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Vol. 23. Núm. 1.
Páginas 49-54 (enero 2011)
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Textos de divulgação científica no ensino superior de química: aplicação em uma disciplina de Química Estrutural
Popular science texts in undergraduate chemistry teaching: application in a structural chemistry course
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Luciana Nobre de Abreu Ferreira, Hidetake Imasato
Salete Linhares Queiroz
* Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, Brasil. Tel.: +55 (16) 3373 9931
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Tabela 1. Quantidade de perguntas formuladas para cada categoria de abordagem.
Tabela 2. Comentários dos alunos em relação às habilidades desenvolvidas/aperfeiçoadas a partir da realização da atividade.
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Abstract

The use of popular science texts in formal education has been discussed by researchers in the field of chemistry education. Such discussions suggest that these texts can be an instrument of motivation in the classroom. In this paper, we describe some educational experiences on the use of popular science texts in chemistry education. Thus, a teaching proposal was implemented based on the book Uncle Tungsten: Memories of a Chemical Boyhood, by Oliver Sacks. The goal of this proposal was to investigate its understanding, acceptance, and contributions to undergraduate chemistry teaching. The study involved the production of questions by the students about some chapters of that book. Additionally, we present our own conclusions on the use of such methodology applied to a structural chemistry course offered to undergraduate chemistry students at the University of São Paulo, Brazil.

Keywords:
chemistry education
popular science texts
questions formulation
undergraduate chemistry teaching
Resumen

El empleo de textos de divulgación de la ciencia en la educación formal ha sido discutido por varios investigadores en el campo de la educación química. Tales debates sugieren que estos textos pueden servir como instrumentos de motivación en la clase. En este artículo se discuten algunas experiencias sobre el uso de libros de divulgación en la educación química. Así, fue implementada una propuesta que se basa en el texto Tío Tungstenio: Memorias de una Infancia Química, de Oliver Sacks. El objetivo fue investigar la comprensión, aceptación y contribuciones para la enseñanza de la química en la licenciatura. El estudio involucró la producción de preguntas de los estudiantes acerca de algunos de los capítulos del libro. Adicionalmente se presentan las conclusiones de los autores sobre la utilización con estudiantes de licenciatura de tal metodología en el curso de Química Estructural de la Universidad de São Paulo, Brasil.

Palabras clave:
educación química
textos de divulgación científica
formulación de preguntas
enseñanza en la licenciatura en Química.
Texto completo
Introdução

Nos últimos anos, várias tendências de ensino e investigação têm permeado a área de educação em química, contribuindo para o seu desenvolvimento e para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem dessa disciplina nos diferentes níveis de ensino. Esses trabalhos defendem o papel social do ensino de química, em oposição ao ensino centrado em transmissões de conteúdos e aprendizagens mecânicas. Isso implica na necessidade de redirecionar a função do ensino de química atual e levantar subsídios para sua transformação (Santos e Schnetzler, 1996).

Nessa perspectiva, no Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Química (Zucco, Pessine e Andrade, 1999) apontam demandas no sentido de “criar um novo modelo de ensino superior, que privilegie o papel e a importância do estudante no processo de aprendizagem” e que “demonstre preocupação com uma formação mais geral do estudante com a inclusão, nos currículos institucionais, de temas que propiciem a reflexão sobre caráter, ética, solidariedade, responsabilidade e cidadania”.

Tendo em vista que a literatura especializada indica benefícios advindos do uso de textos de divulgação científica (TDCs) no ensino formal com o potencial de atender algumas das necessidades apontadas para o ensino de química, neste manuscrito temos como objetivo relatar uma proposta para o nível superior de química pautada na leitura de dois capítulos do livro Tio Tungstênio: Memórias de uma Infância Química (Sacks, 2002) em disciplina de Fundamentos de Química Estrutural, oferecida aos ingressantes de um curso de graduação em química da Universidade de São Paulo, Brasil. A proposta envolveu a produção de textos e a elaboração de perguntas pelos alunos sobre conteúdos do livro. Os resultados dessa experiência nos permitem fazer considerações sobre as potencialidades do uso de TDCs no ensino superior de química.

Tio Tungstênio: Memórias de uma Infância Química

O livro escolhido para a aplicação da proposta de ensino trata da autobiografia de Oliver Sacks, Tio Tungstênio: Memórias de uma Infância Química. Nascido em Londres em 1933, Oliver Sacks é um neurologista que reside em Nova York e autor de diversas obras, tais como: Um Antropólogo em Marte, Tempo de Despertar e O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu. Em Tio Tungstênio, ele narra sua infância e adolescência em Londres com riqueza de detalhes e uma história familiar estreitamente relacionada com a ciência, com descrições de experimentos químicos realizados em laboratório doméstico e tendo como um de seus maiores incentivadores seu Tio Dave, dono de uma fábrica de lâmpadas de tungstênio, sendo esta a razão do título do livro. Ademais, Sacks trata de questões fundamentais da química, ao relatar suas leituras sobre feitos de vários cientistas.

Strack, Loguercio e Del Pino (2006) destacam as seguintes noções teóricas nele presentes: Elementos Químicos, Propriedades dos Metais, Interações Eletromagnéticas, Radioatividade e Reações Químicas. Schwartz (2002), em resenha publicada no Journal of Chemical Education, considera o livro uma exposição positiva à química e recomenda sua leitura a todos os químicos.

Para a aplicação da proposta de ensino foram selecionados os capítulos “O Jardim de Mendeleiev” (capítulo 16) e “Luz Brilhante” (capítulo 24). No primeiro, Oliver Sacks relata seu primeiro contato com a Classificação Periódica dos Elementos Químicos. Este relato extrapola a simples narração dos fatos e se constitui numa descrição minuciosa de diversos aspectos inerentes à Tabela Periódica. Em Luz Brilhante o autor faz uma narrativa dos fatos históricos que envolveram a teoria atômica, descrevendo minuciosamente as experiências realizadas por cientistas como Prout, Moseley, Rutherford, Bohr, entre outros.

Etapas de aplicação da proposta

A proposta para a utilização de TDCS na disciplina Fundamentos de Química Estrutural —disciplina teórica semestral, quatro créditos, oferecida aos alunos ingressantes do curso de Bacharelado em Química do Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo— foi por nós aplicada em parceria com o professor responsável pela disciplina. A disciplina contava com 64 alunos matriculados. Apenas 45 alunos cumpriram todas as etapas da proposta de ensino e foram tomados como sujeitos da pesquisa.

Para que a proposta de ensino fosse colocada em execução, inicialmente os capítulos foram selecionados pelo professor. Foi solicitado a este que, em sua escolha, considerasse capítulos cujos conteúdos guardassem relações com a ementa da disciplina. Vale destacar que as atividades com a leitura de cada um dos capítulos foram realizadas no mesmo período em que os assuntos neles abordados foram ministrados em sala de aula.

No início do semestre os alunos foram informados que trabalhariam com TDCs durante o período letivo em duas ocasiões, em horários dedicados às monitorias (horários extraclasse, duas horas cada), por nós coordenados com o acompanhamento do professor. Devido ao número elevado de alunos matriculados a turma foi dividida em duas: uma com 24 e outra com 21 alunos.

Na primeira etapa de aplicação da proposta foi solicitado que os alunos fizessem a leitura dos três primeiros capítulos do livro: Tio Tungstênio, 37 e Exílio. Esta leitura foi necessária para que os estudantes pudessem se familiarizar com os personagens da história. Nesta mesma etapa, os alunos responderam a um questionário com as impressões iniciais da leitura dos capítulos.

Na segunda etapa, no primeiro encontro extraclasse, as informações presentes nos capítulos iniciais foram discutidas em sala. Em seguida, fizemos uma exposição com o intuito de apresentar aos alunos a obra literária de Oliver Sacks e características do livro em estudo. Os alunos, divididos em grupos de cinco a seis componentes, fizeram a leitura do capítulo “Luz Brilhante” e elaboraram perguntas na forma escrita referentes aos assuntos apresentados no texto.

Em um segundo encontro extraclasse foram adotados os mesmos procedimentos para o capítulo “O Jardim de Mendeleiev”, com exceção para o fato de termos solicitado aos alunos uma leitura prévia do capítulo a ser estudado, conforme sugerido por eles próprios.

Na última etapa de aplicação da proposta, em período extraclasse, foi solicitada aos alunos a redação de dois textos que fizessem alusão aos capítulos estudados. Também lhes foi solicitado que respondessem a um questionário sobre aspectos pertinentes à proposta aplicada.

Neste manuscrito apresentamos os resultados referentes à análise e classificação das perguntas elaboradas, segundo as diferentes abordagens explicitadas pelos estudantes, assim como os depoimentos dos estudantes sobre suas impressões a respeito das atividades.

Resultados e DiscussãoPerguntas elaboradas pelos alunos

Os alunos, em grupos, formularam 194 perguntas ao todo. Destas, 86 foram elaboradas a partir da leitura do capítulo “Luz Brilhante” e 108 a partir da leitura de “O Jardim de Mendeleiev”. Verificamos que as perguntas, ainda que se referissem a um mesmo tema ou conteúdo, foram feitas segundo abordagens distintas. Assim, classificamos as perguntas segundo os diferentes objetos de conhecimento configurados pelos estudantes, explicitados sob as abordagens a seguir.

Científica: Solicitação de explicações sobre aspectos da prática científica, como descrição de métodos e/ou técnicas científicas, sem necessariamente requisitar definições ou explicações para esses aspectos. Essa categoria suscitou a definição de duas subcategorias: internalista (CI) e externalista (CE). A primeira diz respeito ao interesse dos alunos sobre questões relacionadas ao trabalho científico propriamente dito, como a forma de tomada de dados, metodologias experimentais etc. (Como, a partir de uma separação, pode-se ter certeza que uma substância está pura?); a segunda envolve questões que compreendem as condições histórico-culturais e sociais da produção científica, como os detalhes sobre a vida e o cotidiano dos cientistas, suas relações em geral, a importância e implicações de certas descobertas científicas, a aceitação ou rejeição de teorias, entre outros (A tabela periódica foi aceita por todos os cientistas?).

Conceitual: nessa abordagem o enfoque é dado a definições e/ou explicações do conteúdo científico explicitado nos TDCs, também divididas em duas subcategorias: definição (CD) e explicação (CEX). A primeira foi assim denominada para perguntas nas quais os alunos solicitavam definições a respeito de palavras ou conceitos, geralmente iniciadas com as expressões “O que é?” ou “O que significa?” (O que é “aufbau”?). O segundo tipo se refere a perguntas que requisitavam explicações sobre conceitos e fenômenos relatados nos TDCs e, comumente, iniciam com as expressões “Como?” ou “Por que?” (Como o “gás de elétrons” auxilia na condutividade de metais?).

Cotidiana (CO): Embora tratem de assuntos científicos, acompanhados ou não de explicações conceituais, o objetivo principal dos alunos com esse tipo de pergunta é tomar conhecimento da relação entre a temática envolvida e sua vivência (A lâmpada comum, utilizada em casa, também está relacionada com os níveis de energia de Bohr e com a Teoria de Planck?).

Histórica (H): O enfoque da pergunta é predominantemente histórico, na qual os alunos requerem informações sobre o surgimento de teorias, sobre os cientistas e suas condições de trabalho em uma determinada época etc. (Qual era o modelo atômico vigente na época?).

Assuntos Gerais (AG): nesta categoria incluímos as perguntas ligadas a curiosidades dos alunos a respeito de informações contidas nos TDCs, não diretamente relacionadas a assuntos científicos (Quem era tio Abe?).

Na Tabela 1 estão apresentados os resultados da classificação das perguntas elaboradas pelos estudantes, com a quantidade e o percentual de perguntas para cada categoria de abordagem, nas duas atividades realizadas.

Tabela 1.

Quantidade de perguntas formuladas para cada categoria de abordagem.

Tipos de perguntasTDCs
Capítulo Luz BrilhanteCapítulo O Jardim de MendeleievTotal
Quantidade  Percentual (%)  Quantidade  Percentual (%)  Quantidade  Percentual (%) 
CD  16  18,6  19  17,6  35  18,0 
CEX  51  59,3  36  33,3  87  44,8 
CI  9,3  22  20,4  30  15,5 
CE  3,5  13  12,0  16  8,3 
5,8  13  12,0  18  9,3 
CO  1,2  0,9  1,0 
AG  2,3  3,8  3,1 
Total  86  100,0  108  100,0  194  100,0 

A Tabela 1 evidencia as distinções nos percentuais para cada categoria em relação aos TDCs estudados. Inicialmente tratamos das perguntas alocadas nas subcategorias CD e CEX que representam, respectivamente, as abordagens conceitual/ definição e conceitual/explicação. De acordo com a referida Tabela observamos que o TDC que mais influenciou a formulação de questões que dizem respeito a esse tipo de abordagem foi o capítulo Luz Brilhante (77,9%, somatório das duas subcategorias), enquanto que para o capítulo O Jardim de Mendeleiev a quantidade foi razoavelmente menor (50,9%). Este fato pode ser justificado, aparentemente por duas razões: os contextos de leitura e a natureza dos capítulos. Com relação aos contextos de leitura, é preciso notar que o capítulo Luz Brilhante diz respeito à primeira atividade da proposta, no início do semestre letivo e, conforme relatado anteriormente, nessa atividade os alunos fizeram a leitura uma única vez, em sala de aula e por um período determinado, o que talvez os tenha impedido de realizar uma leitura mais aprofundada do texto. Por conseguinte, essa leitura pode ter suscitado mais dúvidas nos alunos com relação ao entendimento do TDC.

Em contrapartida, na atividade com o capítulo O Jardim de Mendeleiev houve uma leitura prévia, conforme solicitado pelos próprios alunos, dando-lhes oportunidade de fazê-la mais cuidadosamente e acarretando menor frequência de perguntas que requisitam definições e explicações. Acreditamos que este fato tenha também contribuído para a ocorrência de maior número de perguntas em relação à primeira atividade.

Também consideramos a natureza dos capítulos fator preponderante para o alcance de tais resultados. No capítulo Luz Brilhante são descritos os modelos utilizados por diversos cientistas em seus estudos sobre o átomo, desde o modelo de Thomson até o átomo de Rutherford, tendo feito com que os alunos requisitassem mais explicações a respeito dos assuntos tratados.

De maneira geral, mesmo tendo havido menor quantidade de perguntas do tipo CD e CEX com a leitura do segundo capítulo, formulações desse tipo foram as mais frequentes na proposta realizada, correspondendo a mais da metade do total. Questões como estas são características do ambiente escolar, no qual o papel do aluno é, prioritariamente, saber definições/explicações sobre conceitos. Na falta delas, a escola se constitui o espaço para a aquisição desses saberes, legitimados pelo professor (Terrazzan e Gabana, 2003). Ademais, acreditamos que os alunos destacaram do TDC aquilo que imaginam ser cobrado posteriormente, logo, entender tais conceitos significa conseguir explicá-los em uma avaliação. O fato de os assuntos tratados nos capítulos estarem relacionados aos conteúdos abordados em sala de aula reforça nossa hipótese.

Outra categoria que apresentou quantidade considerável de perguntas foi a científica, distribuídas nas subcategorias internalista e externalista. É possível notar pela Tabela 1 que o capítulo que mais engendrou a formulação de perguntas nesta categoria foi “O Jardim de Mendeleiev”. Podemos fazer uso das mesmas justificativas anteriormente mencionadas para discutir tal fato. A atividade com o capítulo “Luz Brilhante” dizia respeito à primeira leitura realizada durante o semestre e, neste caso, acreditamos que as expectativas dos estudantes ainda se concentravam nas definições.

No entanto, sugerimos que a natureza do capítulo “O Jardim de Mendeleiev” tenha sido determinante para essa diferença. O diferencial do TDC está no enfoque dado à figura de Mendeleiev, aspectos pessoais de sua vida e trajetória ao elaborar a Tabela Periódica, o que pode ter impulsionado tanto aspectos implícitos, como explícitos das atividades científicas narradas.

É digna de nota a frequência, embora relativamente pequena, com a qual perguntas sobre as abordagens externalista da ciência e histórica foram elaboradas. Tais resultados corroboram considerações presentes na literatura a respeito das contribuições advindas do uso de TDCs para uma compreensão mais adequada a respeito da natureza da ciência, condição importante e necessária no ensino de química (Silva, 2004).

Perguntas pertencentes à abordagem cotidiana foram formuladas em pequena quantidade: apenas uma para cada capítulo estudado. Podemos sugerir que a natureza dos TDCs tenha sido fator decisivo para tal ocorrência, nos quais o autor apresenta uma narrativa histórica aliada à explicitação de conceitos relacionados, dificultando, de certa forma, que os alunos relacionassem os assuntos tratados no texto com sua vivência fora da sala de aula.

Impressões dos alunos com relação ao processo de aplicação da proposta

O questionário que aplicamos no final do semestre letivo englobava uma série de questões pertinentes à proposta aplicada. Inicialmente perguntamos aos alunos se já haviam tido alguma experiência em sala de aula envolvendo a leitura de TDCs. A maioria dos alunos afirma não ter tido nenhuma experiência desta natureza, salvo raros casos, como no depoimento a seguir:

Já havia lido texto em revistas devido a trabalhos do colégio e para o vestibular. Mas nenhum foi trabalhado com esse do Tio Tungstênio.

Em contrapartida, quando perguntamos aos alunos se alguma vez fizeram a leitura de algum TDC sem a solicitação de um professor, verificamos que a grande maioria deles afirmou que sim e em seus depoimentos, de um modo geral, percebemos sua satisfação em fazê-la. Os principais critérios apontados pelos estudantes para a escolha deste tipo de leitura residiam no fato de apresentarem uma linguagem simples e ausência de fórmulas matemáticas.

De fato, como afirmam Terrazzan e Gabana (2003), os TDCs apresentam os assuntos numa linguagem flexível e próxima da utilizada no cotidiano das pessoas, não costumam exagerar no aprofundamento em detalhes específicos nem no uso de simbologia matemática como costuma acontecer em livros didáticos.

Observamos quase a existência de um consenso nas impressões dos alunos com relação aos conteúdos e à forma como estes foram apresentados pelo autor nos capítulos estudados. Eles expressaram satisfação ao falarem sobre as leituras realizadas, como nos comentários a seguir:

Tio Tungstênio é incrível. Adorei a forma como o autor leva a história de sua vida à ciência (…) o capítulo Luz brilhante é meu preferido entre os que li. O autor fala de maneira leve e que foge um pouco do “peso da química”.

O conteúdo foi apresentado de maneira a nem percebermos que estamos nos deparando com conceitos químicos, pois todos os capítulos contaram o dia-a-dia, a vida de um menino na qual a química se fazia presente.

Do mesmo modo, percebemos uma grande concordância entre os alunos no que diz respeito à relevância da leitura dos textos para o aprendizado na disciplina. Constatamos que esta relevância se deu de diferentes formas para os alunos, desde a eliminação de dúvidas até a visualização do conteúdo de forma mais contextualizada. A seguir temos alguns exemplos específicos dados pelos alunos de situações nas quais a leitura dos textos foi de grande importância para uma melhor compreensão dos conceitos abordados em sala de aula:

Consegui entender melhor o significado da expressão “aufbau” e as questões relacionadas à tabela periódica e suas propriedades.

As teorias e modelos atômicos de Rutherford e Bohr, por exemplo, aprendidos na aula, tornaram-se bem mais claros após a leitura dos textos.

Para Ferrari, Angotti e Cruz (2005) os TDCs, apesar de não terem sido produzidos com este objetivo, podem se tornar um material paradidático no ensino formal, auxiliando no esclarecimento de conceitos científicos.

Observamos também uma grande aceitação por parte dos alunos com relação ao processo de realização das atividades. As sugestões apresentadas por eles foram variadas, dentre estas, encontramos principalmente solicitações relacionadas à incorporação da atividade nas aulas teóricas, maior envolvimento do professor responsável pela disciplina na condução das discussões e realização de atividades desta natureza como revisão para as avaliações:

As atividades são boas e otimizam o aprendizado porém deveriam ser incorporadas durante as aulas.

Com relação às atividades, acredito quer elas deveriam ser antes das provas como maneira de revisar a matéria.

Funcionou muito bem... mas quem sabe com uma participação mais direta do professor responsável, isso é, lê-se o livro e mostra os pontos que são interessantes mostrando a ligação dos livros com a matéria dada em sala de aula.

Acreditamos que a sugestões feitas por alguns alunos a respeito da participação do professor corroboram considerações feitas na literatura, como as de Chaves, Mezzomo e Terrazzan (2001) que enfatizam a sua importância na condução do trabalho com tais textos.

Quanto às concepções dos estudantes sobre as contribuições da atividade para o aperfeiçoamento/desenvolvimento de algumas habilidades, obtivemos os seguintes resultados: quantidade considerável de alunos (65%) acredita que a atividade influenciou nas suas habilidades de leitura e compreensão de TDCs; a maioria dos alunos (82,5%) considera que a proposta aplicada contribuiu na sua capacidade em trabalhar em grupo; cerca de três quartos dos alunos (77,5%) consideram que a leitura dos textos auxiliou no entendimento sobre a forma como a ciência é construída; grande parte dos alunos (70%) julga que as atividades também contribuíram no desenvolvimento de habilidades em comunicação oral e escrita.

Os resultados obtidos nos mostram um nível de satisfação significativo por parte dos alunos, uma vez que a maioria deles afirma que a atividade com os textos exerceu uma influência positiva em habilidades relevantes para a sua formação. Os comentários apresentados na Tabela 2 ilustram essa satisfação.

Tabela 2.

Comentários dos alunos em relação às habilidades desenvolvidas/aperfeiçoadas a partir da realização da atividade.

HABILIDADES  COMENTÁRIOS DOS ESTUDANTES 
Leitura e compreensão de TDCs“Possibilitou minha familiarização com textos de divulgação científica.” 
“Me familiarizaram com os termos utilizados em textos científicos.” 
Realização de trabalhos em grupo“Trabalhar em grupo é sempre interessante […] As opiniões são muito diferentes então sempre gera discussões e troca de experiências”. 
“A atividade em grupo exige repartição do trabalho […] além do mais é sempre importante saber ouvir a opinião do outro”. 
Compreensão sobre o processo de construção da ciência“O conteúdo apresentado nos capítulos […] contribuíram para o meu aprendizado, pois através deles pude conhecer melhor a vida dos cientistas e suas ‘lutas’ diárias...”. 
“Ocorreu uma percepção do tempo de duração das pesquisas e a importância de vários trabalhos para provar uma dada teoria”. 
Comunicação oral e escrita“Quando estamos trabalhando com atividades de escrita e leitura estamos cada vez nos aperfeiçoando mais.” 
“A leitura me mostrou palavras que eu não possuía conhecimento”. 

Consideramos que os relatos apontados pelos alunos em relação à influência das atividades sobre as habilidades citadas vêm ao encontro de algumas considerações presentes na literatura. Com relação ao desenvolvimento de habilidades referentes à leitura e compreensão de TDCs, Korpan et al. (1997) sugerem que artigos e textos dessa natureza são uma fonte persuasiva e importante de novos conhecimentos científicos e a leitura dos mesmos se traduz em uma importante forma de alfabetização científica.

Sobre capacidades relacionadas ao trabalho em grupo, Ricon e Almeida (1991), a partir da análise de ensaios com o uso de textos em sala de aula, destacam que tais textos propiciaram aos alunos a oportunidade de tomarem conhecimento de um universo de conhecimentos e informações e, deste modo, participarem mais efetivamente nas discussões. O trabalho desses autores também reforça nossos resultados com relação aos textos promoverem melhorias na comunicação oral e escrita dos estudantes. Ao demonstrarem que esses textos —por instigarem a curiosidade e o prazer de leitura— contribuíram para a instauração de um contexto de leitura efetivo em sala de aula e para a criação de hábitos de leitura. Portanto, entendemos que a criação desses hábitos pelos alunos seja condição importante para o desenvolvimento de tais habilidades.

Muitos trabalhos reportados na literatura consolidam as opiniões dos alunos com relação às contribuições da leitura de TDCs para o entendimento da natureza da ciência. Terrazzan e Gabana (2003) afirmam que esses textos —por apresentarem discussões a respeito do processo de construção da ciência— auxiliam o leitor a formar ideias mais adequadas do que seja o “fazer científico”, diminuindo o grau de mistificação que atravessa a imagem da ciência.

No que diz respeito às limitações da proposta, destacamos primeiramente a ausência de uma quantidade considerável de alunos em pelo menos um dos encontros realizados. Acreditamos que o fato de as atividades terem ocorrido em encontros extraclasse pode ter causado essa ausência. Embora a proposta tenha sido realizada de maneira satisfatória, entendemos a necessidade de experiências com TDCs em aulas regulares de química, de modo que conclusões ainda mais contundentes sobre os benefícios didáticos desses textos sejam tiradas.

Enfatizamos, ainda, as dificuldades que podem ser enfrentadas pelos docentes na elaboração de atividades didáticas com TDCs. Para que atividades dessa natureza sejam bem sucedidas, é necessário que o professor esteja previamente preparado. Para tanto ele precisa fazer uma leitura crítica do material escolhido, em observância com os seguintes fatores: tempo disponível (esse aspecto ditará a extensão do TDC a ser usado), conceitos científicos a serem abordados, perfil dos alunos, objetivos didático-pedagógicos, concepções de ensino do professor etc. Embora a proposta tenha se concretizado em disciplina de Fundamentos de Química Estrutural, pode ser adaptada a várias outras que compõem o currículo de cursos de química no nível superior ou em outros níveis de ensino. A condição primordial para sua adoção é a escolha do TDC mais apropriado às características do ambiente de ensino no qual será utilizado.

Outra limitação aparente é a dificuldade em avaliar os alunos em atividades dessa natureza. Contudo, acreditamos que seja possível ao professor, por exemplo, verificar a aprendizagem dos conceitos tratados durante as atividades por meio da avaliação da natureza das perguntas elaboradas e da participação dos alunos nas atividades, como a intensidade com a qual contribuem nos grupos e participam das discussões.

Considerações Finais

Neste trabalho apresentamos uma experiência em uma sala de aula do ensino superior de química baseada na leitura de TDCs. O acompanhamento da aplicação da proposta e a análise dos dados coletados nos permitem fazer ponderações a seu respeito.

Constatamos que as atividades de leitura proporcionaram aos alunos a elaboração de perguntas com diferentes objetivos, formuladas sob diferentes abordagens. Observamos que o contexto de leitura e a natureza dos TDCs são fatores determinantes na configuração dos objetos de conhecimentos pelo alunado. Merece destaque a ocorrência de questões relacionadas à produção da ciência. Tal fato nos permite sugerir que a atividade com os TDCs forneceu uma perspectiva de formação em ciência mais ampla do que aquela exclusiva ou predominantemente centrada na compreensão de determinados produtos do conhecimento científico.

As impressões expressas pelos estudantes corroboram a importância da proposta de ensino, pois consideram que esta contribuiu para o desenvolvimento de habilidades necessárias à sua formação, como a leitura e interpretação de TDCs, rea lização de trabalhos em grupo, aperfeiçoamento da comunicação oral e escrita e entendimento sobre o processo de construção do conhecimento científico. Além disso, as opiniões manifestadas indicam a boa receptividade por parte dos alunos com relação à proposta e a boa relação estabelecida entre eles e os textos.

Os resultados obtidos apontam o TDC como um instrumento adequado em atividades capazes de estimular o desenvolvimento de habilidades relevantes para graduandos em química, notadamente aquelas consideradas fundamentais nas recomendações curriculares.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao CNPq (Processo 470830/2010-7) pelo auxílio financeiro.

Referências
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Discursos e leituras da física na escola: uma abordagem introdutória da síntese newtoniana para o ensino médio.
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