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Vol. 10. Núm. 1.
Páginas 21-24 (marzo 2014)
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Malformação arteriovenosa da artéria hipogástrica — A propósito de um caso clínico
Hypogastric arteriovenous malformation – A case report
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Ana Afonso
Autor para correspondencia
ana.raquel.22@gmail.com

Autor para correspondência
, Pedro Barroso, Gil Marques, Ana Gonçalves, António Gonzalez, Nádia Duarte, Maria José Ferreira
Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal
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Resumo

As malformações arteriovenosas (MAVs) congénitas podem ocorrer em qualquer território vascular mas a sua localização pélvica no sexo masculino é rara, e representam um desafio terapêutico difícil.

Os autores descrevem um caso clínico de um doente do sexo masculino de 72 anos, com quadro clinico de disúria, hematúria e desconforto pélvico. O estudo por tomografia computorizada (TC) detetou a presença de uma MAV pélvica com origem na artéria hipogástrica esquerda. O doente foi submetido a tratamento endovascular com embolização seletiva e, por recorrência dos sintomas, o procedimento percutâneo foi repetido ao final de um ano. Doente atualmente em follow-up anual, permanecendo assintomático e, na Angio-TC de controlo, verificou-se diminuição das dimensões da MAV.

A propósito do caso clínico, discute-se a abordagem terapêutica das malformações pélvicas congénitas.

Palavras-chave:
Malformação arteriovenosa
Embolização percutânea seletiva
Sexo masculino
Pélvis
Abstract

Congenital arteriovenous malformations (AVMs) can occur in any vascular territory but their pelvic location is rare in male patients, and presents a difficult therapeutic challenge.

The authors present a case report of a 72 year old man, who presented with symptoms of dysuria, hematuria, and pelvic discomfort. The study by computed tomography (CT) detected the presence of a pelvic AVM with feeding vessels from the left hypogastric artery. The patient underwent transcatheter selective embolization and, due to recurrent symptoms, percutaneous procedure was repeated one year after. Patient has been followed anually and remains asymptomatic and the CT demonstrated reduction in AVM size.

In this report, we will discuss the therapeutic approach to congenital pelvic malformations.

Keywords:
Arteriovenous malformation
Selective percutaneous embolization
Male
Pelvis
Texto completo
Introdução

As malformações arteriovenosas (MAVs) pélvicas são raras, particularmente no sexo masculino. Nesta localização, as lesões são frequentemente adquiridas, como resultado de neoplasias, trauma pélvico ou pós-cirúrgicas, sendo de suma importância a sua exclusão na altura do diagnóstico. As MAVs génito-urinárias também podem surgir associadas ao Síndrome Kippel-Trenaunay, bem como ao Síndrome Parks-Weber1.

Estas malformações representam a persistência de elementos vasculares primitivos e são caraterizadas por múltiplas macro e microcomunicações entre os sistemas arterial e venoso de baixa resistência2.

As modalidades terapêuticas incluem: 1) excisão cirúrgica; 2) embolização percutânea ou, 3) combinação da embolização pré-operatória e excisão cirúrgica.

O tratamento cirúrgico está associado a uma elevada morbilidade intra e peri-operatória (hemorragia massiva, lesão de órgão adjacente), baixa taxa de cura e elevada recorrência3. Recentemente, o tratamento endovascular com a cateterização superseletiva dos vasos de suprimento e a administração transcatéter de agentes embólicos, veio revolucionar o tratamento das malformações vasculares.

Neste artigo reporta-se o caso clínico de um doente com MAV pélvica congénita e discute-se a abordagem terapêutica destas lesões com base numa revisão da literatura.

Caso clínico

Doente do sexo masculino, de 72 anos, com antecedentes pessoais irrelevantes, sem história prévia de cirurgia ou traumatismo, recorreu ao médico assistente com sintomas de disúria e hematúria e desconforto pélvico vago. Ao exame objetivo não apresentava sopros pélvicos e ao toque retal constatava-se a presença de uma massa indolor, de consistência mole, na parede posterior esquerda do reto.

Na investigação etiológica do quadro clínico, realizou tomografia computorizada (TC) que mostrou uma MAV da artéria hipogástrica esquerda e foi referenciado à consulta de Cirurgia Vascular.

Pela sintomatologia apresentada, foi proposto tratamento. Foi realizada angiografia via femoral direita, que mostrou a malformação com origem na artéria hipogástrica esquerda e drenagem para a veia hipogástrica esquerda através de veias varicosas (fig. 1). Após introdução do catéter nos ramos de suprimento da artéria hipogástrica, foi feita a embolização com 2 HydroCoils (AZUR Peripheral HydroCoil da Terumo®).

Figura 1.

Angiografia pélvica demonstra a presença de uma malformação arteriovenosa com origem em ramos da artéria ilíaca interna esquerda

(0.05MB).

Durante follow-up, aos 12 meses, verificou-se reaparecimento da sintomatologia, com dor pélvica e foi realizada TC de controlo que mostrou persistência da MAV. Foi então submetido a novo tratamento percutâneo que consistiu em re-embolização com coils de platina VortX-35 da Boston Scientific® (fig. 2).

Figura 2.

Arteriograma do eixo ilíaco esquerdo, doze meses após primeira emboloterapia, mostra persistência das comunicações arteriovenosas com repermeabilização do nidus da lesão

(0.05MB).

Após finalização do procedimento foi realizada angiografia digital que confirmou a desvascularização e trombose do nidus da malformação (fig. 3).

Figura 3.

Arteriograma pós-segunda embolização mostra oclusão dos ramos embolizados com desvascularização do nidus da lesão

(0.04MB).

No follow-up aos 6 meses verificou-se que o doente permanecia assintomático e TC de controlo mostrou persistência mas com redução das dimensões da MAV.

Comentários

As malformações congénitas pélvicas em doentes do sexo masculino, são raras e estão apenas descritos 17 casos na literatura3,4. Nas mulheres estas malformações tendem a ser mais complexas, com múltiplas artérias de suprimento e sendo a recorrência muito comum. Os homens têm um padrão distinto caraterizado pelo suprimento arterial da lesão pela artéria hipogástrica e veias de drenagem massivamente dilatadas. É o componente venoso que causa os sintomas por compressão das estruturas circundantes5.

A história natural das malformações vasculares é variável. Podem permanecer assintomáticas durante vários anos. Quando os sintomas desenvolvem podem ser: dor, efeito de compressão de órgãos adjacentes, hemorragia, insuficiência cardíaca de alto débito, impotência e isquémia. Estes sintomas geralmente não resolvem sem intervenção6.

A ausência de sinais e sintomas específicos tornam o diagnóstico difícil e muitas vezes é de exclusão. No caso da suspeição clínica devem ser realizados exames de imagem direccionadas, como a ecografia e, para avaliar a extensão e envolvimento das estruturas adjacentes e demonstrar quais os vasos de suprimento e veias de drenagem é necessário a realização de Angio-TC ou Angio-RM7.

Habitualmente o diagnóstico das MAV congénitas pélvicas, no sexo masculino, é realizado em doentes com uma idade média de 34–40 anos, sendo rara a apresentação da doença numa idade avançada, como acontece com o doente no caso clínico apresentado. Dos 17 casos descritos na literatura, apenas 5 se referem a doentes com idades superiores a 65 anos4.

Considerando as características clínicas e hemodinâmicas das malformações vasculares, a regra principal, no que concerne à sua abordagem terapêutica, é que nem todas as lesões devem ser tratadas e não existe nenhum procedimento de rotina que possa ser aplicado a todas as MAVs1.

As indicações para o tratamento das MAVs incluem a presença de sintomas, expansão ou crescimento das lesões e problemas funcionais como a compressão das estruturas adjacentes1. Outro fator importante a considerar na seleção do tipo de tratamento é a sua localização, tendo de se considerar a sua acessibilidade cirúrgica.

No caso de lesões assintomáticas, está recomendada a vigilância com base na observação clínica e exames de imagem periódicos3 (6 meses).

Em 2002, Xavier Game fez o maior estudo de revisão da literatura com apenas 19 casos de MAVs pélvicas no sexo masculino descritos. Destes 19 doentes, 9 foram tratados cirurgicamente, 3 através de embolização percutânea e cirurgia e os restantes 7 doentes com embolização percutânea4.

O tratamento cirúrgico é o único procedimento com poten cial de cura, contudo está associado a elevada morbilidade e a resseção incompleta está associada a elevada recorrência1. A localização pélvica da malformação impede muitas vezes a intervenção cirúrgica e a cirurgia está associada a hemorragia e com risco de lesão de órgãos adjacentes7.

O desenvolvimento de técnicas de cateterização superseletiva, o aparecimento de novos cateteres e agentes embolizantes tornaram o tratamento endovascular por via percutânea, muito apelativo neste tipo de malformações.

O princípio do tratamento endovascular, consiste no encerramento das comunicações primárias através da embolização com substâncias que obstruem mecanicamente as conexões que alimentam o nidus da lesão6.

A técnica consiste na realização de angiografia na altura do procedimento. Caso haja dificuldade em alcançar o nidus da lesão, devido à presença de múltiplas artérias de suprimento da lesão, pela presença de ramos arteriais importantes para o suprimento normal de órgão distal, extrema tortuosidade arterial, ou cirurgia prévia8; pode ser considerada a punção direta, se anatomicamente acessível ou, em alternativa, ser utilizada uma abordagem transvenosa1.

A abordagem transvenosa está amplamente descrita sendo a abordagem preferível para as lesões de baixo fluxo e com várias artérias tributárias a drenar para a lesão9,10,11. Relativamente ao presente caso clínico, e tal como na maioria das MAVs pélvicas no sexo masculino, o doente apresentava um único vaso de suprimento (artéria ilíaca interna esquerda), tendo-se preferido então a embolização seletiva arterial. Além disso, tratando-se de uma lesão de alto fluxo, existe um risco maior de embolização pulmonar do material embólico na abordagem transvenosa.

Vários materiais embólicos foram e são usados, como: espuma, microesferas de polímero, partículas de polivinil álcool, balões destacáveis, coils de platina e aço inoxidável, etanol, agentes adesivos rapidamente polimerizantes6. A evolução dos materiais para embolização disponíveis, particularmente os agentes rapidamente polimerizantes, permitiu uma melhoria significativa no controlo e erradicação das conexões mais complexas.

Os princípios para uma embolização mais eficaz e com menos complicações, e que devem ser tidos em conta quando se planeia o tratamento destas malformações, sãos os seguintes:

  • O uso de agentes de oclusão temporários (espuma reabsorvível, preparações de colagénio) devem ser usados apenas como complemento pré-cirúrgico, para redução das dimensões da lesão.

  • O uso de agentes tóxicos como o etanol absoluto que foi descrito em vários estudos12,13, e que é usado mais frequentemente nas malformações de baixo-fluxo, está associada a toxicidade tecidual podendo originar lesão nervosa permanente ou necrose tecidual.

  • Oclusão macroscópica com balões destacáveis ou coils, equivale à laqueação cirúrgica das artérias de suprimento, distantes ao nidus. A oclusão proximal está associada a bons resultados iniciais com diminuição do fluxo na malformação mas, se o nidus não for tratado, irá revascularizar. Contudo, os coils de pequeno a grande calibre são úteis em malformações de maiores dimensões1. Os coils podem ser de aço inoxidável ou de platina, apresentam diferentes comprimentos, diâmetros e formas e podem ter diferentes revestimentos que aumentam a trombogenecidade (lã, seda, nylon, poliéster) ou proporcionam um maior volume de oclusão através de biopolímero expansível13 (Hydrogel Coils).

  • Preferência pelo uso de pequenas partículas que possam ser depositadas no nidus da lesão: partículas de espuma de polivinil álcool (50–1000mm); microesferas de polímero superabsorventes14 (acrilato de sódio e copolímero de álcool vinil); Copolímero de etileno vinil álcool diluído pelo solvente orgânico dimeril sulfóxido DMSO15 (Onyx®); agentes rapidamente polimerizantes como N-butil cianoacrilato (NBCA) que é injetado na forma líquida e polimeriza rapidamente em contato com o sangue16. Isto permite a oclusão de ramos que alimentam o nidus apesar do não alcance do microcateter1.

No presente caso clínico, a MAV apresentava uma artéria de suprimento de calibre elevado e com elevado fluxo, que elevava o risco de embolização pulmonar com o uso de agentes esclerosantes, pelo que se optou por agentes de oclusão mecânicos, nomeadamente Hydrocoils de modo a ocluir o suprimento arterial e reduzir o fluxo no nidus da lesão para poder induzir a sua trombose. Aquando do tratamento da lesão recorrente, após 12 meses do primeiro procedimento, a angiografia revelada mostrou persistência da MAV, que mantinha elevada taxa de fluxo, pelo que se voltou a optar por um agente de embolização mecânico, com coils de platina.

Os procedimentos endovasculares surgem associados a elevada recorrência devido a recanalização e neovascularização. Nestes casos, a embolização pode ser repetida se os sintomas recorrerem. Jacobowitz, na sua série de 35 doentes, de ambos os sexos, reportou uma média de 2,4 procedimentos por doente durante um período médio de 23,3 meses6.

As complicações do tratamento percutâneo são: febre, dor pélvica, hematoma pélvico, trombose venosa, embolia pulmonar e complicações associadas ao local de punção como hematoma ou oclusão arterial12.

O sucesso do tratamento é definido com a erradicação da lesão ou melhoria dos sintomas. O follow-up, através da história clínica e exame físico, é fulcral de forma a poder detetar-se a recorrência de sinais e sintomas. Para confirmar a presença da malformação, o eco-doppler pode ser útil, mas no caso das lesões pélvicas, é preferível a realização de angio-TC ou angio-RM, para vigilância e follow-up.

Conclusão

As MAVs pélvicas representam uma entidade clínica rara e complexa, de difícil abordagem terapêutica. No sexo masculino, estas MAVs tendem a apresentar um suprimento arterial mais simples e que respondem melhor à embolização arterial e com menor taxa de recorrência.

O tratamentos destas MAVs infelizmente, é sempre múltiplo, pelo fenómeno recidivante, devido ao desenvolvimento de neo vasos e/ou recrutamento/desenvolvimento de vasos pré-existentes. Mesmo a excisão cirúrgica em bloco, quando possível, não é curativa. O doente deve ser informado e estar consciente da possibilidade de melhoria, com hipótese quase certa de algum retrocesso em aparente cura.

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