O câncer não é incomum nem incurável: 85% dos doentes com menos de 45 anos diagnosticados nos EUA em 2002 sobreviveram mais de 10 anos. As maiores taxas de sobrevivência verificam‐se nos doentes jovens com câncer da mama, testicular e hematológico. Contudo, é para tratar estes tumores que são usados os fármacos mais gonadotóxicos, assim como doenças hematológicas e autoimunes também requerem terapêuticas potencialmente lesivas para as gônadas para o seu controle. O comité ético da Sociedade Americana de Medicina da Reprodução considera que “existem fortes argumentos para a preservação da fertilidade em doentes jovens com cânceres tratáveis”. Cabe ao médico assistente (oncologista, hematologista, cirurgião, internista) decidir o tratamento do paciente e considerar: o risco de falência ovárica/testicular; o prognóstico e o timing para iniciar tratamentos. Por outro lado, ao especialista em medicina da reprodução cabe desenvolver estratégias para preservar gâmetas/embriões de acordo com idade, tempo disponível até início do tratamento, tipo de câncer, status marital e risco de infertilidade com a terapêutica proposta. A colaboração contínua entre esses especialistas, incluindo os doentes e os parceiros, é a chave para a tomada de decisões que permitam a preservação da função reprodutiva após controle da doença de base.
Cancer is not unusual neither incurable: in USA 85% of patients under 45 years diagnosed in 2002 survived more than 10 years. The highest survival rates occur in young patients with breast, testicular and hematologic cancer. However, these tumors are treated with drugs wich most affect fertility and there is evidence that the discussion of preserving fertility is of great importance. Moreover, hematologic and autoimmune diseases may also require the use of potentially gonadotoxic drugs for their control. The ethics committee of the American Society for Reproductive Medicine believes that “there are strong arguments for the preservation of fertility in young patients with treatable cancers”. It is up to the physician (oncologist, hematologist, surgeon, internist) to decide the best treatment to the patient evaluating the risk of ovarian/testicular failure; the prognosis and the timing to start treatments. Moreover, the specialist in reproductive medicine should develop strategies to preserve gametes/embryos according to: age; time to treatment; type of cancer; marital status and risk of infertility, with the proposed therapy. The ongoing collaboration between these specialists, including patients and partners in the discussion, is the key to making decisions that allow the preservation of reproductive function after control of the primary disease.
A falência ovárica iatrogênica é induzida por agentes citotóxicos agressivos necessários para o controle de doenças malignas ou autoimunes e pela ooforectomia bilateral por indicações benignas ou malignas.1 Os tratamentos com drogas gonadotóxicas ou radioterapia pélvica têm o potencial de acelerar a atrésia folicular e expôr essas doentes a um risco significativo de falência ovárica.
Os avanços na deteção precoce e no tratamento oncológico oferecem ao paciente em idade reprodutiva uma probabilidade significativa de cura. Dessa forma, questões como a qualidade de vida em longo prazo da qual fazem parte a fertilidade futura devem ser parte integrante dos cuidados oncológicos. A preservação da fertilidade é frequentemente possível e deverá ser abordada de forma precoce, uma vez que quanto maior o tempo disponível antes do início da terapêutica, maiores serão as opções e probabilidade de sucesso. A discussão da preservação da fertilidade em doentes oncológicos, ou submetidos a terapêuticas gonadotóxicas, em idade reprodutiva, deverá primar pela multidisciplinaridade: oncologistas, ginecologistas, cirurgiões, urologistas, hematologistas, embriologistas, equipe de enfermagem e psicólogo. Pacientes que não pretendam atrasar o tratamento, mulheres na pós‐menopausa e pacientes com doença terminal não serão candidatos.
ObjetivoAvaliar o atual estado da arte na preservação da fertilidade em doentes oncológicos ou sob terapêutica gonadotóxica.
MétodosRevisão sistemática de literatura científica por meio da PubMed, Ovid e Medline. Foram selecionados 46 artigos para revisão, publicados entre 1977 e 2015, em português e inglês, incluindo apenas estudos feitos em seres humanos.
Infertilidade associada a antineoplásicos e radiação pélvicaAs pacientes deverão ser submetidas a uma avaliação da fertilidade previamente ao início do tratamento, que deverá incluir avaliação da função ovárica através do doseamento de FSH, estradiol, hormônio anti‐Mülleriano (AMH) e uma avaliação ecográfica com contagem folicular estimada.
Os tratamentos oncológicos prejudicam a fertilidade não só pela remoção cirúrgica de órgãos reprodutivos como também por afetar, através da quimoterapia/radioterapia, a função ovárica. Quer os fármacos citotóxicos, quer a radiação ionizante podem inibir a divisão celular e o funcionamento correto do DNA e provocar o dano, muitas vezes irreversível, dos folículos.
A radioterapia usada para cânceres cervicais ou retais, para a irradiação dos gânglios pélvicos em pacientes com linfomas ou a irradiação corporal total prévia a transplante medular expõem os ovários a altas doses de radiação2. A dose total estimada de radiação necessária para aumentar o risco de falência ovárica precoce situa‐se nos 20Gy. Essa dose é potencialmente menor em mulheres com mais de 35 anos.2 Estima‐se que uma dose de 20‐35Gy causa infertilidade em 22% dos doentes e acima de 35Gy em 32%.3 A radioterapia pélvica exerce também o seu efeito no útero e é responsável por alterações endometriais.4
A quimioterapia afetará a capacidade reprodutiva da mulher quanto menor for a sua reserva ovárica.2 As pacientes com maior risco de toxicidade ovárica são as que requerem tratamento com agentes alquilantes como a ciclofosfamida. Numa análise de mais de 2.500 pacientes tratadas para câncer de mama com múltiplos ciclos de agentes alquilantes, como a ciclofosfamida/metotrexato/5‐fluoracilo, o risco de amenorreia foi de 40% em mulheres com menos de 40 anos e 76% em mulheres com mais de 41 anos.5 O tratamento com regimes baseados em antraciclinas como a doxorrubicina/ciclofosfamida permite diminuir a dose de ciclofosfamida e o risco de falência ovárica precoce.6 O impacto na fertilidade com o uso de taxanos, trastuzumab e bevacizumab não foi ainda avaliado de forma rigorosa.7
Em um estudo, todas as mulheres com mais de 40 anos ficaram em amenorreia com pelo menos 5,2g de ciclofosfamida, enquanto a dose requerida para causar amenorreia em uma mulher mais jovem foi 9,5g.8 O diagnóstico de falência ovárica precoce é dado pela amenorreia associada a dois valores FSH compatíveis com menopausa, com intervalo de 1 mês (tabela 1).
Risco de falência ovárica prematura de acordo com dose de radioterapia e fármacos usados, adaptado.9,10
Risco de falência ovárica prematura | ||
---|---|---|
Risco elevado (> 80%) | Irradiação corporal total ou radiação direta sobre a pelve QT para transplante de medula óssea Doença de Hodgkin Sarcoma (doença metastática) Cancro da mama | Ciclofosfamida Ifosfamida Clormetina Bussulfano Melfalano Procarbazina Clorambucil |
Risco moderado | Leucemia mieloblástica aguda Osteossarcoma ou sarcoma de Ewing Hepatoblastoma Linfoma não Hodgkin ou doença de Hodgkin Tumor cerebral: irradiação superior a 24Gy | Cisplatina Carboplatino Doxorrubicina |
Risco baixo (< 20%) | Leucemia linfoblástica aguda Tumor de Willms Sarcoma (estádio 1) Tumores de células germinativas (sem radioterapia) Retinoblastoma Tumor cerebral: irradiação inferior a 24Gy | Vincristina Metotrexato Dactinomicina Bleomicina Mercaptopurina Vimblastina |
Os cânceres e as terapêuticas oncológicas variam na sua probabilidade de causar infertilidade. Fatores individuais como a idade, o tipo de tratamento e a dosagem e a existência de tratamentos de fertilidade prévios devem ser considerados no aconselhamento e informação aos doentes. Na mulher, as doenças malignas mais comuns que ocorrem durante a puberdade, adolescência e idade reprodutiva e que requerem tratamento citotóxico são as leucemias e os linfomas, neoplasia da mama e do colo do útero, sarcomas, tumores cerebrais, neoplasia renal e óssea.11
Por outro lado, as doenças autoimunes e hematológicas que mais frequentemente requerem terapêutica semelhante são a artrite reumatoide, o lúpus eritematoso sistêmico,12 a drepanocitose, a talassemia major e a anemia aplásica.13
No âmbito das neoplasias hematológicas, os doentes que apresentem mau estado geral não deverão adiar a terapêutica. Nas pacientes leucêmicas, mesmo que sejam elegíveis para criopreservação de tecido ovárico, existe sempre a preocupação de reintroduzir células malignas no autotransplante posterior. São assim boas candidatas à administração de agonistas GnRH, de forma a inibir a ovulação durante a quimoterapia, dado que as opções de preservação da fertilidade são limitadas.14 As pacientes com linfomas são melhores candidatas às técnicas de preservação da fertilidade.14
No que diz respeito ao câncer da mama, cerca de uma em cada 228 mulheres irá desenvolver essa neoplasia por volta dos 40 anos.15 Os avanços no seu tratamento, incluindo o diagnóstico precoce e a quimioterapia agressiva, melhoraram significativamente a esperança média de vida. A amenorreia permanente nessas mulheres situa‐se entre os 33 e os 76%.5,6 Dos cerca de 50Gy de radiação geralmente usados, apenas 2,1‐7,6Gy atingem o útero, dose essa que é consideravelmente menor do que a necessária para causar falência ovárica precoce ou danos endometriais.16 Em relação à hormonoterapia com tamoxifeno, esse não está tipicamente associado à cessação da ovulação, em doses elevadas poderá mesmo induzi‐la. A amenorreia induzida pelo tamoxifeno é na maioria dos casos reversível e temporária, quando usado em mulheres jovens.2 Com a evidência recente do benefício da hormonoterapia durante dez anos no câncer da mama com receptores de estrogênio e progesterona, um grande número de mulheres vai ter a sua fertilidade comprometida aquando do término da mesma.7
Apesar disso, não há ainda estudos prospetivos ou de evidência nível I que sugiram que o uso de tamoxifeno não possa ser adiado ou temporariamente interrompido para permitir a ocorrência de uma gravidez, sem prejuízo da sobrevida da mulher.2
Coloca‐se, ainda, nessas doentes, a importante questão da possível origem da doença numa mutação genética. O risco médio durante a vida de uma mulher portadora da mutação do gene BRCA1 ou BRCA2 de ter câncer da mama situa‐se nos 80% e de câncer do ovário nos 40%.3
Barreiras na abordagem da preservação da fertilidade e informação ao doente: papel do oncologista e do especialista em medicina da reproduçãoDe um modo geral, as doentes ignoram a potencial perda de fertilidade. Cerca de 50% das sobreviventes de câncer da mama referem que não receberam informação suficiente para tomar decisões relativamente ao futuro da sua vida reprodutiva.17 Além disso, sentem‐se extremamente angustiados pelo diagnóstico de uma doença grave e receiam que ao tentar estratégias para hipoteticamente serem pais no futuro atrasem tratamentos e piorem as suas chances de sobrevida. Assim, a American Society of Clinical Oncology recomenda que se referencie sempre para medicina reprodutiva o mais precocemente possível e antes de iniciar tratamento todos os doentes que expressem desejo de preservação de fertilidade ou estejam ambivalentes.18
Métodos de preservação da fertilidade na mulherDe um modo genérico, existem três formas de preservação da fertilidade feminina:
- A.
tratamento cirúrgico conservador de neoplasia ginecológica;
- B.
proteção ovárica cirúrgica e não cirúrgica;
- C.
uso de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA).
A. Cirurgia conservadora
O câncer do colo é a neoplasia ginecológica mais frequentemente diagnosticada em idade reprodutiva, seguida pelo câncer do ovário e endométrio, antes dos 45 anos.19 A cirurgia conservadora depende naturalmente do tipo histológico do tumor e do seu estadio, para qualquer um dos cânceres ginecológicos. A traquelectomia radical no câncer cervical poderá ser considerada em estádios 1A ou 1B1, assim como a anexectomia unilateral com eventual linfadenectomia em tumores borderline do ovário, tumores epiteliais invasivos bem diferenciados estádios 1A ou 1B ou tumores do ovário de células germinativas.20 No adenocarcinoma do endométrio G1 estádio IA a terapêutica com progestativos tem mostrado remissões completas em cerca 55% dos casos19 e pode ser considerada uma forma de tratamento oncológico conservador temporário para possibilidade de conceção, apesar de serem reportadas recorrência em 24% dessas doentes.21 As pacientes devem ser esclarecidas de eventuais riscos e da necessidade de acompanhamento oncológico rigoroso.
B. Proteção ovárica
Cirúrgica – Ooforopexia
A ooforopexia pode ser oferecida a pacientes antes da radioterapia pélvica, nos linfomas de Hodgkin, na neoplasia cervical e vaginal e nos sarcomas pélvicos.22 Pode ser feita por laparotomia ou laparoscopia. Os ovários são fixados para fora do campo de irradiação.23
Podem também ser transpostos e fixados nas goteiras parietocólicas, pelo menos 3cm acima do campo da radioterapia, com colocação de clipes metálicos para serem imagiologicamente identificáveis.19 Pelo risco de remigração dos ovários, esse procedimento deverá ser feito o mais próximo possível do início da radioterapia. A probabilidade de sucesso é estimada em 50% devido à alteração da vascularização e eventual dispersão da radiação, mas uma revisão recente demonstrou que a função ovárica é preservada em cerca de 88,6% abaixo dos 40 anos.23
Não cirúrgica – Supressão ovárica com agonistas GnRH
Os análogos GnRH atuam na hipófise inibindo de forma reversível, a secreção de gonadotrofinas com consequente supressão ovárica tornando os ovários, hipoteticamente, menos sensíveis à terapêutica gonadotóxica. Atualmente é controversa a segurança e eficácia na sua utilização como forma de preservação da fertilidade.18 Se considerada, a administração de GnRH deve ser realizada pelo menos uma semana antes do inicio da quimioterapia.24 Têm como efeitos secundários a sintomatologia vasomotora e a perda de massa óssea.7
C. Uso de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA)
Criopreservação de embriões
A opção de preservação da fertilidade cientificamente mais bem estabelecida e com maior evidência de sucesso é a criopreservação de embriões. Após estimulação ovárica, procede‐se à punção e aspiração do líquido folicular para obtenção de ovócitos maduros. Procede‐se à sua fertilização com espermatozóides do parceiro e os embriões obtidos serão criopreservados. Após o término da terapêutica oncológica e no momento adequado, os embriões poderão ser transferidos. O início da quimioterapia é protelado de forma a permitir um ciclo de estimulação hormonal, o que poderá não ser adequado a todos os doentes.
Esse procedimento poderá ser questionado em mulheres com tumores hormonossensíveis. Durante a estimulação convencional, atingem‐se níveis suprafisiológicos de estradiol, há o risco potencial de estimulação hormonal das células tumorais.2 No entanto, a associação de letrozole ou tamoxifeno durante a estimulação permite manter o nível de estradiol em níveis semelhantes aos fisiológicos em mulheres com câncer da mama, sem evidência de recidiva tumoral.23
Teoricamente, a taxa de gravidez será semelhante à taxa de gravidez após transferência de embriões congelados em mulheres saudáveis, de acordo com a sua idade. Os embriões criopreservados têm uma boa taxa de sobrevivência após descongelados e uma taxa de criança nascida de 27,7% por embrião transferido25 sem aumento da taxa de malformações.23
Criopreservação de ovócitos
Apesar de a criopreservação de embriões ser um método de preservação da fertilidade bem estabelecido, requer que a paciente tenha um parceiro do sexo masculino. A criopreservação de ovócitos evita questões éticas, religiosas e eventuais questões legais relativamente à criopreservação de embriões.3 Após um debate extenso, a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva removeu a criopreservação de ovócitos da categoria de experimental.26 Está indicada sobretudo em pacientes que não poderão congelar embriões, sobretudo por não terem um estado conjugal definido ou por serem jovens.
Os principais métodos de criopreservação de ovócitos são a vitrificação e o congelamento lento. Uma metanálise publicado por Cil Pelin et al.27 em 2013 refere que todos os parâmetros de outcome favorável diminuíram com o aumento da idade das pacientes, independentemente do tipo de congelação de ovócitos. Houve, no entanto, uma probabilidade maior de nascido‐ vivo após vitrificação, em todas as idades. Se se considerar uma probabilidade razoável de conceção, os 36 anos parecem ser o ponto de corte que melhor descriminará entre o sucesso e a falha dos ciclos com criopreservação de ovócitos.27 Em dois estudos conduzidos em casais inférteis, a taxa de implantação com ovócitos criopreservados encontrava‐se entre os 14% e os 41% e a taxa de gravidez clínica, por transferência, entre os 36% e os 65%.28,29 Um importante preditor é, portanto, a idade do ovócito quando criopreservado. Em 2009, reportaram‐se mais de 900 crianças nascidas sem diferenças na taxa de anomalias congênitas.30 Está disponível uma ferramenta online que calcula a probabilidade de nascido‐vivo baseado na idade da doente quando da colheita de ovócitos, número de ovócitos obtido e tipo de congelação: http://www.i‐fertility.net/index.php/probability‐calc.31
Protocolos de estimulação
O regime de estimulação ovárica a usar será o mesmo quer se pretenda congelar embriões ou ovócitos maduros, maximizará as probabilidades de sucesso e não descurará dos riscos de síndrome de hiperestimulação ovárica. A doente sob contraceção oral, na fase lútea ou na fase folicular precoce, pode iniciar rapidamente a estimulação ovárica. O uso de protocolos random‐start permite o início da estimulação independentemente da altura do ciclo menstrual, com número de ovócitos obtidos e taxa de fertilização semelhantes em qualquer um dos protocolos.32
Maturação de tecido ovárico, folículos antrais e ovócitos, in vitroEsses procedimentos, considerados como experimentais, consistem na maturação in vitro de tecido ovárico, folículos e ovócitos, de forma sequencial, sem necessidade de estimulação ovárica, com o intuito de atingir ovócitos maduros o suficiente para que sejam submetidos à FIV/ICSI. São necessários mais estudos, de segurança e eficácia, para que sejam usados na prática clínica.23
Criopreservação de tecido ovárico
A criopreservação de tecido ovárico não requer estimulação hormonal33 e permite o início do tratamento oncológico de forma imediata, pode ser a única opção para adolescentes pré‐púberes ou mulheres com neoplasias agressivas.34
O tecido do córtex ovárico, rico em ovócitos, é removido, por laparoscopia ou laparotomia, parcial ou totalmente se for espetável altas doses de quimioterapia ou radiação pélvica. Se clinicamente aceitável, o ovário contralateral é deixado in situ.35 Após removido, o tecido ovárico pode ser congelado ou os ovócitos podem ser aspirados do mesmo e posteriormente criopreservados.36 Terminado o tratamento oncológico, o tecido cortical ovárico será reimplantado,2 porém com risco potencial de reintroduzir células tumorais na paciente. O desenvolvimento folicular ocorre geralmente quatro a cinco meses após o transplante, observa‐se uma variação de oito a 26 semanas.37 Atualmente esse procedimento deve apenas ser usado em centros com protocolos de investigação, apesar de já terem sido reportados cerca de 40 nascidos‐vivos.38
Métodos de preservação da fertilidade no homemNo homem com câncer do testículo ou neoplasias hematológicas foram demonstradas taxas significativamente mais elevadas de azoospermia prévia ao tratamento antineoplásico, pelo que parece haver um efeito negativo daqueles tipos de câncer na fertilidade.39 Os testículos são altamente suscetíveis aos efeitos tóxicos da quimioterapia que induzem lesão prolongada/permanente das células espermáticas primordiais. Aos homens com o diagnóstico de neoplasia testicular deve ser oferecida criopreservação de esperma previamente à orquiectomia.7 Existem três métodos de preservação da fertilidade masculina a considerar:
A. criopreservação de esperma,
B. supressão hormonal com agonistas GnRH,
C. criopreservação de tecido testicular
Criopreservação de esperma
A criopreservação de esperma é o método de preservação da fertilidade standard oferecido à maioria dos homens e deve ser feita previamente ao início da terapêutica gonadotóxica.14
Para os homens ou adolescentes que tenham dificuldade na obtenção de esperma pela masturbação, pode ser considerada a biópsia testicular.14 Essa preconiza a extração de tecido testicular que contenha esperma, com criopreservação posterior. É um procedimento eficaz e usado rotineiramente na prática clínica em homens com azoospermia.14
Supressão hormonal e criopreservação de tecido testicular
A supressão hormonal com agonistas GnRH no homem não é eficaz e a criopreservação de tecido testicular ou de espermatogônias ainda é experimental.14
Preservação da fertilidade em cânceres na infância e adolescênciaO diagnóstico de câncer durante a infância e adolescência é raro, relata‐se uma incidência americana de 20/100.000 indivíduos por ano. Com os avanços nas terapêuticas, reportam‐se taxas de sobrevida, aos cinco anos, de mais de 80%.40
O uso de métodos de preservação da fertilidade (criopreservação de gâmetas) em adolescentes menores pós‐púberes deverá ter o consentimento dos pais. A criopreservação de tecido ovárico é, neste momento, a única forma de criopreservar gâmetas femininos nessa faixa etária.14 Existem casos publicados de criopreservação de tecido ovárico e testicular em crianças na puberdade, ainda sem relatos de descendência viva.7
Preservação da fertilidade pelo uso de técnicas de técnicas de procriação medicamente assistida com gâmetas de doadores e adoçãoMulheres e homens que não possam ou não queiram criopreservar ovócitos, esperma ou embriões podem ainda considerar o banco de doação de ovócitos e esperma como opção à preservação da sua fertilidade.26,41 Quando o recurso a gâmetas dadores não for uma opção, a adoção será uma possibilidade.
Quando engravidar? Quais os riscos obstétricos? Qual o risco na descendência?No maior estudo feito para avaliar os resultados da gravidez após câncer na infância/adolescência, os autores não encontraram diferença relativamente às complicações da gravidez entre as mulheres previamente submetidas a terapêutica oncológica e os grupos controle.42 Não há evidência de aumento da taxa de recorrência ou metástase nas mulheres que engravidaram após terapêutica oncológica.3
Deverá ser feita uma avaliação pré‐concecional e um seguimento da função cardíaca em mulheres tratadas com antraciclinas devido ao aumento de risco de miocardiopatia e deterioração da contratilidade em mulheres com alterações prévias da fração de ejeção.
O timing ideal para a conceção espontânea é incerto, mas esperar pelo menos seis meses após término da quimioterapia é consensual. No entanto, recomenda‐se que a mulher possa tentar engravidar:3
- ‐
seis a 24 meses em mulheres com câncer da mama;
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após dois anos de vigilância e na ausência de recorrência, no câncer do ovário;
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após comprovado histologicamente a regressão tumoral no câncer do endométrio;
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logo após traquelectomia em mulheres com câncer do colo do útero.
Pacientes submetidos a tratamentos de quimioterapia/radioterapia na infância não têm risco acrescido de malformações congênitas ou alterações cromossômicas na descendência.43 Os dados disponíveis não mostram efeitos adversos da quimioterapia prévia no risco de aborto nem de morte fetal.43 No entanto, a gravidez em mulheres previamente submetidas a irradiação pélvica associa‐se a aumento de risco de aborto espontâneo, parto pré‐termo, restrição de crescimento fetal, baixo peso ao nascer, acretismo placentar e nascido‐morto.14 O risco depende da dose total da radiação, do local irradiado e da idade da mulher na altura da radiação, o útero pré‐pubertário é particularmente suscetível.43 A descendência dos sobreviventes não tem risco aumentado para neoplasia, a menos que a doença do progenitor se integre num síndrome hereditário.43
Implicações legais e psicosociaisNo que diz respeito às técnicas de PMA, a regulamentação é muito clara e qualquer dúvida que possa levantar questões éticas ou legais deverá ser reportada ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. A lei portuguesa não permite que uma mulher que não tenha parceiro recorra à criopreservação de embriões e em caso de morte da mãe os embriões poderão ser doados para casais inférteis ou para investigação médica, se previamente autorizado pelo casal, de outra forma serão destruídos. Em Portugal, nos casos de separação do casal antes da transferência de embriões, esses só poderão ser usados com a autorização de ambos os elementos do casal (Lei n°32/2006 de 26 de julho).43
ConclusõesO campo da preservação da fertilidade é relativamente novo, mas em desenvolvimento célere. Os métodos de preservação da fertilidade com maior probabilidade de sucesso e mais bem estabelecidos são a criopreservação de esperma, de ovócitos e de embriões, sem comprometer a probabilidade de sucesso do tratamento oncológico. Abordagens cirúrgicas conservadoras e a ooforopexia abdominal alta, prévia à radioterapia pélvica, podem também estar indicadas.
Vários estudos sugerem que o número de ovócitos obtidos, a proporção de ovócitos maturados e as taxas de fertilização não variaram quando todos os tipos de câncer foram considerados.44
Os dados são limitados, no entanto parece não haver aumento de risco detetável de recorrência da doença associada a métodos de preservação da fertilidade, mesmo em tumores hormonosensíveis. Para pacientes com cânceres familiares ou hereditários nos quais seja identificada a mutação em causa, pode haver um benefício adicional na criopreservação de embriões para diagnóstico genético pré‐implantatório.
Apesar de tudo, os métodos de preservação da fertilidade são aplicados de forma pouco frequente nos doentes oncológicos, o que limita o desenvolvimento dos conhecimentos nessa matéria.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.