A criopreservação de oócitos contribuiu para o avanço das técnicas em reprodução humana nas últimas décadas. A metodologia tem sua aplicação na preservação da fertilidade, em programas de ovodoação, como estratégia para redução do número de embriões extranumerários criopreservados com manipulação de menor número de oócitos a fresco e para acúmulo de oócitos em ciclos com reduzida resposta ovariana. A partir do princípio de que todo cidadão tem direito a saúde, é dever do Estado garantir o acesso a todos os tipos de tratamento. O Centro de Referência da Saúde da Mulher – Hospital Pérola Byington implantou a técnica de vitrificação de oócitos em 2010, aprimora os protocolos continuamente e busca melhores taxas de sobrevida, fertilização, clivagem e gestação. Relatamos as duas primeiras gestações, com nascimento, obtidas a partir de oócitos vitrificados em nosso Centro, que comprovam a viabilidade da aplicação dessa técnica e oferecem, assim, atendimento ao público com equidade e gratuidade integral.
The oocytes cryopreservation contributed substantially to a breakthough in Assisted Human Reproduction techniques over the last three decades. The methodology has been applied in the fertility preservation, through oocyte donation programmes, as strategy to reduce the number of supernumerary embryos cryopreserved by manipulating the least amount of fresh oocytes, and in the accumulation of oocytes in cycles with poor ovarian responders. Assuming the principle that every citizen has the right to health, it is the duty of the State to ensure access to all types of treatment. The Woman's Health Reference Center ‐ Pérola Byington Hospital has implemented the technique of oocytes vitrification since 2010, and has been improving our protocol continuously: aiming at improvements in the rates of survival, fertilization, cleavage and pregnancy. We reported the first two pregnancies, infants live born after oocytes vitrification, at our Center, proving the feasibility of the oocytes vitrification protocol applied, offering service to the public with equity and no cost for the patient.
O primeiro nascimento reportado a partir de oócitos criopreservados foi descrito em 1986 pela técnica de congelamento lento.1 Desde então o sucesso era evidente, mas limitado, pois o grande tempo de exposição aos crioprotetores poderia causar toxicidade e danos celulares e comprometer a competência do desenvolvimento embrionário.2 Apesar de se obter um controle sobre as propriedades físicas do resfriamento, os oócitos eram expostos a temperaturas muito baixas e ficavam sujeitos à formação de cristais de gelo, o que poderia causar danos ao spindle meiótico3,4 e consequente aumento na incidência de aneuploidias. Estudos com oócitos descongelados após congelamento lento proporcionam taxas de gravidez por ciclo, de 22 a 25%.5,6 A necessidade de melhorar esses resultados culminou com a busca de novas metodologias, com as consequentes ascendência e aperfeiçoamento da técnica de vitrificação.7–10
A vitrificação foi originalmente descrita em embriões de camundongos em 1985,11 conceituada pela solidificação de uma solução sob temperaturas muito baixas e um resfriamento muito rápido sem a formação de cristais de gelo.12 O rápido resfriamento não permite o controle sobre as propriedades físicas, exige altas concentrações de crioprotetores, promove um aumento da viscosidade e atinge o assim chamado estado vítreo.13 Enquanto os protocolos de congelamento lento exigiam concentrações de crioprotetores em média de 1 a 1,5M, os de vitrificação exigem em média de 5 a 6,8M, o que pode causar danos e toxicidade celular, problema contornado com a diminuição no volume de crioprotetor usado no sistema de armazenamento. Vários dispositivos para armazenamento dos oócitos foram estudados com volumes que variaram de 25,0 a 0,1μL. Aqueles com menor volume apresentaram melhores taxas de sobrevida.14 Estudos subsequentes descreveram resultados próximos àqueles obtidos em ciclos de fertilização in vitro (FIV) a fresco.15 Alguns resultados de estudos randomizados relataram melhores taxas na vitrificação quando comparadas com o congelamento lento. Em média observamos taxas de sobrevida de 85,5% versus 62,5%, taxas de fertilização de 72,57% versus 64%, taxas de clivagem de 81% versus 62,5% e taxas de gravidez de 32% versus 12,3%.16–19 Atualmente a vitrificação é praticada preferencialmente ao congelamento lento.
O Centro de Referência da Saúde da Mulher – Hospital Pérola Byington oferece atendimento às mulheres nas especialidades de oncoginecologia e reprodução humana. Em 2010, introduzimos a técnica de vitrificação de oócitos como uma importante ferramenta associada ao tratamento das pacientes oncológicas, para a preservação da fertilidade dessas mulheres.20–22 Posteriormente também passou a ser aplicado no gerenciamento do número de embriões extranumerários criopreservados.23 De rotina, adotamos fazer FIV em até oito oócitos maduros, número definido pela média das taxas históricas de clivagem do nosso Centro até 2010, o que permite com segurança vitrificarmos os oócitos excedentes. Dessa forma, conseguimos evitar excesso de embriões criopreservados que representam problemática para armazenamento e manutenção, além das questões éticas envolvidas. Os protocolos inicialmente adotados foram baseados nas recomendações da Irvine Scientific®, fabricante dos meios para vitrificação adquiridos em nosso Centro. Para definir o método de armazenamento dos oócitos consideramos os fatores microbiológicos, legais, éticos, operacionais e de melhor custo‐benefício. Posteriormente, foram feitas várias adequações durante o processo de validação do protocolo de vitrificação até alcançarmos o sucesso da técnica e obtermos gestação com nascimento em dois casos, relatados a seguir.
Descrição de casosCasal 1RASM, 25 anos, com infertilidade secundária havia cinco anos, com salpingectomia direita por ectópica e fator tubário à esquerda, parceiro com leve teratozoospermia, 88 milhões de espermatozoides/ml no ejaculado e motilidade progressiva de 73%, foi indicada para FIV. Contabilizados 14 folículos antrais no início do ciclo. Segundo protocolo do serviço, foi feito bloqueio hipofisário com agonista do GnRH e estimulação com FSHr.24 Quando 50% dos folículos atingiram tamanho maior ou igual a 16 mm e pelo menos um igual a 18mm, administraram‐se 5.000 UI de hCG. Ao término do estímulo, evidenciaram‐se 16 folículos acima de 16mm.
Foram captados 21 oócitos, foi feita FIV clássica em oito. Desnudamos os 13 oócitos restantes, com nove em metáfases II (MII), que foram vitrificados, conforme descrito adiante. Como resultado de FIV nos oócitos a fresco, obtivemos 75% de fertilização e 100% de clivagem, foram transferidos dois embriões sem gestação. Em ciclo posterior, aquecemos os nove oócitos, com taxa de sobrevida de 100%, e após injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI) obtivemos 67% de fertilização e 100% de clivagem. Foram transferidos dois embriões provenientes dos oócitos descongelados, o que resultou em gravidez de embrião único, com nascimento por cesárea, de um RN do sexo feminino, com 3.200g e 51cm, em 38 4/7 semanas.
Casal 2JKS, 26 anos, com cinco anos de infertilidade primária, parceiro com oligoastenospermia, 0,40 milhão de espermatozoides/ml no ejaculado e 100% de espermatozoides imóveis, foi indicada para ICSI. O estímulo ovariano foi semelhante ao do casal anterior, resultou em 20 oócitos maduros (MII), dos quais seis foram doados para o programa de ovodoação, oito submetidos à ICSI e seis vitrificados.
As taxas de fertilização e clivagem do ciclo a fresco foram de 33% e 100%, respectivamente. Dois embriões obtidos foram vitrificados pelo risco da síndrome de hiperestímulo ovariano, mas sua transferência em ciclo subsequente não resultou em gestação. Posteriormente, iniciamos o preparo endometrial para a transferência dos embriões oriundos dos seis oócitos vitrificados. As taxas de sobrevida, fertilização e clivagem foram de 67%, 75% e 100%, foram transferidos dois embriões, que resultaram em feto único, com nascimento por cesárea, de um RN do sexo feminino, com 3.010g e 46cm a 38 semanas de gestação.
Os kits e os protocolos de vitrificação e aquecimento usados foram o Vitrification e o Thaw Kit da Irvine Scientific®. Na vitrificação, os oócitos foram depositados em solução de equilíbrio (ES) no total de 15 minutos e em seguida lavados em solução de
vitrificação (VS) durante um minuto, dispostos em uma palheta de vitrificação HSV (Cryo Bio System) e imersos em nitrogênio líquido.
No aquecimento, as palhetas HSV foram mergulhadas em 0,5ml de solução de aquecimento (TS) por um minuto, os oócitos transferidos para a solução de diluição (DS) por quatro minutos, posteriormente transportados para a solução mista (MS) por um minuto e, em seguida, para a solução de lavagem (WS) por seis minutos. Finalmente incubamos os oócitos em meio Single Step Mediun (Irvine Scientific Inc), suplementado com Serum Substitute Suplement a 20%.
DiscussãoO presente artigo relata os primeiros dois casos de vitrificação‐aquecimento de oócitos que resultaram em gestações com nascimento, o que demonstra o potencial de nossa instituição de oferecer com qualidade uma das mais novas e promissoras estratégias no tratamento e na preservação da fertilidade.25,26
Iniciamos a validação da técnica de vitrificação de oócitos em 2010, fizemos várias alterações do protocolo original até alcançar os resultados adequados. Primeiramente, usamos a palheta Cryotip (Irvine Scientific®) e obtivemos taxas de sobrevida, fertilização e clivagem respectivamente de 38,4%, 26,1% e 39,1%. Com base nas taxas de sobrevida relatadas na literatura internacional com o uso de palhetas com sistema aberto,27 optamos em 2014 por substituir a Cryotip pela palheta High Security Vitrification (HSV – Cryo Bio System®) e alcançamos melhores taxas de sobrevida, fertilização e clivagem, respectivamente de 79,5%, 48,6% e 81,8%. Apesar das críticas a esse tipo de sistema, pelo risco de contaminação, seu uso é indicado no guideline de 2013da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva.28,29
As taxas de sobrevivência dos oócitos descongelados relatados nos casos 1 e 2 foram de 100% e 67% e as de fertilização foram de 67% e 75%, respectivamente. As taxas de clivagem foram de 100% nos dois casos. Esses dados são próximos de trabalhos de vanguarda da literatura nos quais foram observadas taxas de sobrevida de 83% a 97%, taxas de fertilização de 73% a 84% e de clivagem de 93% a 96%.30–33
Esses dados, com os casos relatados neste artigo, comprovam a eficiência do nosso programa de criopreservação, cumprem nosso dever de garantir o acesso da população33 a essa importante ferramenta no tratamento e na preservação da fertilidade com qualidade e resultado.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
A toda a equipe da Gerência de Reprodução Humana, do Centro de Referência da Saúde da Mulher, a todos os colaboradores do Laboratório de Reprodução Assistida, Administrativo e Enfermagem.