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Inicio Angiologia e Cirurgia Vascular Falso aneurisma micótico carotídeo – o que fazer?
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Vol. 12. Núm. 1.
Páginas 26-30 (marzo 2016)
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Falso aneurisma micótico carotídeo – o que fazer?
Mycotic carotid pseudoaneurysm – what to do?
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Pedro Garridoa,b,
Autor para correspondencia
pedrogarrido85@gmail.com

Autor para correspondência.
, Luís Mendes Pedroa,b, Luís Silvestrea,b, Ruy Fernandes e Fernandesa,b, Gonçalo Sousaa,b, José Fernandes e Fernandesa,b
a Serviço de Cirurgia Vascular; Hospital de Santa Maria – CHLN, Lisboa, Portugal
b Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Centro Académico de Medicina de Lisboa, Lisboa, Portugal
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Tabela 1. Sinais sugestivos de falso aneurisma micótico carotídeo
Tabela 2. Agentes isolados nos falsos aneurismas micóticos da carótida (Revisão Literatura)
Tabela 3. Tratamentos cirúrgicos nos falsos aneurismas micóticos carotídeos (Revisão Literatura)
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Resumo

Os falsos aneurismas micóticos carotídeos extracranianos são situações raras e de difícil resolução. As abordagens cirúrgicas são tecnicamente exigentes e comportam um risco considerável de morbilidade e mortalidade. Este artigo apresenta uma revisão da literatura sobre esta patologia.

A pesquisa foi feita em agosto de 2015 na base de dados da PubMed, com recurso às palavras‐chave: «carotid artery», «mycotic», «pseudoaneurysm» e «aneurysm». Até essa data, foram encontrados na literatura 108 casos de falsos aneurismas micóticos das carótidas no seu segmento extracraniano.

Neste artigo, os autores descrevem a sua etiologia, apresentação clínica e opções de tratamento atuais.

Palavras‐chave:
Carótida
Falso aneurisma carotídeo
Micótico
Tratamento
Abstract

Extracranial mycotic carotid pseudoaneurysms are rare and challenging to manage. Surgical approaches are technically demanding and can be associated with a high morbidity and mortality. This article presents a review of the literature on this condition.

The authors searched in August 2015 the PubMed database with the keywords “mycotic”, “carotid artery”, “pseudoaneurysm”, “aneurysm” Until that date they found 108 cases reported in the literature.

In this article they describe the origin of the condition, its clinical presentation and the current surgical options.

Keywords:
Carotid artery
Pseudoaneurysm
Mycotic
Treatment
Texto completo
Introdução

As infeções dos espaços profundos do pescoço são situações clínicas relativamente comuns, especialmente nos doentes em idade pediátrica. Antes do advento da antibioterapia, as suas complicações eram frequentes, graves e potencialmente fatais1,2. Complicações vasculares, como trombose da veia jugular interna e, mais raramente, a formação de um falso aneurisma micótico extracraniano das artérias carótidas (FAMC) são hoje em dia eventos raros3,4. No entanto, quando diagnosticados, requerem uma atuação cirúrgica célere, pelo risco de embolização séptica cerebral e rutura. Antigamente, a laqueação carotídea era o tratamento recomendado1,3,4. Com a evolução das técnicas cirúrgicas, dispomos agora de novas formas de tratamento com menor morbimortalidade associada, que vamos discutir no presente artigo.

Epidemiologia

O primeiro caso de um falso aneurisma micótico da carótida por infeção dos espaços profundos do pescoço foi descrito por Liston, em 18435. Em 1933, Salinger e Pearlman2 fizeram uma compilação de 227 casos de FAMC, naquela que é considerada a revisão de referência sobre o tema. Na atualidade, com a introdução dos antibióticos na prática médica, os falsos aneurismas micóticos carotídeos tornaram‐se situações clínicas raras. Tem‐se visto uma incidência relativamente estável de casos, sendo reportados na literatura cerca de 20 por década nos últimos 30 anos.

Numa revisão por Pirvu et al6 foram analisados 99 casos de FAMC, reportados até 2012. Os presentes autores identificaram 9 casos adicionais, por pesquisa eletrónica na base de dados da PubMed, até à atualidade. Estes 108 casos incluem doentes com idades compreendidas entre os 6 meses e os 85 anos.

Fisiopatologia

A fisiopatologia dos FAMC não está totalmente esclarecida. Crê‐se existirem 3 mecanismos possíveis para o seu desenvolvimento, que causam infeção e enfraquecimento da parede arterial:

  • 1.

    Embolização séptica com alojamento dos êmbolos nos vasos distais ou nos vasa vasorum da parede de troncos arteriais principais, como as artérias carótidas;

  • 2.

    Por processo inflamatório contíguo que envolva a rede linfática periarterial e os vasa vasorum;

  • 3.

    Por inoculação direta de patógenos na parede arterial, devido a trauma vascular direto iatrogénico na cirurgia carotídea, ou devido a acidente com lesão vascular traumática.

A causa mais comum de FAMC no adulto inclui a bacteriemia, infeções no pós‐operatório e a endocardite bacteriana. A etiologia mais comum na criança é a linfadenite cervical7,8. Mais recentemente, têm sido descritos casos associados a procedimentos endovasculares como angiografias e angioplastias carotídeas9.

Salinger e Pearlman determinaram que a carótida interna (ACI) é a mais comummente acometida (62% dos casos), sendo a carótida externa e a carótida comum afetadas em 25 e 13% dos casos de FAMC, respetivamente2. Explicações para esta discrepância assentam na proximidade da ACI à orofaringe, pela sua tortuosidade e pela vasta rede de linfáticos que a envolve.

Apresentação clínica

Existem vários sinais clínicos (tabela 1) que devem levantar a suspeita de um falso aneurisma da carótida. O aparecimento de uma massa cervical de crescimento progressivo e dolorosa, a condicionar disfagia ou febre após uma infeção dos planos profundos do pescoço de resolução lenta ou incompleta, é a forma mais comum de apresentação. Menos frequentemente, a paralisia dos pares cranianos inferiores, a síndrome de Horner, um edema da parótida ou trismo, podem estar associados. Pequenas hemorragias recorrentes, pelo nariz ou boca em qualquer doente com uma infeção da orofaringe, devem levantar suspeita, mesmo na ausência de outros sinais.

Tabela 1.

Sinais sugestivos de falso aneurisma micótico carotídeo

Infeção dos espaços profundos do pescoço não resolvida ou de resolução lenta
Hemorragias recorrentes da orofaringe
Níveis de hemoglobina inferiores ao espectável
Massa cervical em expansão
Coloração azulada da pele na região cervical ou mucosa da orofaringe
Presença de sopro numa massa cervical
Paralisia do X ou XII pares cranianos
Trismus
Edema da parótida
Síndrome de Horner 

Numa série de 20 doentes, episódios de perdas hemáticas em pequena quantidade precederam hemorragias fatais em 16 casos de FAMC2. A presença de uma coloração azulada na pele, a nível cervical ou na mucosa da orofaringe, pode ser indicativo de extravasão de sangue com dissecção dos tecidos.

Défices neurológicos por embolização séptica podem também ocorrer10.

Os FAMC são facilmente confundidos com abcessos cervicais ou com adenopatias cervicais. É por isso essencial haver um elevado nível de suspeita, pois uma drenagem ou biopsia de um FAMC pode originar uma hemorragia devastadora.

Diagnóstico

O diagnóstico de um falso aneurisma micótico carotídeo assenta na combinação da suspeição clínica e em métodos de imagem não invasivos. Perante uma massa cervical de aparecimento recente, uma avaliação inicial por ecodoppler é pertinente. Quando a avaliação por este método de imagem diagnostica ou é sugestiva de um FAMC, deve avançar‐se para uma angio TC, para melhor determinação dos planos profundos do pescoço e relação do FAMC com as estruturas adjacentes. Nos casos em que se prevê um tratamento endovascular, uma avaliação por arteriografia está indicada.

O diagnóstico definitivo de um FAMC obtém‐se após cultura positiva da parede arterial ou através de estudo histológico com evidência de invasão da parede por um patógeno.

Na era pré‐antibioterapia, a sífilis, a tuberculose e a endocardite eram as causas mais comuns11. Atualmente, existe um largo leque de agentes associados aos FAMC, sendo os mais comuns o Staphylococcus aureus, a Salmonella e bactérias do género Streptococcus (tabela 2).

Tabela 2.

Agentes isolados nos falsos aneurismas micóticos da carótida (Revisão Literatura)

Agente (n) 
Staphylococcus aureus (30)
Salmonella (14)
Streptococci (15)
Escherichia coli (7)
Klebsiella (5)
Aspergillus (3)
Mycobacterium tuberculosis (3)
Proteus (1)
Yersinia (1)
Pseudomonas (1)
Enterococcus (1)
Bacteroides (1)
Mycobacterium bovis (1)
Staphylococcus epidermidis (1)
Não especificado (24) 
Tratamento

Os falsos aneurismas micóticos carotídeos, se não tratados, comportam uma elevada taxa de morbilidade e mortalidade pelo risco de complicações como: a rutura aneurismática «carotid blow out», com choque associado e uma taxa de mortalidade de 90%, a oclusão carotídea ou embolização cerebral séptica, com acidentes vasculares cerebrais ou formação de abcessos cerebrais12.

No passado, uma atitude conservadora comportava uma mortalidade de 70‐90%. Atualmente, a mortalidade ronda os 10%6.

O tratamento inicial dos FAMC inclui sempre a antibioterapia de longa duração, iniciada no pré‐operatório e que se deve manter por, pelo menos, 6 semanas após a cirurgia10.

Na literatura, as técnicas cirúrgicas descritas são: a laqueação carotídea, a reconstrução vascular e, mais recentemente, as técnicas endovasculares com exclusão do FAMC. (tabela 3)

Tabela 3.

Tratamentos cirúrgicos nos falsos aneurismas micóticos carotídeos (Revisão Literatura)

Procedimento (n) 
Ressecção e laqueação (30)
Ressecção e bypass (25)
• Veia 20
• Artéria bovina (xenoenxerto) 1
Dacron 1
• Artéria hipogástrica 1
• PTFE 2
Ressecção e patch (7)
• Veia 5
• Pericárdio 1
• PTFE 1
Embolização (8)
• Coils 7
• Amplatzer 1
Stent coberto (4)
Ressecção e anastomose primária (2)
Bypass carótido‐carotídeo (1)
Laqueação e bypass subclávio‐carotídeo (1)
Ressecção e encerramento primário (1)
Desconhecido (26) 
PTFE – politetrafluoretileno 

Em 1926, Winslow relatou que a taxa de mortalidade dos falsos aneurismas micóticos carotídeos diminuía de 71% com um tratamento conservador para cerca de 30% com a laqueação carotídea13. Revisões da literatura corroboram estes dados, estando a laqueação carotídea associada a uma mortalidade de cerca de 25%14 Em estudos feitos sobre laqueação carotídea noutros contextos clínicos, o ato associava‐se a défices neurológicos em 30‐60% dos casos e a uma mortalidade de 50%15,16.

Os défices neurológicos irreversíveis e a elevada mortalidade resultavam da isquemia cerebral inerente à laqueação ou, então, à propagação, para a circulação cerebral, de trombo com origem no coto carotídeo laqueado.

Moore et al. documentaram uma redução substancial na mortalidade (62 para 11%) e nas complicações neurológicas (87 para 28%) se a laqueação carotídea fosse efetuada de forma não urgente e se houvesse um rigoroso controlo hemodinâmico durante e após o procedimento, evitando períodos de hipotensão17,18.

Ehrenfeld et al. demonstraram que num grupo de doentes com pressão sistólica residual da ACI, no intraoperatório superior a 70mmHg, não houve qualquer caso de acidente vascular cerebral (AVC) após a laqueação19.

Atualmente, é aceite que, nos doentes com pressão sistólica residual da ACI entre 60‐70mmHg, existe uma boa rede de colateralidade cerebral que permite uma laqueação carotídea com segurança.

Estes valores não podem, no entanto, ser usados como guidelines nem com absoluta confiança, pois, mesmo nos doentes que não sofrem um evento vascular cerebral imediatamente após a laqueação da ACI, está descrito que a longo prazo o risco de desenvolverem AVC ipsilateral à laqueação carotídea é de 2‐4% por ano20.

Por esta razão, hoje em dia, a laqueação carotídea é reservada para as situações em que a reconstrução vascular é tecnicamente impossível.

Na atualidade, a abordagem cirúrgica preconizada nos falsos aneurismas carotídeos passa por um desbridamento local dos tecidos infetados e necrosados, pela excisão do aneurisma e reconstrução arterial (mortalidade de 7%)14.

Existem várias técnicas de reconstrução arterial: arteriorrafia primária, angioplastia com patch, interposição de enxerto e ressecção com anastomose primária6.

Os materiais possíveis para a reconstrução da ACI são: artérias autólogas (hipogástrica ou femoral superficial), veia grande safena (VGS) ou enxertos sintéticos. Tratando‐se de um território infetado, alguns autores sugerem que o uso de material autólogo será o mais indicado, pelo menor risco de contaminação. O uso de VGS, material facilmente disponível e resistente à infeção, é tido como a opção mais válida.

A técnica de interposição de enxerto venoso associada a excisão aneurismática foi inicialmente reportada por Neugebauer e Hoyt, em 1975, com o uso de VGS invertida no tratamento de um aneurisma granulomatoso carotídeo21. Monson e Alexander introduziram esta técnica em 1980 como o método preferencial no tratamento dos FAMC. As vantagens desta técnica assentam na conservação do fluxo carotídeo, reduzindo a taxa de AVC e, como já referido, na introdução de um material resistente à infeção num território contaminado22. No entanto, nos casos de uma lesão carotídea alta, na base do crânio, ou nos casos de hemorragia cataclísmica, esta técnica pode não ser praticável.

Mais recentemente, técnicas endovasculares têm sido advogadas como uma hipótese alternativa, através da embolização com coils da ACI ou colocação de stents revestidos23.

Em 1986, Braun et al. apresentaram um caso de uma criança de 13 anos com uma hemorragia maciça, devido a um FAMC no contexto de uma infeção parafaríngea. A hemorragia foi controlada através da embolização com coils da ACI24.

Apesar da embolização com coils ser menos invasiva que a opção cirúrgica convencional e de resultar no controlo hemorrágico ao ocluir os segmentos proximal e distal da ACI, existe um risco de acidente vascular cerebral inerente à oclusão carotídea. Por esta razão, a embolização com coils deve ser tentada apenas em doentes nos quais a reconstrução é impossível e após confirmação angiográfica da existência de um polígono de Willis que forneça um fluxo compensatório adequado25.

A embolização com coils comporta também o risco de embolização cerebral pela necessidade de cateterização da ACI distal, através de um segmento carotídeo infetado e friável. Ferguson reportou um caso de sucesso em que a embolização com coils da ACI distal foi feita de forma retrógrada, via artéria vertebral contralateral e polígono de Willis, evitando deste modo o segmento lesado26.

A utilização de stents revestidos no tratamento dos falsos aneurismas micóticos carotídeos, com sua exclusão e mantendo a permeabilidade carotídea, é uma opção atrativa. No entanto, esta técnica tem associado o perigo de introduzir material sintético num terreno infetado. Têm surgido na literatura casos de sucesso, nos quais se preconiza a associação de antibioterapia de longa duração27.

Apesar das técnicas endovasculares excluírem eficientemente o FAMC, controlando o seu crescimento e/ou uma hemorragia ativa, a questão da segurança e da eficácia destas formas de tratamento a longo prazo mantém‐se. No pequeno número de casos descritos na literatura, aparenta existir uma incidência elevada de complicações como erosão do stent, trombose, migração, infeção crónica pela introdução de material sintético e hemorragias tardias28.

Contudo, uma abordagem inicial provisória por via endoluminal no doente instável, visando uma segunda cirurgia de reconstrução arterial eletiva e definitiva, deve ser encarada como uma hipótese viável, desde que existam condições para a sua exequibilidade em contexto de urgência28.

Conclusão

Os falsos aneurismas micóticos carotídeos são situações raras, mas potencialmente fatais, que requerem uma pronta intervenção cirúrgica aliada à instituição de terapêutica para controlo da infeção. Quando não diagnosticados, comportam uma taxa de morbimortalidade significativa. Atualmente, as recomendações cirúrgicas assentam na reconstrução arterial com material biológico e autólogo. A laqueação carotídea e métodos endovasculares estão indicados apenas em casos selecionados, por comportarem um maior risco de complicações no peri‐operatório e a longo prazo.

Face à sua raridade, não está bem definido na literatura qual o follow‐up mais indicado para estes doentes. A regularidade dos controlos imagiológicos não invasivos deve ser adaptada a cada caso. Consideramos que os casos de reconstrução arterial devem ter um controlo regular por ecodoppler. Nos casos em que se optou por um tratamento endovascular, o controlo por angio TC deverá ser equacionado, por permitir excluir com maior precisão as complicações associadas a esta opção cirúrgica.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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