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Vol. 15. Núm. 1.
Páginas 195-238 (enero 2015)
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Vol. 15. Núm. 1.
Páginas 195-238 (enero 2015)
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A margem nacional de apreciação e sua (in)aplicação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria de anistia: uma figura hermenêutica a serviço do pluralismo ordenado?
The National Margin of Appreciation and its (in)Application by the Inter‐American Court of Human Rights Regarding Amnesty: a Hermeneutic Figure in the Service of the Ordering Pluralism?
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Jânia Maria Lopes Saldanhaa,
Autor para correspondencia
janiasaldanha@gmail.com

Autor para correspondência.
, Márcio Morais Brumb
a Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professora dos Cursos de Graduação e Pós‐Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria. Coordenadora do CCULTIS (Centro de Culturas Jurídicas Comparadas, Internacionalização do Direito e Sistemas de Justiça)
b Acadêmico do 5° ano do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisador do CCULTIS (Centro de Culturas Jurídicas Comparadas, Internacionalização do Direito e Sistemas de Justiça)
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Resumo

O trabalho tem como objetivo estudar a doutrina da margem nacional de apreciação, analisar as críticas positivas e negativas a respeito, e interrogar quais os limites de aplicabilidade e em que matérias se faz possível o seu reconhecimento. A questão central a ser respondida é sobre a (in)aplicabilidade da MNA em matéria de anistia para crimes contra a humanidade, à luz da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desse modo, estará investigando a importância do trabalho da jurisdição de direitos humanos para a construção e sofisticação da doutrina da MNA. Utiliza‐se o método fenomenológico‐hermenêutico. Chega‐se às conclusões de que o reconhecimento da margem nacional de apreciação pode ser um meio eficaz de ordenação do pluralismo jurídico e construção de um direito comum; que o uso da MNA, porém, não é imune a críticas; e que em matéria de anistia para crimes de lesa humanidade não é possível o reconhecimento de MNA.

Palavras‐chave:
internacionalização do direito
direitos humanos
pluralismo ordenado
margem nacional de apreciação
leis de anistia
Abstract

The work aims to study the doctrine of the national margin of appreciation, to analyze the positive and negative review, questioning what are the limits of yours applicability and the subjects that made possible your acknowledgment. The central question to be answered is about the (in)applicability of NMA in regards to amnesty for crimes against humanity, based in the jurisprudence of the Inter‐American Court of Human Rights (ICHR). Thus, it will be investigated the work's importance of the human right's jurisdiction in the building and sophistication of the NMA doctrine. The phenomenological‐hermeneutic method was used in this paper. The conclusions of the study are that the recognition of national margin of appreciation doctrine can be an effective mean to ordering legal pluralism and the building of a common law; that the use of NMA, however, is not immune to criticism; and, finally, that is not possible to admit NMA doctrine regarding to amnesty for crimes of lese humanity.

Keywords:
internationalization of law
human rights
orderly pluralism
national margin of appreciation
amnesty laws
Résumé

Le travail a comme but d’étudier la doctrine de la marge nationale d’appréciation, analyser les critiques positives et négatives, interroger ses limites d’application et les disciplines où on peut l’utiliser. Le principal objectif du texte est d’analyser l’application ou pas de cette doctrine par rapport aux crimes contre l’humanité à la lumière de la jurisprudence de la Cour Interaméricaine de Droit de l’Homme. L’investigation utilise la méthode phénoménologique‐herméneutique. Il est possible de conclure que la marge nationale d’appréciation peut être un moyen efficace d›ordination du pluralisme juridique et de la construction d›un droit commun.

Mots clés:
internationalisation du droit, droits de l’homme, pluralisme ordonné
marge nationale d’appréciation
amnistie lois
Texto completo
I. Introdução

A internacionalização das relações humanas trouxe como consequência o contato entre diferentes sistemas jurídicos, e os códigos culturais, embora se mantenham, já não podem renunciar, tampouco ignorar, a permeabilidade exterior. O direito interno sofre o influxo do direito internacional. Como essa é uma via de mão dupla, o internacional também recebe a influência do nacional. Tal movimento desenha relações complexas e circulares, tornando as relações simples e lineares, uma expressão de outro tempo.

Assim, no campo do direito constitucional um duplo processo emerge, o da constitucionalização do direito internacional e o da internacionalização1 do direito constitucional ou o da desnacionalização. Esse último processo constitui‐se no reconhecimento de certas funções materialmente constitucionais, em alguns aspectos, do não só fragmentado quanto variado direito internacional. Esses movimentos circulares de abertura recíproca que colocam sob interrogação os limites impostos pelas fronteiras nacionais bem como a propalada autonomia do direito internacional, conduzem, inevitavelmente, ao reconhecimento de que o nacional não se sustém sozinho, quanto parece “ser nacional o futuro do direito internacional”2 diante da sua influência sobre as ordens nacionais.3

Em vista disso, cada vez mais acentua‐se a importância do papel das Constituições para garantir direitos fundamentais, enfrentando o difícil desafio de compor as exigências internas, que derivam da tradição e da cultura, com as que decorrem do direito internacional e das decisões dos sistemas de justiça internacionais. Com efeito, o desvio da paisagem congelada na precisão e na certeza, para outra, a da imprecisão, é decorrência inexorável da grande desordem do mundo neste Século XXI.

Incerteza e instabilidade, como refere Mireille Delmas‐Marty,4 são as marcas da ordem jurídica contemporânea que desafiam as instituições nacionais e não nacionais, bem como as sociedades, a refletir sobre a emergência de estabelecer um mínimo de ordem a essa multiplicidade sem reduzi‐la, de uma parte, ao império da uniformidade e, de outra, manter o plural, sem “renunciar ao direito comum”.5 O direito comum, segundo definição da autora, deve ser compreendido por comum em todos os sentidos: um direito acessível a todos, que não seria imposto de cima como verdade revelada, pertencente apenas aos intérpretes oficiais, mas consagrado de baixo como verdade compartilhada, relativa e evolutiva; comum, igualmente, a diferentes setores do direito para assegurar a coerência de cada sistema, apesar da especialização crescente das regras; comum, enfim, a diferentes Estados dentro da perspectiva de uma harmonização que não lhes imponha renunciar a sua identidade cultural e jurídica, isto é, não um direito unificado, mas um pluralismo jurídico ordenado.6

Na busca de um direito comum efetivo, que seja ao mesmo tempo universalista e pluralista, é necessário que se saiba “pensar o múltiplo”.7 Para tanto, os juízes nacionais são desafiados a lançar mão de argumentos não mais fundados apenas no direito interno, mas advindos de marcos normativos regionais e internacionais e de jurisprudência produzida por seus pares estrangeiros de outros tribunais. Devem recorrer a novas lógicas que permitam encontrar respostas adequadas a esta nova realidade. Delmas‐Marty propõe, nesse sentido, que se recorra a uma lógica de graduação, que poderá oferecer os suportes de um raciocínio que combine os princípios de hierarquia, identidade e conformidade com os de harmonia, proximidade, e compatibilidade.8

A noção de compatibilidade implica o reconhecimento, implícito ou explícito, de uma margem —margem nacional de apreciação e margem supranacional de controle— que permite um jogo de soluções no sentido de uma harmonização do direito. O presente trabalho tem como objetivo estudar a doutrina da margem nacional de apreciação, interrogar quais os seus limites de aplicabilidade e em que matérias poderá ser deferida/invocada. Para tanto, está organizado em duas partes principais: a Parte 1 ocupa‐se do desafio de conceituar a margem nacional de apreciação e apresentar críticas ao uso do mecanismo; e a Parte 2 ocupa‐se de analisar a possibilidade ou não de aplicação da margem nacional de apreciação em matéria de anistia para crimes contra a humanidade.

II. Parte 1. Um desafio para conceituar: uma figura hermenêutica chave para ordenar o pluralismo e uma prática criticável

A compatibilização entre as diversas ordens jurídicas sem que se caia no erro da tentativa forçada de unificação9 implica o reconhecimento de uma margem nacional de apreciação, mecanismo adequado ao processo de harmonização do direito. Isto posto, primeiramente, será preciso estabelecer os contornos do conceito de margem nacional de apreciação (1.1), para, em seguida, questionar os limites de sua aplicação prática e o modo inadequado como tem sido utilizada em determinadas ocasiões (1.2).

1. Um conceito chave para ordenar o pluralismo

Se existe, por parte de alguns, uma forte tentação à unidade jurídica, será preciso ver nisso uma mera utopia10 e suspeitar profundamente de sua razoabilidade. Por parte de outros, o desejo de separação é saudoso de uma autonomia perfeita que, ao fim e ao cabo, beira a irresponsabilidade política e repousa no campo da mais pura imaginação, ante a intensa permeabilidade entre as ordens jurídicas que suplantaram o sonho da autonomia perfeita. Como sair dessa lógica binária contraditória? Como renunciar a “utopia” da unidade e a “ilusão” da autonomia?.11 Ter a sabedoria de trilhar o caminho do meio que seja capaz de engendrar a síntese entre a utopia e a ilusão, para considerar o campo do possível, é o pressuposto para uma adequada compreensão do pluralismo.12

Esse pluralismo ordenado teria como farol iluminador a possibilidade da universalização dos bens comuns, sem rejeitar a noção de margem nacional de apreciação, pois os indivíduos ao mesmo tempo em que cultivam valores comuns universais, também reivindicam uma pertença a determinada comunidade cultural particular.13 Para tanto, será necessário fixar a noção (A.) e estudar as definições (B.) da margem nacional de apreciação até então elaboradas pela jurisprudência e pela doutrina do direito.

A. A noção de margem nacional de apreciação

A MNA não é peculiar da jurisprudência das cortes internacionais de direitos humanos. Ela deriva das práticas do direito administrativo europeu: na França é conhecida como “marged’appréciation”; na Itália como “marge de discrizionalità” e na Alemanha “Ermessensspielraum”. Em todos esses países ocorre a reserva de apreciação ao administrador e ao legislador, considerada um caminho de respeito à autonomia entre os poderes, um espaço de manobra para as autoridades públicas. Trata‐se de respeito e prestígio à doutrina “interna corporis”, “justizloseHoheitsakte”, “actes de haute administration” em ordem de tornar imunes ao sistema de justiça determinados tipos de decisões.14

Como se vê, a noção de “margem” encontra‐se no interior dos sistemas de direito e é dele que se pode extrair explicação. No direito interno existe a margem de interpretação do juiz, como receptor da norma escrita uma vez não lhe ser dado decidir conforme seu subjetivismo e sua consciência e sim decidir conforme a integridade e coerência do direito que deriva, amiúde, da comum‐unidade de intérpretes.

No plano da internacionalização do direito, ao mesmo tempo em que esse se internacionaliza, a diversidade cultural distingue cada sociedade e é fruto de remarcado apego pois, afinal, constitui a identidade de cada povo. A questão que se põe e que se impõe é mesmo a de encontrar as vias e meios para dar conta da universalidade jurídica provocada pela internacionalização do direito e do relativismo que se rebela contra o império da globalização.

Os europeus teriam direito de legalizar o aborto? Teriam o direito de legalizar a eutanásia ou o suicídio assistido? E teriam também a liberdade de restringir os direitos de defesa como contraditório e a presunção de inocência? Essas são questões morais pungentes que segundo Delmas‐Marty15 representam os desacordos culturais ainda existentes e que levaram Letsas16 a entender que a doutrina da margem nacional de apreciação pode derivar de uma dupla análise: A primeira substantiva que implica observar de um lado, as liberdades individuais e, de outro, os interesses coletivos. A segunda estrutural concernente ao grau de interferência dos tribunais internacionais com relação aos órgãos nacionais.

A doutrina da margem nacional de apreciação está relacionada com os limites decisórios dos sistemas de justiça internacional, supranacional e regional em matéria de direitos humanos. Em verdade, por uma parte, a ideia de margem está associada à problemática da construção do “comum” que, de outra, não rejeita, antes reconhece, a diversidade dos sistemas de direito e das culturas.17

Quando, então, a noção de margem foi evocada pela primeira vez? Foi evocada pela primeira vez pela Comissão Europeia dos Direitos do Homem e, em seguida, introduzida pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), no caso Lawless c. Irlanda, de 1961,18 quando deixou ao Estado irlandês margem para decidir acerca da derrogação do artigo 15° da Convenção Européia de Direitos Humanos.19 Em tal caso, a CEDH reconheceu aos Estados uma margem nacional de apreciação. Todavia, somente no caso linguístico belga, de 1968,20 foi que a Corte de Estrasburgo precisou os fundamentos de sua doutrina, destacando: “A Corte não deseja substituir as autoridades nacionais competentes, se assim o fizer, perderá a característica de mecanismo internacional de garantia coletiva instaurado pela convenção”.21

Tal argumento deveria funcionar em todas as circunstâncias. Embora o processo Handyside c. Reino Unido, de 1976,22 seja considerado pela doutrina como aquele em que se inicia o longo percurso da CEDH para construir a doutrina da margem nacional de apreciação na Europa, ao longo do tempo o funcionamento da margem evidencia que ela não é aplicada de maneira uniforme. Entretanto, há que se considerar que a oposição entre a interpretação autônoma e o reconhecimento da margem nacional de apreciação, como tem feito a CEDH, não passa de uma aparência, vez que é preciso sim deixar matérias à apreciação exclusiva da Corte de Estrasburgo que pertencem ao chamado patrimônio comum das tradições e outras à apreciação dos Estados.

Há, então, uma combinação que respeita o pluralismo e fortalece a coexistência de duas ordens jurídicas diferentes. A presença de uma “soberania nacional controlada” e de uma “primazia europeia relativa”23 parece ser o que mais celebra o pluralismo.

A doutrina europeia muita atenção tem dedicado a essa matéria. Com leves diferenças, boa parte dos autores24 entendem ser a margem nacional de apreciação uma deferência dos tribunais internacionais aos órgãos nacionais —executivo, judiciário e legislativo— para que cumpram os instrumentos internacionais de direitos humanos. Essa “deferência judicial” que combina aspectos processuais e critérios hermenêuticos inspirou‐se nas práticas nacionais relacionadas à reserva deixada ao administrador, atuação dos juízes nacionais de verdadeiro self restraint ou autocontrole25 na medida em que deixam ao administrador decidir acerca da conveniência e oportunidade dos atos administrativos, bem como deixam ao legislador fazer as leis e aos juízes nacionais decidir acerca de inúmeras matérias.

Delmas‐Marty e Izorche26 apontaram que o princípio da subsidiariedade que rege a atuação da CEDH justificaria a utilização da margem nacional de apreciação por razões de (a) ordem técnica —imprecisão que dá ao juiz internacional uma certa liberdade de julgamento— e, (b) política —sensibilidade dos Estados decidirem sobre temas de ordem pública—. A exigência de compatibilidade entre as ordens internas e a aspiração de construção de uma ordem comum também justificam o uso dessa doutrina, pois é condição para equilibrar o pluralismo jurídico e evitar o arbítrio.27

B. Compreendendo a margem: As várias definições

A questão do pluralismo jurídico está profunda e radicalmente vinculada à ideia de subsidiariedade dos tribunais internacionais de direitos humanos. Na verdade, o princípio da subsidiariedade se encaixa perfeitamente nesse campo e seus valores básicos podem razoavelmente ser considerados como já implicitamente presente na estrutura do direito internacional dos direitos humanos. Se isso é correto então não é surpreendente encontrar no próprio desenvolvimento dos direitos humanos que outras doutrinas e ideias surgiram, pelo menos em parte, como análogos à —ou inspirados na— subsidiariedade, ou seja, na abordagem dialética generalizada entre o universal das normas de direitos humanos e as legítimas reivindicações do pluralismo.

Carozza28 diz ser a margem nacional de apreciação exemplo mais notável dessa analogia ou inspiração já que a “principal vantagem da subsidiariedade como um princípio estrutural do direito internacional dos direitos humanos é que ela integra os níveis internacional, nacional e subnacional de ordem social com base em uma visão substantiva da dignidade humana e liberdade, sem deixar de incentivar e proteger o pluralismo entre eles”.

Benvenisti29 identifica no uso da MNA uma “certa latitude —que cada sociedade tem— na resolução dos conflitos inerentes entre os direitos individuais e os interesses nacionais ou entre diferentes convicções morais”. Mais adiante, diz que a doutrina da margem nacional de apreciação inicialmente respondeu a preocupações de governos nacionais de que as políticas internacionais pudessem comprometer a segurança nacional. Isto explicaria as invocações da margem nos casos de derrogação de obrigações decorrentes de tratados, devido a estados autoproclamados de emergência.30 Depois passou a ser aplicada por outras razões que não de segurança, como gestão de recursos, em extensão doutrinária para questões de não segurança.31 Segundo o autor, a aplicação da MNA se justifica em certos temas e em outros não. Não cabe, por exemplo, quando em questão estão os direitos das minorias.32

Greer33 a identifica como uma deferência à democracia, ao princípio da subsidiariedade e à proporcionalidade e, que nesse último caso, seria um decorrência automática. No entanto, Kratochvíl34 diz que ele não explica essa deferência à proporcionalidade, que isso não ficou claro embora a democracia seja uma razão válida. Arai‐Takahashi,35 ao tratar da questão, refere‐se à ‘latitude que um governo goza’ na aplicação das disposições de um tratado. Por outro lado, Delmas‐Marty e Izorche36 lembram ter a doutrina da margem nacional origem interna e referir‐se à autolimitação dos poderes normativos. Mas a margem própria da internacionalização do direito, diz, afina‐se com o reconhecimento da diversidade de sistemas.

A noção de MNA é a principal chave do pluralismo ordenado preconizado por Delmas‐Marty,37 para quem, de um lado a MNA expressão uma dinâmica centrífuga, ou seja, uma resistência dos Estados à integração e, de outro lado, não sendo ela ilimitada, mas sim limitada por princípios comuns, estabelece um mínimo de compatibilidade que se volta ao centro numa dinâmica centrípeta. O movimento é oscilante: ora traduz as resistências dos direitos nacionais, ora os avanços rumo à harmonização do direito comum mas que, de todo modo, permite ajustamentos constantes com vistas à compatibilizar o interno com o comum. Assim, a margem nacional de apreciação é considerada uma técnica jurídica presente no âmbito do fenômeno da internacionalização do direito e que permite o reconhecimento da diversidade entre os sistemas jurídicos.38

Kratochvíl39 diz que estas definições selecionadas mostram que a característica comum é a noção de espaço em que os Estados podem, legalmente, se mover. Eles também mostram que há alguma incerteza quanto aos usos da doutrina. Algumas definições referem‐se à aplicação da Convenção, outros para a resolução de conflitos entre direitos e do interesse público, e outros para escolhas em cumprimento das obrigações num certo nível de abstração, a utilização da doutrina pode ser descrita como deferência. Se contentar com uma tal conclusão não seria muito útil, no entanto, porque uma questão importante que surge é: deferência com relação a quê?

Poblete e Alvarado40 dizem que a MNA se relaciona precisamente com os fins e os limites da jurisdição internacional ou supranacional em matéria de direitos humanos e reconhecem que a “doutrina em questão” dá uma margem e liberdade aos Estados para: a) apreciar as circunstâncias materiais que exige a aplicação de medidas excepcionais em situações de emergência; b) para limitar alguns direitos reconhecidos em tratados internacionais quando outros exigem respeito ou o exigem os interesses da comunidade; c) definir o conteúdo dos direitos e delimitar como eles são aplicados no plano interno; d) definir o sentido do direito nacional; e) definir o modo como se cumprirá uma resolução de um órgão internacional de supervisão de um tratado. Esses autores também identificam a doutrina da margem nacional de apreciação como uma metodologia de que se servem os tribunais internacionais para difundir os direitos humanos convencionais, como também o direito do comércio, uma vez que aplicada pela Organização Mundial do Comércio.41

A identificação da doutrina da margem de apreciação a uma ferramenta interpretativa é o que faz Ostrovsky,42 ao lembrar do trabalho jurisprudencial da CEDH com relação à matéria, Tribunal esse que não faz outra coisa senão delinear entre o que é propriamente uma questão de cada comunidade decidir em nível local e o que é tão fundamental que as mesmas exigências sejam impostas a todos os Estados, independentemente de variações de suas culturas. É uma ferramenta, segundo o autor, “para detectar quando os direitos fundamentais contidos na CEDH são violados no contexto de um sistema diversificado mais amplo”.43

Sendo inderrogáveis as diferenças no interior da Europa, a doutrina da margem nacional de apreciação foi sendo lapidada para constituir‐se em uma das principais ferramentas utilizadas pela CEDH para “acomodar” tais diversidades, a soberania nacional e a vontade das maiorias nacionais com relação dos direitos previstos na Convenção Europeia para Proteção e Salvaguarda dos Direitos Humanos.

A margem nacional de apreciação pode, todavia, ser identificada como o poder de um Estado Contratante na avaliação das circunstâncias fáticas e na aplicação das disposições previstas nos tratados internacionais de direitos humanos, como o faz Bakircioglu.44 Este autor diz que (a) a margem de apreciação baseia‐se na noção de que cada sociedade tem o direito de exercer certa latitude para vislumbrar o equilíbrio entre os direitos individuais e os interesses nacionais, bem como na resolução de conflitos derivados de diversas convicções morais e que, por trás da doutrina (b) as autoridades nacionais estão, por vezes, em posição melhor do que os juízes internacionais para decidirem sobre os conflitos emergentes de diversas tradições sociais, políticas, culturais e jurídicas dos Estados Contratantes no contexto europeu.45

Vila46 percebe na doutrina da margem nacional de apreciação uma “deferência” praticada pela Corte Europeia de Direitos Humanos em relação os Estados, isto porque: a) o sistema de proteção dos direitos humanos na Europa é resultado de uma divisão de trabalho entre os Estados e a Corte; b) os Estados são responsáveis primários desta proteção e a intervenção da Corte é subsidiária; c) em âmbitos sensíveis como o da moralidade e o da religião não há consenso entre os Estados.

A MNA não está expressamente prevista nos marcos normativos europeus de proteção dos direitos humanos. Sobre ela a Convenção Europeia de Direitos Humanos é silente, bem como as normativas comunitárias. No entanto, diante das exigências de uma sociedade democrática, a jurisprudência tem reconhecido que, em muitas matérias, os estados estão melhor aparelhados para decidir sobre determinadas questões que, amiúde, eles conhecem melhor.

2. Uma prática não imune a críticas

A margem nacional de apreciação, ao ser compreendida e utilizada como forma de auto‐restrição ou autocontrole, através da qual o órgão jurisdicional internacional evita o enfrentamento com poderes constituídos e legitimados desde outras premissas políticas, pode representar um risco de fragilização do direito internacional dos direitos humanos, caso seu uso torne‐se indiscriminado, sem critérios claros e limites precisos. Para nada servirá a preservação dos equilíbrios institucionais e o resguardo dos fundamentos da legitimidade dos órgãos e ordenamentos envolvidos, se para isso os órgãos jurisdicionais internacionais tenham de abster‐se de realizar o devido controle de convencionalidade das normas.47

Ao invés de trilhar o caminho da ordenação do múltiplo e mundialização dos direitos humanos, isto levaria ao rumo contrário da fragmentação e reforço da velha noção de soberania, marcada pela ausência de compromisso dos Estados com os marcos protetivos mínimos do direito internacional. Estes são os riscos de uma aplicação indevida —demasiado ampla ou demasiado estreita— da margem nacional de apreciação (1.2.1), o que poderá ser evitado com a sofisticação de seu uso (1.2.2).

A. Uma deferência às Cortes Nacionais e um autocontrole das Cortes não nacionais?

As críticas em relação à margem de apreciação encontram‐se em sua variabilidade. A Corte europeia parece ser guiada por considerações de oportunidade, “pelo desejo de não chocar, de desempenhar um papel aceitável, não pelo objetivo de sua missão, mas pela timidez política de suas intervenções”, como lembram Delmas‐Marty e Izorche.48

O problema pode residir nos extremos. Por uma parte, numa margem larga (no sentido de retardar a integração europeia, visto que a margem larga ocasiona a fragmentação do espaço europeu). De outra parte, numa margem estreita (no sentido de forçar a integração, com o predomínio de uma concepção liberal e individualista de Direitos Humanos). Essa dualidade extremada, seguramente, não é positiva pois, em qualquer situação fragiliza a legitimidade da tarefa de interpretar e de aplicar os direitos humanos.

Não esquecendo que as análises doutrinárias sobre a margem nacional de apreciação não é algo novo, pode‐se identificar no texto de Benvenisti49 o reconhecimento à importância dessa doutrina porque surgiu do trabalho jurisprudencial da CEDH como uma resposta à preocupações dos Estados, segundo as quais, as políticas internacionais podem colocar em risco a segurança nacional. Entretanto, tal significado não afasta os limites que deveriam ser impostos à sua aplicação, dadas as deficiências inerentes do sistema democrático, com o que a sua aplicação seria inadequada e inapropriada quando conflitos entre maiorias e minorias são examinados eis que, amiúde, quando eles ocorrem, as minorias saem prejudicadas.

Uma margem de apreciação muito aberta poderia colocar em risco uma das razões da existência do Direito Internacional dos Direitos Humanos que é corrigir algumas deficiências da democracia. Este possível desvio colocaria em risco o respeito necessário às políticas que se destinam à população em geral, por exemplo, as que restringem os discursos de ódio ou que estabelecem limites para as ações que causem danos.

Se durante muito tempo os grupos minoritários ficaram nas franjas das sociedades, na atualidade vão buscar proteção internacional. A invalidação e fragilização dos objetivos da comunidade internacional pode decorrer do abandono em proteger democraticamente as minorias quando os contornos da margem de apreciação forem muito amplos.

A criação de estandartes universais de proteção e promoção dos direitos humanos, segundo Benvenisti,50 estariam comprometidos, porquanto a doutrina da margem nacional de apreciação ao estar baseada na ideia de que para cada sociedade é dada uma certa “latitude” na resolução de conflitos entre direitos individuais e interesses nacionais ou entre convicções morais distintas, permite o reconhecimento de um relativismo moral, algo que estaria em desacordo com o conceito de universalidade dos direitos humanos e poderia prejudicar enormemente a promessa de aplicação internacional desses direitos.

A casuística com que a CEDH, na época, decidia casos similares de maneira diferente era não só fator que reduzia significativamente sua credibilidade quanto também essa falta de consenso prejudicava a própria doutrina da margem.51 A cautela de Benvenisti para com a aplicação “retórica” da margem nacional resultou da identificação da perda de autoridade das cortes internacionais de direitos humanos e da fragilização dos estandartes e valores universais cuja aplicação poderia enfrentar sérias resistências por parte das instituições nacionais às revisões dos seus atos e ao acolhimento de sanções, sob o argumento de que seriam melhores juízes dos seus problemas domésticos.

Delmas‐Marty e Izorche52 dizem que as críticas à doutrina da margem relacionam‐se ao fato de ser deferido aos juízes nacionais um poder para determinar o que seja “necessidade democrática”. “Necessidade” que, em geral, invoca a proporcionalidade para balizar, de um lado, a adoção estatal de medidas restritivas de direitos fundadas em “necessidades sociais imperiosas” e, de outro, a gravidade da medida tomada. “Democrática” porque vinculada ao controle – judiciário, administrativo e legislativo e ao respeito ao espírito democrático.

Nesse passo, quando a CEDH assegura aos Estados a margem de apreciação, pode muito bem estar respeitando a legitimidade democrática e relação de cooperação com os juízes nacionais, já que repetidamente tem frisado não se tratar de uma Corte final de apelação ou uma quarta instância, como refere Itzcovich.53 Assim que, como se vê, as críticas lançadas à doutrina da margem nem sempre são negativas.

Entretanto, as autoras Delmas‐Marty e Izorche54 lembram que o uso da margem nacional de aplicação pela CEDH deve ser criticada menos pela adoção de muitos critérios e mais pela falta de rigor em sua aplicação e por sua variabilidade que, de um lado, se for ampla, corre o risco de frear a integração europeia em muitos campos e, de outro lado, se for estreita, pode tornar‐se uma imposição marcando uma posição bastante liberal e individualista dos direitos humanos.

B. O compasso: Banalização e sofisticação do uso

Com efeito, uma fase de acanhamento é progressivamente suplantada pela do aumento de sua aplicação. Assim, a doutrina da margem nacional de apreciação passou a ocupar lugar significativo nas razões de decidir da CEDH. Tal crescimento ao invés de amainar as críticas que lhe têm sido lançadas ao longo do tempo, tem provocado efeito contrário. Da época da falta passa‐se à da abundância, porquanto a margem de apreciação se espalha em áreas em que seu uso era considerado impensável há alguns anos.

É o que Kratochvíl55 identifica como uma “medida misteriosa” aplicada pela CEDH com relação a quase todos os artigos da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Segundo esse autor o desenvolvimento dessa doutrina é ambíguo ante os diferentes usos que se dela são feitos, bem como tem sido aplicada desnecessariamente, banalização essa cujo preço, segundo pensa, será a perda de seu valor, risco esse que se deduz do voto concordante do juiz Rozakiz lançado por ocasião do julgamento do caso Egeland e Hanseid.56 A ambiguidade decorre da falta de clareza sobre as situações em que a doutrina da margem deve ser usada e sobre quais são os seus limites. A imprevisibilidade e imprecisão quanto à sua invocação podem ao mesmo tempo ser causa e consequência da sua ambiguidade.

Não haveria uma correlação entre o aumento do uso da doutrina da margem pela CEDH e a sua inconsistência? Parece que sim. A banalização no seu uso, de certo modo, liquidifica sua substância e, com isso, ausenta os fundamentos de princípio ou os fundamentos legais do conteúdo das decisões da Corte. Nesse sentido, ácida é a crítica de Kratochvíl57 ao dizer que “o seu denominador comum é que a margem é referida até quando ela não parece servir a nenhum propósito proveitoso”.

Por isso seu uso é de total inutilidade58 quando: a) menção à margem não está relacionada com as razões em que o caso foi decidido; b)a margem é mencionada mas não exerce nenhum papel específico; c) há o hábito de invocar ‘uma certa margem de apreciação’; d) a margem é mencionada apenas na conclusão; e) inconsistência no uso da margem. Se o problema é inquietante, diz Kratochvíl59 que a CEDH “deveria estabelecer verificações claras a serem aplicadas quando uma certa largura da margem de apreciação for declarada”.

Por outro lado, consistir em um bom recurso hermenêutico para estabelecer um equilíbrio entre democracia e direitos na esfera internacional; não desprezar a conjuntura interna de cada país e as suas circunstâncias jurídicas, políticas e sociais; servir para a conciliação entre elementos e valores em tensão; assegurar a flexibilidade argumentativa necessária para, de um lado, legitimar a autoridade do CEDH frente à vontade estatal na proteção de direitos e, de outro, refletir o pluralismo democrático existente na Europa são aspectos que, segundo Vila,60 conformam sentido positivo à doutrina da margem nacional de apreciação.

Como explicar o difícil consenso relativo às questões de moralidade e religião? Nessas esferas, as decisões das Cortes de Direitos Humanos não correriam o risco de distanciamento das realidades culturais nacionais? Em “âmbitos sensíveis” como esses61 não há consenso e as autoridades nacionais, por estarem em contato com as forças vitais de seu País, possuem mais elementos para conhecer a realidade sociais e decidir de forma mais adequada essas situações conflitivas. Se é possível reconhecer a procedência dessa hipótese, também aqui não se pode perder de vista as críticas lançadas à doutrina da margem nacional de apreciação.

Como proteger os valores comuns em sociedades díspares culturalmente, sem esvaziar o sentido de soberania? Como poderia a margem nacional de apreciação ser o reforço dessa última sem, no entanto, mutilar o direito convencional em matéria de direitos humanos? Como resolver essa contradição?

Marisa Vila, lançando o olhar sobre a necessidade de manter a autoridade do direito convencional, diz que a aplicação da margem nacional de apreciação poderá: a) redundar em uma debilitação da força dos direitos convencionais frente ao interesse público e à vontade estatal dos membros do Conselho da Europa;62 b) ser criticada como recurso hermenêutico por dificultar a generalização das respostas jurídicas da CEDH e, com isso, provocar incoerências estruturais e, em geral, pôr em perigo a segurança jurídica e impedir que a Convenção Europeia de Direitos Humanos consolide um sistema confiável de proteção de direitos na região;63 c) fomentar a construção de uma jurisprudência demasiado apegada às conjunturas e particularidades estatais, fato que impediria a CEDH de articular um marco estável de mínimos constitucionais que defina os limites em que possam se mover os Estados na gestão do seu pluralismo [religioso] interno;64 d) não conseguirá manter a autoridade institucional da CEDH na Europa, se sua concessão política aos Estados com conflitos religiosos sensíveis for permanente, porque “quando alguém lhe dá quase sempre a razão, inclusive quando não deveria, você acaba pensando que são somente suas razões as que importam”.65

O pluralismo não dá sinais de cessar. Se, como foi possível demonstrar, os desacordos culturais de conteúdo moral e religioso dominam a cena na Europa e induzem à aplicação mais ou menos ampla da margem nacional de apreciação, as práticas estatais de guerra ao terror, pós setembro de 2001 não tardaram a chegar ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e convocaram a aplicação da doutrina da margem nacional.

Nesse campo, deveria a CEDH hesitar em aplicar a doutrina da margem? Richard Smith apresenta importantes restrições ao uso da margem nessas questões, uma vez reconhecer que as medidas antiterror tem causado muitas violações aos direitos humanos. E a atitude da CEDH pode ser considerada, ousa‐se dizer, frustrante, porquanto tem relutado em definir precisamente os critérios do artigo 1566 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, deixando aos Estados que o façam, omissão que traz como consequência “estados de emergência permanentes”.67 Mesmo assim, segundo ele, a CEDH tem evitado utilizar a margem de apreciação de forma ampla nos casos de terrorismo, pois as autoridades públicas de inúmeros países lastreiam‐se em argumentos extremistas na luta contra o terrorismo.

Quando a CEDH recolhe a aplicação ampla da doutrina da margem de apreciação nesses casos, levanta a voz em favor do direitos humanos e contraria a procedente afirmação de Garapon68 de que os “tribunais modernos são mudos” e confirma que nela a comunidade humana pode sim encontrar um fórum que abriga a sua gestação permanente e não simples prédio arquitetônico.

Apesar disso, não se pode ignorar que a humanidade está à deriva em um “destino fundador” e que talvez seja sim importante encontrar um “discurso de pedra” para os textos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Declaração Universal dos Direitos do Homem pois, “para os indivíduos perdidos, o tribunal deve ser uma referência e um lugar pedagógico: ele deve tanto remeter para um passado inacessível como manifestar o momento indisponível da vida em sociedade, onde termina a liberdade individual”.69 Sendo assim, a CEDH possui um papel fundamental para manter a integridade dos direitos humanos no âmbito da guerra —que se tornou global— ao terror.

Outra perspectiva crítica positiva pode ser encontrada. A margem nacional de apreciação amplia‐se para ver nela inseridas razões não só de respeito ao princípio da subsidiariedade, senão de respeito à democracia, como também por considerações pragmáticas, como refere Itzcovitch,70 consistindo num instrumento útil para manejar o pluralismo jurídico e num “lubrificante no funcionamento da Convenção” que oportuniza a flexibilidade necessária nos confrontos entre a Corte Europeia de Direitos Humanos e os Estados contratantes em suas esferas próprias de exercício de autoridade.

Baseada na subsidiariedade, democracia e diálogo, segue‐se que a margem nacional de apreciação, justamente porque derivada de um trabalho hermenêutico relacionado ao caso concreto, não possui aplicação, tampouco interpretação idêntica para casos variados, dependendo das circunstâncias singulares de cada um.

III. Parte 2. Um desafio para aplicar: a margem nacional de apreciação na Corte Interamericana e sua (in)aplicabilidade em matéria de anistia para crimes contra a humanidade

Tendo surgido a partir da prática dos Tribunais Europeus, a doutrina da margem nacional de apreciação é conhecida e aplicada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos? Em caso positivo, em que medida e em quais matérias? As respostas para estas questões serão apresentadas no item 1. Na sequência, a dúvida a ser solucionada diz respeito à possibilidade ou não de deferência da margem, no sistema interamericano, para que os próprios Estados deliberem sobre a validade de anistias para graves violações de direitos humanos (2).

A jurisprudência da Corte Interamericana sobre margem nacional de apreciação: As incipientes referências à doutrina

Não se pode creditar, à partida, se é devido à experiência mais recente da Corte IDH em relação à CEDH ou a diferença substancial entre os direitos humanos violados que são levados à apreciação de cada qual, o fato de ser a invocação e as referências à margem nacional de apreciação muito mais acanhadas perante a primeira Corte. Ou por outro lado, talvez o pluralismo jurídico, é bem verdade, cuja existência dota de significação a doutrina da margem nacional de apreciação, como referido acima, não se faça sentir com a mesma intensidade que se apresenta na Europa, ainda que seja fenômeno mundializado.

De todo modo, é possível perceber certo paralelismo ou, quiçá, permeabilidade, entre ambos os Tribunais e identificar, na jurisprudência da Corte Interamericana seis áreas em que a doutrina da margem tem sido timidamente aplicada. Essas dimensões são apresentadas por Poblete e Alvarado71 como sendo: a) desenvolvimento normativo interno dos direitos previstos na Convenção Americana; b) configuração das instituições nacionais envolvidas no desenvolvimento ou exercício dos direitos reconhecidos na Convenção; c) valorização as circunstâncias materiais que justificam a limitação dos direitos reconhecidos na Convenção; d) regulamentação dos direitos reconhecidos na Convenção; e) alcance dos efeitos da decisão da Corte nos casos contenciosos e; f) cumprimento das sentenças da Corte IDH. Há que ser acrescentado a essas dimensões um sétima. Também aqui no continente latino‐americano os desacordos culturais bateram à porta da Corte IDH. Assim: g) questões morais e religiosas reivindicam, na singularidade de cada caso, seja reconhecida margem de apreciação aos Estados.

Quanto ao desenvolvimento normativo interno dos direitos previstos na Convenção Americana, foi no caso Herrera Ulhoa vs. Costa Rica,72 julgado em 2004, que a Corte IDH, pela primeira vez, em um caso contencioso, fez menção à margem nacional de apreciação, relativamente à configuração ao direito de recorrer contra as decisões judiciais quando disse: “... Embora os Estados tenham uma margem de apreciação para regular o exercício desse recurso, não podem estabelecer restrições ou requisitos que infrinjam a essência mesma do direito de recorrer da decisão”.

Antes desse, no exercício da jurisdição não contenciosa, por ocasião do julgamento da Opinião Consultiva n° 18/03, cujo objeto era analisar a condição jurídica e os direitos dos imigrantes sem documentos, a Corte IDH, referindo‐se a observação geral n° 3 do Comitê de Direitos Humanos da ONU, sobre a interpretação do artigo 273 da Convenção Americana de Direitos Humanos disse que “No entanto, os Estados gozam de uma certa margem de apreciação para avaliar se há justificativa para uma diferença de tratamento entre pessoas que se encontram em uma situação semelhante”.74

Como se pode perceber, ao mesmo tempo em que os direitos a um recurso efetivo e a não discriminação no plano interno são assegurados pelo texto da Convenção Americana, em ambos os casos referidos a Corte deferiu aos Estados margem para determinar as bases em que tais direitos seriam efetivados. Porém, dada a vinculação dos juízes nacionais à coerência e integridade do direito convencional em matéria de direitos humanos, a Corte IDH ressalvou que apesar de os Estados gozarem de uma margem de discricionariedade para estabelecer distinções de tratamento entre nacionais e estrangeiros quanto à aplicação de leis migratórias, reafirmou que “esta margem se reduz consideravelmente quando os direitos em jogo são tão fundamentais que sua restrição ou privação afeta os princípios mínimos de respeito à dignidade humana”.75

A essencialidade e fundamentalidade dos direitos humanos reiteradamente reconhecida e reafirmada pela Corte IDH nega, no entanto, o reconhecimento de que os Estados podem ser discricionários, porquanto os vincula a dotarem esses direitos de substancialidade alinhada à compreensão que deles é feita pela comunidade de intérpretes.

No trato de definir instituições nacionais que tenham por finalidade desenvolver ou executar direitos humanos, em dois casos a Corte IDH teve oportunidade de pronunciar‐se para reconhecer a margem nacional de apreciação. O pano de fundo, tal como no caso europeu até os dias atuais, é a emergência de encontrar caminhos possíveis para reduzir a tensão entre aspirações universais e as locais, então caminhos para ordenar o plural por meio de uma síntese.

Assim, na Opinião Consultiva n° 4/84 submetida à Corte IDH pela Costa Rica sobre as definições constitucionais relativas às regras sobre nacionalidade e nacionalização, o Tribunal teve oportunidade de precisar que em relação ao tema “... se tratam de valores que adquirem dimensões concretas à luz da realidade em que estão chamados a se materializar e que deixam uma certa margem de apreciação para a expressão que devem assumir em cada caso”.76

A Corte, na sequência, reconheceu reservar a margem nacional de apreciação aos Estados estabelecer os requisitos para obter‐se a nacionalização. Porém, precisa a Corte IDH que de nenhum modo essa possibilidade implica admitir‐se, como fazem muitos Estados, sejam restringidos injustificada e exageradamente o exercício dos direitos políticos dos naturalizados, eis que a “... maioria destas hipóteses, não submetidas à consideração da Corte, constituem verdadeiros casos de discriminação em razão da origem ou do lugar de nascimento que criam injustamente dois grupos de distintas hierarquias entre nacionais de um mesmo país”.77

No ano de 2008, ao julgar o caso Castañeda Gutman vs México que, afinal, provocou grande repercussão no sistema jurídico mexicano e na atuação da Suprema Corte de Justiça daquele País por reconhecer a primazia jurídica da convencionalidade em matéria de direitos humanos, a Corte IDH afirmou que o artigo 23da Convenção Americana assegura o exercício dos direitos políticos por parte dos cidadãos, bem assim, o direito de participação nas funções públicas estatais. Esse mesmo dispositivo, em seu parágrafo 2°, concede aos Estados o direito de regulamentar tais direitos. A Corte IDH reconheceu tal possibilidade ao pronunciar que restrições aos mesmos podem ser impostas, como o estabelecimento de idade mínima para votar e ser votado, vínculos com o domicílio eleitoral, etc. Assim, sem fazer referência expressa à margem nacional de apreciação, disse que os Estados “podem estabelecer” tais limites desde que não sejam desproporcionais ou desarrazoados.78

Tratar sobre aquisição de nacionalidade ou exercício dos direitos políticos prefigura a preocupação da Corte Interamericana com institutos e instituições jurídicas que de algum modo correspondemcom a prática da democracia e com o respeito aos direitos humanos. Por isso, a depender das circunstâncias materiais de cada caso, a Corte também reconheceu o direito de os Estados avaliarem, por exemplo a manutenção ou não de medidas cautelares aplicadas contra determinada pessoa, como ocorreu no caso Chaparro y Lapo vs. Equador, julgado no ano de 2007, ocasião em que a CIDH novamente, sem fazer alusão à margen nacional de apreciação, referiu que:

... são as autoridades nacionais as encarregadas de avaliar a pertinência ou não da manutenção das medidas cautelares que emitem conforme seu próprio ordenamento. Ao realizar esta tarefa, as autoridades nacionais devem oferecer a fundamentação suficiente que permita aos interessados conhecer os motivos pelos quais se mantém a restrição da liberdade.79

A posição da Corte é de extrema cautela ao aplicar a margem nacional de apreciação: afirma a deferência mas lembra ao Estado do seu dever de fundamentar devidamente todas as suas decisões que possam, de algum modo, afetar os direitos humanos, eis que “... a motivação é exteriorização da justificativa razoável que permite chegar a uma conclusão”.80

No que diz respeito ao reconhecimento de direitos não regulados pela Convenção Americana, importa dizer que as omissões convencionais em matéria de direitos humanos podem ser supridas pelo rol de direitos fundamentais previstos nas Constituições nacionais que, eventualmente, podem ser inclusive mais protetivos que o próprio texto convencional. Além disso, a interpretação que tem sido desenvolvida quanto ao sentido do artigo 29da Convenção Americana permite sejam reconhecidos novos direitos que exijam proteção. Como lembram Poblete e Alvarado, o sistema interamericano de direitos humanos repousa sobre certos equilíbrios institucionais que devem ser preservados, sobretudo no processo de interpretação da Convenção Americana.

A MNA em matéria de anistia para crimes contra a humanidade: uma aplicação vedada pela jurisprudência da Corte Interamericana

Em um passado recente, os países da América Latina foram dominados por ditaduras militares, cujos reflexos sociais se fazem sentir ainda hoje. É fácil compreender, portanto, os motivos da grande demanda perante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos decorrente da violação da Convenção Americana de Direitos Humanos naquilo que diz respeito à proteção dos direitos à vida, à liberdade e à integridade pessoal, às garantias judiciais, e aos direitos de não ser submetido à tortura e a desaparecimentos forçados.

Considerando a margem nacional de apreciação como um critério hermenêutico ou espaço de deferência aos órgãos nacionais para que, dentro de certos limites, interpretem e apliquem disposições dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, será cabível sua deferência aos Estados para deliberação sobre a validade de leis de anistia para violações de direitos humanos, a exemplo das instituídas pelos países latino‐americanos após as ditaduras do cone sul? Seria toda lei de anistia para graves violações de direitos humanos incompatível com a Convenção Americana ou há espaço para interpretação, de modo que a análise tenha de ser feita caso a caso, levando‐se em conta as diversas realidades e peculiaridades históricas locais? Sendo assim, haverá uma possível exegese dos dispositivos convencionais através da qual se possa atribuir validade e aplicabilidade às leis nacionais de anistia?

Tais questionamentos são importantes, na medida em que a resposta sobre a aplicabilidade ou não da MNA irá depender daquilo que se conclua acerca da relação das leis de anistia com as disposições da Convenção: sendo uma relação de absoluta incompatibilidade, a instituição de leis de anistia será uma afronta à própria vigência da Convenção; não havendo incompatibilidade total, a questão estará relacionada, então, à interpretação e aplicação da Convenção. Apenas nesta última hipótese, terá pertinência a indagação sobre a existência de uma margem nacional de apreciação. Para responder tais questionamentos, serão estudados os principais casos, relativos ao tema,81 apreciados e decididos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (A.). Após, será feita uma síntese do entendimento do Tribunal acerca da matéria (B.).

A. A jurisprudência da Corte Interamericana sobre anistia: estudos de caso

Dentre os países latino americanos que instituíram leis de anistia para crimes cometidos durante regimes de exceção estão Peru, Suriname, Chile, Brasil, Uruguai e El Salvador. Todos estes Estados foram denunciados à Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo fato de não terem realizado as devidas investigações e aplicado as sanções cabíveis aos responsáveis pelas graves violações de direitos humanos ocorridas. Em resposta às acusações, a maioria dos Estados demandados reconheceu sua responsabilidade internacional pelos fatos imputados. Ainda assim, em todos os casos, a Corte declarou ter havido a violação de direitos consagrados na Convenção Americana dos Direitos Humanos e afirmou a incompatibilidade de leis de anistia com a Convenção.

No caso Barrios Altos vs. Peru, o Tribunal declarou que o Estado não cumpriu o estabelecido na Convenção em consequência da promulgação e aplicação de leis de anistia para violações de direitos humanos, expressando o entendimento de que leis de anistia são incompatíveis com a Convenção e, por isso, carecem de efeitos jurídicos. Considera que são inadmissíveis as disposições de anistia, assim como as de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis por graves violações aos direitos humanos, como a tortura, execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, todas proibidas por contrariar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.82

Na mesma decisão, a Corte apresentou minuciosa justificativa acerca da inadmissibilidade das disposições de anistia. Em síntese, refere que as leis de anistia conduzem à impossibilidade de defesa das vítimas, impedem a elas e a seus familiares conhecerem a verdade sobre os fatos, e levam à perpetuação da impunidade, uma vez que não permitem a identificação dos responsáveis pelas graves violações de direitos humanos.83

No caso Comunidade Moiwana vs. Suriname, a Corte reafirma novamente a incompatibilidade de qualquer lei ou disposição interna que impeça a apuração de crimes contra a humanidade com a Convenção Americana.84 No caso Almonacid Arellano vs. Chile, no que diz respeito à Lei de Anistia chilena, o Tribunal argumenta que os crimes de lesa humanidade vão além do tolerável pela comunidade internacional e ofendem toda a humanidade. O dano ocasionado por tais crimes permanece vivo para o país e para a comunidade internacional. Por constituir um crime de lesa humanidade, o delito cometido contra o senhor Almonacid Arellano, além de ser inanistiável, é imprescritível. Logo, ao pretender anistiar os responsáveis por delitos de lesa humanidade, o Decreto Lei n° 2.191 é incompatível com a Convenção Americana e, portanto, carece de efeitos jurídicos à luz do referido Tratado.85Corte IDH, Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2006.

No caso La Cantuta vs. Peru, a Corte concluiu que as partes não apresentaram informações indicadoras de que após a sentença do caso Barrios Altos, em 2001, as leis de anistia tenham sido aplicadas ou que hajam impedido a abertura de investigações ou processos relacionados aos fatos do caso e de outros ocorridos no Peru. Todavia, o Tribunal decidiu que durante o período em que as leis de anistia foram aplicadas, o Estado descumpriu sua obrigação de adequar o direito interno à Convenção. Os fundamentos da decisão, no que tange à incompatibilidade das leis de anistia com as obrigações assumidas pelo Estado perante o direito internacional, foram os mesmos referidos pela Corte nos casos anteriores.86

Por ocasião do julgamento do caso Gelman vs. Uruguai, a Corte reafirma a incompatibilidade das leis de anistia com o direito internacional e as obrigações internacionais do Estado, e refere que o fato de a Lei de Caducidade ter sido aprovada em um regime democrático e ratificada pelos cidadãos, não lhe dá, automaticamente, legitimidade perante o Direito Internacional. No entendimento da Corte, a existência de um regime democrático, por si só, não garante o permanente respeito ao Direito Internacional, incluindo o Direito Internacional dos Direitos Humanos.87

Desse modo, a Corte firma entendimento no sentido de que a legitimação democrática de determinados fatos e atos em uma sociedade está limitada pelas normas e obrigações internacionais de proteção dos direitos humanos reconhecidos em tratados como a Convenção Americana de Direitos Humanos, de modo que a existência de um verdadeiro regime democrático está determinada por suas características tanto formais quanto substanciais. Por isto, particularmente em casos de graves violações do direito internacional dos direitos humanos, a proteção destes direitos constitui um limite não franqueável à regra de maiorias, isto é, à esfera do “suscetível de ser decidido” por parte das maiorias em instâncias democráticas, nas quais também deve haver um controle de convencionalidade, que é função e tarefa de qualquer autoridade pública e não só do Poder Judiciário.

No caso Masacres de El Mozote y Lugares Aledaños Vs. El Salvador, o Tribunal cita casos anteriores para reafirmar o entendimento de que leis de anistia relativas a graves violações de direitos humanos são incompatíveis com o direito internacional e obrigações internacionais dos Estados.88

Por fim, o caso Gomes Lund e Outros vs. Brasil89 merece uma análise mais detalhada, haja vista suas peculiaridades, relacionadas ao tema deste trabalho. Os fatos do caso Gomes Lund ou Guerrilha do Araguaia iniciaram em abril de 1964, quando um golpe de Estado derrubou o governo democraticamente eleito de João Goulart. A Guerrilha do Araguaia foi um movimento de resistência ao regime militar integrado por alguns membros do Partido Comunista do Brasil (PC do B).

Entre abril de 1972 e janeiro de 1975, as Forças Armadas empreenderam repetidas campanhas de repressão contra os membros da Guerrilha, provocando sua matança e desaparecimento. Em 1979, o Estado editou a Lei de Anistia. Em virtude desta lei, não houve investigação, processamento e sanção penal dos responsáveis pelas violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar.90

Em março de 2009, o caso foi levado à Corte Interamericana, que intimou o Estado a apresentar sua defesa. Na resposta, em sede de exceções preliminares, o Estado alegou incompetência ratione temporis da Corte Interamericana, falta de interesse processual e não esgotamento dos recursos internos. Afirmou não ser aplicável a doutrina de crimes contra a humanidade, com base nos princípios da legalidade e anterioridade da lei penal.91

No mérito, alegou‐se que, usualmente, a concessão de anistia é justificada pela percepção de que a punição dos crimes contra os direitos humanos após o fim das hostilidades pode vir a impor um obstáculo ao processo de transição, perpetuando o clima de desconfiança e rivalidade entre os diversos grupos políticos nacionais.92 O Estado aduz que conhece o entendimento da CIDH e a jurisprudência da Corte a respeito de leis de anistia. Contudo, entende que a Corte deve levar em conta que, “embora o Brasil indiscutivelmente tenha vivenciado um regime autoritário, a transição democrática e as circunstâncias que ensejaram a edição da Lei de Anistia foram específicas”.93

Para o Estado brasileiro, o modo da transição democrática, além do tempo decorrido do fim dos atos contra os direitos humanos, exige “cautela na transposição de soluções específicas adotadas pela CIDH e por essa Egrégia Corte em determinados países para o Estado brasileiro”.94 Alegou‐se que no Brasil a Lei de Anistia foi antecedida de debate público e votada em um momento histórico específico, tendo sido considerada, por muitos, como passo importante para a reconciliação nacional. Com base nestas razões, argumenta‐se que “é opinião do Estado brasileiro que essa Egrégia Corte não deveria privar da sociedade brasileira a oportunidade de deliberar sobre o tema por seus próprios instrumentos democráticos”.95

Na defesa de mérito, o Estado brasileiro não se ocupa de negar que a Lei de Anistia seja aplicável a crimes definidos pelo direito internacional como de lesa humanidade, nem alega que delitos desta espécie não tenham ocorrido no país. Ao mesmo tempo, não reconhece que ao instituir a Lei nacional de Anistia tenha violado disposições da Convenção Americana dos Direitos Humanos. Apenas argumenta‐se que a constitucionalidade da Lei de Anistia seria em breve analisada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF), na decisão da ADPF 153.96 Desse modo, ao não admitir que a lei de anistia viole Tratados Internacionais de Direitos Humanos de que o país é parte, e requerer que a Corte Interamericana permita que o próprio Estado delibere sobre o tema, o Brasil invoca a si uma “margem” para a apreciação da matéria, embora não utilize expressamente estes termos.

Em razão da alegada especificidade histórica da Lei de Anistia brasileira, o Estado se considera mais apto a deliberar sobre o tema e decidir sobre a constitucionalidade e convencionalidade da norma em questão. Requer, então, o deferimento de espaço para deliberar sobre a interpretação e a validade da Lei de Anistia em face da Constituição e das Convenções Internacionais de Direitos Humanos. Assim, restaria afastado, ou pelo menos restringido, o exercício do controle de convencionalidade pela Corte Interamericana no caso específico da lei de anistia brasileira.

Todavia, na decisão do caso, em novembro de 2010, a Corte declarou a responsabilidade do Estado pela violação de diversos direitos consagrados na Convenção Americana, e declarou que o Estado não cumpriu o dever de adequar o direito interno à Convenção, em decorrência da aplicação da lei de anistia para graves violações de direitos humanos. Neste ponto, a Corte argumentou que no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do qual o Brasil faz parte por decisão soberana, são reiterados os pronunciamentos sobre a incompatibilidade das leis de anistia com as obrigações convencionais dos Estados quando se trata de graves violações de direitos humanos.

A Corte esclarece, novamente, que a incompatibilidade das leis de anistia com a Convenção Americana não deriva de uma questão formal, como a sua origem, mas do aspecto material, na medida em que violam direitos consagrados nos artigos 8 e 25, relacionados com os artigos 1.1 e 2da Convenção.97

Percebe‐se, desse modo, que não houve acatamento pela Corte do pedido do Estado para que pudesse deliberar sobre o assunto por seus próprios meios democráticos. No entendimento da Corte, a Lei de Anistia brasileira viola flagrantemente as disposições do Pacto de San Jose da Costa Rica. Assim, não há interpretação possível da Convenção que possa validar a Lei de Anistia brasileira. Logo, incabível a concessão de qualquer margem nacional de apreciação nesta matéria.

B. Síntese da Jurisprudência da Corte Interamericana: A incompatibilidade das anistias com a Convenção Americana e a inaplicabilidade da MNA

A partir da análise das decisões da Corte nos casos expostos, é possível identificar os fundamentos jurídicos que lhes são comuns e que constituem a essência do entendimento do Tribunal sobre a invalidade das leis de anistia em face do direito internacional. Em primeiro lugar, nota‐se que a Corte embasa suas decisões não apenas nas regras e princípios do Pacto de San Jose da Costa Rica e de outros tratados regionais de proteção dos direitos humanos, mas também em normas e jurisprudência de outros sistemas regionais e do sistema universal das Nações Unidas de proteção dos direitos do homem, realizando um fértil diálogo transjurisdicional.

Com inspiração na jurisprudência do Tribunal Internacional para a Ex‐Iugoslávia, a Corte Interamericana sustenta que os crimes de lesa humanidade são sérios atos de violência que causam graves danos aos seres humanos ao golpear aquilo de mais essencial que possuem: sua vida, sua liberdade, seu bem‐estar físico, sua saúde e sua dignidade. São atos desumanos que, por sua extensão e gravidade, vão além dos limites toleráveis pela comunidade internacional, a qual deve necessariamente exigir sua punição. Da mesma forma, os crimes de lesa humanidade transcendem o indivíduo, porque quando o indivíduo é agredido, se ataca e se nega a humanidade por inteiro. Por isso, o que caracteriza essencialmente o crime de lesa humanidade é o conceito da humanidade como vítima.98

Citando declarações da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Corte sustenta que, ao ser o indivíduo e a humanidade vítimas de todo crime de lesa humanidade, os responsáveis por tais atos devem ser sancionados. Uma investigação rigorosa dos crimes de guerra e dos crimes de lesa humanidade, assim como a sanção dos responsáveis, são elementos importantes para prevenir estes crimes e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais, e também para fomentar a confiança, estimular a cooperação entre os povos e contribuir para a paz e segurança internacionais.99

Ocorre que a adoção e aplicação de leis de anistia para crimes de lesa humanidade impedem o cumprimento do dever de investigar e sancionar. Apesar de se reconhecer que a anistia é um conceito jurídico aceito e um sinal de paz ao final de um conflito armado, as Cortes Internacionais mantém a posição de que não se pode conceder anistia para crimes de lesa humanidade, genocídio, ou graves infrações ao direito internacional humanitário.100

Ademais, a incompatibilidade com a Convenção Americana, conforme jurisprudência da Corte IDH, não se restringe apenas às denominadas “autoanistias”, pois se tem em atenção, para além do processo de adoção e da autoridade que institui a lei de anistia, a sua ratio legis de deixar impunes graves violações ao direito internacional. Dito de outra forma, a incompatibilidade das leis de anistia com a Convenção Americana em casos de graves violações aos direitos humanos não deriva de uma questão formal, mas do aspecto material, porquanto violam direitos substanciais consagrados na Convenção.

Por este motivo, não prospera o argumento do Brasil de que a Lei de Anistia nacional é válida devido à forma como foi instituída, tendo, supostamente, havido prévia discussão na sociedade, bem como aprovação pelo Congresso Nacional que respeitou as formalidades do processo legislativo. A Lei de Anistia brasileira é inválida não por questões formais, mas pelo seu conteúdo, que ao permitir a impunidade de crimes cometidos, é manifestamente contrária ao direito internacional dos direito humanos.

Da análise dos casos concretos apresentados, nota‐se que praticamente todos os Estados demandados perante a Corte IDH reconheceram suas responsabilidades internacionais e a incompatibilidade de suas leis de anistia com o direito internacional. Esta foi a atitude de Peru, Chile, Uruguai e El Salvador. No caso Comunidade Moiwana, o Estado do Suriname não admitiu a invalidade de sua Lei de Anistia, sustentando sua compatibilidade com a Convenção Americana, pois a Lei interna não seria aplicável aos casos de crimes de lesa humanidade.

Já o caso brasileiro é mais singular. Neste, em sua defesa de mérito, o Estado não se ocupa de negar que sua Lei de Anistia seja aplicável a casos de crimes definidos internacionalmente como de lesa humanidade, ao mesmo tempo em que não reconhece que a norma interna questionada seja incompatível com o direito internacional e inválida. Afirma, afinal, não haver necessária incompatibilidade entre uma lei de anistia para crimes de lesa humanidade e o direito internacional. Partindo deste entendimento, o Estado sustenta que a Corte não deveria privar a sociedade brasileira de poder deliberar sobre o tema por seus próprios instrumentos democráticos. Assim, está‐se a invocar, em outros termos, uma margem nacional de apreciação, para que o próprio país, alegadamente mais apto a tratar do assunto devido às especificidades locais, decida sobre a validade da Lei de Anistia.

Na decisão da Corte, igualmente, não há menção expressa à margem nacional de apreciação, mas implicitamente o Tribunal declara sua inadmissibilidade em matéria de anistias para crimes de lesa humanidade. Tal decorre de que não há exegese possível das disposições da Convenção Americana que admita a instituição de leis de anistia para crimes de lesa humanidade. A absoluta incompatibilidade das anistias com a Convenção ultrapassa o âmbito da interpretação e aplicabilidade da norma, de modo que leis de anistia afrontam a própria vigência da Convenção.

Ademais, há um ponto que no entendimento da Corte Interamericana é fundamental para a tese da invalidade das leis de anistia frente ao direito internacional dos direitos humanos: as leis de anistia afetam direitos inderrogáveis —o minimum universalmente reconhecido— que compõem o jus cogens internacional.101

O artigo 53da Convenção de Viena, de 1969, define o jus cogens como norma imperativa de Direito Internacional geral, aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.

De acordo com Trindade,102 por definição, o jus cogens internacional vai mais além do direito dos tratados, compreendendo o direito da responsabilidade internacional do Estado e todo o corpus iuris do direito internacional contemporâneo. Em matéria de crimes contra a humanidade, Gomes e Mazzuoli103 entendem que o jus cogens é integrado pelos instrumentos da ONU e pelos princípios de Nuremberg, aflorados dos julgamentos de 1945 e 1946. Em Nuremberg foi apresentada a definição de crimes contra a humanidade e, desde então, por integrar o jus cogens, os Estados possuem a obrigação de investigá‐los e puní‐los.

Desse modo, independentemente da assinatura ou da data de ratificação de Convenções Internacionais como a Convenção Americana dos Direitos Humanos, os Estados latino‐americanos possuem a abrigação internacional de investigar e punir os crimes de lesa humanidade cometidos pelas ditaduras implantadas na região a partir da década de 1960. Em seu voto no caso Almonacid Arellano, o juiz Cançado Trindade afirma que “nenhum Estado pode acudir a artifícios para violar normas de jus cogens” e que “as proibições deste último não dependem do consentimento do Estado”.104

V. Conclusão

A busca de um direito comum universalista e pluralista apresenta às jurisdições o desafio de pensarem o múltiplo, de forma a harmonizá‐lo, através de uma lógica de compatibilidade, o que implica em determinadas situações o reconhecimento da margem nacional de apreciação. Esta pode ser um bom recurso hermenêutico para estabelecer o equilíbrio entre democracia e direitos na esfera internacional, refletir o pluralismo democrático e servir para a conciliação entre valores em tensão. Mas haverá problemas quando a margem concedida for demasiado larga, pois poderá retardar a integração dos sistemas jurídicos, ou demasiado estreira, quando forçar atrificialmente a integração. A saída está em evitar os extremos.

Todavia, há matérias em que não há espaço para o reconhecimento da margem nacional de apreciação. Trata‐se dos casos em que disposições de direito interno se mostram incompatíveis com as normas do direito internacional, sendo impossível estabelecer uma harmonia entre os sistemas jurídicos colidentes. Sendo maior a proteção jurídica ao humano oferecida pelas normas internacionais, terá o direito interno a incumbência de adaptar‐se. Como visto, a margem nacional de apreciação é uma das chaves do pluralismo ordenado e um importante mecanismo da construção do comum, que não rejeita a diversidade dos sistemas de direito e das culturas. Tal diversidade, entretanto, para poder subsistir hamonicamente, há de ser uma diversidade compatível, pois, do contrário, não estarão presentes as condições necessárias para a edificação do comum.

Neste sentido, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ainda que implicitamente, veda a possibilidade de reconhecimento de qualquer margem de apreciação para que Estados decidam sobre a validade convencional de disposições internas de anista para crimes de lesa humanidade. A vedação da MNA nesta matéria encontra fundamento na total incompatibilidade das referidas leis de anistia com a Convenção Americana dos Direitos Humanos e as obrigrações internacionais dos Estados, diante do jus cogens internacional. Em face da inexistência de interpretação aceitável das disposições convencionais que admita a instituição de leis de anistia para crimes de lesa humanidade, não há espaço hermenêutico para o reconhecimento de margem nacional de apreciação.

A própria luta para chegar ao cume basta, para encher o coração de um homem., É preciso imaginar Sísifo feliz, Camus, 2010, p. 124

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Sobre o tema da internacionalização do direito a partir do pensamento de Delmas‐Marty, ver Delmas‐Marty, Mireille, Études juridiques comparatives et internationalisation du droit, Paris, College de France, 2003; Ferreira, Siddharta Legale, “Internacionalização do direito: reflexões críticas sobre os seus fundamentos teóricos”, Revista SJRJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 37, ago. 2013, pp. 109‐142; Saldanha, Jania Maria Lopes, “Novas geometrias e novos sentidos: Internacionalização do Direito e internacionalização do diálogo dos sistemas de Justiça”, in Lênio Luiz Streck et al. (org.), Anuário do Programa de Pós‐Graduação em Direito da UNISINOS, São Paulo, Livraria do Advogado, 2012; Saldanha, Jania Maria Lopes e Morais, José Luis Bolzan de, “A Justiça da Cosmopolitização e a Cosmopolitização da Justiça”, in Bolzan de Morais, José Luis e Magalhães Barros, Flaviane de (org.), Novo Constitucionalismo Latino‐Americano: o debate sobre novos sistemas de justiça, ativismo judicial e formação de juízes, Belo Horizonte, Arraes Editores, 2014; e, Gontijo, Andre Pires, “O Supremo Tribunal Federal perante o fenômeno da internacionalização dos direitos e as condições de possibilidade do desenvolvimento do processo de constitucionalização no âmbito internacional: o estudo de precedentes STA(s)‐AgRg(s) 118/RJ e 171/PR”, in Mendes, Gilmar Ferreira et al. (org.). A Jurisprudência do STF nos 20 anos da Constituição, São Paulo, Saraiva, 2010.

Slaughter, Anne‐Marie e Burke‐White, William, “The future of International Law is Domestic (or, The European Way of Law)”, In: Harvard International Law Journal, vol. 47, Number 2, pp. 327‐352, 2006.

Se esse futuro “nacional” do direito internacional deriva da necessidade de os Estados afinarem suas leis internas com os ditames daquele, sobretudo quando se tratar de direitos humanos, também é no campo das políticas internas que o fenômeno desabrochará. Nesse sentido, o futuro nacional do direito internacional dependerá de sua habilidade de influenciar, reforçar e servir de base às ações dos atores estatais e às políticas internas. Como imaginam Slaughter e Burke‐White, as regras internacionais e instituições irão e serão pensados como um conjunto de estímulos e fiscalização de atores políticos internos para assegurar que eles façam aquilo que deveriam estar fazendo. Slaughter, Anne‐Marie e Burke‐White, William, “The future of International Law is Domestic (or, The European Way of Law)”, Harvard International Law Journal, vol. 47, number 2, pp. 349 e 350. Neste conceito, é perfeitamente aceitável a distinção concreta entre esfera internacional e interna, até mesmo para reconhecer e admitir que as fronteiras entre elas têm se tornado turvas e que elas se cruzam e se atritam em muitos modos.

Delmas‐Marty, Mireille, Les forces imaginantes dudroit (II). Le pluralismeordonné, Paris, Seuil, 2006, pp. 7 e 8

Tal é o paradoxo a ser enfrentado, descrito por Delmas‐Marty e Izorche: de um lado, uma internacionalização que apregoa o direito comum em face da multiplicação das relações de interdependência, da permeabilidade entre as ordens jurídicas e dos riscos globais e, de outro, um reforço dos particularismos regionais, nacionais e infranacionais. Embora reconheçam a importância do método comparativo como uma via de compreensão do múltiplo por meio da qual é possível harmonizar as diferenças, quiçá, unificar, entendem não ser ele suficiente, uma vez não apresentar a “chave” de um pluralismo verdadeiramente jurídico. Delmas‐Marty, Mireille e Izorche, Marie‐Laure, “Marge nationale d’appréciation et internationalisation du droit. Réflexions sur la validité formelle d’um droit commun pluraliste”, Revue internationale de droit comparé, vol. 52, n. 4, 2000. Apesar de apontar as diferenças, não explica como combiná‐las, tampouco como “conjugar o “uno” e o “múltiplo”, cuja via mais plausível seria a do “pluralismo ordenado” que levaria em conta as exigências do rigor jurídico e afinaria os conceitos relativamente a cada qual.

Delmas‐Marty, Mireille. Por um direito comum, São Paulo, Martins Fontes, 2004b.

Ibidem, p.111.

Ibidem, pp. 144 e ss.

Delmas‐Marty estabelece distinção entre os conceitos de unificação, uniformização e harmonização do direito. Por unificação entende a substituição dos diferentes corpos normativos nacionais por um direito único, positivado nas convenções internacionais. A tentativa forçada de unificação caracteriza o que chama de universalismo ingênuo, o qual prefere negar as diferenças ou reduzi‐las por meio da escolha de um modelo tão homogêneo e unificado que se parece estranhamente com a hegemonia de uma cultura sobre as outras. Já a uniformização é uma forma de adaptação do direito nacional às regras internacionais. Por meio dela, o direito nacional não perde por completo sua identidade, preservando suas técnicas, mas serve como veículo de aplicação de regras internacionais idênticas, ainda que não únicas. Por fim, a harmonização difere das duas técnicas anteriores na medida em que não se baseia em um princípio de identidade e não conduz a uma unidade normativa. Ao contrário, admite certas diferenças provenientes de fatores culturais, políticos e religiosos, com a condição de serem compatíveis com princípios fundadores comuns. Para tanto, a autora chama atenção para a necessidade de combinar a lógica jurídica clássica (princípio de hierarquia, obrigação de identidade, decisão de conformidade) com uma lógica de graduação (princípio de harmonia, obrigação de proximidade, decisão de compatibilidade), onde a ideia de margem nacional de apreciação passa a ter central importância. Ver Delmas‐Marty, Mireille, Critique de integration de l¿integration normative, Paris, Presses Universitaire de France, 2006.

O termo “utopia”, aqui, é empregado no sentido de idealismo irrealizável. Difere, por conseguinte, da ideia de “utopia realista”, de John Rawls, referente à implementação de regimes constitucionais liberais razoáveis nos Estados de modo a possibilitar uma sociedade de povos viável. Para a concretização da utopia realista, os sistemas político e econômico devem passar por reformas que, para Ralws, são extremamente viáveis, haja vista o avançado desenvolvimento nos Estados democráticos, sobretudo após as experiências históricas da imigração, de políticas satisfativas dos interesses e necessidades culturais de diferentes grupos sociais. Tais reformas teriam como princípios a razão pública, o consenso sobreposto e o pluralismo razoável (não o multiculturalismo sem reservas), que tornaria possível estabelecer o contrato social a uma diversidade de povos. Rawls, John, Direito dos Povos, São Paulo, Martins Fontes, 2004. Nesse sentido, o pluralismo jurídico trabalhado por Delmas‐Marty incorpora a ideia de pluralismo de interesses existente em sociedades democráticas, desenvolvida por John Rawls. Ver, ainda, referências feitas por Delmas‐Marty à obra de Rawls, quando a autora trata do debate sobre justiça procedimental ou substancial. Delmas‐Marty, Mireille. Les forces imaginantes du droit. Le relative et le universel, Paris, Seuil, 2004a.

Delmas‐Marty, Mireille, Les forces imaginantes dudroit (II). Le pluralismeordonné, Paris, Seuil, 2006, p. 9.

Evidentemente, a ideia não é construir um “pluralismo de fusão”, porque sucumbiria à utopia, tampouco um “pluralismo de separação”, porque se evaporaria na ilusão. O mais desafiador, quiçá exigente, é construir o “pluralismo ordenado”, não só por oferecer um relato descritivo mais abrangente do mundo atual, mas também por sugerir “uma abordagem alternativa potencialmente útil para o desenho de mecanismos processuais, instituições e práticas”, cuja presença é necessária para dar as respostas à complexidade jurídica do mundo. Berman, Paul Schiff, “Global Legal Pluralism”, Southern California Review, vol. 80, Princeton Law and Public Affairs Working Paper, N. 08‐001, 2007, p. 1156.

O direito comum, justamente por ser pluralista, não combina com as estruturas do modelo tradicional do direito, ancorado na tradição de um código civil burguês, tampouco combina apenas uma norma aceita. Portanto, o desvio não é mais possível. Todo os modos de viver, como bem lembra Garapon, se tornaram igualmente respeitáveis. Garapon, Antoine, O guardador de promessas. Justiça e democracia, Lisboa, Piaget, s/d.

Itzcovitch, Giulio, “One, None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations: The Lautsi Case”, Human Rights Law Review, Oxford Journals, 2013, p. 6.

Delmas‐Marty, Mireille, Les forces imaginantes dudroit (IV). Vers une communauté de valeurs?, Paris, Seuil, 2001.

Letsas, George, A theory of Interpretation of the European Conventionon Human Rights, Oxford, Oxford University Press, 2007.

Na realidade, trata‐se de reconhecer que essa questão está ligada ao pluralismo que, sendo amplo, aqui será analisado apenas no que diz respeito ao jurídico. Seria tarefa hercúlea e ousada pretender abordá‐lo da perspectiva da antropologia e da sociologia. Já é tarefa por demais exigente compreender o pluralismo como algo indispensável e inevitável na fase atual da internacionalização do direito, porquanto tem provocado transformações nas disciplinas jurídicas que não derivam mais tão‐somente das relações entre Estados —direito internacional— tampouco das combinações entre direitos internos —direito transnacional—, mas, ao contrário, se abre a outros atores, privados e públicos que se opõem aos Estados —direito supranacional—.

Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH). Case Lawless Vs. Ireland, 1961.

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Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), Case “relating to certain aspects of the laws on the use of languages in education in Belgium” v. Belgium (merits), 1968. Em geral a doutrina não faz referência a este caso.

Delmas‐Marty, Mireille e Izorche, Marie‐Laure, loc. cit.

Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), Case of Handyside vs. the United Kingdom, 1976.

As duas expressões estão em Delmas‐Marty, Mireille, Les forces imaginantes du droit. Le relative et le universel, Paris, Seuil, 2004a, p. 162.

A doutrina sobre a origem, desenvolvimento e aplicação da doutrina da margem nacional pode ser encontrada, entre outros autores já mencionados acima em: Itzcovitch, Giulio, “One, None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations: The Lautsi Case”, Human Rights Law Review, Oxford Journals, 2013; Benvenisti, Eyal, “Margin of apreciation, consensus, and universal standards”, International Law and Politics, vol. 31, 1999, p. 843; Kratochvíl, Jan, “The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights”, Netherlands Quarterly of Human Rights, vol. 29/3, 2011; Vila, Marisa Iglesias, Una doctrina del margen de apreciación estatal para el CEDH: En busca de um equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional, 2013.

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Ibidem, p. 769.

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Ibidem, p. 845.

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Delmas‐Marty, Mireille e Izorche, Marie‐Laure, “Marge nationale d’appréciation et internationalisation du droit. Réflexions sur la validité formelle d’um droit commun pluraliste”, Revue internationale de droit comparé, vol. 52, n. 4, 2000, p. 745.

Delmas‐Marty, Mireille. Les forces imaginantes dudroit (II). Le pluralismeordonné, Paris, Seuil, 2006, p.78.

Delmas‐Marty, Mireille e Izorche, Marie‐Laure, “Marge nationale d’appréciation et internationalisation du droit. Réflexions sur la validité formelle d’um droit commun pluraliste”, Revue Internationale de Droit Comparé, vol. 52, n. 4, 2000, p. 754.

Kratochvíl, Jan, “The inflation of the margin of appreciation by european court of human rights”, In: Netherlands Quarterly of Human Rights, vol. 29/3, 2011, p. 327.

Núñez Poblete, Manuel e Acosta Alvarado, Paola Andrea, El margen de apreciación..., cit., p. 5.

Ibidem, p. 7.

Ostrovsky, Aaron A., “What's So Funny About Peace, Love, and Understanding? How the Margin of Appreciation Doctrine Preserves Core Human Rights with in Cultural Diversity and Legitimises International Human Rights Tribunals”, Hanse Law Review, vol. 1, 2005.

Ibidem, p. 48.

Bakircioglu, Onder, “The Application of the Margin of Appreciation Doctrine in Freedom of Expression and Public Morality Cases”, German Law Journal, vol. 8, n. 7, 2007.

Ibidem, p. 711.

Vila, Marisa Iglesias, Una doctrina del margen de apreciación estatal para el CEDH: En busca de um equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional, 2013, pp. 6 e 7.

Trata‐se, aqui, do controle de convencionalidade exercido pelos tribunais internacionais, o que não exclui a possibilidade de tal controle ser também exercido pelos tribunais internos, seja na forma difusa ou na forma concentrada, de acordo com a teoria de Mazzuoli, Valerio de Oliveira, O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, 2.ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Delmas‐Marty, Mireille e Izorche, Marie‐Laure, “Marge nationale d’appréciation et internationalisation du droit. Réflexions sur la validité formelle d’um droit commun pluraliste”, Revue internationale de droit comparé, vol. 52, n. 4, 2000, p. 762.

Benvenisti, Eyal, “Margin of apreciation, consensus, and universal standards”, International Law and Politics, vol. 31:843, 1999, pp. 846 e 847.

Idem.

Ibidem, pp. 843 e 844.

Delmas‐Marty, Mireille e Izorche, Marie‐Laure, “Marge nationale d’appréciation et internationalisation du droit. Réflexions sur la validité formelle d’um droit commun pluraliste”, Revue internationale de droit comparé, vol. 52, núm. 4, 2000, p. 762.

Itzcovitch, Giulio, “One, None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations: The Lautsi Case”, Human Rights Law Review, Oxford Journals, 2013, p. 8.

Delmas‐Marty, Mireille e Izorche, Marie‐Laure, loc. cit.

Kratochvíl, Jan, “The Inflation of the Margin of Appreciation by European Court of Human Rights”, Netherlands Quarterly of Human Rights, vol. 29/3, 2011, pp. 324, 325.

Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), Case of Egeland and Hanseid vs. Norway, cit., pp. 326.

Ibidem, pp. 336.

Ibidem, pp. 336‐343.

Ibidem, p. 357.

Vila, Marisa Iglesias. Una doctrina del margen de apreciación estatal para el CEDH: En busca de um equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional, 2013, pp. 1, 8.

Ibidem, p. 7.

Ibidem, p. 6.

Vila, Marisa Iglesias, Una doctrina del margen de apreciación estatal para el CEDH: En busca de um equilibrio entre democracia y derechos em la esfera internacional, 2013, p. 7.

Ibidem, p. 20.

Ibidem, pp. 35 e 36.

Artigo 15 (Derrogação em caso de estado de necessidade): 1. Em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação, qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providências que derroguem as obrigações previstas na presente Convenção, na estrita medida em que o exigir a situação, e em que tais providências não estejam em contradição com as outras obrigações decorrentes do direito internacional. Disponível em: www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf.

Smith, Richard, “The Margin of Appreciation and Human Rights Protection in the ‘War on Terror’: Have the Rules Changed before the European Court of Human Rights?”, Essex Human Rights Review, vol. 8, num. 1, 2011, pp. 126 e 127.

Garapon, Antoine, O guardador de promessas. Justiça e democracia, Lisboa, Piaget, s/d, pp. 205 e 206.

Ibidem, p. 206.

Itzcovitch, Giulio, “One, None and One Hundred Thousand Margins of Appreciations: The Lautsi Case”, Human Rights Law Review, Oxford Journals, 2013, p. 9.

Núñez Poblete, Manuel e Acosta Alvarado, Paola Andrea, El margen de apreciación..., cit., p. 22.

Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica (Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas), 2004, par. 161.

Art. 2° ‐  Dever de adotar disposições de direito interno: Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados‐partes comprometem‐se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Corte IDH, Opinión Consultiva OC‐18/03: Condición jurídica y derechos de los migrantes indocumentados, 2003, p. 64.

Idem.

Corte IDH, Opinión Consultiva OC‐4/84. Propuesta de modificación a la Constitución Política de Costa Rica relacionada con la naturalización, 1984, par. 58.

Ibidem, par. 62.

Corte IDH, Caso Castañeda Gutman vs. Estados Unidos Mexicanos (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2008, par. 155.

Corte IDH, Caso Chaparro Álvarez y Lapo Íñiguez vs. Ecuador (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2007, par. 107.

Idem.

Neste trabalho, haja vista seus objetivos, será dada atenção específica aos casos julgados pela Corte Interamericana referentes aos Estados que instituíram leis de anistia para graves violações de direitos humanos praticadas por agentes de Estado. Mas, além dos casos estudados, há decisões relativas a países que não criaram leis de anistia, nas quais a Corte também aborda o assunto, como Massacres de Río Negro vs. Guatemala, Hilaire y outros vs. Trinidad y Tobago, Ibsen Cárdenas vs. Bolívia e Contreras y outros vs. El Salvador.

Corte IDH, Caso Barrios Altos vs. Perú (fondo), 2001.

Ibidem, par. 43.

Corte IDH, Caso de la Comunidad Moiwana vs. Suriname (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2005.

Corte IDH, Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2006.

Corte IDH, Caso La Cantuta vs. Perú (fondo, reparaciones y costas), 2006b.

Corte IDH, Caso Gelman vs. Uruguay (fondo y reparaciones), 2011, par. 239.

Corte IDH, Caso Masacres de El Mozote y Lugares Aledaños vs. El Salvador (fondo, reparaciones y costas), 2012.

Corte IDH, Caso Gomes Lund y Otros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2010.

Sobre a justiça de transição brasileira, consultar Saldanha, Jania Maria Lopes et al., “A Justiça de Transição Brasileira, seus Limites e Possibilidades: Uma Análise sob a Perspectiva da Assincronia Temporal do Direito e do Imperativo de Radicalização dos Direitos Humanos”, in Silva Filho, José Carlos Moreira da (org.), Justiça de Transição no Brasil ‐ violência, justiça e segurança, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2012.

Corte IDH, Caso Gomes Lund y Otros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2010, pp. 8 e ss.

República Federativa do Brasil, Contestação do Caso n° 11.552: Júlia Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia), 2009, p. 91.

Ibidem, p. 92.

Ibidem, p. 93.

República Federativa do Brasil, Contestação do Caso n° 11.552: Júlia Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia), 2009, p. 101.

Ibidem, p. 59. O STF, meses depois, por ocasião do julgamento da ADPF 153, declarou‐se incompetente para revisar a Lei de Anistia. De acordo com o relator, Min. Eros Grau, “no Estado democrático de direito o Poder Judiciário não está autorizado a alterar, a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo”. Ademais, afirma que “nem mesmo o Supremo Tribunal Federal está autorizado a rescrever leis de anistia” e que “nem mesmo para reparar flagrantes iniquidades o Supremo pode avançar sobre a competência constitucional do Poder Legislativo”. Supremo Tribunal Federal (STF). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153, 2010, par. 44. Considerando que, com esta resposta, o STF se absteve do dever de realizar o controle de constitucionalidade e convencionalidade da Lei de Anistia, Ventura afirma que o Tribunal rechaçou o tratamento dos delitos em questão como crimes contra a humanidade, além de declarar a inexistência de obrigação internacional do Estado de processar e julgar os crimes em questão, e a impossibilidade de fazê‐lo por força da prescrição. Ventura, Deisy, “A interpretação judicial da lei de anistia brasileira e o direito internacional”, Revista Anistia Política e Justiça de Transição / Ministério da Justiça, n. 4, pp. 196‐226. Brasília: Ministério da Justiça, 2011. Um estudo crítico detalhado sobre a decisão do STF é feito por Saldanha, Jania Maria Lopes et al., “A Assincronia do Direito e o Caso Araguaia: Uma análise da Decisão do Supremo Tribunal Federal Brasileiro na ADPF 153 e do Julgamento do Caso Gomes Lund e Outros vs. Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos”, Revista Direitos Fundamentais e Espaço Público. Org.: André Karam Trindade; Angela Araujo da Silveira Espindola. Editora IMED, Passo Fundo/RS, 2011.

Corte IDH, Caso Gomes Lund y Otros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2010, par. 175.

Corte IDH, Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2006, par. 47.

Ibidem, par. 48.

Ibidem, par. 108.

Corte IDH, Caso Barrios Altos vs. Perú (fondo), 2001, voto do Juiz Cançado Trindade, par. 10.

Trindade, Antonio Augusto Cançado, La ampliación del contenido material del ius cogens, Disponível em: http://www.oas.org/dil/esp/XXXV_curso_La_ampliaci%F3n_del_contenido_ma terial_del_jus_ cogens_Antonio_A_Can%E7ado_Trindade.pdf.

Gomes, Luiz Flávio e Mazzuoli, Valerio de Oliveira, “Crimes contra a humanidade e a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos”, In: Gomes, Luiz Flávio e Mazzuoli, Valerio de Oliveira (orgs.), Crimes da Ditadura Militar, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Corte IDH, Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile (excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas), 2006, par.19. De acordo com Trindade, existem duas correntes doutrinárias sobre a formação de uma norma imperativa de DIP. Uma delas interpreta o artigo 53 da Convenção de Viena no sentido de que a norma de jus cogens deve ser consensual, aceita por efetivamente toda a sociedade de Estados. O autor critica esta teoria, por considerá-la um resquício da visão positivista e voluntarista do DIP, que retira do conceito de norma de jus cogens toda a sua essência e efetividade. A outra teoria, à qual se filia o autor, entende que a ausência de aceitação ou mesmo a oposição por parte de um ou alguns Estados não impede a formação de uma norma de jus cogens e que essa norma subordine esses opositores. A opinio juris de uma maioria significativa de Estados é suficiente para a formação da norma de jus cogens que, por sua própria essência, tem validade mesmo para os que se opuseram a ela. Cançado Trindade, Antônio Augusto, A nova dimensão do direito internacional público, Brasília, Instituto Rio Branco, 2003.

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