A tomografia de coerência óptica (TCO) pode fornecer informações essenciais sobre imagens de angiografia coronária pouco claras. Em documentos de consenso atuais de interpretação de imagem de TCO, o cálcio é geralmente descrito como uma região de sinal óptico de baixa intensidade ou heterogêneo, com uma borda bem delineada, que pode ter características atípicas, como a que caracteriza o nódulo calcificado. Neste caso, um paciente estável apresentava uma imagem angiográfica intracoronária nebulosa. A imagem da TCO mostrava uma lesão convexa protuberante de aparência estranha, com bordas irregulares e alta atenuação, provavelmente relacionada a um nódulo calcificado. A lesão tinha uma relação complexa com a origem da artéria circunflexa, o que foi melhor compreendida após a reconstrução tridimensional.
Optical coherence tomography (OCT) can provide essential information on unclear coronary angiography images. In current consensus documents of OCT imaging interpretation, calcium is usually described as a signal‐poor or heterogeneous region with a sharply delineated border, but it may have atypical features, such as the proposed “calcified nodule” entity. In this case, a stable patient presented a hazy intracoronary angiographic image. OCT imaging showed an odd‐looking convex, protruding lesion with irregular borders and high attenuation likely related to a calcified nodule. The lesion had a complex relation to the left circumflex artery take‐off, which was better understood after three‐dimensional reconstruction.
A tomografia de coerência óptica (TCO) é uma valiosa ferramenta para a avaliação in vivo de características morfológicas de achados intracoronarianos pouco claros na angiografia. Assim, ela pode fornecer informações cruciais para orientar as decisões de tratamento. Algumas características ópticas estão associadas com diferentes componentes da placa, como tecido fibroso, lípides e cálcio. O cálcio é geralmente descrito como uma região de sinal ruim ou heterogêneo, com uma borda bem delineada.1 Outras imagens propostas relacionadas com o cálcio incluem pequenas calcificações pontuais, grandes arcos superficiais calcificados (ambos associados com instabilidade da placa)2,3 e grandes lesões protuberantes com sinal hiperintenso na borda e alta atenuação, assemelhando‐se a trombo vermelho, mas em pacientes estáveis.4
Relato de casoApresentamos o caso de um paciente do sexo masculino de 83 anos de idade encaminhado para a angiografia coronária durante avaliação para uma substituição da válvula aórtica, devido à estenose aórtica grave. Ele não apresentava angina, e nem quaisquer outros sintomas, com exceção de falta de ar, atribuível à estenose aórtica. Ele tinha um histórico de intervenção coronária percutânea (ICP) no tronco da coronária esquerda (TCE), artéria descendente anterior (ADA) e artéria coronária direita (ACD) há 5 anos, realizada por conta de infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST. Apresentava também história prévia de hipertensão, dislipidemia, diabetes melito tratado com insulina, doença pulmonar obstrutiva crônica (ex‐fumante), hemorragias digestivas baixas e doença arterial periférica. A angiografia mostrou um bom resultado do stent no TCE, mas com grande imagem nebulosa no TCE distal, causando estenose discreta no óstio da ADA e estenose aparentemente grave no óstio da artéria circunflexa (Cx). Os stents na ADA e ACD não mostraram reestenose significativa e não havia significativas lesões de novo (vídeo 1 – material suplementar). Uma TCO (Lunawave®, Terumo, Tóquio, Japão) foi realizada para esclarecer a anatomia e a gravidade da placa distal no TCE (vídeo 2 – material suplementar). O stent no TCE mostrou‐se ligeiramente subexpandido e com formato oval, devido a uma placa calcificada excêntrica, mas bem aposto e com endotelização completa. No TCE distal, uma massa protuberante de borda convexa e irregular causava leve estenose focal do óstio da ADA e estenose mais grave, mas focal, do óstio da artéria circunflexa (fig. 1). A imagem tinha bordas brilhantes, de alta intensidade com alta atenuação de sinal, ou sombra. Isso poderia ser compatível com a clássica descrição de trombo vermelho ou, raramente, com fibroateroma rico em lípides (embora um fibroateroma não seja geralmente visto como uma massa protuberante).1 A massa era contígua à imagem típica de cálcio no TCE e ADA. Áreas luminais eram difíceis de medir, devido à forma irregular da lesão em bifurcação, mas a reconstrução tridimensional ajudou a compreender sua morfologia (vídeo 3 – material suplementar).
(A) Imagem obtida por tomografia de coerência óptica na bifurcação do tronco de coronária esquerda distal. (B) Reconstrução tridimensional da mesma região. Setas vermelhas: imagem protuberante com bordas irregulares, mostrando alta atenuação de sinal, compatível com nódulo de cálcio; seta amarela: área calcificada contígua típica (continua ao longo da artéria descendente anterior e tronco de coronária esquerda no sentido do comprimento). O: óstio da artéria circunflexa; X: artefato de fio.
Ao analisar o angiograma e as imagens da TCO da lesão e placa circundante, bem como a situação estável do paciente, a massa foi interpretada como um nódulo calcificado. Considerando as limitações da reserva de fluxo fracionada no contexto de estenose aórtica e a ausência de angina, decidimos não realizar a ICP e proceder à substituição valvar. A função ventricular esquerda estava no limite inferior do normal (50%), sem defeitos da contratilidade segmentar. O paciente foi discutido em uma reunião da equipe cardíaca e decidimos submetê‐lo ao implante transcateter da válvula aórtica (TAVI). O procedimento transcorreu sem intercorrências. No entanto, o paciente teve um período de hospitalização pós‐procedimento complicado, com insuficiência renal que necessitou de diálise, hemorragia do trato digestivo baixo e insuficiência cardíaca descompensada, apesar de não haver ocorrido alterações na função ventricular esquerda. O paciente foi a óbito 5 semanas após o procedimento. Nenhum evento isquêmico foi documentado nos períodos peri e pós‐TAVI, mas o impacto da doença arterial coronariana no desfecho não pode ser descartado.
Este caso ilustra vários aspectos importantes da cardiologia intervencionista moderna. A TCO foi uma ferramenta útil na avaliação da natureza e da gravidade dessa lesão intrigante. No entanto, as imagens não eram patognomônicas de uma etiologia em particular. A presença de um trombo vermelho não pode ser completamente descartada. No entanto, um nódulo calcificado parece ser a natureza mais provável desta massa intracoronária, dada a estabilidade do paciente, as imagens da angiografia e os achados da TCO. É interessante notar a semelhança com um caso relatado anteriormente, que apresentou manifestação patológica de um nódulo calcificado com cobertura endotelial completa e nenhuma evidência de trombos.4 O cálcio pode apresentar‐se com diferentes padrões histológicos (e, portanto, diferentes características da TCO), provavelmente refletindo diferente origem fisiopatológica, estágio de desenvolvimento de placa ou a presença de características associadas, como a neovascularização subjacente4 ou recente hemorragia intraplaca.5 O desafortunado resultado clínico deste caso se deu provavelmente em consequência de comorbidades anteriores, embora o impacto da doença arterial coronariana não possa ser descartada. Muito ainda precisa ser entendido sobre o fenômeno da deposição de cálcio nas artérias coronárias. Diferentes padrões provavelmente refletem uma fisiologia variada, e talvez, no futuro, esse fato definirá abordagens diversas de tratamento. A TCO é uma ferramenta inestimável para fornecer informações fisiopatológicas, mas as imagens devem sempre ser interpretadas com cautela.
Apêndice A. Material suplementarO material suplementar associado com este artigo pode ser encontrado na versão online.
Fonte de financiamentoNão há.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
A revisão por pares é de responsabilidade da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista.