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Vol. 30. Núm. 3.
Páginas 102-107 (septiembre - diciembre 2015)
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Vol. 30. Núm. 3.
Páginas 102-107 (septiembre - diciembre 2015)
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Prevenção de gestações não planejadas com implante subdérmico em mulheres da Cracolândia, São Paulo
Preventing unplanned pregnancies with subdermal etonogestrel implant in woman living in Cracolândia, São Paulo
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Luís Carlos Sakamotoa,
Autor para correspondencia
imagyn.lc@terra.com.br

Autor para correspondência.
, André Luiz Malavasia, Ana Lucia Karasinb, Rosana Chamlian Frajzingerb, Marcelo Ribeiro de Araújob, Luiz Henrique Gebrima
a Centro de Referência da Saúde da Mulher, Hospital Pérola Byington, São Paulo, SP, Brasil
b Centro de Referência para Álcool e Outras Drogas (Cratod), São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Relação das drogas consumidas e características do uso entre mulheres da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius
Tabela 2. Antecedentes sexuais entre mulheres usuárias de drogas da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius
Tabela 3. Ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis entre 54 mulheres usuárias de drogas da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius
Tabela 4. Antecedentes obstétricos entre mulheres usuárias de drogas da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius
Tabela 5. Custo com a inserção do implante subdérmico comparado com a estimativa de custo da gestação de baixo e de alto risco e respectivos recém‐nascidos para 101 mulheres atendidas, segundo tabela de valores do Sistema Único de Saúde
Tabela 6. Custos real e total estimados em valores de 2010da prevenção da gravidez não planejada em relação aos antecedentes obstétricos de mulheres usuárias de drogas da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius
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Resumo
Introdução

As drogas ilícitas promovem danos sociais e à saúde. Muitas mulheres que consomem drogas estão em situação de rua, trocam sexo para sua compra e não fazem contracepção adequada. Entre essas mulheres vulneráveis há aumento no risco de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e de gestações não planejadas, com consequente aumento de abortos e partos prematuros, além de efeitos sobre o recém‐nascido que, na sua maioria, tem como destino viver com parentes ou esperar por adoção em abrigos. A busca pela redução desses danos deve passar pela promoção de ações para uma maior integração social e de prevenção de gestações não planejadas por meio do implante de etonogestrel.

Objetivo

Usar o implante subdérmico de etonogestrel para a prevenção de gestação não planejada entre mulheres usuárias de drogas ilícitas e de redução de danos.

Método

Foram inseridos 106 implantes de etonogestrel em mulheres da Cracolândia, região central da cidade de São Paulo, onde foram colhidas informações na anamnese geral e específica em 101 usuárias de drogas ilícitas. Nessas foram feitos exames em 54 para diagnóstico de DST e de câncer de colo do útero.

Resultado

Entre as mulheres usuárias de drogas que fizeram a inserção do implante 41,6% usam o crack como droga de preferência e 48,5% fazem associação com álcool e 85,2% com o tabaco. Em relação à contracepção 36,7% das mulheres não usam qualquer método contraceptivo. Houve aumento na morbidade gestacional, 16,1% delas tiveram aborto e 20,6% filhos prematuros.

Conclusão

O implante subdérmico de etonogestrel é indicação precisa para a prevenção de gravidez não planejada entre mulheres usuárias de drogas, reduz o risco de morbidade gestacional e neonatal, além de promover redução no dano social.

Palavras‐chave:
Gravidez não planejada
Contraceptivos
Implantes de medicamento
Drogas ilícitas
Crack
Abstract
Introduction

Illicit drugs promote social and health harm. Many female illicit drug users live on the streets, exchanging sex to buy drugs leaving aside proper contraception methods. This situation facilitates the occurrence of sexually transmitted diseases (STD) and unplanned pregnancies among these women in such vulnerable conditions, causing an increase in abortion and premature birth as well as direct effects on the newborn, which often are abandoned or forced to live with relatives. The efforts to reduce such damages must involve the realization of activities that stimulate greater social inclusion, and prevent unplanned pregnancies through the etonogestrel implant.

Objective

Use the subdermal etonogestrel implant to prevent unplanned pregnancy among female illicit drug users as a mean of social inclusion and social damage control.

Method

The project applied 106 etonogestrel implants in women living in Cracolândia, central region of São Paulo, where information regarding general and specific history of 101 female drug users was collected. Also, from these 101 users, exams were performed in 54 women in order to diagnose STD and uterine cervix cancer.

Result

Among the 106 women who had implant insertion, 41.6% use crack as main drug, in which 48.5% associate the drug with alcohol and 85.2% with tobacco. Regarding contraception methods, 36.7% do not use any kind of contraceptive method. As for pregnancy conditions, an increase in gestational morbidity was stated, where 16.1% had abortion and 20.6% had premature deliveries.

Conclusion

The etonogestrel subdermal implant is a precise indication to prevent unplanned pregnancy among female drug users, because it reduces the risk of gestational and neonatal morbidity, promoting also a reduction in social damage.

Keywords:
Unplanned pregnancy
Contraceptive agents
Drug implants
Street drugs
Crack
Texto completo
Introdução

Dados atuais mostram crescente aumento de usuários de drogas ilícitas no mundo. No Brasil, há uma epidemia de usuários de crack com enormes repercussões sociais e econômicas. Estima‐se que 3% da população consomem drogas ilícitas, o que equivale a aproximadamente seis milhões de brasileiros.1 Pesquisa de 2014, feita em 26 capitais do país e no Distrito Federal, estimou que 0,81% das pessoas consomem regularmente crack e/ou similares (pasta‐base de coca, merla e oxi), o que representa cerca de 370 mil usuários ou 35% dos consumidores. O perfil dos usuários é de homens (78,7%), não brancos (80%), solteiros (60,6%) e 14% menores de 18 anos idade, o que representa aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso dessa substância.2

As mulheres, mesmo que representem 21,3% dos usuários, apresentam características de maior vulnerabilidade pelos riscos de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e gestações de alto risco não planejadas. Na faixa entre 18 e 24 anos elas correspondem a 37,4% dos consumidores, contra 29,7% dos homens.2 No Brasil, dados de 2010 referem que os gastos em serviços públicos com todas as causas de gestações não planejadas atingiram R$ 4,1 bilhões.3

Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que em 2000 aproximadamente 43 milhões de pessoas no mundo eram portadoras do vírus HIV ou estavam com Aids. A relação homem‐mulher, que no início era de 40:1, nessa época já atingia 1:1 em diversos locais do mundo.4 A prevalência de HIV na população brasileira usuária de crack é de 5%, aproximadamente oito vezes a prevalência de HIV estimada para a população geral.2

O objetivo deste estudo é avaliar o uso do implante subdérmico de etonogestrel na prevenção da gestação não planejada entre mulheres usuárias de drogas ilícitas e promover ações para o diagnóstico e prevenção de DST e câncer de colo do útero como forma de inclusão social.

Método

O Centro de Referência da Saúde da Mulher, Hospital Pérola Byington, em parceria com o Centro de Referência para Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), desenvolve desde 2014, o projeto Gravius, voltado para a prevenção de gravidez não planejada por meio do uso do implante subdérmico de etonogestrel, prevenção de câncer do colo do útero, diagnóstico e tratamento de DST entre as mulheres usuárias de drogas.

As mulheres usuárias de drogas da região conhecida como Cracolândia são selecionadas pelo Cratod e encaminhadas ao Hospital Pérola Byington, de modo voluntário, para exames voltados para a prevenção do câncer do colo do útero, diagnóstico e tratamento de DST e contracepção por meio do implante subdérmico de etonogestrel.

Na consulta, são novamente apresentados todos os métodos contraceptivos disponíveis. As mulheres são submetidas a anamnese, exame físico geral, ginecológico e das mamas, coleta de secreção vaginal para detecção de clamídia e gonococo e de material para Papanicolau. Também são colhidas amostras de sangue para sorologia para hepatites B e C, HIV, sífilis e para exclusão de gravidez (beta‐hCG quantitativo). Após a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido é inserido o implante. No fim da consulta é reforçada a necessidade do uso de preservativos para a prevenção de DST e o fornecimento de medicações necessárias.

O implante usado é um contraceptivo subdérmico de longa duração, com tempo de uso de três anos, que contém 68mg de etonogestrel (Implanon®), com taxa de liberação no fim do primeiro ano de aproximadamente 35‐45μg/dia e, no fim do terceiro ano, de aproximadamente 25‐30μg/dia, com eficácia maior do que 99% (taxa de falha de 0,05%).

Após seleção de 118 mulheres e exclusão de 12 delas, 11 desistiram de usar o implante no dia da consulta (uma delas desejava engravidar) e uma por não cooperar em responder à anamnese de modo espontâneo, foram incluídas 106 mulheres para uso do implante. As indicações foram para duas dependentes de tabaco e idade acima de 35 anos, três dependentes de álcool e 101 usuárias de drogas ilícitas.

Foram coletadas informações sobre o consumo das drogas, como qual a droga preferida e se durante o seu uso usa álcool concomitantemente. Também foram coletadas informações sobre o hábito de fumar tabaco. A análise da morbidade que uma gestação não planejada pode promover entre as mulheres usuárias de drogas baseou‐se nos dados coletados em relação aos antecedentes sexuais (idade do primeiro coito, presença ou não de parceiro fixo e uso de métodos contraceptivos), antecedentes obstétricos (número de gestações, paridade e abortos) e antecedentes de DST.

O cálculo de redução dos custos da prevenção de gravidez não planejada foi baseado na tabela do Sistema Único de Saúde (Tabela SUS), por meio dos custos com o parto e com o recém‐nascido em gestações de baixo e de alto risco, assim como valores estimados de literatura 2010. Também foram considerados os custos com a inserção do implante.

Para a definição de danos causados pelo uso das drogas, foram considerados prejuízos físico, familiar, social, econômico e público. Somente foram incluídos os motivos envolvidos com os danos que estavam presentes nas informações de anamnese da ficha de atendimento.

Resultados

A idade média dessas mulheres foi de 26,5 anos com variação entre 18 e 42. Entre a lista das drogas consumidas pelas mulheres encaminhadas pelo Cratod, o crack foi o mais usado (41,6%). Durante o consumo das drogas, 49 mulheres referiram associação com diversos tipos de álcool (48,5%), tais como aguardente, vinho, rum e cerveja. O tabagismo é praticado por 85,1% delas, 68,6% fumam mais do que 15 cigarros por dia (tabela 1).

Tabela 1.

Relação das drogas consumidas e características do uso entre mulheres da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius

 
Droga preferida
Crack  42  41,6 
Maconha  27  26,7 
Cocaína  16  15,8 
Associação de drogas  6,9 
Nenhuma  8,9 
Uso com álcool
Sim  49  48,5 
Não  52  51,6 
Tabagismo
Menos de 15 cigarros/dia  27  26,7 
Mais de 15 cigarros/dia  59  58,4 
Não  15  14,8 

Quanto aos antecedentes sexuais, a média de idade do primeiro coito foi de 14,2 anos, com variação de 12‐21. Trinta e cinco mulheres relataram trocar sexo por droga (34,7%) e 58 referiram ter parceiro fixo (57,4%). Em relação ao uso de um método contraceptivo, 37 delas não usam método (36,6%) e 64 referiram usar algum (63,4%). O preservativo foi o método mais usado entre 39 mulheres (60,9%), seguido do acetato de medroxiprogesterona trimestral por 10 mulheres (15,6%), 11 em abstinência sexual (17,2%), sendo oito puérperas e três esperando pela saída do parceiro da prisão (tabela 2).

Tabela 2.

Antecedentes sexuais entre mulheres usuárias de drogas da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius

 
Troca sexo por droga
Sim  35  34,7 
Não  66  65,3 
Parceiro fixo atual
Sim  58  57,4 
Não  43  42,6 
Método contraceptivo atual
Preservativo  39  38,6 
Injetável trimestral  10  9,9 
Anticoncepcional hormonal oral  3,9 
Abstinência sexual  11  10,9 
Não usuária de método  37  36,7 

Em relação à situação atual ou passada de DST, com uma ou mais doenças associadas, 11 mulheres declararam sífilis (20,4%), três eram positivas para o HIV (6%) e uma para hepatite C (2%) (tabela 3).

Tabela 3.

Ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis entre 54 mulheres usuárias de drogas da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius

 
Sífilis  11  20,4 
HIV  9,2 
Hepatite C  1,8 

Quanto aos antecedentes obstétricos, encontraram‐se 348 gestações entre essas mulheres, equivalendo a 3,4 gestações/mulher. Foram 302 partos, sendo 296 nascidos‐vivos (2,9 filhos/mulher), seis óbitos fetais intrauterinos (1,7%) e 56 abortos (16,4%). Quanto à via de parto, relataram 229 partos normais (77,4%) e 67 cesáreas (22,6%). Foram declarados oito casos de gemelaridade (2,2%) e 61 recém‐nascidos prematuros (20,6%), conforme a tabela 4.

Tabela 4.

Antecedentes obstétricos entre mulheres usuárias de drogas da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius

  Relação  Indicador 
Gestação  348/101  3,4 gestações por mulher 
Nascidos vivos  296/101  2,9 nascidos vivos por mulher 
Tipo de parto
Normal  229/296 (77,4%)   
Cesárea  67/296 (22,6%)   
Intercorrências
Prematuridade  61/296 (20,6%)   
Aborto  56/348 (16,1%)   
Óbito fetal intrauterino  6/348 (1,7%)   

O custo total de aquisição e inserção do implante de etonogestrel para as 101 mulheres foi de R$ 60.993,30. A relação dos danos que o uso da droga promove, com prejuízos físico, familiar, social, econômico e público, está na figura 1.

Figura 1.

Relação de danos causados pelo uso de drogas.

(0.14MB).

A comparação de custos entre a inserção do implante subdérmico e a gestação de baixo e alto risco é apresentada na tabela 5.

Tabela 5.

Custo com a inserção do implante subdérmico comparado com a estimativa de custo da gestação de baixo e de alto risco e respectivos recém‐nascidos para 101 mulheres atendidas, segundo tabela de valores do Sistema Único de Saúde

Custo/paciente para inserção do implante subdérmico  Valor (em R$) 
Custo do implante subdérmico  600,00 
Consulta  6,30 
Total  603,00 
Custo para inserção em 101 pacientes  60.933,30 
Custo/paciente do parto normal e recém‐nascido (gestação de baixo risco)  Valor (em R$) 
Parto normal  443,40 
Atendimento ao recém‐nascido no parto  55,20 
Total  498,60 
Custo para atenção de 101 pacientes  50.358,60 
Custo/paciente do parto cesárea e recém‐nascido (gestação de alto risco)  Valor (em R$) 
Cesárea  890,94 
Atendimento ao recém‐nascido no parto  2.793,56 
Total  3.684,56 
Custo para atenção de 101 pacientes  372.140,56 

Os custos estimados com a prevenção da gravidez não planejada no grupo estudado em relação aos antecedentes obstétricos são apresentados na tabela 6.

Tabela 6.

Custos real e total estimados em valores de 2010da prevenção da gravidez não planejada em relação aos antecedentes obstétricos de mulheres usuárias de drogas da região da Cracolândia, São Paulo, atendidas pelo projeto Gravius

  Valor (R$)  Total (R$) 
Custo com parto normal, cesárea e atendimento ao recém‐nascido
Parto normal  235  443,40  104.199,00 
Cesárea  67  890,94  59.692,98 
Atendimento recém‐nascido  187  55,20  10.322,40 
Subtotal      171.214,38 
Custo com aborto e prematuro
Aborto  56  206,81  11.581,36 
Atendimento ao prematuro  61  2.793,92  170.429,12 
Subtotal      231.362,42 
Estimativa com a prevenção de 348 gestações não planejadas
Custo estimado com aborto, parto e recém‐nascido normal e prematuro      402.576,80 
Custos com a inserção de implante subdérmico      60.933,20 
Diferença      −341.643,50 
Discussão

No Brasil, entre os usuários de drogas ilícitas, 35% deles consomem crack e/ou pasta similar, sendo 21,3% de mulheres, muitas delas no auge da idade reprodutiva.2 As usuárias de drogas que participam do Projeto Gravius referem que o crack é a droga de preferência para 41,6% delas. Porém, muitas usam outras drogas associadas, de modo geral aquela que estiver mais facilmente disponível.

Entre as mulheres que usam o implante subdérmico, 48,5% e 85,1% usam o crack concomitante com álcool ou tabagismo, respectivamente. A associação com o álcool aumenta e prolonga a euforia durante seu consumo, diminui a disforia em períodos de abstinência e diminui o controle do consumo, o que determina problemas sociais e condutas violentas que levam a comportamentos de risco, a base de quadros clínicos de maior gravidade.5 Já o hábito de fumar serve como gatilho para o uso de crack, evidencia um papel facilitador da nicotina para o uso de cocaína e de crack.6

Muitas usuárias de drogas durante a fase reprodutiva apresentam dificuldades para a prevenção de gravidez não planejada, pois se apresentam em situações complexas que necessitam de importantes reflexões. Dados nacionais entre usuárias de crack mostram que 66,5% referem que fizeram sexo com parceiro fixo, 48,3% afirmam ter praticado sexo ou feito trabalho sexual em troca de dinheiro para comprar a droga e 39,5% informam não ter usado preservativo nas relações sexuais.2

Esse comportamento é motivado pelo consumo de álcool associado à droga que pode induzir a pessoa a esquecer ou não se importar de usar o preservativo.7 Das mulheres que usam o implante subdérmico, 34,7% trocam sexo por droga e muitas referem que não usam qualquer método para proteção contra gravidez. Por outro lado, mais da metade das usuárias (57,4%) refere parceiro fixo, pode ser um dos motivos para que 63,4% delas usem algum método contraceptivo, sendo o preservativo (60,9%) o mais usado. A alta prevalência do uso de preservativos sugere importante influência do serviço público da região, pois existe distribuição e orientação para seu uso como método contraceptivo e para prevenção das DST.

Pesquisa feita em Recife, em 2013, refere que usuários de crack apresentam elevada prevalência para sífilis e HIV, com índices de 22,4% e 5,4%, respectivamente. Porém, a prevalência de sífilis entre mulheres é três vezes maior do que entre homens. A mulher é mais vulnerável porque usa menos preservativos do que os homens, pela desigualdade de gênero historicamente desfavorável e violência doméstica e sexual, que dificultam sua autonomia para tomar decisões, incluindo a negociação do sexo protegido.7

Dados nacionais sobre HIV nessa população mostram que 8,2% das mulheres são portadoras do vírus, índice que nos homens é de 4,0%. Com relação à hepatite C, as mulheres e os homens representaram 2,2% e 2,7% dos infectados, respectivamente.2 Na população estudada, 20,4% das mulheres tinham sífilis e 9,2% HIV, o que determinou alta incidência de DST entre as usuárias de drogas, que, além da dificuldade no diagnóstico e no tratamento adequado em uma possível gravidez, podem causar maior risco de abortamentos, partos prematuros e de transmissão vertical da doença ao feto.

Quanto aos antecedentes obstétricos das usuárias de drogas da Cracolândia há uma alta taxa de fertilidade, com 3,4 gestações/mulher e 2,9 filhos vivos/mulher. Os dados nacionais de 2014 entre usuárias de crack também mostram elevados valores de gestações/mulher e nascimentos/mulher, sendo de 3,8 e 2,5, respectivamente.2 Já o número de gestações na população geral brasileira tem diminuído ao longo das últimas décadas, atualmente entre 1,8‐1,9 nascimento/mulher.8,9

Fato curioso observado e não encontrado na literatura diz respeito ao número de gestação gemelar entre essas mulheres, que ocorreu numa proporção de 1:43 gestações, duas vezes maior do que na população geral, que é de 1:80 gestações.10 Parece não existir por parte dessas mulheres preocupação de ter uma gravidez ou riscos envolvidos nela, assim como ter dificuldade para entender esses riscos, como possível complicação ao uso da droga. Assim, os altos índices de gestações e paridade entre essas mulheres, por si só, são fatores que aumentam a morbidade durante uma gravidez.

A descrição das causas para o aumento da morbidade de gravidez entre usuárias de drogas ainda é esporádica. A maioria das publicações aponta somente para causas biológicas, como aborto e descolamento prematuro de placenta, apesar das causas multifatoriais, nas quais o acompanhamento pré‐natal pode ser um fator protetor, embora a maioria delas não o faça.11

Em relação ao feto, as usuárias de drogas da Cracolândia apresentam maior incidência de prematuridade e de natimortos, com 20,6% e 1,7%, respectivamente. Na população geral, a taxa de prematuridade é de 7,8% e a incidência de natimortos não atinge 1%.3,12 Outras complicações são malformações, dentre elas microcefalia e defeitos de fechamento tubo neural, e restrição do crescimento intrauterino.11

Após o nascimento, o recém‐nascido ainda se depara com a síndrome de abstinência, ainda motivo de controvérsia. Nos Estados Unidos entre 2000 e 2009 houve aumento dessa incidência de quase três vezes, de 1,25 para 3,65 por 1.000 nascidos vivos, com custo por criança de U$ 53.400.13 No Brasil, os maiores gastos no serviço público com uma gestação não planejada são com os recém‐nascidos, representam 70% desse custo, atingem valores de R$ 2,84 bilhões.3

As drogas promovem danos em vários aspectos, com profundas repercussões na saúde, econômicas e sociais, muitas delas irreparáveis. Entre os danos à saúde, além da degradação física, intelectual e emocional, uma gravidez não planejada promove aumento de morbidade materna e neonatal e desestabiliza o envolvimento familiar, no qual somente os parentes mais próximos assumem as crianças à custa de grande sacrifício, até financeiro. Quando essas crianças não são assumidas pelos parentes, a responsabilidade recai sobre a sociedade, pois muitas são abandonadas ou levadas para abrigos com a interferência do Poder Judiciário, por meio da mudança na guarda e futura adoção.

A Comissão da Infância e Juventude do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) relatou que em junho de 2013, entre os 45.600 abrigados existentes no país com até 18 anos, as razões mais frequentes do acolhimento foram por pais ou responsáveis dependentes químicos e de álcool (81%). Apesar de a maioria dessas crianças ter família, 77% não receberam qualquer visita.14 Outro motivo para a separação de mãe e filho diz respeito ao fato de que 39% dos usuários de crack no Brasil se encontram em situação de rua.2

Neste estudo, o custo total de aquisição e inserção do implante subdérmico de etonogestrel para 101 mulheres foi de R$ 60.933,30, com duração de três anos. Como o custo de uma gestação de alto risco é de R$ 3.684,56, para as 101 mulheres seria de R$ 372.140,56 ou R$ 552.684,00 para 50 mulheres por três anos (tabela 5).

Em relação às dificuldades encontradas no projeto Gravius, a mais importante diz respeito ao próprio implante subdérmico, ainda visto com desconfiança, pois as usuárias referem‐se a ele como “o chip” para possível rastreamento delas. Duas outras situações encontradas também devem ser consideradas: “o momento”, isto é, precisa ser naquele instante, pois se for mais tarde ou em outro dia a mesma deixa de querer usar o método; e a impaciência dessas mulheres devido à droga pelo tempo gasto durante o atendimento. Porém, mais da metade das usuárias de drogas aceitou ser examinada, assim como fornecer material para exames específicos do projeto.

Finalmente, algumas ações foram feitas junto ao Programa Recomeço, promovido em conjunto pela Secretária da Saúde e pela Secretaria de Ação Social do Governo do Estado de São Paulo, para promover maior integração de ações com esses projetos, tais como reconhecimento da população‐alvo, da região onde habita e/ou costuma consumir a droga, habilitação dos agentes de saúde (conselheiros) na orientação de métodos contraceptivos e dos riscos que uma gravidez não planejada determina e uma maior integração com os setores envolvidos no Cratod para a divulgação do projeto entre esses profissionais.

Conclusão

O uso de implante subdérmico de etonogestrel representa indicação precisa para prevenção de gravidez não planejada em mulheres usuárias de drogas e, por meio do projeto Gravius, reduz danos, promove maior integração de ações e determina resgate da autoestima dessa população.

Conflitos de interesse

Luís Carlos Sakamoto é consultor dos laboratórios Bayer, Abbott, Genon e MSD. Os outros autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Estudo conduzido no Centro de Referência da Saúde da Mulher, Hospital Pérola Byington, São Paulo, SP, Brasil.

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