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Vol. 14.
Páginas 687-726 (enero 2014)
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Páginas 687-726 (enero 2014)
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As Cláusulas de Integração sob a ótica das CIDIPs: o papel desse instrumento na consecução da cooperação jurídica interamericana*
Compatibility / Integration Clauses from the CIDIPs perspective: the role of this instrument in achieving inter-American legal cooperation
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Renata Alvares Gaspar**
Mariana Romanello Jacob***
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Resumo

Este trabalho possui como pano de fundo a problemática da superposição de tratados surgida na América, em razão dos instrumentos destinados à cooperação jurídica na região, desde a ótica das CIDIPs. Nessa seara, a pesquisa centrou-se, por um método dogmático-hermenêutico, nas cláusulas de integração existentes nas convenções interamericanas, pois são uma das ferramentas que permitem a coordenação de fontes do emaranhado de tratados vigentes na América. A relevância do estudo dessa espécie de cláusula reside no fato de que, no direito internacional, a decisão de qual tratado aplicar no caso concreto, face a enorme quantidade de instrumentos sobre o mesmo tema, é tarefa dificultosa e obscura.

Palavras-chave:
Cooperação jurídica
Superposição de instrumentos internacionais
Cláusulas de integração
Abstract

This article has as general matter, since the CIDIPs perspective, the overlapping of treaties emerged in America, due to the international instruments that are celebrated destined for legal cooperation in the continent. In this field, the research, through a technique and interpretative method, focused on the ‘integration/compatibility clauses’ that exist in the inter American conventions, since they represent one of the tools that allow the coordination of this normative sources that compose this tangled bunch of treaties in America. The relevance of the study of this type of clause lies in the fact that, in the international laws community, the decision of which treat will be applied, front of the enormous quantity of instruments over the same theme, is a difficult task.

Descriptors:
Legal cooperation
Overlapping of international treaties
‘Integration/compatibility clauses’
Résumé

Cette étude est basée sur la problématique de la superposition des traités survenue en Amérique à cause des instruments destinés à la coopération juridique régionale, selon les CIDIPs. Pourtant, la recherche a été centrée dans une méthode dogmatique-herméneutique dans les clauses d’intégration existantes aux conventions interaméricaines, étant donné qu’elles sont des outils qui permettent la coordination des sources entre les traités en force dans l’Amérique. La valeur de l’étude de ce genre de clause réside dans le fait que, en droit international, la décision pour le traité appliqué dans le cas concret, est une tâche difficile et obscure entre la quantité exorbitante d’instruments sur le même sujet.

Mots-clés:
Coopération juridique
Superposition
Clause d’insertion
Texto completo

IIntrodução

Estamos todos inseridos num mundo pós-moderno, em que a globalização passou a mover e condicionar relações e condutas, de forma que, cada vez mais, as fronteiras estão sendo transcendidas, as distâncias reduzidas e as relações internacionais só crescem em número e complexidade. Em função dessa conjuntura, a cooperação na comunidade internacional passou a ser questão de sobrevivência. O que antes eram atos de mera cortesia entre os países, são, hoje, realidade jurídica e postura obrigatória na sociedade internacional.

Cabe, portanto, imperativamente ao Direito —sobretudo ao Direito Internacional— o desafio de regulamentar a cooperação interjurisdicional, a fim de, com isso, atingir seu escopo máximo: promover segurança jurídica, visando sempre as garantias e direitos fundamentais.

A necessidade de juridificar a cooperação jurídica ganhou especial força desde o século passado, pois foi o momento em que a globalização despontou e começou a incrementar, como nunca, as relações internacionais. Trouxe em consequência o surgimento das organizações internacionais, que basicamente retiram do Estado soberano a exclusividade enquanto sujeito internacional. Os instrumentos convencionais deixam, então, de ser emanados somente dos Estados e passam a advir de outros sujeitos, havendo uma multiplicação de fontes normativas jamais experimentada anteriormente.

A questão é que o anseio de codificar para juridificar a cooperação tomou proporções gigantescas, de modo que a celebração e adesão a instrumentos convencionais se deu praticamente de forma excessiva e, muitas vezes, sem um critério. E como resultado, um único Estado pode estar, hoje, facilmente atrelado a dois ou mais tratados sobre a mesma matéria emanados de centros normativos distintos, ensejando um questionamento de difícil solução: qual desses tratados aplicar no caso concreto?

É nesse cenário que o presente trabalho se insere. O pano de fundo é a coordenação de fontes na problemática da superposição de instrumentos convencionais. Nesse âmbito, trabalharemos especificamente as convenções em matéria de Direito Internacional Privado (DIPr) produzidas pela Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio das denominadas Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs).

Ativemo-nos às cláusulas de integração,1 as quais são dispositivos convencionais que apontam um caminho para solucionar a dúvida que alhures expusemos. Colocaremos algumas luzes sobre os possíveis olhares que pudemos extrair ao longo de toda a pesquisa que derivou neste trabalho, sem a menor pretensão de sermos taxativos ou absolutos.

Será trabalhado, de forma geral, o surgimento da superposição de instrumentos sobre a mesma temática e a consequente entrada das cláusulas de integração nas CIDIPs; qual o seu papel para a superação da superposição de instrumentos e; uma possível classificação das espécies de cláusulas de integração observadas.

Para tanto, utilizou-se, como método de abordagem, a dogmática hermenêutica e como método de procedimento o monográfico combinado com a abordagem histórica e comparada. O resultado geral é apresentado por meio do artigo que segue.

IICooperação jurídica e pluralidade de tratados sobre a mesma matéria1Tratados interamericanos e sua finalidade nas Américas

É o continente americano que inaugura o DIPr positivo, através das grandes codificações do século XIX e do início do XX (Araujo, 2011, p. 43). A ideia de codificação surgiu, inicialmente, por meio de Simón Bolívar, que implantou o ideal de formar uma única grande pátria nas Américas, promovendo, para tanto, em 1826, o Congresso do Panamá com o fim de reunir as repúblicas da América independente e formar a grande pátria (Arroyo, 1994: 81). Assim que, o Congresso do Panamá trouxe uma incipiente ideia de codificação, sendo um dos primeiros passos —mesmo ainda não embasados juridicamente— rumo à codificação do DIPr e aos tratados interamericanos.

Os intentos de Bolívar, contudo, não possuem êxito, bem como as demais reuniões similares dos anos seguintes —os Primeiros Congressos da América Espanhola.2 Estes, embora pouco profícuos, prepararam o terreno para os juristas que logo seriam chamados para efetivamente legislar um sistema codificado de DIPr (Arroyo, 1994: 89): o Congresso de Lima de 1877.

É neste Congresso3 que se implanta mais concretamente a ideia de codificação de DIPr na América. O Tratado de Lima (de 1878), estabeleceu regras uniformes de DIPr e disciplinou questões específicas da matéria.

A consagração do princípio da nacionalidade com alcance amplo foi a principal razão pela qual o tratado de Lima teve pouca aceitação, vez que o critério domiciliar já era majoritariamente adotado.4 Logo, “o tratado foi adotado por poucos, tranformando-se em material de fonte doutrinária” (Araujo, 2011: 79). Sobretudo em resposta à adoção do princípio da nacionalidade, Argentina e Uruguai convocaram, em 1888, o Congresso de Montevideú5 visando elaborar um tratado para disciplinar conflitos de leis e unificar o DIPr dos países sul-americanos (Arroyo, 1994: 97), esforçando-se para adotar o critério domiciliar.

O Congresso de Montevidéu foi, segundo Arroyo (1994: 112), a primeira tentativa de codificação do DIPr capaz de alcançar vigência efetiva, apesar de que, o número de incorporações foi limitada, não chegando a ser satisfatório quando se considera a natureza e a grandeza dos objetivos inicialmente visados.6

A fim de dar contituidade à codificação, foram realizadas, posteriomente, as Conferências Panamericanas, as quais dão início a uma nova etapa do movimento codificador, alterando-lhe a feição de forma significativa (Arroyo, 1994: 123).7

A Sexta Conferência panamericana, (Havana, 1928) tem especial relevo, pois culmina com o Código Bustamante, trabalho que, malgrado não tenha tido efetividade, atuando apenas como fonte doutrinária,8 consistiu no embrião do que futuramente seriam as CIDIPs, demonstrando aí sua maior relevância.

Seguindo uma linha cronológica, convém, nesse momento, desviar a atenção das Conferências Panamericanas e voltar os olhos para o 2o. Congresso Sul-americano,9 (1939-1940), no qual se visava revisar e atualizar os Tratados de Montevidéu de 1888-89, tornando-os condizentes com o novo contexto.10 Foram celebrados cinco tratados e um protocolo adicional que se caracterizaram por não apresentar uma regulamentação totalmente nova, mas uma repetição dos textos anteriores com algumas diferenças (Arroyo, 1994: 118).

Nos anos seguintes, os Estados americanos começaram a vislumbrar a necessidade de se racionalizar o confuso ambiente codificador que tinha se formado.11 A resposta para tal situação se dá na 9ª Conferência (Bogotá, em 1948), quando se firma a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), que institucionaliza esse novo sujeito de direito internacional.

A partir do anos cinquenta, a OEA começa a analisar uma forma de se realizar uma revisão ampla do DIPr, com base nas três grandes codificações existentes (Código Bustamante, Tratados de Montevidéu e Restatement of the Law of Conflicts of Laws), visando elaborar uma síntese superadora das obras. Tal revisão, porém, veio a se tornar uma tarefa dificultosa, sobretudo em razão das distâncias entre as codificações, que chegavam a ser insuperáveis (Arroyo, 1994: 166).

Nesse contexto, surge uma tomada de consciência que acaba por motivar a nova etapa no processo de DIPr nas Américas. As codificações, até então, unificavam praticamente só normas diretas,12 metodologia que, em virtude das diferenças culturais, políticas, sociais, econômicas e jurídicas entre os países, começou a revelar-se pouco recomendável. E é a partir disso que se inicia um novo pensar e uma nova metodologia para a futura codificação: as normas fundamentais de DIPr devem ser, em geral, as regras de conexão, pois regulam não de forma direta condutas e relações, mas indicam, numa situação pluriconectada, qual o sistema normativo aplicável.13

Pautada nessa metodologia mais pragmática, foi realizada, em 1975, a primeira CIDIP que, no continente americano, apresentou uma dinâmica totalmente inovadora, valendo-se de codificações setoriais e temáticas, método similar ao que já se utilizava na Conferência da Haia (Araujo, 2011: 82). Com essa nova metodologia, as seis CIDIPs até hoje realizadas atribuiram à uniformização do DIPr um formato novo e mais recomendável.

Em suma, os tratados interamericanos, ainda que muitos de pouca transcendência e aplicabilidade, foram essenciais para a maturação do entendimento da codificação de DIPr, pois viabilizaram um novo pensar, abrindo espaço para uma nova forma de regulamentar e codificar relações de DIPr. Não só fazem parte do processo. São o processo de codificação e somente a partir deles —e da experiência trazida pela Conferência da Haia— foi possível atingir uma codificação mais próxima do ideal.

2O afã codificador no Direito Internacional e a consequente proliferação de instrumentos convencionais

A codificação de instrumentos convencionais não é um fenômeno exclusivo do século XX. Observou-se, já décadas antes, a elaboração de tratados e convenções internacionais.14 Contudo, dá-se enfoque ao século passado, pois é nesse momento que a codificação internacional ganha verdadeira força, rumando em definitivo para a formatação atual.

Mormente após a Segunda Guerra, devido aos avanços tecnológicos e dos meios de comunicação, uma enorme parcela dos países experimentou a intensificação das relações comerciais e econômicas entre eles, gerando uma consequente e simultânea proximidade de relações, reduzindo distâncias e impondo com firmeza a globalização.

Esta, desde então, passou a mover e condicionar relações, indo além das áreas tecnológicas e econômicas e infiltrando-se em relações de ordem política, social e cultural, processo que se fortaleceu com o fim da Guerra Fria.15 Assim, as fronteiras foram sendo transcendidas e várias situações passaram a se deparar diante de dois ou mais sistemas normativos distintos.

A aproximação de sistemas impôs ao Direito um desafio novo no plano internacional e que, até hoje, cobra solução: acompanhar a globalização dessas relações, podendo, com isso, promover segurança jurídica pela qual toda relação humana é digna de ser amparada, tendo sempre em mira as garantias e direitos fundamentais. Diante disso e de tantas situações pluriconectadas, a cooperação jurídica passou a ser entendida como uma questão de sobrevivência. O que eram antes atos de mera cortesia entre os países tornaram-se, rapidamente, postura cogente de todo sujeito internacional.

Com essa tomada de consciência e graças às facilidades advindas da globalização, houve, no século passado, o surgimento e a proliferação das organizações internacionais de cooperação e integração, formatando um cenário global novo, em que ocorre a descentralização de fontes normativas internacionais. O Estado deixa de ser o único sujeito de direito internacional e o único centro de produção normativa, e passa a ter de conviver e cooperar com as organizações e outros atores internacionais (Varella, 2009: 8).16

É com essa percepção, que a codificação se intensifica, pois destinada à concreção da cooperação interjurisdicional, tanto universal, quanto regional e sub-regional, gerando um “apetite” de codificar, de juridificar a cooperação.17

Este afã codificador provocou uma intensa proliferação de convenções bi e multilaterais, de ordem universal, regional e sub-regional, criando um enorme emaranhado de tratados. Destarte, hoje, um único país pode estar atrelado a dois ou vários instrumentos internacionais oriundos de distintas fontes (blocos de integração, organizações internacionais etc.), porém sobre a exata mesma matéria, ensejando, assim, a dúvida de qual tratado aplicar no caso concreto.

Tal situação cobra uma solução célere, pois, inexistindo no direito internacional uma hierarquia entre tratados advindos de fontes normativas distintas, nem tampouco a aplicação pacífica de princípios como a lex posterior18 (para tratados dessa natureza), a enorme colcha de retalhos de instrumentos convencionais que se formou no plano global tende —se não sanada— a ensejar cada vez mais dúvidas e colocar em risco a atuação do operador do direito e a própria segurança jurídica.

IIIAfã codificador no direito internacional a partir da segunda metade do século XX1Conflito aparente X conflito real de tratados internacionais

Diante dessa fácil possibilidade de um Estado estar, hoje, vinculado a dois ou mais instrumentos convencionais sobre o mesmo tema, os conflitos entre tratados surgem quase que naturalmente e exigem do Direito uma coordenação dessas fontes.

Faz-se necessário, primeiro, compreender o conceito de conflito entre tratados, sua existência fática (denominado conflito real) e sua existência aparente (conflito aparente ou positivo).19 Somente com tal esclarecimento, entender-se-á em qual espécie de conflito situam-se as cláusulas de integração.

Varella (2009: 109), ao tratar de conflito entre tratados, faz conexão direta com a ideia de incompatibilidade. Com efeito, dois instrumentos convencionais estão em situação de conflito quando são válidos entre as mesmas partes e, ao mesmo tempo, possuem disposições que são incompatíveis, contrárias.

Logo, segundo o autor, a ideia de conflito no âmbito internacional é a mesma no direito interno, pois conflitos de leis se caracterizam também pela incompatibilidade. Contudo, a solução aplicada internamente é mais fácil, haja vista a existência de uma hierarquia piramidal e de uma adoção unânime de dados princípios (tais como a lex posterior). O plano internacional, por sua vez, não possui, em regra, uma hierarquia sólida, ao mesmo tempo que, dadas suas peculiaridades, nem sempre pode adotar os citados princípios, tornando a resolução mais complexa e dificultosa (Varella, 2009: 109).

Rezek (2011: 124) leciona que averiguar a existência de um conflito efetivo (real) ou aparente entre tratados sobre o mesmo tema, cobra, previamente, investigar se há ou não identidade de fonte de produção normativa. Para o presente trabalho, porém, constatar se há ou não tal identidade consiste em atentar-se à origem de cada instrumento.

Isso significa que dois tratados distintos terão a mesma fonte, não somente se vincularem as mesmas partes, mas principalmente se emanados do mesmo centro de produção de normas; dois tratados vigentes paras as mesmas partes advindos das CIDIP’s (OEA), por exemplo. Do contrário, se oriundos de diferentes foros normativos, não há que se falar em identidade de fontes; exemplificando, um tratado advindo da OEA e outro do Mercosul, vigendo, porém, para os mesmos sujeitos.

A primeira hipótese —onde há identidade de fontes— ilustra o conflito real entre tratados, pois uma vez advindas da mesma fonte, ou seja, pelo mesmo sub-sistema, passa-se a analisar detidamente os dispositivos das convenções, a fim de verificar especificamente a incompatibilidade entre as normas, tornando-se efetivamente viável aplicar o princípio clássico da lei posterior.20

A segunda situação, em contrapartida —em que há diversidade de fontes— caracteriza o conflito aparente (ou positivo) entre tratados internacionais. É denominado “aparente” porque, em verdade, não se verificou ainda as normas específicas de cada instrumento e muito menos a existência fática de incompatibilidade entre elas.21

Daí o uso do termo “aparente” ou “positivo”: não se verifica se os tratados são incompatíveis entre si, pois, embora vigorem para a mesmas partes, suas fontes são diversas e tal análise, a priori, não cabe; o que se tem a fazer, primeiro, é decidir qual instrumento adotar no caso concreto. Não são, portanto, as normas que estão em conflito real; são os tratados que, por serem do mesmo tema, porém advirem de centros normativos distintos, apenas aparentam conflito por não se saber, ainda, qual aplicar.

Isso não significa, de modo algum, que a leitura dos dispositivos de cada instrumento convencional seja dispensada. O conflito aparente demanda também essa leitura, pois, no mais das vezes, os textos convencionais revelam a existência de normas jus cogens e, inclusive, apresentam as cláusulas de integração, que derivam justamente da superposição de tratados sobre a mesma matéria e do aparente conflito entre eles, destinando-se, em tese, a dar o caminho de qual tratado adotar no caso concreto.

2O surgimento das cláusulas de integração no Direito Internacional

Importa, agora, compreender de que forma o “apetite” codificador que tanto caracterizou o século XX conduziu ao surgimento das cláusulas de integração no palco do direito internacional.

O corpus juris gerado pela proliferação de tratados no último século regula, por meio de normas convencionadas, as relações que despontam entre todos os sujeitos de direito internacional, incluindo, nessa seara, o próprio ser humano. Assim, o conjunto de tratados que hoje entrelaça e amarra a comunidade internacional resultou num ordenamento jurídico internacional.22

Não se trata, em virtude do caráter internacional, de um ordenamento com o mesmo formato de um interno, inserido num Estado soberano, cuja organização econômica, política e social se mostra praticamente uniforme dentro de seus limites.23

O ordenamento jurídico internacional que aqui se trata é ímpar, pois não se está diante de uma estrutura piramidal, com uma hierarquia clara. O direito internacional se configura por meio de vários sistemas de interrelação, que se organiza em forma de rede (Varella, 2009: 10).24 É, pois, um sistema em rede que, ao contrário do piramidal, é horizontalizado, característica que de forma alguma o desnatura enquanto ordenamento jurídico.

O que se defende, aqui, é que, ainda que não estruturado em pirâmide e que contenha especificidades, há, sim, no plano internacional, um ordenamento jurídico, entendido, inclusive, na percepção de um sistema.25 E não é só: como poderíamos falar na existência de sujeitos de direito internacional, senão diante de um ordenamento jurídico?

A despeito das diferenças, o ordenamento internacional guarda com os nacionais identidade de determinadas características, cujo entendimento é essencial para compreender por que razão as cláusulas de integração se fizeram necessárias ao longo do tempo. A começar, o ordenamento internacional apresenta unidade. No plano interno, esta existe em razão de uma norma suprema, denominada constituição, que condiciona as demais. Internacionalmente, o que outorgaria unidade ao ordenamento são as normas de direitos humanos, às quais toda regradeve observância absoluta.26

Isso significa que, embora não reconhecidas de forma positivada numa Carta Magna Internacional,27 regras de direitos humanos —encabeçadas pelo Princípio da Dignidade Humana— existem por si só, não dependem de criação jurídica. Logo, condicionam todas as demais normas, atuando de forma análoga às disposições constantes de uma constituição no direito interno.

O ordenamento internacional, a nosso ver, é também consistente28 e, da mesma forma como no interno, tal característica é dada como irreal, de modo que se assume a impossibilidade prática da consistência, o que não impede, porém, que seja aceita, graças às ferramentas que o próprio sistema dispõe para sanar os conflitos normativos (Cunha, 2008: 213).

Por fim, reputa-se o ordenamento jurídico internacional também como pleno.29 Tal concepção incorre no mesmo raciocínio que se dá à antinomia: trata-se de uma “ficção doutrinária de ordem prática” (Ferraz, 2011: 185), em que se reconhece o ordenamento como lacunoso, em que ele mesmo confere os mecanismos para completar as lacunas existentes. É pleno, pois as lacunas são preenchidas pelo próprio sistema.

O olhar que trazemos sobre o surgimento das cláusulas de integração recai justamente na consistência e na plenitude do ordenamento internacional. Isso porque essas cláusulas visam trazer a solução —embora nem sempre tão clara— para as lacunas e antinomias positivas derivadas da superposição de instrumentos convencionais que versam sobre o mesmo tema.

Visam esclarecer se as normas do tratado de que constam podem ser abdicadas em prol de uma solução melhor, mais célere, de caráter especial etc. advinda de outro instrumento jurídico, ou se seus dispositivos devem prevalecer para os países que ratificaram, independentemente de outro tratado. Preenchem, portanto, o vácuo que se estabelece entre a dúvida e o caso concreto, atuando não só no âmbito das lacunas, como da própria antinomia positiva. Daí a nomenclatura que, no presente trabalho, se optou por utilizar: cláusulas de integração, pois integração é a “possibilidade de, por via hermenêutica, suprirem-se as lacunas do ordenamento” (Ferraz, 2011: 275).

Em suma, tais cláusulas são uma das formas convencionais que se criou para permitir o diálogo —dentro de um ordenamento internacional— entre instrumentos distintos de cooperação jurídica, trazendo, em tese, a solução para onde, antes, havia omissão quanto ao modo como se deveria superar a superposição de tratados.

IVAs cláusulas de integração nas CIDIPs: importancia e classificacao1O surgimento desse instrumento de integração entre Tratados Internacionais nas CIDIPs

Na América já havia, como dito, duas grandes codificações antes das CIDIPs: O Código Bustamante e os Tratados de Montevidéu, estes últimos de aplicação cotidiana para os países rioplatenses, onde exerciam relevante papel de integração jurídica (Arroyo, 1994: 207).30

Havendo somente tais textos de fato em vigor, “a possibilidade certa de um ‘conflito de convenções’ de DIPr praticamente não aparece na América até a vigência dos textos das CIDIPs” (Arroyo, 1994: 203).31 E, diante de uma aplicação tão efetiva dos tratados de Montevidéu em alguns países, é provável que a incorporação destes a novos convênios na região não tenha ocorrido de forma simples e sem ressalvas.

Logo, parece razoável inferir que o surgimento das cláusulas de integração nas CIDIPs teve algumas causas que, em conjunto, culminaram com a sua inclusão nos textos interamericanos. Nosso olhar voltar-se-á a esses possíveis motivos, sem intenção de sermos taxativos ou absolutos, colocando apenas algumas luzes à conjuntura que favoreceu a inserção das referidas cláusulas nas convenções interamericanas.

A começar, as CIDIPs já tinham, nos primeiros anos de existência, modelos de cláusulas de integração de outros instrumentos internacionais, vez que a necessidade de dialogar o sistema no plano global já cobrava mecanismos de integração. Puderam pautar-se, v.g., nas Convenções da Haia que já incorporavam as cláusulas em tela na tentativa de, nas palavras de Arroyo (1994: 206): “assegurar um quadro de incorporações mais nutrido que justifique o esforço e o tempo em sua elaboração”.32

Na América, a adoção desta cláusula teve, além disso, outra intenção, sobretudo para os países que tinham aplicação estável dos tratados de Montevidéu: preservar e não impedir a vigência destes tratados. Arroyo (1994: 206) leciona isso de forma clara ao transcrever a opinião de um dos delegados que participaram da primeira CIDIP:

A inclusão deste artigo [a cláusula de integração] está relacionada ao desejo do Uruguai de que fique perfeitamente estabelecido nesta Convenção [o Projeto sobre Letras de Câmbio] que este de nenhum modo pode restringir o alcance das Convenções de Montevidéu de 1889 e de 1940… (tradução livre do espanhol).

Parece nítido que a cláusula de integração, nesse contexto, veio para garantir que Estado nenhum restringisse a aplicação dos Tratados de Montevidéu, alegando que as novas Convenções das CIDIPs, por tratarem da mesma matéria dentro do mesmo foro normativo, teriam caráter revogatório. A nosso ver, tratou-se, praticamente, de deixar expresso, por meio das cláusulas em estudo, a rejeição à aplicação da lex posterior, no intuito de preservar um instrumento internacional importante, vigente e anterior.

Outro possível motivo refere-se ao fato de as Convenções das CIDIPs serem do tipo aberto quanto a adesões de Estados não-membros, permitindo sua ratificação pela mera declaração de vontade. Somado a isso e no sentido inverso, vários países da OEA faziam (e fazem) parte da Conferência da Haia, vinculando-se, paulatinamente, a seus instrumentos (Arroyo, 1994: 210 e 219). Com essa via de mão dupla, a chance de haver um conflito positivo de tratados de foros distintos tornou-se mais próxima e real.

E tal contexto ganha ainda mais complexidade na década de 90, com o advento do Mercosul, onde começaram a ser produzidos outros instrumentos de cooperação que vinculavam determinados países sul-americanos, que, não só compunham esse novo bloco, como permaneciam integrando a OEA.

Assim, uma das possíveis conclusões que se pode extrair é que a partir do momento que os países americanos se aperceberam diante de vários instrumentos internacionais emanados de mais de uma fonte normativa, onde a probabilidade de haver superposição de tratados sobre o mesmo tema só aumentava, saltou aos olhos a necessidade de prever mecanismos que permitissem o diálogo e a integração entre tantos instrumentos. E um desses mecanismos foi justamente a cláusula de integração.33

Já na CIDIP I (1975), duas de suas Convenções —das seis realizadas— trouxeram em seu texto as primeiras cláusulas de integração: a Convenção sobre Cartas Rogatórias e a sobre o Regime Legal de Poderes para serem utilizados no Exterior.34 Apesar de já marcarem presença nesse primeiro momento, tais cláusulas não constaram de alguns instrumentos elaborados nas CIDIPs seguintes, ausência que, eventualmente, pôde vir a dificultar, ainda mais, o problema da coordenação de fontes do âmbito interamericano.

2Metodologia utilizada neste locus: perspectiva comparada

Tendo em vista ser o Direito Comparado um método eficaz de compreensão do próprio direito ante outros sistemas,35 insta realizar um breve comparativo entre as CIDIPs e as Convenções da Haia quanto à cláusula de integração, apontando semelhanças e diferenças a partirdeste cotejamento.36

Para tanto, foram analisadas todas as cláusulas de integração existentes nas convenções das CIDIPs,37 bem como nos convênios da Haia realizados entre 1951 e 1993.38 A primeira constatação a ser feita é que dos 31 instrumentos da Haia compreendidos no período supra, apenas 5 não apresentam esse tipo de cláusula, enquanto que das 21 convenções interamericanas, 7 são silentes quanto ao tema.

Diante desses números e do tempo de existência das duas Conferências39 um eventual olhar a ser elucidado é que a Haia tem já mais consolidada a importância dessa ferramenta de integração. Isso não significa, contudo, que as CIDIPs a descartam. Pelo contrário. Numa análise adstrita às CIDIPs, a quantidade de tratados omissos é relativamente pequeno em face do número total. Não podemos esquecer, porém, que estamos frente a um estudo comparado e que, nessa seara, a importância das referidas cláusulas na Haia se mostra mais solidificada e conscientizada.40

Ambas Conferências apresentam, porém, uma semelhança quanto ao momento em que suas convenções foram omissas sobre as cláusulas em tela. No que tange à Haia, dentro do período analisado na presente pesquisa (frise-se: 1951-1993), somente algumas das primeiras convenções não trouxeram em seu texto esse mecanismo.41 Da mesma forma, somente nos primeiros anos das CIDIPs (entre 1975 e 1979) alguns de seus tratados foram silentes nesse tópico.42 Em contrapartida, já nos anos seguintes, os instrumentos de ambas passaram a construi-las e incorporá-las ao texto convencional.

Um possível olhar que recai sobre esta realidade é que a ausência de cláusulas de integração reflete a inexistência, nos respectivos períodos e âmbitos, de preocupação com a superposição de tratados. O conflito positivo de convenções não era tão cogitado, pois o afã codificador estava apenas engatinhando e as suas consequências não tinham, ainda, sido reveladas de forma tão clara e casuística. Logo, o pensamento que norteou essas primeiras convenções voltou-se para o presente, bem mais que para o futuro.

A maior parte das convenções das CIDIPs, sobretudo as genéricas (vide classificação no item III.4), apresentam cláusulas de integração que refletem uma padronização, ou seja, possuem a mesma redação, inclusive com identidade de palavras, o que não significa que sejam todas iguais, como inclusive se verá adiante. Mas se nota um padrão adotado num grande número de tratados interamericanos. A Haia chega a apresentar uma padronização, mas isso não ocorre de imediato. Somente depois de alguns anos do seu desenvolvimento é que se pode perceber que mormente as cláusulas genéricas adquirem relativa identidade de formatação, escrita e termos.

Isso, a nosso ver, faz saltar aos olhos a fonte de inspiração que a Conferência da Haia representou para as CIDIPs. Enquanto que a inicial falta de padronização na Haia revela a construção do pensar e do coordenar o conflito positivo entre tratados, as CIDIPs, com poucos anos de formação, já tinham algo para se pautar. Não se está falando, aqui, de pura cópia ou mimetismo. O que se quer frisar é como o mundo pós-moderno permite e, em larga medida, motiva a inspiração no outro, sempre tendo em mira um redescobrimento de si mesmo e um aperfeiçoamento daquilo que se enxerga.

Vale dizer que em ambas as Conferências é possível verificar cláusulas de integração não padronizadas, cuja redação é peculiar, o que não se confunde com a classificação “genérica/específica” que trabalhamos no item III.4. Nos instrumentos da Haia isso é patente, de modo que não raro uma única convenção apresenta mais de um artigo ou parágrafo de redação municiosa sobre a coordenação de tratados.43

A quase totalidade das convenções interamericanas genéricas —e al-gumas específicas— estipulam, através das cláusulas em tela, que suas disposições não restringirão a aplicação de outros instrumentos internacionais, nem as práticas mais favoráveis que sejam observadas. Trata-se de incorporar, segundo Tibúrcio (1998: 70), “o princípio da prevalência da regra mais favorável, da regra mais benéfica”. As convenções da Haia não têm redação com essa ênfase em condutas mais favoráveis.44

O reforço quanto às práticas mais favoráveis nas convenções interamericanas merece, a nosso ver, ser destacado, pois, como sabido, o Direito está —e não poderia deixar de estar, sob pena de desvirtuação de finalidade— preocupado com o caso concreto e com os sujeitos envolvidos. Enfatizar a observância do aludido princípio é quase que oficializar essa preocupação num instrumento internacional.

Ademais, a não positivação, nos tratados da Haia, das práticas mais favoráveis —mormente nas cláusulas genéricas— pode vir a ensejar dúvidas no momento da interpretação, quando em confronto com disposições de outros instrumentos na situação de conflito positivo. Transcrevemos, aqui, uma cláusula que, a título de exemplo, ilustra melhor esse entendimento:

O Convênio não afetará os instrumentos internacionais de que um Estado contratante seja Parte, agora ou no futuro, e que contenham disposições sobre as matérias reguladas pelo presente Convênio. (Art. 19 do Convênio sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares de 1973, grifo nosso)

"Não afetará" é uma expressão vaga, principalmente se considerarmos o ano da criação da convenção (1973), momento em que estávamos diante de uma incipiente superposição de tratados. Assim, a interpretação dessa cláusula, à época, possivelmente seria restritiva, sobretudo quanto ao termo destacado. Significa dizer que, provavelmente, não se estaria cogitando a existência de práticas mais favoráveis de outros instrumentos e a prevalência seria, portanto, do tratado em questão.45

Na Haia, uma regra digna de destaque é aquela segundo a qual a convenção não derrogará disposições de outros instrumentos internacionais,46 preceituando, portanto, que um tratado não pode ser alterado ou revogado por outro, salvo se houver estipulação expressa (Tibúrcio, 1998, p. 70). Como já se comentou, a regra lex posterior na problemática da coordenação de fontes não tem aplicação fácil e óbvia. Logo, reforçar a exigência de disposição expressa nas convenções da Haia pode servir de modelo às CIDIPs que não possuem, nas cláusulas de integração, redação nesse sentido.

Altamente positivas são as cláusulas de integração existentes tanto na Haia, quanto nas CIDIPs sobre os acordos ou tratados de caráter especial47. Tais dispositivos não só permitem, como enfatizam —quando se interpreta extensivamente— a predileção por tratados que versem sobre a mesma matéria, porém de forma específica. Trata-se de um reforço ao princípio da especialidade que, em superposição de tratados, é já adotado, pois mais do que ser um mecanismo de solução, segue uma lógica de aplicação normativa sabidamente eficaz, tanto internamente, quanto nas relações internacionais.

Convém, por fim, fazer alusão às cláusulas de integração da Haia que, como dito, reservam redação peculiar à coordenação do conflito positivo. São cláusulas compostas (com mais de um parágrafo, apartado ou artigo) que ensejam algumas reflexões e questionamentos relevantes. A título de exemplo:

O presente Convênio não impedirá a aplicação de outros Convênios dos que um ou mais Estados contratantes sejam ou possam ser partes e que contenham disposições sobre questões reguladas pelo presente Convênio.

Os Estados contrantes procurarão, sem embargo, não concluir outros Convênios sobre a matéria incompatíveis com os termos do presente Convênio, a menos que existam razões particulares baseadas em vínculos regionais ou de outra natureza; quaisquer que sejam as disposições de tais Convênios, os Estados contratantes se comprometem a reconhecer, em virtude do presente Convênio, os divórcios e as separações de corpos obtidos nos Estados contratantes que não sejam partes daqueles outros Convênios. (Art. 18, Convenção sobre o Reconhecimento de Divórcios e Separações Legais, 1970. Tradução livre do original em espanhol)

O primeiro parágrafo tem caráter bastante genérico, com uma redação comum a grande parte do quadro das cláusulas de integração em estudo. A inovação encontra-se no segundo parágrafo, pois em suas primeiras linhas determina que os Estados-Partes procurarão não celebrar outros instrumentos que sejam incompatíveis com as disposições previamente celebradas.

Por mais óbvio que pareça ser o fato de que um Estado não se vinculará a regras internacionais incompatíveis com outras já em vigor, é sabido que tal obviedade não se concretiza na prática. Já apontamos noutro momento que um dos fatores que coloca mais pimenta na superposição de tratados é a incompatibilidade de normas entre eles. Logo, reafirmar isso num texto convencional é também atitude digna de destaque.

Tal restrição não é absoluta, vez que, embora a regra seja não celebrar tratados incompatíveis, sua ratificação é ressalvada por eventuais necessidades fundadas, mormente, em vínculos regionais ou de outra natureza, de modo que nesses casos, até a incompatibilidade acaba sendo tolerada. Isso, provavelmente, decorre do fato de que embora existam tratados, cuja matéria pede regularização de caráter universal, o estreitamento das relações de países limítrofes e a intensa formação dos blocos regionais e sub-regionais de integração podem cobrar regulação própria.

E, a nosso ver, tal regulamentação, quando dotada de um critério razoável que justifique elaborar acordos de vocação regional (Arroyo, 1994: 218), torna-se mais próxima das peculiaridades jurídicas que demandam. Trata-se, praticamente, de uma regulação paralela que não exclui a de cunho universal, mas particulariza a matéria para aquele continente, sub-continente ou bloco econômico, podendo se enquadrar, por conseguinte, de forma mais exata e certeira.48 Ademais, muitos instrumentos internacionais (incluindo vários da Haia) restringem a adesão por parte de países não-membros, impondo a estes condições que, somente se preenchidas, permitem sua ratificação. Em face desse obstáculo, parece-nos acertado deixar expressa, no texto convencional, a possibilidade de elaboração de tratados de vocação regional, ainda que incompatíveis.

3Importância das cláusulas de integração para a convivência entre as CIDIPs e os demais instrumentos convencionais sobre a mesma temática

Todo este trabalho foi arquitetado para culminar com a compreensão da importância das cláusulas de integração para as CIDIPs, ou seja, qual o papel e o peso desse mecanismo de integração para a convivência das CIDIPs dentro da problemática da susperposição de tratados.

Como tanto já foi dito, as cláusulas de integração atuam como um mecanismo de coordenação de fontes, a fim de fornecer uma estratégia de superação à superposição de instrumentos a que se deparam os aplicadores das convenções das CIDIPs.

Concordamos com muitos autores49 que questionam esse “apetite” codificador que acaba por produzir um excessivo número de instrumentos convencionais e gera um resultado marcado, por vezes, mais pela quantidade, que pela qualidade.50 De tal sorte que a assinatura de convenções não deve ser descriteriosa, nem irrefletida.

No entanto, a superposição de tratados existe, faz parte de nossa realidade —e isso não é exclusividade das CIDIPs— e coloca os operadores do direito numa situação complexa e de difícil solução, provocando “grandes quebraderos de cabeza a la hora de su aplicación” (Arroyo, 1994: 218). A começar, como visto, as convenções interamericanas são de caráter aberto, permitindo a adesão de Estados não-membros pela simples manifestação de sua vontade, o que facilita, em larga medida, o conflito positivo de convenções.

A isso soma-se o fato de que muitos países americanos são também membros de outras fontes de tratados, em especial, a Conferência da Haia. Ademais, como já comentado, dependendo da natureza da questão, esta pode demandar, por circunstâncias várias, uma regulamentação de cunho regional, de sistema de integração, de caráter especial etc. Dito de outra forma, quando devidamente criteriosa e analisada, a celebração de instrumentos sobre a mesma temática pode até chegar a ser necessária.

O que se intenta defender é que há fatores que conduzem à superposição de tratados, de modo que esta faz parte da realidade da comunidade internacional. Não podendo, evidentemente, ignorá-la, devemos nos valer dos mecanismos de integração que nos são postos à mão, admitindo e entendendo suas falhas, e também reconhecendo sua contribuição para superar uma situação de alta complexidade.

A cláusula de integração, portanto, ao atuar na coordenação de fontes, coopera para a harmonização de todo o sistema em rede do ordenamento internacional. Coaduna com outras ferramentas: o art. 30 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, que trata da “Aplicação dos Tratados Sucessivos sobre o Mesmo Assunto”; o art. 103 da Carta das Nações Unidas e as normas jus cogens. Comentar-se-á brevemente tais ferramentas para clarear, ainda mais, a relevância das cláusulas em exame.51

A despeito da relevância do art. 30 da Convenção de Viena,52 sua aplicação não parece ser absoluta, pois não comenta detidamente sobre tratados oriundos de distintos centros normativos. Trata a questão de modo mais genérico, não abarcando tratados que, embora celebrados em momentos diversos no tempo —o que convidaria à adoção da lex posterior-, não advêm da mesma fonte, fator que, a nosso ver, dificulta —se não impede— a aplicação desse princípio.53 Na falta desse tratamento específico, a cláusula de integração parece oportuna, pois mais próxima de regular a questão, ainda que, por vezes, de forma genérica e demandante de aprimoramento.

O art. 103 da Carta da ONU54 é praticamente uma “cláusula de integração superior”, vez que estipula a predileção da Carta em face de outro acordo internacional, no caso de haver, entre eles, conflito de instrumentos. Embora muito claro e, por isso, altamente útil na superação de um eventual conflito, sua solução é restrita para a superposição de instrumentos que contiver a Carta da ONU envolvida. Reforça-se, mais uma vez, o peso da cláusula de integração, pois atua naquilo que o art. 103 é omisso: as superposições que não englobam a Carta da ONU.

Quanto às normas jus cogens,55 havendo conflito positivo entre dois tratados em que um deles tem regras jus cogens, este deve, necessariamente, ser aplicado.56 A questão ganha complexidade quando nenhum dos instrumentos envolvidos possui disposições cogentes, situação também abarcada pelas cláusulas de integração, pois, a nosso ver, visam coordenar aquilo que as demais ferramentas não abrangem.

As cláusulas de integração são também relevantes por não engessarem os Estados aos tratados que ratificam. Embora indiquem —mormente as específicas— uma preferência e, portanto, um certo limite à opção por outro instrumento, as cláusulas não impedem ou restringem a aplicação deste de forma absoluta, permitindo que regras mais benéficas, expeditas, de caráter regional etc. sejam adotadas.57

Não restringir outras convenções importa, pois, conforme já apontado, dadas matérias (ou o caso concreto) podem cobrar outras opções de regulamentação, como as de caráter regional e especial, de sorte que se o tratado fosse “concretado”, impedindo a aplicação de outro instrumento, melhores alternativas seriam, eventualmente, descartadas. Ademais, sendo a cooperação a nota sonante da pós-modernidade, é quase inimaginável fechar-se absolutamente para aplicação/celebração —criteriosa— de outros tratados.

Ao mesmo tempo, é essencial, sob a nossa ótica, colocar uma preferência como o norte dessa opção, a fim de deixar claro que a convenção somente não será aplicada, se outro instrumento internacional enquadrar-se no critério de preferência que o próprio tratado estipulou. Assim, do mesmo modo que não engessa o Estado àquele instrumento, se está pondo um mínimo de limite à opção de não adotá-lo, evitando que isso se dê de forma descriteriosa.

Um possível olhar que se extrai dessa limitação é que, com isso, se está acautelando determinados princípios indispensáveis às relações de direito. O pacta sunt servanda e a autonomia da vontade, por exemplo, estariam resguardados pois, uma vez que as partes celebraram o tratado livremente e da forma como melhor lhes aprouveram, o instrumento passa a obrigá-las e vinculá-las, devendo, portanto, ser cumprido e aplicado no caso concreto.58

O resguardo destes princípios se faz necessário, pois eles conduzem a um dos maiores imperativos do Direito: a segurança jurídica. Quando se celebra um tratado, o mínimo que se pode esperar é que ele seja cumprido, pois é isso que pactuaram os sujeitos envolvidos. Dito de outro modo, uma vez firmada a convenção é indispensável que as partes tenham a segurança de que aquilo que foi avençado será aplicado.59

E, a nosso ver, mesmo quando a cláusula de integração indica outro tratado passível de ser adotado quando mais favorável, célere, sub-regional, universal etc. a segurança jurídica não se vê prejudicada porque o que se está conferindo, desde uma interpretação extensiva, é a segurança de que, quando o instrumento preencher outros critérios de preferência (que, em tese, são para trazer mais justiça e equilíbrio no caso concreto), estes serão aplicados conforme se estipulou na convenção.

Daí a necessidade de que as cláusulas de integração sejam, desde a nossa ótica, sempre específicas, evitando-se as cláusulas demasiadamente genéricas, pois embora estas não engessem, enclausurem os Estados-Partes, acabam nada mais que permitindo a adoção de outros instrumentos sem apontar um critério ou um norte, viabilizando opções deliberadas, prejudicando, principalmente, a segurança jurídica.

Nessa esteira, uma possível ideia para que as cláusulas de integração das CIDIPs atinjam mais sua finalidade é que sua redação seja mais trabalhada, mais clara e taxativa quanto às espécies de instrumentos a que se deve dar predileção, até nomeando, se necessário, o instrumento.60 É sabido que expressões como “práticas mais favoráveis”, “acordos mais expeditos” são conceitos vagos, que só adquirem verdadeira forma no caso concreto e na doutrina —esta como auxiliar legítimo na compreensão e construção de conceitos standars do Direito.61 Apesar dessa vagueza, frente ao atual emaranhado de instrumentos convencionais, qualquer orientação parece-nos benéfica, pois indica um caminho, um parâmetro, ao mesmo tempo que confere ao operador do direito, um mínimo de segurança para a decisão que tomará.

A intenção é deixar claro que as cláusulas em estudo, enquanto mecanismos de integração, possuem, sim, defeitos e cobram aperfeiçoamento. Mas, ao mesmo tempo, defendemos que diante de um trabalho técnico de análise e reflexão é possível fazer com que, por meio de uma redação mais adequada,62 as cláusulas atinjam seu fim último de permitir a superação da superposição de instrumentos internacionais e conferir ao aplicador do direito uma ferramenta ainda mais útil.

4Classificação

Tendo em vista que se mira, neste trabalho, obter e transmitir um conhecimento científico, nos pareceu propício apresentar uma possível classificação das cláusulas de integração. Evidentemente tal classificação adstringe-se às cláusulas das convenções das CIDIPs, vez que são o objeto específico do estudo que derivou neste texto.

No conhecimento científico, a classificação viabiliza sua ordenação de forma sistemática. Permite, pois, que se organize parcela de uma realidade complexa, podendo torná-la de mais fácil apreensão e, assim, mais didática (Cunha, 2008: 32). Classificar põe ordem no conhecimento, agrupando elementos que possuem afinidades e sistematizando um estudo que, assim organizado, pode fazer enxergar aquilo que, antes, não se via.

Frise-se que não se trata de uma classificação exaustiva e única. É, em verdade, um possível olhar que, ao estudarmos as convenções das CIDIPs, pudemos extrair e sistematizar de forma classificatória.

Como classificações pressupõem um critério (Cunha, 2008: 161), para classificar as cláusulas das CIDIPs, levou-se em conta: a forma como estão redigidas e o que chamaremos de critério da preferência. Para este último partimos do pressuposto que, havendo conflito positivos de convenções, a cláusula destinada a coordenar tal superposição deve manifestar, pelo menos, alguma preferência sobre qual tratado aplicar no caso concreto. Embora tal predileção não seja apontada de forma tão expressa ou categórica, através de uma interpretação extensiva e teleológica é possível ao menos tentar apontar o que se pode extrair da redação dessa ou daquela cláusula de integração.

Quanto à forma como estão redigidas, as cláusulas de integração di-videm-se em cláusulas genéricas e específicas. As primeiras possuem redação de caráter mais vago e abrangente, aparentemente sem uma preocupação específica da superposição de tratados para aquela convenção em particular. A única ressalva que fazem é quanto às práticas mais favoráveis que devem ser observadas e não serão limitadas pela convenção. No mais, possuem a genérica intenção de não restringir disposições de outros instrumentos internacionais existentes ou futuros. Têm, basicamente, o seguinte teor:

Esta Convenção não restringirá as disposições de convenções que em matéria de… tenham sido subscritas ou que venham a ser subscritas no futuro em caráter bilateral ou multilateral pelos Estados-Partes, nem as práticas mais favoráveis que os referidos Estados possam observar na matéria.

Nove dos tratados das CIDIPs63 possuem cláusula de integração genérica. Justamente em razão de sua abrangência e vagueza, nesse grupo não cabe, para o intuito deste trabalho, aplicar o critério da preferência.64

As demais cláusulas agrupamos como específicas, pois se percebe uma redação mais minuciosa e trabalhada, com alguma característica peculiar que lhe impede ser classificada como genérica. Não raro uma mesma convenção tem cláusula genérica em um artigo e específica em outro, assunto que será retomado ao final desse apartado.

As cláusulas específicas foram classificadas de acordo com a predileção a ser adotada pelo intérprete no caso de conflito da convenção interamericana com outra de mesmo tema. Sob esse critério, as específicas subdividem-se em: a) Preferência pela própria convenção; b) Preferência por convenções especiais; c) Preferência por convenções ou acordos mais expeditos e/ou favoráveis; d) Preferência por convenções advindas de sistemas de integração e; e) cláusulas indicativas.

É forçoso, desde logo, alertar que dado o teor de determinadas cláusulas específicas, é até comum que uma única cláusula se enquadre em mais de uma dessas classificações. Isso será esclarecido ao longo das explicações de cada classificação.

As cláusulas de preferência pela própria convenção determinam que, no caso de conflito de instrumentos internacionais para as mesmas partes, a regra é a aplicação da convenção interamericana. No entanto, a cláusula especifica exatamente quais os tratados desse conflito, de modo que a preferência à convenção interamericana somente será a regra, quando houver conflito positivo com o tratado indicado na cláusula. Duas das convenções das CIDIPs possuem essa cláusula: a de Obrigação Alimentar (art. 29) e a de Restituição Internacional de Menores (art. 34), cujo teor transcrevemos a seguir:

Esta Convenção vigorará para os Estados membros da Organização dos Estados Americanos, partes nesta Convenção e no Convênio de Haia, de 25 de outubro de 1980, sobre os aspectos civis do sequestro internacional de menores. Entretanto, os Estados-Partes poderão convir entre si, de forma bilateral, na aplicação prioritária do Convênio de Haia de 25 de outubro de 1980.

Imaginemos, por exemplo, que tanto Brasil, quanto Argentina sejam partes da Convenção da Haia e da interamericana. Havendo essa superposição específíca, ambos deverão, em regra, aplicar a Convenção sobre Restituição da CIDIP. Parece mesmo lógico que, como esta é adstrita à região americana, seja a que merece prevalência para os países americanos que a ratificarem (Arroyo, 1994: 211). Contudo, em sua segunda parte, o dispositivo confere a faculdade de se aplicar a Convenção da Haia, por meio de uma avença bilateral, ou seja, a regra é aplicar a convenção interamericana, porém os países —membros ou não da OEA— que estão na situação descrita podem dispor diversamente.

As cláusulas de preferência por convenções especiais corroboram em seu texto o critério da especialidade. São cláusulas que apontam para a predileção de convênios ou acordos que disciplinem aspectos específicos da matéria que é tratada de forma genérica pela convenção interamericana. Logo, entre a convenção da CIDIP e um outro instrumento sobre a mesma temática, porém de cunho mais específico, este merecerá ser aplicado, em razão da maior especialidade com que regula a matéria. Trazem esse tipo de cláusula três convenções interamericanas, dentre elas a sobre Contratos de Transporte Internacional de Mercadorias, que trazemos como exemplo:65 “A Convenção não se aplicará quando se trata de operação de transporte regidas por convênios postais internacionais ou por outros tratados internacionais…” (art. 2º, § 3º, 1ª parte).

É uma cláusula bastante clara, não restando dúvidas que quando se tratar de operação de transporte regida por Convenções Postais Internacionais ou por outros tratados internacionais, estes é que serão aplicados. Rosa (1998: 423) leciona que isso “implica uma exclusão genérica de transportes de certos objetos que, mesmo considerados mercadorias, tenham sido regulados por uma Convenção Internacional Especial”. É uma cláusula de redação rara, vez que poucas são tão taxativas.

As cláusulas de preferência por convenções ou acordos mais expeditos e/ou favoráveis predileciona instrumentos que possuam disposições mais céleres e/ou mais benéficas para determinada relação jurídica. Logo, se sobre a mesma matéria a convenção interamericana apresentar um caminho mais moroso ou menos favorável que outro instrumento internacional, este merecerá a prevalência. Quatro são as convenções que apresentam essa espécie de cláusula. Transcrevemos, aqui, duas delas:66

Esta Convenção não implicará, de modo algum, restrição às facilidades de transporte fronteiriço, em especial as de livre trânsito, que são concedidas ou que venham a ser concedidas mutuamente pelos Estados-Partes, e em que seja prescindível conhecimento de embarque (Art. 2º, § 3º, 2ª parte da Convenção sobre Contratos de Transportes).

Tal norma aduz que a Convenção não impedirá facilidades de transporte existentes entre os Estados-Partes, fazendo prevalecer práticas mais benéficas. Este é um bom exemplo daquilo que se alertou quanto à possibilidade de uma única cláusula, graças à redação minuciosa, enquadrar-se em mais de uma classificação, pois sua primeira parte também já foi situada na espécie anterior.

As autoridades competentes das zonas transfronteiriças dos Estados-Partes poderão acordar, diretamente e a qualquer momento, com relação a procedimentos de localização e restituição mais expeditos que os previstos nesta Convenção e sem prejuízo desta. O disposto nesta Convenção não será interpretado no sentido de restringir as práticas mais favoráveis que as autoridades competentes dos Estados-Partes puderam observar entre si, para os propósitos desta Convenção. (Art. 27, Convenção sobre Tráfico Internacional de Menores).

Parece ficar claro que a prioridade aqui é —e não poderia deixar de ser— o interesse superior do menor, que provavelmente poderá ser beneficiado por práticas ou acordos mais céleres do que as estipuladas na convenção.67

A cláusula de preferência por convenções advindas de sistemas de integração são as que dão preferência a tratados celebrados entre Estados pertencentes a sistemas de integração, o que, a nosso ver, é acertado haja vista a relevância gritante que, nas últimas décadas, vêm ganhando os blocos de integração.68 Duas são as convenções das CIDIPs que contêm essa cláusula: sobre a Lei Aplicável aos Contratos Internacionais (art. 20) e a de Cartas Rogatórias, no já citado art. 14, cujo teor transcrevemos:

Os Estados-Partes que pertençam a sistemas de integração econômica poderão acordar diretamente entre si processos e trâmites particulares mais expeditos do que os previstos nesta Convenção. Esses acordos poderão ser estendidos a terceiros Estados na forma em que as partes decidirem.

Esse artigo expressa que países-membros de blocos de integração têm liberdade para acordar normas próprias mais céleres. Isso, porém, faz saltar uma dúvida69: países não-membros de um sistema dessa natureza não poderiam, então, celebrar tratados nesse sentido? Seria esta uma opção exclusiva dos blocos de integração, ficando outros países engessados?

Sob nossa ótica, a resposta seria negativa por duas razões simples: primeiramente, o art. 15 da convenção em tela é de caráter genérico e, portanto, não restringe a aplicação de outros instrumentos. Porém mais do que isso, o segundo motivo nos parece ainda mais consistente: em pleno mundo pós-moderno realizar uma leitura adstrita à letra fria da lei, conferindo-lhe uma interpretação literal, é ato pouco vantajoso para qualquer relação jurídica — tanto no plano internacional, quanto no interno.

Não que a celebração de tratados deva ser realizada sem critérios, pois a superposição excessiva de convenções só pode “criar confusão” (Araujo, 1998: 255). Mas ao se tratar de uma avença, de fato, mais célere que, possivelmente, será mais benéfica para os países que, mesmo não partes de sistemas de integração, demandam trâmites mais expeditos e favoráveis em função da proximidade de relações, parece-nos natural que se opte por isso.

Por fim, há que se falar da cláusula indicativa. Inicialmente esta aparenta ser genérica pois sua primeira parte possui redação idêntica às desse grupo. Porém, em sua parte final, especifica que não restringirá mormente uma convenção em particular, indicando que, sobretudo, aquele outro instrumento não poderá ser limitado. O exemplo —o qual é único nas CIDIPs— facilitará o entendimento:

Esta Convenção não restringirá as disposições de convenções que, em matéria de poderes, tenham sido subscritas ou que venham a ser subscritas no futuro de forma bilateral ou multilateral pelos Estados-Partes; em particular o Protocolo sobre Uniformidade de Regime Legal dos Poderes ou Protocolo de Washington de 1940, nem as práticas mais favoráveis que os Estados-Partes possam observar na matéria. (Art. 10, Convenção sobre Regime Legal de Poderes para serem utilizados no Exterior)

Tal nomeação tem uma razão: há convenções que têm, no momento da celebração de outro tratado, uma grandeza histórica e importância prática tão evidentes —como o Protocolo supra-70 que quando se firma outro instrumento de mesmo tema, devem ser citados, pois, dada a sua relevância, sua restrição seria desvantajosa.

Finalizadas as classificações, retomaremos a discussão sobre a possibilidade de uma única Convenção trazer uma cláusula genérica e outra específica, o que pode gerar dificuldades na interpretação, pois aparenta contradição, pedindo, portanto, uma interpretação extensiva que permita dissolver essa dificuldade.

Arroyo (1994: 211) auxilia no entendimento dessa situação, ao comentar os arts. 34 e 35 da Convenção sobre Restituição Internacional de Menores71. Segundo ele, o art. 34 seria, em sua primeira parte, destinado aos Estados-membros da OEA (o que já apontamos), de modo que sua segunda parte (que faculta às partes avençar a adoção do Convênio da Haia), seria voltada a países não-membros que ratificaram a convenção da CIDIP.

Em seguida, o autor consigna que haveria uma clara contradição entre o art. 34 e o 35 (de classificação genérica), pois este último estaria dando a prevalência para os instrumentos que fossem subscritos sobre a mesma matéria, enquanto que o art. 34 ordena, como regra, a Convenção interamericana. Para Arroyo, a conclusão viável seria interpretar que o art. 34 seria uma exceção à regra contida na cláusula do art. 35.

Nosso olhar diverge em dois pontos das conclusões do renomado doutrinador. Primeiramente, por utilizarmos uma interpretação extensiva, não entendemos que as cláusulas genéricas confiram, necessariamente, predileção a outros instrumentos internacionais. Como já tanto comentamos aqui, entendemos que mereçam preferência, nesse suposto, as disposições mais favoráveis, mais benéficas que, no caso concreto, serão as ideais para que, na medida do possível, a decisão seja dada com mais justeza.

Isso nos leva a concluir, diferentemente do que aduz Arroyo, que as cláusulas específicas não seriam exceção às genéricas. Ao contrário, corroboram o que dizem estas (leia-se: não restringir a aplicação de outros instrumentos internacionais sobre o mesmo tema) com a diferença que especificam o que no caso concreto merece predileção: acordos mais céleres, mais benéficos, advindos de blocos de integração etc.

Por fim, é indispensável fazer alusão à Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial de Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, pois, embora não apresente uma cláusula de integração, caracteriza-se por ser de integração quanto aos laudos arbitrais. A parte final de seu art. 1º preceitua:

As normas desta Convenção aplicar-se-ão, no tocante a laudos arbitrais, em tudo o que não estiver previsto na Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, assinada no Panamá em 30 de janeiro de 1975.

Isso significa que, somente quando a Convenção de 1975 for omissa e não regular algum aspecto específico sobre laudos arbitrais, é que se deve recorrer à Convenção de Montevidéu (Lustosa, 1998: 332). A segunda Convenção seria, portanto, na prática e no tocante a laudos arbitrais, uma “Convenção de Integração”.72

VConclusões

Juridificar a cooperação interjurisdicional é, sem dúvida, uma necessidade que se impõe de modo titânico à sociedade internacional e, frente a isso, a codificação do DIPr se desenvolve e se multiplica gerando vários sub-sistemas normativos que emanam de todos os pontos do globo, formando, em conjunto, esse grande sistema em rede, marcado pela horizontalidade e pela quase total ausência de hierarquia de normas.

Nas Américas não foi diferente. O processo de codificação interamericana construiu um corpus juris indispensável para cooperar juridicamente. E especialmente o modo como as CIDIPs se formataram foi capaz de fornecer, mais eficaz e concretamente, ferramentas de cooperação. A isso soma-se o advento do Mercosul que, em suas duas décadas de existência, já possui também um corpo normativo que convive com a OEA. Assim posta a questão, aos países americanos é imposto um diálogo de fontes não só dentro do continente americano, como também em âmbito universal.

A questão é que a necessidade patente de codificar parece ter saído de controle e a celebração de tratados e convenções foi tomada por um “apetite” codificador que ensejou uma superposição de instrumentos sobre a mesma matéria de forma a não apresentar qualquer critério plausível. E, hoje, compõe uma realidade jurídica complexa que deve ser enfrentada.

O Direito, para tanto, deve valer-se das ferramentas de integração que o próprio sistema fornece. Estudar as cláusulas de integração importa, pois são justamente um dos mecanismos que podem, pelo menos, dar uma luz, um parâmetro no longo caminho que ainda temos que percorrer para superar a superposição de instrumentos internacionais.

Nas cláusulas já existentes, resta-nos uma interpretação extensiva e principiológica, condizente com a toada do Direito pós-positivista, no intuito de tornar essas ferramentas efetivamente úteis e auxiliares. Para as que ainda serão escritas, sugerimos (como reflexão) uma redação sempre trabalhada, evitando generalidades em excesso, mais claras e, talvez, mais taxativas, que outorguem ao aplicador do direito algo mais concreto em que se embasar.

Trabalhar esse (e os outros) mecanismo de coordenação de fontes é, sim, fundamental, pois se trata de uma realidade fática que não pode ser ignorada. O que não podemos é deixar de pensar e tentar solucionar a questão maior: como, no futuro, podemos evitar que o afã codificador se perpetue e impedir uma superposição de instrumentos internacionais nas Américas desnecessária e sem qualquer critério?

Ao Direito não cabe somente as problemáticas do presente. Frente a tantas experiências codificadoras —não só na América-, há já algumas ferramentas73 que permitem uma futura celebração de tratados mais criteriosa, fazendo com que a superposição de instrumentos (por vezes, demandada) ocorra apenas quando necessário, viabilizando um sistema em rede mais coordenado, que, se bem manuseado, poderá ajudar a obter uma maior cooperação jurídica e, de consequencia, o axioma tão almejado: a segurança jurídica e o respeito às garantias e direitos fundamentais.

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A.M. Villela.
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Revista de Informação Legislativa, 21 (1984), pp. 15-26

Este trabalho é o resultado da pesquisa realizada dentro do projeto de pesquisa cujo título é Cooperação Jurídica dentro do MERCOSUL (mercosurenha). Este projeto está devidamente publicado no diretório de grupos do CNPq, dentro do grupo de pesquisa intitulado Relações Jurídicas e Desenvolvimento Social e Econômico, com ênfase em temas regionais e internacionais (globais)/Direito.

Professora doutora Pesquisadora da PUC-Campinas, Faculdade de Direito, líder do Grupo de Pesquisa devidamente certificado pela PUC-Campinas, intitulado Relações Jurídicas e Desenvolvimento Social e Econômico, com ênfase em temas regionais e internacionais (globais)/Direito.

Graduanda de Direito da PUC-Campinas. Orientanda e bolsista FAPIC para participação de Iniciação Cientifica 2011/2012.

Nomenclatura não unânime na doutrina, pois também chamadas de cláusulas de compatibilidade.

Isso porque as conjunturas histórica e política da época eram desfavoráveis a um desenvolvimento efetivo do DIPr e de sua codificação. Para aprofundar-se nesse contexto histórico conturbado consultar Arroyo, 1994, p. 88.

Participantes: Argentina, Chile, Bolívia, Equador, Cuba, Costa Rica, Uruguai, Venezuela, Guatemala, Honduras e, evidentemente, o próprio Peru.

Sobre as razões dessa predileção e sobre o embate entre os princípios da nacionalidade e do domicílio consultar Arroyo, 1994 que trata dessa discussão no decorrer de toda a explanação sobre os tratados americanos anteriores às CIDIPs.

Realizado entre agosto de 1888 e fevereiro de 1889 e formalmente denominado Congresso Internacional Sul-americano. Participaram: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai.

Acrescente-se que este Congresso resultou na elaboração de oito tratados (além de um protocolo adicional) que disciplinavam apenas conflitos de leis — e não outras matérias de DIPr.

A 1ª Conferência tem sede em Washington em 1889 e a partir disso, novas são empreendidas nos anos seguintes. Contudo, tanto as Conferências quanto os projetos são deixados de lado com a 1ª Guerra Mundial, sendo retomados somente após seu término.

O Código Bustamante foi ratificado e ainda está vigente em: Brasil, Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Rep. Dominicana e Venezuela.

Realizado também em Montevidéu, com os mesmos participantes convocados para o primeiro, com a adesão da Colômbia no segundo encontro. Arroyo, 1994: 118.

Acrescente-se que tal revisão veio, também, como uma resposta dos países do Prata ao Código Bustamante, pois o advento deste e sua incorporação por vários Estados sulamericanos atuaram, de certa forma, como um obstáculo objetivo à possível evolução dos Tratados de Montevidéu e sua eventual transcendência. Arroyo, 1994: 116.

Segundo Arroyo (1994: 163), tornou-se, à época, perceptível que as oito Conferências Panamericanas até então realizadas construíram, ao longo dos anos, um complexo emaranhado de órgãos, comitês e institutos, gerando um ambiente confuso e pouco propício para que se pudesse, de modo eficaz, viabilizar e concretizar a codificação interamericana direcionada à cooperação jurídica.

Normas diretas (ou substanciais) são as que regulam diretamente as condutas humanas na sociedade.

Sobre as regras de convexão, consultar Araujo, 2011: 39.

Frise-se que o direito dos tratados teve um início consuetudinário muito anterior ao codificado, remontando ao século XIII a.C. Sobre a história do direito dos tratados, consultar Rezek, 2011: 35.

O fim da Guerra Fria, com a queda do Império Soviético, rapidamente inseriu num mundo ocidental já globalizado três bilhões de pessoas que, até então, estavam engessadas em países de economias fechadas, pautadas pela primazia do Estado e pela denegação da liberdade econômica. Foram três bilhões de pessoas que, de repente, “… viram-se livres para fazer parte de um mercado fortemente globalizado, convertendo-se em novos participantes em uma nova e enorme área de trabalho…”. (Ocampo, 2009: 17).

Frise-se que a descentralização de fontes reclamou e, ao mesmo tempo, provocou uma flexibilização do conceito de soberania, impondo a ela certos limites até então jamais cogitados. Embora a soberania ainda exista, sua tradicional rigidez, num mundo global, plural e demandante de cooperação —em todos os sentidos— não pode mais ser aceita de forma absoluta.

Vale dizer que o Brasil abre real espaço para a globalização e, em consequência, para a codificação internacional, aumentando o número de ratificações de tratados, somente a partir da década de 90. Embora o fim da Guerra Fria e a consolidação da democracia tenham contribuído para essa abertura, o incremento das relações comerciais brasileiras em escala internacional e a adesão nacional ao Mercosul foram os acontecimentos que, de fato, impuseram ao país um posicionamento concreto de cooperação interjurisdicional.

Ver Rezek, 2011: 124.

Imprescindível esclarecer que, embora o estudo sobre conflitos entre tratados tenha sido embasado em referências bibliográficas de renome, os conceitos de conflito real e conflito aparente aqui apresentados não constam especificamente dessas doutrinas. Adaptou-se a nomenclatura (“real” e “aparente”) à proposta do presente trabalho, sobretudo, para que seja possível elucidar em que contexto estão situadas as cláusulas de integração e quais as circunstâncias que reclamam sua utilização. Para aprofundar-se em conflitos interconvencionais consultar: Rezek, 2011: 124; Accioly, 2010: 165.

Nesse sentido, é plausível transcrever os ensinamentos de Rezek (2011: 124) sobre as consequências da identidade de fonte de produção normativa: “A identidade da fonte de produção faz com que se veja, no caso, fenômeno igual ao da concorrência de diplomas legais deigual origem e nível hierárquico, num sistema de direito interno: prevalece o posterior sobre o anterior, à base da convicção de que o poder legiferante modificou seu entendimento”.

Isso porque, por se tratar de instrumentos de distintos pólos normativos, não se supoe a ideia de uma hierarquia clara. Frise-se que, em regra, no direito internacional não há uma hierarquia, nem um escalonamento de normas, haja vista a configuração descentralizada do plano internacional. (Rezek, 2011: 126). Contudo, existem dadas disposições que, em razão da matéria e da relevância que representam, têm, na prática, um caráter superior que deve ser considerado e que já facilita a superposição de tratados. É o caso das normas jus cogens e da Carta das Nações Unidas. (Varella, 2009: 110).

É forçoso comentar que o entendimento de que, no plano internacional, somos contemplados por um ordenamento jurídico não é unânime na doutrina. O presente trabalho adota a corrente que defende a existência de um ordenamento internacional, de tal sorte que fundamenta a necessidade da existência das cláusulas de integração também em razão desse ordenamento, como se verá adiante.

Isso porque o mundo é plural, fator que torna inviável a existência de um ordenamento único e universal nos exatos moldes dos nacionais. Mas, muito embora impeça a formação de uma ordem única, faz emergir uma pluralidade de ordens tanto internas, quanto internacionais e comunitárias.

Nesse contexto, merecem destaque as palavras do autor: “No direito internacional contemporâneo… é necessário compreender o direito em novos sistemas de interrelação, não em forma piramidal, como propunha Kelsen, mas em redes de normas”. (Grifo nosso).

Isso porque, a nosso ver, é composto de elementos determinados, quais sejam, as normas que, direta e indiretamente, regulamentam as relações internacionais. E possui estrutura, vez que apresenta regras —ainda que em fase de aprimoramento— que determinam a relação entre os elementos do sistema. Para o estudo do ordenamento enquanto sistema, indicamos Cunha, 2008: 207.

Isso porque por trás de todas as diferenças culturais, sociais, étnicas, políticas, jurídicas que tanto marcam nossa aldeia global existem seres humanos, que, indepentemente de qualquer outra circunstância, possuem características que lhes são inerentes. Tais carcterísticas intrínsecas à condição de ser humano cobram um respeito mútuo entre todos os indivíduos do globo.

A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 é um instrumento internacional reconhece de forma positivada os direitos humanos e confere especial observância ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, reconhecendo-o como o norteador de todos os ordenamento jurídicos. Tendo isso em vista pode-se eventualmente reputar a Declaração de 1948 como uma espécie de Carta Magna universal, embora, frise-se, esse não seja um entendimento unânime e pacífico.

A consistência significa que, em tese, o ordenamento não possui antinomias, ou seja, normas conflitantes, contraditórias.

A plenitude consiste na propriedade de prever todo e qualquer comportamento por meio de uma norma, o que significaria que todos os conflitos e condutas estariam regulamentados no ordenamento, inexistindo qualquer lacuna.

Frise-se que a obra do autor data de 1994 e que a aplicação cotidiana dos aludidos tratados era àquela época. Hoje, não temos a informação quanto à frequência dessa aplicação, o que, a despeito, não prejudica o entendimento da exposição.

Tradução livre do original em espanhol.

Tradução livre do original espanhol.

Perceba, portanto, que, além das causas apontadas, outra possível razão a justificar a entrada desta cláusula nas CIDIPs foi ser descoberta como um dos instrumentos viáveis paraempreender formas e estratégias de integração, objetivando conferir uma coerência mínima à superposição de tratados, além de segurança jurídica, em vista de um eminente ou já existente conflito positivo de normas jurídicas.

Arts. 14 e 15 e; art. 10, respectivamente.

Nessa esteira, Dolinger (2008: 41) ressalta: “deste estudo [direito comparado] resulta uma visão mais clara do direito próprio… pois não há melhor chave para a compreensão do que fixar com nitidez as distinções entre os sistemas, com base em análise de profundidade”.

A opção pelas Convenções da Haia como parâmetro comparativo fundou-se no fato de que as CIDIPs concorrem com aquelas, pois ambas possuem, no bojo dos respectivos âmbitos de atuação, o mesmo escopo. Ademais, o método utilizado pelas CIDIPs é o mesmo que há muito já era empregado pela Haia, de modo que esta serviu de inspiração e modelo para as convenções interamericanas. Por fim, ressalta-se o fato de que, segundo Arroyo (1994: 210), vários países da OEA incorporaram a Conferência da Haia, fator que também valida a escolha aqui realizada.

Tanto das CIDIPs, como da Haia, foram excluídos, para a comparação, os protocolos adicionais e os instrumentos da CIDIP VI.

Os tratados das CIDIPs aqui trabalhados estão compreendidos no período de 1975 a 1994, de modo que a análise dos Convênios da Haia somente até 1993 não prejudicará o objetivo proposto, ainda que instrumentos mais atuais não tenham sido avaliados. Os textos da Haia foram extraídos de Campos e Borrás, 1996.

A Conferência da Haia data de 1893, ao passo que as CIDIPs têm apenas 37 anos. O período que compreende as convenções focadas (1951-1993) situa-se na 2ª fase da existência da Conferência da Haia, cujo marco foi a aprovação de seu Estatuto (em vigor desde 1955). (Tibúrcio, 1998: 74).

Consigne-se que essa constatação tem apenas caráter quantitativo. Logo, dizer, com base em números, que aparentemente a Haia se mostra já mais conscientizada da importância das cláusulas de integração, não significa, de forma alguma, dizer que são melhores que as trazidas pelas CIDIPs. Em verdade, nada há que se afirmar nesse sentido, pois o que se pretende é um estudo comparado e uma eventual demonstração do que cada Conferência pode absorver positivamente da outra.

Quais sejam: A Convenção sobre a Lei Aplicável às Vendas de Caráter Internacional de Objetos Móveis Corporais (1955), para Regular os Conflitos entre a Lei Nacional e a Lei do Domicílio (1955), sobre o Reconhecimento da Personalidade Jurídica de Sociedades, Associações e Fundações Estrangeiras (1956), sobre os Conflitos de Leis em Matéria de Forma das Disposições Testamentárias (1961) e sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentícias relativas a Menores (1956).

São eles: as Convenções Interamericanas sobre Cheques, sobre Letras de Câmbio, Notas Promissórias e Faturas, sobre Arbitragem Comercial, sobre Conflito de Leis em Matéria de Sociedades Mercantis e sobre Conflito de Leis em Matéria de Adoção de Menores.

Como nota de interesse, indicamos algumas convenções que ilustram essa composição de artigos e parágrafos destinados às cláusulas de integração: Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras em Matéria Civil e Comercial (1971) e a Convenção sobre o Reconhecimento de Divórcios e de Separações Legais (1970).

O que há, nesse âmbito, é uma única cláusula de integração que restringe a aplicação de tratados de regulação mais rigorosa e, portanto, menos favorável. É o art. 8º da Convenção suprimindo a Exigência de Legalização dos Documentos Públicos Eestrangeiros (1961).

No hodierno contexto da pós-modernidade, tal corrente dificilmente seria aceita, pois se exige, sempre mais, a interpretação extensiva e principiológica sobretudo em se tratando de cooperação jurídica, tolerância, abertura, disponibilidade. Destarte, uma das interpretações possíveis seria a de que, havendo disposição ou prática mais favorável, ampla e/ou mais célere, esta poderá —e quiçá, deverá— ser aplicada, pois dadas suas vantagens, talvez se aproxime mais do valor Justiça nesse ou naquele caso concreto.

Dentre vários exemplos, podemos citar o art. 11 da Convenção sobre os Acordos de Eleição de Foro (1965): “O presente Convênio não derrogará os convênios em que os Estados contratantes sejam ou cheguem a ser partes e que contenham disposições sobre as matérias reguladas no presente Convênio”.

Exemplo: “O presente Convênio não derroga os Convênios relativos a matérias específicas em que sejam ou venham a ser partes os Estados contratantes e que se refiram à responsabilidade de produtos” (art. 15, Convênio sobre Lei Aplicável à Responsabilidade por Prosudos).

Veja que, a despeito de haver entendimentos de que o universalismo se sobrepõe ao regionalismo, a cláusula supratranscrita aparenta destoar dessa corrente, o que auxilia, a nosso ver, o bom convívio internacional. Diverge também dessa corrente Opertti Badan (1997, p. 237) que leciona: “No habrá un universalismo prestigioso si este prescinde o enfrenta al regionalismo. Regionalismo y universalismo no són términos contradictorios; pueden llegar a serlo si en cada uno de ellos domina, a su turno, en el regionalismo una visión aislacionista, y en el universalismo uma soberbia impositiva”. Esta cláusula é importantíssima, pois atinente à dialética do “universalismo-regionalismo”, sobre a qual é obrigatório consultar Arroyo (1994: 209).

Dentre eles, Araujo (1998); Arroyo (1994), Villela (1984).

Nesse sentido, cabe destacar as palavras de Villela (1984: 25): “Contestamos apenas esse desejo de produzir convenções a todo preço, pelo simples prazer de demonstrar uma produção quantitativamente significativa”.

Frise-se que as regras e instrumentos de interpretação, e os princípios gerais de direito das gentes são também ferramentas de integração de convenções. Contudo, não serão comentados no corpo do texto, pois sendo as cláusulas de integração verdadeiros dispositivos legais é sabido que a sua utilização sempre deverá estar regada pela hermenêutica e, invariavelmente, pelos princípios gerais, de modo que sua relevância somente se concretiza se harmonizada com aqueles. Sobre a interpretação e os princípios gerais consultar: Rezek (2011: 120; 162); Varella (2009: 103; 132).

Esse dispositivo basicamente preceitua que quando uma convenção deixar expresso que está subordinada a outra ou que seu conteúdo não deve ser reputado incompatível com outro tratado, é a convenção que deve prevalecer (§ 2º). A nosso ver, trata-se —corretamente— de dar predileção àquilo que está expresso, manifesto de forma inequívoca. Ademais, estipula no § 3º uma espécie de consagração do princípio da lex posterior, pois aduz que o tratado anterior só será aplicado se as suas disposições forem compatíveis com o posterior, deixando, portanto, claro que o tratado posterior é o parâmetro da aplicação.

Para elucidar esse impedimento da aplicação da lex posterior derogat prior, propomos a seguinte analogia: o Código Civil do Brasil e o Código Civil da Argentina tratam, sem muitas dúvidas, da mesma matéria. Embora sobre a mesma temática, são, evidentemente, leis advindas de diferentes sistemas: uma é brasileira e outra é argentina. Logo, ainda que uma seja posterior a outra, não se pode aplicar o aludido princípio pois o âmbito de aplicação dos dois sistemas é, por si só, diferente. A solução, portanto, fica simples: aplica-se o Código Civil Brasileiro no Brasil e o Código Civil Argentino na Argentina e a lex posterior só pode ser aplicada para normas produzidas dentro do mesmo ordenamento. No Direito Internacional, porém, a questão é que estamos falando de sujeitos vinculados a mais de um sistema de normas ao mesmo tempo e ambos igualmente em vigor. É como se um só sujeito, por uma razão esdrúxula, estivesse regido, simultaneamente, pelo Direito Civil brasileiro e pelo Direito Civil argentino, onde aplicar a lex posterior é difícil, pois se está falando de duas (ou mais) fontes de normas. Tal analogia é nada mais que um olhar que extraímos para entender a situação agora estudada. Não consta da doutrina, sendo apenas uma perspectiva própria utilizada para explicar o que aqui defendemos.

"No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta”. Segundo Accioly (2010: 166) a redação desse dispositivo tem origem no intuito de “transpor para o direito internacional a regra de direito interno que reconhece a superioridade legal dos dispositivos constitucionais, [de forma que] hoje em dia já não se discute mais a prioridade da Carta das Nações Unidas…”.

Rezek (2011: 146) leciona que normas jus cogens são o conjunto de normas que, no plano do direito internacional, impõe-se objetivamente aos Estados. A Convenção de Viena da 1969 reconhece no art. 53 a existência de normas de direito cogente e o conceitua como as normas imperativas de direito internacional, aceitas e reconhecidas pela comunidade internacional, em que nenhuma derrogação é permitida, podendo ser modificada apenas e tão somente por outra regra internacional de mesma natureza.

Accioly (2010: 166) é bastante claro quanto a esta superioridade ao consginar que “o jus cogens… são hierarquicamente superiores aos demais tratados…”.

Não podemos perder de vista que este olhar somente é viável no Direito pós-moderno e pós-positivista em que a interpretação é extensiva e transcende à literalidade da lei. No positivismo, em virtude da primazia da lei codificada, a interpretação tinha caráter bem mais restritivo e, por conseguinte, o olhar que aqui trazemos não seria cabível.

Sabe-se, porém, que esses dois princípios são relativizados não somente pela cláusula de integração que deixa expressa a possibilidade de aplicar outra convenção, como também por outros princípios fundamentais ao direito internacional que sempre demandam observância, leia-se: o princípio da boa-fé, da dignidade da pessoa humana etc.

Parte-se do pressuposto que tal avença —da qual se cobra segurança jurídica— seja legal e legítima de acordo com os parâmetros do Direito atual, o que nesta ocasião não se examina por fugir do objeto do presente trabalho.

Muito embora trate-se de uma opção criticável pela sua aparente inflexibilidade —caminho contrário do Direito no pós-positivismo, em que a flexibilização é a nota sonante— acreditamos que seria a melhor forma de assegurar que as cláusulas de integração cumpram o seu comedido.

Sobre a doutrina enquanto fonte de direito e sobre o standards jurídicos consultar Ferraz (2011: 212).

Não se pode olvidar, porém, que não é possível exigir, de pronto, uma redação “redon da” dos dispositivos de integração, já que, numa única CIDIP vários são os países representa dos e, em consequência dessa pluralidade, chegar a um consenso de uma redação ideal para cada superposição de tratados é algo a ser muito maturado e desenvolvido.

Quais sejam: Convenção sobre Cartas Rogatórias (art. 15), sobre Obtenção de Provas no Exterior (art. 14, 1ª parte); sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado (art. 1º); sobre Medidas Cautelares (art. 18); sobre Prova e Informação do Direito Estrangeiro (art. 8º); sobre Competência na Esfera Internacional para Eficácia Extraterritorial das Sentenças Estrangeiras (art. 8º); sobre Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias (art. 2º, § 2º); sobre Restituição Internacional de Menores (art. 35) e sobre Obrigação Alimentar (art.30).

Perceba que mesmo apontando as práticas mais favoráveis, por fazer essa ressalva em quase todas as cláusulas de integração e por ter uma redação padronizada e mais vaga, seu enquadramento pareceu mais apropriado como cláusulas genéricas, que como específicas.

As outras duas são: Convenção sobre Obtenção de Provas no Exterior (art. 14, 2a. parte), sobre Personalidade e Capacidade das Pessoas Jurídicas no DIPr (Art. 1o., 2a. parte). Vale dizer que este último dispositivo não restringe, sobretudo, a Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Sociedades Mercantis, vez que esta tem caráter mais específico que a de Personalidade e advém também das CIDIPs. (Rodas, 1998: 362).

As demais são: Convenção sobre Cartas Rogatórias (art. 14), a Convenção sobre Medidas Cautelares (art. 17).

Sobre esta Convenção em particular, é digno de destaque o artigo que, de forma inovadora, faz uma breve regulamentação quanto ao Direito Negativo — o qual se refere à situação, em que, a despeito das inúmeras convenções existentes no mundo, uma determinada matéria não é tratada em qualquer delas: “Art. 3º: Esta Convenção também abrangerá os aspectos civis não previstos na subtração, transferência e retenção ilícitas de menores no âmbito internacional, não previstos em outras convenções internacionais sobre a matéria.”

Nesse âmbito, vale ressaltar que os bloco de integração chegaram a tal proporção que passaram a cobrar do Direito uma regulamentação específica às suas relações jurídicas, formando subsistemas de normas com os quais os demais sujeitos da comunidade internacional são obrigados a conviver e dialogar.

Consigne-se que tal questionamento é também levantado por Arroyo (1994: 207) e merece ser consultado.

O Protocolo de Washington é de 1940 e a Convenção interamericana data de 1975, de modo que ambos são relativamente próximos no tempo. Logo, para que se possa entender plenamente essa cláusula, deve-se estar ainda mais atento ao contexto histórico; provavelmente o Protocolo de Washington, à época da elaboração da Convenção da CIDIP, era de aplicação cotidianda e, portanto, intentou-se de deixar clara a total liberdade para aplicá-lo. Hoje, para este trabalho, não temos a informação quanto à aplicação do aludido Protocolo, o que não prejudica a compreensão da cláusula indicativa.

Sobre esses mesmos artigos Belandro (1998: 516) também faz comentários importantes e emite uma opinião que merece ser apreciada, pois em muito contribui para a reflexão desse tipo de situação.

Frise-se que esse termo não é usado no direito internacional. Um olhar que se poderia extrair, ainda que como nota de interesse, é que, por ter a Convenção de 1979 um caráter subsidiário, todas as cláusulas nela contidas seriam reputadas, sobre laudos arbitrais e dentro das CIDIPS, cláusulas de integração.

Arroyo (1994: 211; 381) fornece já algumas possíveis soluções extremamente plausíveis e elucidativas, mas que não são trazidas ao longo deste trabalho, por fugir ao âmbito do objeto delimitado. Sua consulta, porém, é indispensável para aprofundar-se na questão maior alhures apontada.

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