polimorfismos nos genes VDR (vitamin D receptor), IGFBP3 (insulin‐like growth factor binding protein) e SOCS2 (suppressor of cytokine sinaling) via interação gene‐gene.18,20,21 Os resultados obtidos pelos grupos alemão15,16 e brasileiro20,21 relataram associação positiva dos SNPs investigados com crescimento e resposta à terapia rhGH. O gene VDR é importante para a estatura porque interfere na homeostase de cálcio e fosfato, com influência no crescimento esquelético.18 Além disso, polimorfismos herdados no gene VDR podem afetar a sinalização IGF e, por sua vez, a resposta a rhGH em pacientes com deficiência de GH e ST. Os polimorfismos ‐202 A/C IGFBP3 e SOCS‐2 estão envolvidos na farmacogenética de rhGH e na regulação negativa da sinalização GHR, respectivamente.20,21 Em um desses estudos, os autores sugerem o uso desses marcadores genéticos para identificar, entre os pacientes tratados com rhGH, aqueles geneticamente predispostos a ter resultados menos favoráveis.21 A homozigose para o alelo d3‐GHR foi relacionada com regulação de peso e com o índice de massa córporea (IMC) em ST por um estudo,16 mas não por outro.17 Em relação ao crescimento, polimorfismos no gene GHR contribuíram para a resposta à terapia isoladamente15 ou em combinação.20,21 Um dos estudos20 comentou que os possíveis motivos para uma ausência de correlação em dois estudos prévios incluíam o número pequeno de pacientes avaliadas18 e o fato de poucos indivíduos serem portadores do alelo d3.17 Esse último estudo relatou que os genótipos do gene GHR não puderam ser divididos em três grupos em consequência da baixa frequência do alelo d3, o que poderia ter induzido a resultados negativos.17 Os três estudos que revelaram associação negativa do polimorfismo d3‐GHR foram conduzidos na Coreia, Venezuela e Turquia.17‐19 Um deles18 relatou que seu estudo foi limitado pelo tamanho da amostra. Entretanto, os achados foram produto de um estudo prospectivo,18 mas as pesquisas prévias eram retrospectivas.15‐17 A necessidade de estudos prospectivos foi referida por duas pesquisas.17,20 Uma das formas de elevar a casuística é fazer estudos multicêntricos, como aqueles conduzidos por Ko et al.17 e Bas et al.,19 ambos retrospectivos. No primeiro estudo, as 175 pacientes com ST foram provenientes de 20 hospitais da Coreia.17 A pesquisa publicada em 2012 referiu incluir o maior número de pacientes entre os estudos feitos até o momento, mas avaliou apenas 43 pacientes com ST,19 número esse semelhante a estudos não multicêntricos.15,16 Por conta da dificuldade de se obterem amostras grandes e homogêneas de pacientes com ST e deficiência de GH, estudos multicêntricos e/ou metanálises são necessários para confirmar o papel desse polimorfismo na farmacogenética rhGH.21 Vale ainda destacar que, em relação ao tratamento com GH em crianças com ST, dois estudos recentes que empregaram métodos farmacogenômicos foram publicados pelo mesmo grupo de pesquisadores, com vistas a instituir uma terapia individualizada.33,34
Associações positivas foram relatadas apenas para populações de mesma origem étnica.15,16,20,21 Apesar dos resultados contraditórios em relação ao polimorfismo GHRd3, uma revisão recente apresentou as implicações na prática clínica desse SNP e concluiu que se constitui em fator preditivo de melhor resposta ao tratamento de reposição hormonal em pacientes com baixa estatura.32 Outros dois estudos do tipo metanálise,35,36 feitos por grupos independentes, também confirmaram a influência desse polimorfismo na resposta ao crescimento em crianças com baixa estatura tratadas com rhGH. No entanto, nessas duas metanálises foram incluídos no máximo três estudos do efeito da terapia rhGH e sua relação com o genótipo d3‐GHR em ST, o que ressalta a necessidade de investigações adicionais.35,36
Densidade mineral ósseaPacientes com ST exibem densidade mineral óssea (DMO) baixa, mas que pode ser mantida em níveis normais se as pacientes seguirem um estilo de vida saudável, com a prática regular de exercício físico, introdução precoce de uma dose adequada de estrógenos (terapia de reposição hormonal) e ingestão de cálcio e vitamina D.3,37 O gene VDR se liga à forma ativa da vitamina D para modular a transcrição gênica. A vitamina D, por sua vez, é um hormônio esteroide que regula o metabolismo ósseo, a resposta imune, a proliferação e a diferenciação celular.38 A deficiência de vitamina D está associada a aumento no risco de fraturas, doenças autoimunes, diabete tipo 1 e 2, hipertensão e doença cardíaca,38 características clínicas presentes em pacientes com ST.3 Diante do exposto, o gene VDR foi investigado em quatro estudos, um deles associado a crescimento,18 dois com DMO22,23 e um com anomalias da tireoide.25 Os polimorfismos BsmI, FokI e Cdx2 foram associados positivamente à densidade óssea e a detecção precoce desses polimorfismos poderia ser útil para predizer osteopenia grave em pacientes com ST.22,23 Outra pesquisa mostrou associação positiva entre polimorfismos no gene ER‐α (estrogen receptor‐alpha) e DMO em pacientes com ST submetidas a tratamento com estroprogestágeno.24 As pacientes com ST exibem deficiência estrogênica como consequência da falência ovariana e o hipoestrogenismo desempenha um papel vital nos distúrbios de mineralização óssea. Assim, a terapia de reposição hormonal com estrógeno contribui para o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, aprimora o pico de massa óssea e previne a osteoporose.39
AutoimunidadePacientes com ST exibem um risco elevado para doenças autoimunes. As mais comuns são aquelas relacionadas à tireoide. Estudo descritivo mostrou que anomalias cardiovasculares (45%), otites (43%), disfunção da tireoide (33%) e hipertensão arterial (26,6%) foram as alterações clínicas mais frequentes nas 42 pacientes com ST investigadas.8 Polimorfismos nos genes VDR e PTPN22 (protein tyrosine phosphatase, non‐receptor type 22) foram investigados pelo mesmo grupo de pesquisadores para verificar sua associação com doenças autoimunes da tireoide em pacientes com ST.25,26 A variação alélica do gene PTPN22, C1858T, se relacionou com o risco de doenças autoimunes em pacientes brasileiras com ST.26 O estudo publicado em 2012 relatou que uma de suas principais limitações foi o número reduzido de pacientes com ST e disfunções da tireoide – apenas 22 –, o que reduziu o poder estatístico para detectar associações entre os polimorfismos do gene VDR e doenças autoimunes em ST.25 Entretanto, ambas as pesquisas sugerem estudos adicionais que envolvam um número maior de pacientes para avaliar se essa associação é ou não real.
Malformações cardiovascularesAs malformações cardiovasculares são as que mais contribuem para a morbidade e a mortalidade em meninas com ST, especialmente em consequência de risco de dissecção aórtica. Podem, portanto, alterar a expectativa de vida dessas pacientes.40 As mais frequentes são coartação da aorta (CoA), válvula aórtica bicúspide e coração esquerdo hipoplásico.3 A CoA e a válvula aórtica bicúspide estiveram presentes em 6,9% e 21%, respectivamente, das 233 pacientes francesas com ST avaliadas para achados cardiovasculares.41 Suas frequências foram de 19% cada em outro estudo.9 Um gene associado a doenças cardiovasculares é o AT2R (angiotensin type 2 receptor); no entanto, o polimorfismo A→G não parece envolvido na patogênese da CoA em indivíduos com e sem ST.27 Um estudo recente mostrou que 5,3% das meninas com CoA foram diagnosticadas com ST quando foi feito o cariótipo. Os autores concluem que todas as meninas com CoA devem fazer o cariótipo, com contagem mínima de 50 células, no momento do diagnóstico da cardiopatia.42
Estudos prévios têm demonstrado que: 1) o ácido fólico previne defeitos cardíacos congênitos; 2) níveis de homocisteína têm forte correlação com a gênese da doença cardiovascular e 3) a deficiência de hormônios sexuais femininos é um fator importante para aumento de homocisteína.30,43 No entanto, os polimorfismos C677T e A1298C do gene MTHFR (5,10‐methylenetetrahydrofolate reductase) não foram relacionados com níveis de homocisteína em pacientes brasileiras com ST e esses não foram mais altos em pacientes com o haplótipo de risco.30 Ainda em relação ao risco de defeitos cardíacos congênitos, o rompimento da via do folato contribuiu para a incidência de defeito do septo atrioventricular em indivíduos com síndrome de Down.44 Seria interessante um estudo com esse enfoque em ST por conta da alta incidência de anomalias cardíacas nesse grupo de pacientes.
Não disjunção cromossômicaA ST é uma aneuploidia causada por não disjunção cromossômica, que ocorre quando os cromossomos homólogos ou as cromátides irmãs falham em se separar. A idade materna avançada é um fator de risco. Polimorfismos genéticos que alteram enzimas envolvidas no metabolismo do folato, como a enzima metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR), podem levar à hipometilação do DNA e aumentar o risco de não disjunção cromossômica e, consequentemente, de ST. O gene MTHFR está localizado em 1p36.3 e inclui dois polimorfismos: a substituição de citosina por timina no nucleotídeo 677 (C677T) e de adenina por citosina no nucleotídeo 1298 (A1298C), o que resulta em diminuição da atividade da enzima MTHFR e interfere no metabolismo do folato. Três estudos analisaram polimorfismos nesse gene em pacientes brasileiras com ST.28‐30 Os resultados em relação à contribuição desses polimorfismos para a etiologia da ST são conflitantes, uma vez que o SNP C677T foi associado à ST em um estudo28 e nos outros o A1298C.29,30 Três estudos independentes do tipo metanálise45‐47 associaram positivamente o MTHFR C677T e a síndrome de Down: um deles incluiu 28 estudos caso‐controle45 e o outro 22 estudos para MTHFR C677T e 15 para o MTHFR A1298C.47
Os polimorfismos genéticos aqui apresentados parecem influenciar a gravidade de manifestações clínicas da ST, assim como a resposta ao tratamento. Nesse sentido, estudos futuros poderiam indicar seu uso na prática clínica como marcadores moleculares de diagnóstico e prognóstico. Outro achado interessante é que uma análise detalhada da tabela 1 mostra que 41% (7/17) dos estudos sobre polimorfismos genéticos em ST foram conduzidos por pesquisadores brasileiros. No Brasil há uma grande miscigenação e os polimorfismos genéticos estão relacionados com a origem étnica. No entanto, apenas um dos estudos comentou brevemente que o país é uma nação heterogênea, composta de diversas populações.30 É consenso na literatura a necessidade de avaliação do mesmo polimorfismo em diferentes populações, pois uma associação genética, embora válida para uma população específica, pode não ser relevante para indivíduos de outra etnia. A estratificação dos grupos quanto à etnia não é tão simples, pois nem a cor da pele nem a região de origem podem adequadamente diferenciar uma população miscigenada.48
Outra questão importante, abordada em apenas poucos estudos,18,25 se refere à limitação dos estudos em relação ao tamanho amostral. A totalidade dos artigos inclusos nesta revisão referiu, no capítulo de Discussão, a necessidade de trabalhos futuros, mas não apresentou a descrição de possíveis fontes de erro e seu efeito sobre os dados. Em relação à casuística, pesquisas com polimorfismos genéticos em doenças humanas devem apresentar o poder estatístico definido como a probabilidade do estudo de detectar um efeito quando esse existe. Uma crítica aos 17 artigos científicos aqui apresentados é que apenas um deles estabeleceu o poder estatístico.25
ConclusãoOs polimorfismos genéticos parecem estar associados à ST, uma vez que a maioria dos estudos revelou associação positiva (11/17). Entretanto, por conta de poucos estudos publicados e dos achados contraditórios, provavelmente em virtude de diferenças na etnia das casuísticas analisadas, pesquisas em diferentes populações são necessárias com a finalidade de esclarecer o papel desses SNPs para os sinais clínicos e etiologia desse distúrbio cromossômico. Ainda, são necessários estudos multicêntricos com um número grande de pacientes com ST para que os resultados tenham poder estatístico, o que é importante em pesquisas com polimorfismos genéticos em doenças humanas.
FinanciamentoO estudo não recebeu financiamento.
Conflitos de interesseA autora declara não haver conflitos de interesse.