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Vol. 29. Núm. 1.
Páginas 13-20 (enero - abril 2014)
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Contracepção em mulheres com condições clínicas especiais. Critérios médicos e elegibilidade
Contraception in women with special clinical conditions. Medical criteria and eligibility
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Camila Oliveira Silveiraa,b,
Autor para correspondencia
camila_silveira@yahoo.com.br

Autor para correspondência.
, Sâmara Silveira Marques Mendesa, Júlia Alves Diasa,b, Márcia Cristina França Ferreirab, Sara de Pinho Cunha Paivaa,b
a Maternidade Odete Valadares, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
b Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
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Tabela 1. Síntese dos critérios de elegibilidade para uso de método contraceptivo em condições clínicas especiais, segundo categorias, conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde, 2010
Resumo

O planejamento familiar é importante para a saúde física, mental e social das mulheres e de suas famílias. O planejamento de uma gravidez em mulheres portadoras de condições médicas especiais tem importância ainda maior, uma vez que a garantia de uma gestação saudável e de feto viável se torna extremamente dificultada. Infelizmente, algumas condições médicas inviabilizam o uso de métodos contraceptivos de forma segura. Apesar de inúmeros estudos terem demonstrado a segurança e efetividade do uso de contraceptivos hormonais em mulheres saudáveis, ainda não dispomos de dados completos no que se refere às mulheres portadoras de condições clínicas especiais. Esta revisão, baseada em evidências científicas e no American College of Obstetrics and Gynecology Practice Bulletin, traz informações para auxiliar os médicos e as mulheres portadoras de condições clínicas especiais a fazer uma opção quanto à seleção do método contraceptivo. Esta revisão traz informações sobre novas tecnologias para planejamento familiar, incluindo contracepção hormonal oral, contraceptivo de emergência, contracepção injetável, anel vaginal, implantes subdérmico e transdérmico e dispositivo intrauterino.

Palavras‐chave:
Anticoncepção
Protocolos clínicos
Seleção de paciente
Dispositivos anticoncepcionais
Planejamento familiar
Abstract

Pregnancy planning is important for the physical, mental, and social health of women and families. For women with underlying medical disorders, pregnancy planning assumes even greater importance, because ensuring a healthy woman and healthy child becomes more challenging. Unfortunately, some medical conditions also complicate the ability to use reliable contraception safely. Although numerous studies have addressed the safety and effectiveness of hormonal contraceptive use in healthy women, data are far less complete for women with underlying medical problems or other special circumstances. Using the best available scientific evidence and based on the American College of Obstetrics and Gynecology Practice Bulletin, this review provides information to help clinicians and women with coexisting medical conditions to make decisions regarding the selection and appropriateness of various hormonal contraceptives. The review includes recent advances in the development of oral contraception, emergency contraception, injectable contraception, vaginal rings, subdermal implants, transdermal contraception and intrauterine devices.

Keywords:
Contraception
Clinical protocols
Patient selecion
Contraceptive devices
Family planning
Texto completo
Introdução

O uso de contraceptivos hormonais para o planejamento familiar é rotina há mais de 40 anos.1 Apesar disso, mulheres em situações clínicas especiais nem sempre recebem orientações adequadas sobre o seu uso.1 Atualmente, a taxa de gravidez não planejada em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, permanece em nível epidêmico e caracteriza quase metade de todas as gestações.2

O ideal seria fazer a prevenção da gestação indesejada por meio de educação e do uso de métodos contraceptivos. As opções contraceptivas são cada vez maiores e os riscos do uso de contraceptivos hormonais cada vez menores, quando comparados a medicamentos com dosagens elevadas. Além disso, os anticoncepcionais oferecem também benefícios não contraceptivos à suas usuárias.1 Esta revisão tem como objetivo descrever os avanços e as novas tecnologias de contracepção e sugerir as melhores opções para mulheres com condições clínicas especiais.

Foram usados artigos que avaliaram métodos contraceptivos hormonais orais e injetáveis, contracepção de emergência, anel vaginal, implantes subdérmico e transdérmico e dispositivo intrauterino (DIU). Nossa análise foi baseada nos critérios de elegibilidade para o uso de métodos contraceptivos de 2010: categoria 1 (não há restrição para o uso do método contraceptivo); categoria 2 (vantagens do uso contraceptivo superam os possíveis riscos); categoria 3 (riscos do uso de contraceptivo superam os benefícios) e categoria 4 (uso de contraceptivos é inaceitável).3–5 A síntese encontra‐se descrita na tabela 1.

Tabela 1.

Síntese dos critérios de elegibilidade para uso de método contraceptivo em condições clínicas especiais, segundo categorias, conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde, 2010

Condição clínica  ACO  Anel vaginal  DIU‐LNG  Patch  ACI  POP 
Idade>35 anos 
Tabagismo e idade<35 anos 
Tabagismo e idade ≥ 35 anosConsumo<15 cigarros/dia 
Tabagismo e idade ≥ 35 anosconsumo ≥15 cigarros/dia 
Hipertensão arterialcontrolada 
Obesidadeíndice de massa corpórea (IMC) ≥ 30 
Infecção pelo HIVrisco de adquirir com uso do método 
Infecção pelo HIVuso de antirretroviral  1/2/3  1/2/3  1/2  1/2/3  1/2/3  1/2 
Diabetes mellitussem doença vascular periférica 
Diabetes mellituscom doença vascular periférica  3/4  3/4  3/4 
Depressão 
Lúpus eritematoso sistêmicocom anticorpo antifosfolípide 
Lúpus eritematoso sistêmicosem anticorpo antifosfolípide 

ACO, anticoncepcional oral combinado; DIU‐LNG, dispositivo intrauterino de levonorgestrel; Patch, adesivo transdérmico; ACI, anticoncepcional injetável; POP, pílula de progesterona.

Categorias: 1, não há restrição para o uso do método contraceptivo; 2, vantagens do uso contraceptivo superam os possíveis riscos; 3, riscos do uso de contraceptivo superam os benefícios; 4, uso de contraceptivos é inaceitável.

Anticoncepcional combinado oral (ACO)

Método contraceptivo mais reconhecido e usado,1 que evoluiu para a redução nas doses de estrogênio e opções não sintéticas de estrogênio e progestágenos, diminuiu os efeitos colaterais e ampliou as opções terapêuticas.3 Tem como mecanismos de ação a supressão da ovulação, o aumento da viscosidade do muco cervical e a diminuição da receptividade endometrial. A taxa de falha contraceptiva é de até 7%. Os efeitos não contraceptivos dos ACO são a redução dos sintomas associados à menstruação, da duração do sangramento, da perda sanguínea e do risco de câncer de ovário e endométrio. São também usados no tratamento da endometriose, do sangramento uterino anormal, da acne e do hirsutismo.6,7

As contraindicações ao uso do estrogênio, independentemente da via de administração, são mutações trombogênicas conhecidas, evento tromboembólico prévio, doença arterial coronariana ou cerebrovascular, hipertensão não controlada, enxaqueca com aura, diabetes com doença vascular periférica, tabagistas acima de 35 anos, câncer de mama diagnosticado ou suspeito, histórico de neoplasia estrogênio‐dependente, sangramento uterino anormal não diagnosticado, tumores hepáticos, doença em atividade ou falência hepática e gravidez suspeita ou confirmada.8

Progestínico isolado

Está disponível na Itália desde 2001, com eficácia comparável ao ACO de baixa dose. Pílula que contém apenas progestágenos para uso contínuo, sem intervalo livre de hormônio. Promove adelgaçamento do endométrio, torna o muco cervical hostil e dificulta o transporte oocitário pela diminuição da motilidade tubária, sem necessariamente impedir a ovulação.9 Apresenta falha estimada de 8% a 9% ao ano, 0,3% se considerado o uso perfeito.10 Suas principais vantagens não contraceptivas são melhoria da dismenorreia, menorragia, síndrome da tensão pré‐menstrual e anemia.10–12

Em contrapartida, o sangramento vaginal irregular pode ser considerado seu principal efeito colateral e grande responsável pela descontinuação do uso.13 Existem poucas contraindicações consideradas como categorias 3 e 4 e se aplicam aos progestágenos isolados independentemente da via de administração: são o câncer de mama, as doenças hepáticas, como cirrose e tumores hepáticos, e as usuárias de anticonvulsivantes e tuberculostáticos.5,14

A publicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) Medical eligibility criteria for contraceptive use, de 2010, acrescentou como contraindicação ao uso de progestágenos (categoria 3) o histórico de cirurgia bariátrica disabsortiva, as pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e anticorpo antifosfolípide positivo ou desconhecido e o uso de terapia antirretroviral com ritonavir.5

Adesivo transdérmico

Aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), em 2001, é um método contraceptivo hormonal combinado absorvido pela pele, o que evita o metabolismo de primeira passagem hepática, que permanece ativo por sete dias.15 Em geral é bem tolerado, com taxa de falha de 0,7% ao ano. A comodidade posológica com troca semanal favorece a adesão ao tratamento.16 Sua apresentação expõe a mulher a uma maior concentração de estrogênio quando comparado com a maioria dos contraceptivos orais. Porém, não está comprovado se há aumento no risco de tromboembolismo venoso.17

Anel vaginal

Anel de estrutura flexível que combina estrogênio e progesterona e evita o metabolismo de primeira passagem foi primeiramente descrito nos anos 1960. Os esteroides são acumulados na superfície do anel e liberados em doses mínimas diárias para a corrente sanguínea, com índice de Pearl entre 0,25 e 1,23 gravidez para cada cem mulheres ao ano. Deve ser retirado após três semanas de permanência no fundo de saco vaginal, com posterior pausa de uma semana, quando deverá ocorrer a menstruação.

Além das mesmas vantagens contraceptivas e não contraceptivas dos ACO, é um método de longa duração controlado pela própria usuária, o que favorece a adesão.18 Seus principais efeitos colaterais são cefaleia (6,6%), corrimento vaginal (5,3%) e vaginite (5%).19

Contracepção injetável

Pode ser composta pela associação de estrogênio e progestágeno, ou por progestágeno isolado, com falha contraceptiva de aproximadamente 0,2% ao ano.20,21 Tem como vantagem a comodidade posológica, mensal ou trimestral. O acetato de medroxiprogesterona de depósito foi desenvolvido na década de 1960 e é um dos mais populares métodos hormonais no mundo. Seu mecanismo de ação é por meio da inibição da ovulação, do adelgaçamento do endométrio e da transformação do muco cervical em meio hostil. O retorno à fertilidade pode demorar até 22 meses após descontinuação do seu uso, embora não interfira com o potencial reprodutivo.1

Seu principal efeito colateral é sangramento vaginal de escape secundário ao adelgaçamento do endométrio, principalmente nos primeiros seis a nove meses de uso.22,23 Após um ano, aproximadamente 60% das mulheres entram em amenorreia e até 70% em dois anos.24 Entre seus benefícios não contraceptivos estão a redução de 80% na incidência de carcinoma endometrial, além da diminuição na incidência de anemia, dismenorreia e cisto ovariano.1 Pode interferir na massa óssea, principalmente em adolescentes, mas em mulheres em idade reprodutiva essa perda é reversível e pode ser prevenida pela mudança dos hábitos de vida, como parar de fumar, praticar exercícios físicos e aumentar a ingesta de cálcio.20 A injeção combinada apresenta menores distúrbios de sangramento e retorno mais precoce à ovulação após interrupção do uso quando comparada com a progesterona isolada.19,25

Implante subdérmico

Implante de levonorgestrel disponível na forma de duas hastes silásticas com liberação contínua e duração de cinco anos.19,26 O implante de nestorone é em forma de única haste que libera esteroide de uma matriz de silicone, com efetiva contracepção por dois anos e alta aceitação por mulheres em lactação.19,27 O acetato de nomegestrol é um potente progestágeno com liberação contínua por um ano por meio de uma única haste.19,28 São altamente eficazes e seu principal efeito colateral é sangramento de escape.19

Em 2006, a FDA aprovou um sistema de implante de haste única não biodegradável que contém etonogestrel, metabólito do desogestrel,3 que mantém o nível sérico acima do mínimo necessário para inibir a ovulação por três anos.19 A taxa de insucesso é menor do que 1% ao ano e a ovulação retorna dentro de três semanas em 90% das mulheres.3 Câncer de mama ativo é a única contraindicação absoluta ao seu uso.24 Deve ser aplicado entre o primeiro e o quinto dia do ciclo menstrual ou durante a semana livre de hormônio em usuárias de ACO.3

Contracepção de emergência

Existem duas opções para contracepção de emergência: o método Yuzpe, que contém estrogênio e progestágeno, e o progestágeno exclusivo.1,3 Ambos devem ser administrados em até cinco dias (120 horas) após o intercurso sexual desprotegido.1,3,29,30

O método de Yuzpe usa ACO em doses concentradas em curto intervalo de tempo. São necessários 100μg de etinilestradiol e 0,5mg de levonorgestrel em duas administrações, com intervalo de 12 horas.1,3,31 Seus principais efeitos colaterais são náuseas e vômitos, que diminuem significativamente quando usado apenas o progestágeno.3,29,32

O método que inclui progestágeno isolado está disponível na dose de 0,75mg de levonorgestrel, duas doses com intervalo de 12 horas1,3 ou em dose única de 1,5mg. Estudos têm mostrado que a ingestão de duas pílulas administradas ao mesmo tempo ou dose única favorece a maior adesão ao tratamento, sem diminuir a eficácia do método ou aumentar os efeitos colaterais.1,31,33–35

A eficácia média contraceptiva do método que usa apenas progesterona é de 85%, enquanto que a do método combinado é em torno de 57%.36 Não há contraindicação absoluta ao uso da contracepção de emergência, já que a duração do seu uso é menor do que ACO ou progestágeno isolado. Assim, acredita‐se que seu impacto clínico seja menor.5

Mifepristona é um antiprogestágeno que tem sido desenvolvido para uso na contracepção de emergência, apresenta eficácia na prevenção de gravidez e tem demonstrado ser mais eficaz e causar menores efeitos colaterais do que o método de Yuzpe.37–39 O acetato de ulipristal tem se mostrado efetivo em prevenir gravidez até 120 horas do intercurso sexual desprotegido.40,41

Dispositivo intrauterino (DIU)

Alguns estudos demonstraram que o DIU T de cobre e o DIU de levonorgestrel (LNG) são mais efetivos do que outros modelos desenvolvidos anteriormente. O DIU T de cobre tem durabilidade de até dez anos e apresenta alto custo‐benefício.19,42

O DIU de LNG tem forma de T com reservatório de esteroide que contém 52mg de levonorgestrel misturado com polidimetilsiloxane, que controla a taxa de liberação desse hormônio com permanência intrauterina de até cinco anos3 e foi aprovado pela FDA em 2000.3,43

O sangramento menstrual diminui em 75% nas usuárias desse dispositivo. É atribuído à decidualização induzida pelo progestágeno e à supressão do endométrio. Entram em amenorreia nos primeiros dois anos após a inserção 20% a 50% das usuárias.3,44 A supressão endometrial não é imediata e pode demorar de três a seis meses, o que pode resultar em sangramento vaginal de escape nesse período.1 Apresenta rápido retorno à fecundidade após sua remoção.3,45 A eficácia do DIU T de cobre é próxima à eficácia da esterilização feminina, enquanto que o DIU de LNG é superior.19

Métodos contraceptivos em condições clínicas especiaisMulheres acima de 35 anos

Mulheres saudáveis e não fumantes acima de 35 anos podem ser usuárias de ACO e se beneficiar da redução do risco de câncer de ovário e endométrio, além da redução de sintomas vasomotores e do efeito positivo na massa óssea na perimenopausa (categoria 2).46 Entretanto, o risco de infarto agudo do miocárdio (IAM) e de eventos tromboembólicos deve ser levado em consideração. O uso de contraceptivos hormonais de baixa dose aumenta o risco de IAM em duas vezes.3,46 O IAM é raro em mulheres antes dos 35 anos, porém seu risco aumenta dez vezes a partir dos 40 anos quando comparado com mulheres de 30 a 34 anos.3,47

Quando associado ao tabagismo, aumenta cerca de dez vezes em qualquer idade.3 De forma semelhante, o risco de tromboembolismo venoso (TEV) aumenta com a idade, quase duas vezes maior em mulheres de 40 a 44 anos quando comparado a mulheres com 20 a 24 anos. O uso de ACO aumenta o risco de TEV em aproximadamente três vezes e parece ser proporcional à dose de estrogênio. O componente progestagênico da pílula também parece influenciar esse risco. Os ACO que contêm gestodeno e desogestrel parecem aumentar o risco de TEV em menos de duas vezes.3 Considerando a idade acima de 35 anos como fator isolado, todas as opções contraceptivas são válidas.

Tabagismo

Segundo os critérios de elegibilidade para uso de ACO, mulheres fumantes menores de 35 anos apresentam‐se na categoria 2, enquanto mulheres acima de 35 anos podem se apresentar na categoria 3 (fumam menos de 15 cigarros/dia) ou categoria 4 (fumam acima de 15 cigarros).48 A combinação de tabagismo, idade acima de 35 anos e uso de ACO eleva o risco de eventos trombóticos arteriais.3,46 Estudos epidemiológicos feitos entre 1960 e 1980 mostram aumento do risco de IAM em mulheres fumantes que usavam contraceptivos que contêm 50μg ou mais de estrógenos. As taxas absolutas de IAM aumentavam substancialmente se as pacientes tiverem mais de 30 anos.46

Apesar de alguns estudos caso‐controle em usuárias de contraceptivos que contêm menos do que 50μg de estrogênios não mostrarem risco aumentado de eventos arteriais (IAM ou acidente vascular encefálico [AVE]) em fumantes, esses estudos incluíram poucas mulheres fumantes acima de 35 anos.46,49,50 Estudo caso‐controle alemão mostrou risco duas vezes maior de IAM em fumantes que usavam contraceptivos orais combinados em comparação com mulheres fumantes que não usavam contraceptivo.51 Para esse grupo se contraindica apenas o uso de contraceptivos que contenham estrogênios, em pacientes acima de 35 anos. Todas as demais opções podem ser usadas.

Hipertensão arterial (HAS)

O uso de ACO parece aumentar a pressão arterial, mesmo com as preparações modernas.46,52 Além disso, a preocupação nas mulheres hipertensas se relaciona às possíveis complicações, como AVE e IAM.46,53–55 Estudos mostram que o uso de contraceptivos orais aumenta o risco de eventos vasculares em mulheres hipertensas ou naquelas que não tiveram sua pressão arterial medida antes do início do uso.56–58 Outro estudo verificou que o uso atual dos ACO aumenta a chance de IAM nas mulheres em geral, não especificamente com HAS.59

Os ACO são então considerados categoria 3 pela OMS, ou seja, o uso deve ser desencorajado, a menos que não haja outros métodos disponíveis ou que o risco para uso desses seja inaceitável. Assim, mulheres hipertensas não tratadas ou sem controle adequado não devem usar contraceptivos hormonais (categoria 4). O antecedente de hipertensão na gravidez não contraindica o uso de contraceptivos hormonais, mas deve haver um acompanhamento médico adequado (categoria 2). Doenças cardíacas isquêmicas atuais ou pregressas e AVE contraindicam o uso de ACO (categoria 4).5 Pacientes com múltiplos riscos cardiovasculares devem optar por contraceptivos com progestágenos isolados, com menor número de eventos tromboembólicos.57

Obesidade

Mulheres obesas sem outros fatores de risco cardiovascular que usam contraceptivos hormonais combinados, orais ou injetáveis, apresentam risco aumentado de trombose venosa.4,60,61 Dados relativos ao impacto da obesidade sobre a eficácia dos contraceptivos orais são limitados, mas pode haver uma diminuição da eficácia nesses casos (categoria 2).4,6

Estudos propuseram que o mecanismo pelo qual a obesidade interfere no metabolismo da droga está relacionado com as alterações na absorção dos esteroides pelo aumento do metabolismo basal, pela degradação das enzimas hepáticas e pelo sequestro pelo tecido adiposo.60–62 O clearence de etinilestradiol e levonorgestrel está alterado nas mulheres obesas e resulta em maiores níveis de hormônio folículo estimulante (FSH) e de hormônio luteinizante (LH), com maior potencial de ocorrência de ovulação no uso de ACO de baixa dosagem ou pílulas esquecidas.60

Entretanto, estudos populacionais obtiveram resultados conflitantes sobre diminuição da eficácia dos ACO em mulheres obesas.60,62,63 Ensaios clínicos randomizados são necessários para concluir se a falência dos ACO está relacionada ou não com a obesidade.60 Se o método contraceptivo escolhido for ACO, a dose de 35μg de etinilestradiol, para evitar gestação, associada à baixa dose de levonorgestrel, para evitar o risco de trombose, deve ser a primeira escolha.64

O uso do progestínico isolado não mostrou aumento de casos de trombose em mulheres obesas e apresenta‐se como opção segura para essas pacientes.65 Os dispositivos intrauterinos também são opções viáveis para mulheres obesas. O DIU de LNG apresenta ainda a vantagem de proteção endometrial contra hiperplasia e câncer de endométrio, mais frequentes nessas pacientes.60

Diabetes

Os critérios de elegibilidade para o uso de ACO em mulheres diabéticas variam de acordo com a gravidade da doença, como doença vascular periférica (categorias 3/4), duração maior do que 20 anos de doença (categorias 3/4) e especificamente para mulheres com história de diabetes mellitus (DM) gestacional (categoria 1).48 Os ACO podem interferir no metabolismo dos carboidratos e acelerar a ocorrência de doença vascular em mulheres com diabetes.66,67

Felizmente, as combinações atuais não parecem causar tais efeitos em pacientes com diabetes tipo 1 (categoria 2).46,68 Embora os estudos não mostrem interferência no controle glicometabólico de pacientes diabéticas, o uso de ACO deve se aplicar somente às diabéticas não fumantes, menores de 35 anos, sem evidência de nefropatia ou retinopatia e/ou HAS, pois, teoricamente, essas pacientes apresentam risco aumentado de eventos vasculares.4,68–70 Os dados disponíveis sugerem que o uso de ACO não precipita o diabetes tipo 2. Já os contraceptivos somente de progestagênios podem estar associados ao risco de desenvolver a doença.46,70

O uso do anel vaginal não interfere na resistência insulínica, portanto apresenta‐se como opção adequada para contracepção em mulheres com risco de desenvolvimento de diabetes mellitus ou síndrome metabólica.67 Os dispositivos intrauterinos, T de cobre ou com LNG, são também seguros e eficazes em pacientes portadoras de diabetes tipo I ou II.71

Enxaqueca

Mulheres que apresentam enxaqueca com aura têm maior risco de AVE isquêmico trombótico.4,9 Entretanto, os estudos sobre uso de ACO em mulheres com enxaqueca não especificam o tipo de enxaqueca e mostram risco de AVE isquêmico aumentado em duas a três vezes para as usuárias de ACO.46 Assim, pacientes com enxaqueca não devem usar contraceptivos hormonais combinados (categorias 3/4),46,56 exceto aquelas com menos de 35 anos e com enxaqueca sem aura, não fumantes e sem outras doenças, desde que com supervisão adequada (categoria 1/2).3,46,72 Anticoncepcionais com progestínico isolado, DIU T de cobre ou DIU com LNG são opções adequadas para pacientes portadoras de enxaqueca com aura.73

Depressão

Os estudos sobre o uso de contraceptivos hormonais em mulheres com depressão são limitados, mas em geral não mostram efeito. Mulheres com desordens depressivas não aparentam experimentar pioria dos sintomas com o uso de contraceptivos hormonais (categoria 1).74,75

Infecção pelo HIV

Contraceptivos hormonais não parecem interferir no risco de se adquirir infecção pelo HIV (categoria 1).4,46 O uso de antirretrovirais pode afetar os níveis dos esteroides nas usuárias de ACO (categorias 1/2/3 do antirretroviral). Em pacientes que usam pílulas de progestínico isolado, esse efeito pode ser mais pronunciado (categorias 1/2/3, a depender do antirretroviral).46

Em mulheres soropositivas em uso do ritonavir (RTV), geralmente associado ao lopinavir (LPV), a contracepção de emergência deve ser feita com levonorgestrel exclusivo, por causa da redução significativa dos níveis séricos de etinilestradiol que ocorre no sistema microssomal hepático.

Lúpus eritematoso sistêmico

Estudos clínicos randomizados não mostraram aumento do risco de trombose em mulheres com lúpus eritematoso sistêmico (LES) usuárias de ACO, desde que apresentem doença leve a moderada e ausência de anticorpos antifosfolípides, o que indica que o uso de ACO é seguro nessas pacientes (categoria 2).4,76,77 Os efeitos negativos de uma gravidez não planejada em pacientes lúpicas podem ser devastadores e isso deve ser levado em consideração na indicação de contracepção. Entretanto, ACO devem ser evitados em mulheres com LES e história de doença vascular, nefrite ou anticorpos antifosfolípides (categoria 4).46,77

Distúrbio de coagulação

A TEV raramente acomete mulheres em idade reprodutiva e sua incidência aumenta com a idade. O uso de contraceptivos orais está associado a um aumento de três vezes na incidência de TEV. O risco parece ser proporcional à dose de estrogênio e ao tipo de progestágeno. O desogestrel e o gestodeno têm risco duas vezes menor comparado ao levonorgestrel.3

O risco de TEV associado às trombofilias é potencializado pelo uso de ACO. Mulheres heterozigotas para a mutação do fator V de Leiden usuárias de ACO têm risco cinco vezes maior do que as não usuárias.3,78 A mutação do fator V de Leiden é a causa hereditária mais comum de TEV, presente em cerca de 30% dos indivíduos acometidos, seguida pela mutação do gene da protrombina. Deficiências de antitrombina III, proteína C e proteína S são responsáveis por 10% a 15% dos casos de trombose familiar. Portadoras de mutação do fator V de Leiden têm risco 30 vezes maior de desenvolver trombose venosa profunda (TVP).78

O rastreamento de trombofilias antes de se prescrever ACO não se justifica, pois a incidência de todas as trombofilias na população geral é de 0,5%, com incidência baixa de trombose venosa. Apenas um terço das pacientes portadoras é detectado pelos exames disponíveis.5,78 Entretanto, em pacientes com história pessoal ou familiar de trombose, tal rastreamento deve ser feito.3

ACO não devem ser usados em pacientes com mutação no fator V de Leiden e deficiência de proteína C, S e antitrombina III, uma vez que aumentam significativamente o risco de tromboembolismo venoso (categoria 4).78 Entretanto, o risco de TVE durante a gestação nessas pacientes é maior do que o associado ao uso de contracepção hormonal. O uso do progestínico isolado não foi relacionado com aumento do risco de TVE e pode representar uma opção adequada para mulheres portadoras de trombofilias. Métodos de barreira ou dispositivos intrauterinos são também escolhas possíveis.79

Conclusão

Contracepção hormonal é uma proposta segura, eficaz e reversível de prevenir a gravidez e permite planejamento familiar adequado em mulheres com condições médicas especiais, já que possibilita programar uma gravidez para o momento oportuno quando as condições clínicas estiverem favoráveis. As diversas formulações e vias de administração disponíveis atualmente aumentam as opções da mulher e favorecem a adesão ao método.

Progestágenos de novas gerações têm sido desenvolvidos com dosagens cada vez menores, o que diminui substancialmente seus efeitos colaterais. Além dos seus efeitos contraceptivos, ACO diminuem a incidência de câncer de ovário e endométrio. O risco de IAM e AVE é baixo em mulheres em idade reprodutiva, porém apresenta risco aumentado em mulheres tabagistas acima de 35 anos e usuárias de ACO.

Apesar de não haver formulação sem efeitos colaterais, os riscos de uma gravidez não planejada, principalmente em mulheres com doenças crônicas, podem causar piores consequências. As pacientes devem ser individualizadas de acordo com suas condições clinicas para a escolha das melhores opções contraceptivas.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Selmo Geber e à turma de mestrado em redação de trabalhos científicos em tocoginecologia (UFMG).

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Trabalho desenvolvido na Maternidade Odete Valadares, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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