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Inicio Revista Internacional de Andrología Função sexual e imagem corporal da mulher mastectomizada
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Vol. 10. Núm. 3.
Páginas 106-112 (julio 2012)
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Vol. 10. Núm. 3.
Páginas 106-112 (julio 2012)
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Função sexual e imagem corporal da mulher mastectomizada
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Lurdes Santos Searaa, Rui Xavier Vieirab, Pedro Santos Pechorrob
a Centro Hospitalar de Trás os Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
b Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
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Tabela 1. Estatística descritiva, ANOVA e U Mann-Whitney para comparação entre o grupo clínico e o grupo normativo

Introdução: O cancro da mama e a mastectomia representam um sério desafio para a mulher.

Objetivo: O principal objetivo do estudo é conhecer a influência da mastectomia na função sexual e na imagem corporal da mulher.

Material e métodos: Trata-se de um estudo não experimental, quantitativo e transversal, sendo a amostra constituída por 69 mulheres mastectomizadas, devido a cancro da mama, que constituíram o grupo clínico (M = 53,77 anos; DP = 8,84 anos; Amplitude = 3 9 - 81 anos) e 66 mulheres que não tiveram cancro da mama, que constituíram o grupo normativo (M = 53,77 anos; DP = 8,79 anos; Amplitude = 39 - 74 anos).

Resultados: Os resultados do estudo demonstram a existência de uma correlação positiva entre a imagem corporal e a função sexual. Evidenciam também a existência de uma correlação positiva entre o apoio do parceiro e a imagem corporal e entre esse mesmo apoio e a função sexual da mulher. Constatou-se ainda, a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos clínico e normativo ao nível da imagem corporal e da função sexual, sendo ambas inferiores no grupo clínico.

Discussão: Verificou-se que a mastectomia tem sérias repercussões na mulher, afetando a sua imagem corporal e função sexual.

Conclusão: O apoio do parceiro à mulher mastectomizada é preponderante no processo de adaptação à doença, influenciando tanto a imagem corporal da mulher como a função sexual.

Palavras-chave:
Mastectomia; Função sexual; Imagem corporal; Depressão; Parceiro sexual

Introduction: Breast cancer and mastectomy represent a serious challenge for women.

Objective: The main objective of this study was to identify the effect of mastectomy on women's sexual function and body image.

Methods: We performed a non-experimental, quantitative, cross-sectional study. The sample was composed of 69 mastectomized women (due to breast cancer), who formed the clinical group (mean age = 53.77 years; SD = 8.84 years; range = 39 - 81 years), as well as 66 women without breast cancer, who composed the control group (mean age = 53.77 years, SD = 8.79 years; range = 39 - 74 years).

Results: A positive correlation between body image and sexual function was found. A positive correlation was also found between the partner's support and body image and the woman's sexual function. Body image and sexual function were significantly lower in mastectomized women than in the control group.

Discussion: Mastectomy has serious repercussions on women, negatively affecting their body image and sexual function.

Conclusion: Among mastectomized women, the partner's support is essential in the process of adapting to the disease and affects both body image and sexual function.

Keywords:
Mastectomy; Sexual function; Body image; Depression; Sexual partner
Texto completo

Introdução

A mama é, provavelmente, a parte do corpo da mulher mais carregada de simbolismo. É considerada símbolo de feminilidade, maternidade, atratividade, sexualidade... O facto de as mamas serem vistas como um dos principais atrativos sexuais de uma mulher leva-nos a pensar que qualquer patologia que ameace este órgão pode conduzir a uma perda de autoestima, acarretando sentimentos de inferioridade e rejeição. Atualmente é dada uma enorme importância à imagem corporal. Por sua vez, na mulher, as mamas são um símbolo corporal da sexualidade por excelência, sendo vistas como um dos principais atrativos sexuais de uma mulher e tendo uma grande conotação de beleza, feminilidade e fertilidade, assim sendo, a amputação deste órgão poderá levar a uma imagem corporal diminuída.

A sexualidade sofre grande influência de fatores como a autoestima e esta encontra-se intimamente ligada à autoimagem. O modo como a pessoa se vê e valoriza interfere, efetivamente, na forma como irá exercer a sua sexualidade. Sendo a mama feminina uma zona erógena por excelência, consequentemente, fonte de prazer e sendo prática comum acariciar as mamas durante o ato sexual, a mulher a quem é diagnosticado um nódulo mamário que obriga a uma mastectomia pode passar por um processo no qual tem que lidar com uma nova imagem corporal, sendo que esta exerce um significativo impacto a nível sexual. Kissane e outros1 destacam que o impacto do cancro da mama e da mastectomia manifesta-se no enfraquecimento da imagem corporal, diminuição da libido, dificuldades nos relacionamentos e deterioração da função sexual.

Sbitti e outros2 constataram num estudo com pacientes com cancro da mama, realizado recentemente, que a dispareunia era a disfunção sexual mais frequente, presente em 65% das participantes, por sua vez, 64% apresentaram diminuição do desejo sexual, 54% dificuldades na lubrificação, 40% dificuldades em atingir o orgasmo e 37% referiram sentir-se insatisfeitas com a sua vida sexual. Bakht e Najafi3 constataram num estudo comparativo entre pacientes saudáveis e pacientes com cancro da mama, acerca da imagem corporal e disfunções sexuais que havia diferenças significativas entre os dois grupos ao nível do desejo sexual, excitação, satisfação sexual e dor. Não encontraram diferenças significativas aos níveis da lubrificação e orgasmo. Verificaram ainda que o grupo de pacientes com cancro da mama obteve pontuações mais baixas ao nível da imagem corporal do que o grupo das participantes saudáveis.

Como consequência da mastectomia, a mulher poderá sentir-se menos feminina, sentir que não é fisicamente atraente, que já não é desejada pelo parceiro. Isto pode afetar a sua sexualidade e desencadear sentimentos de inferioridade, insegurança, medo de ser rejeitada. A presença e o apoio do parceiro nesta fase da vida em que a mulher, na sequência da doença, se sente diminuída na sua feminilidade, atratividade e sexualidade torna-se imprescindível. A falta de apoio do mesmo durante todo o processo de doença é considerada uma forte agressão à mulher, afetando a sua autoestima, num momento que necessita de ser aceite, de carinho e de compreensão. A importância do apoio dado à mulher mastectomizada pode ser observada no estudo de Huguet e outros4, em que se constata que as mulheres com companheiro apresentam escores significativamente melhores nos domínios psicológicos e nas relações sociais do que as mulheres sem companheiro. Também Brédart e outros5 referem a importância do relacionamento do casal, referindo que as mulheres que têm um relacionamento emocional pobre com o parceiro apresentam menor prazer sexual e maior desconforto durante a relação sexual do que as mulheres que têm um melhor relacionamento emocional com o seu parceiro.

Objetivos

Face às patentes repercussões que a mastectomia acarreta para a mulher a nível biopsicossocial, sentiu-se a necessidade de clarificação da forma como a mastectomia afeta a imagem corporal e a sexualidade das mulheres. Para tal traçaram-se os seguintes objetivos: determinar se ocorre alteração da imagem corporal e da função sexual na mulher mastectomizada; identificar que relação existe entre a imagem corporal e a função sexual da mulher; verificar se o apoio que a mulher mastectomizada recebeu do seu parceiro durante a doença influencia a sua imagem corporal e a sua função sexual. Optou-se para isso, por um desenho de investigação do tipo não experimental, quantitativo e transversal.

Material e métodos

Participantes

Este estudo foi realizado com um grupo de participantes do sexo feminino mastectomizadas, devido a cancro da mama, que constituíram o grupo clínico e por um grupo de mulheres que não tiveram cancro da mama, que constituíram o grupo normativo. A amostra total é constituída por 135 participantes, distribuídas pelos dois grupos, grupo clínico (N = 69; Média (M) = 53,77 anos; Desvio Padrão (DP) = 8,84 anos; Amplitude = 39-81 anos) e grupo normativo (N = 66; M = 53,77; DP = 8,79 anos; Amplitude = 39-74 anos).

Instrumentos

Neste estudo utilizaram-se como instrumentos de medida: o Índice de Funcionamento Sexual Feminino6, a versão validada para a população portuguesa por Pechorro e outros7; a Escala de Imagem Corporal: Como me relaciono com o meu corpo (EIC), validada por Palhinhas e outros8; o Inventário de Depressão de Beck II (BDI-II)9, a versão validada para a população portuguesa por Coelho e outros10 e um questionário sociodemográfico.

O Índice de Funcionamento Sexual Feminino (FSFI)6,7 é uma medida que permite avaliar diferentes aspetos do funcionamento sexual feminino, sendo constituído por 19 itens tipo likert, que avaliam dimensões chave do funcionamento sexual em mulheres, nomeadamente desejo, excitação, lubrificação, orgasmo, satisfação e dor. As dimensões que o constituem refletem, na sua maioria, uma correspondência com as diferentes fases do funcionamento sexual, nas quais se baseiam atualmente os critérios clínicos de diagnóstico de disfunções sexuais11. A cotação da escala varia entre 2 a 10 para a dimensão desejo, 0 a 20 para as dimensões excitação e lubrificação, 0 a 15 para as dimensões orgasmo e dor e 2 a 15 para a dimensão satisfação. A pontuação total varia entre 4 e 95. Os valores elevados correspondem a melhores índices de funcionamento sexual. Verificou-se que esta escala apresenta uma boa consistência interna, pois obteve-se um coeficiente alfa de Cronbach de 0,99 para a escala total, e para cada uma das suas dimensões valores de 0,92 ou superiores. Estes valores são ligeiramente superiores aos obtidos na versão original6, em que os autores obtiveram alfas de Cronbach de 0,95 para a escala total e de 0,82 ou superiores para cada uma das seis dimensões da escala. Por sua vez, a versão portuguesa7 obteve também uma boa consistência interna, conseguindo alfas de Cronbach de 0,88 e superiores para cada uma das dimensões e de 0,93 para a escala total.

A Escala de Imagem Corporal: Como me relaciono com o meu corpo (EIC)8 pretende avaliar a imagem corporal da mulher, nomeadamente o corpo pré-mórbido (valor atribuído ao corpo no geral) e ao corpo mórbido (valor atribuído ao corpo doente). As respostas são obtidas através de uma escala tipo likert onde, sob a forma de afirmações, se pede à mulher que diga o grau de concordância sentido, em alguns aspetos relativamente ao seu corpo, como se relaciona com o corpo e como valoriza a sua aparência. Nesta escala, o grupo normativo responde apenas aos itens que constituem a primeira parte da escala, relativa à dimensão do conceito de corpo, valor atribuído ao corpo no geral. Os restantes itens relativos à dimensão de perceção do corpo doente não foram aplicados a este grupo, sendo apenas aplicados ao grupo clínico. Por esta razão, a consistência interna da escala foi calculada apenas para a primeira parte da escala, tendo-se obtido um alfa de Cronbach de 0,87, o que indica uma boa consistência interna. Este valor é superior ao valor obtido pelas autoras8 da escala, que obtiveram para a dimensão "conceito de corpo" um valor de alfa de 0,75.

O Inventário de Depressão de Beck II (BDI-II)9,10 é uma medida que permite determinar a existência da síndrome depressivo, e a respetiva intensidade. Trata-se de uma escala de auto informação, de 21 itens, utilizada para avaliar os sintomas físicos e cognitivos da depressão. Verificou-se que esta escala apresenta boa consistência interna, tendose obtido um coeficiente alfa de Cronbach de 0,94. Este valor vai de encontro, sendo mesmo ligeiramente superior, ao valor de alfa de Cronbach de 0,89 obtido por Coelho e outros10 aquando da validação da escala para a população portuguesa.

Por sua vez, o questionário sociodemográfico foi construído tendo na sua constituição vários itens que representam variáveis consideradas importantes para a investigação, nomeadamente, a idade; escolaridade; situação conjugal antes e após a cirurgia; número de filhos; o tempo decorrido desde a cirurgia; a realização de tratamentos adjuvantes; o estado menopausal antes da doença e na atualidade; a realização de reconstrução mamária e a ocorrência de complicações após a mastectomia. Este questionário é também constituído por questões relativas à situação perante o parceiro sexual, tendo estas por finalidade conhecer sobretudo se estas mulheres tinham parceiro sexual antes da cirurgia; se têm parceiro neste momento e se o parceiro é o mesmo; saber o grau de satisfação da mulher com o seu relacionamento sexual antes da doença e atualmente e saber ainda a satisfação da mulher com o apoio dado pelo parceiro durante o processo de doença. Relativamente ao grupo normativo, o questionário sociodemográfico sofreu algumas alterações, sendo retiradas as questões relativas à doença e respetivo tratamento.

Procedimentos

Para a utilização dos instrumentos psicométricos procedeuse ao pedido de autorização para as moradas eletrónicas dos respetivos autores. Após obtida a autorização para aplicar cada um dos instrumentos pretendidos, procedeu-se ao pedido de autorização junto das instituições (e respetivas comissões de ética), onde se pretendia recolher os dados. Depois de obtidas as autorizações procedeu-se, então, à recolha dos dados. Às pacientes que depois de esclarecidas acerca do estudo aceitavam participar era entregue um envelope onde estava um documento com a explicação do estudo, focando-se nesse documento, entre outros pontos, os objetivos do estudo, os contactos da investigadora, bem como a garantia da confidencialidade dos dados. Para além do documento de explicação do estudo constava nesse envelope também o termo de consentimento informado, que as pacientes deveriam assinar e o instrumento de recolha de dados. Dava-se às pacientes a possibilidade de preen-cherem o questionário logo após a sua entrega, ainda na instituição, ou de o preencherem posteriormente em casa, devolvendo-o quando voltassem à instituição.

A recolha de dados efetuou-se durante 10 meses, sendo, relativamente ao grupo clínico o estudo efetuado em pacientes seguidas: na Consulta Externa de Senologia do Hospital Pulido Valente; na consulta externa de cirurgia do Centro Hospitalar de Trás os Montes e Alto Douro; nas associações de apoio a mulheres com cancro da mama: Amigas do Peito; Ame e Viva a Vida; Movimento Vencer e Viver - núcleo regional do sul e Movimento Vencer e Viver - núcleo regional do norte (nesta associação o estudo aplicou-se apenas às voluntárias da mesma). Para o grupo normativo, o estudo foi efetuado com as alunas e funcionárias da Universidade Sénior do Peso da Régua. Foram utilizados como critérios de inclusão para participar no estudo, relativamente ao grupo clínico: ser maior de idade, saber ler e escrever português, ter sido mastectomizada devido a cancro da mama, ser seguida nas instituições onde o estudo foi realizado e aceitar participar no estudo. Para o grupo normativo os critérios de inclusão foram: ser maior de idade, saber ler e escrever português, não ter tido cancro da mama e aceitar participar no estudo.

Para o tratamento estatístico dos dados, recorreu-se ao Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)12 v20 tendo-se inicialmente realizado uma análise descritiva dos dados, em função da natureza das variáveis em estudo, calculando-se: medidas de tendência central, medidas de dispersão, valores extremos (valor mínimo e valor máximo), frequências absolutas e frequências relativas. Para avaliar a consistência interna de cada uma das escalas utilizadas procedeu-se ao cálculo dos respetivos valores de alfa de Cronbach. Com vista a averiguar a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos, relativamente às variáveis em estudo, recorreu-se a ANOVA a um fator quando os dados seguiam uma distribuição normal (assimetria e curtose entre -2 e 2). Utilizou-se o teste U de Mann-Whitney quando as variáveis não tinham uma distribuição normal ou quando eram de natureza ordinal. Utilizou-se o teste de Qui Quadrado para as variáveis nominais. Nos testes de comparação entre os grupos teve-se como referência um nível de significância p ≤ 0,05. Para analisar as possíveis relações entre as variáveis utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson.

Resultados

Relativamente às variáveis moderadoras presentes neste estudo, não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos para as variáveis: grau de escolari-dade; situação conjugal atual; número de filhos e existência de parceiro sexual atualmente. Por sua vez, verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos relativamente às variáveis: menopausa atualmente (χ2 = 7,88; p ≤ 0,01) e satisfação com o relacionamento sexual atual (U = 1110,00; p ≤ 0,001). Quanto à variável menopausa constatou-se que a percentagem de mulheres que se encontra na menopausa é superior no grupo clínico (81,2%) do que no grupo normativo (59%). Por outro lado, verificou-se que a satisfação com o relacionamento sexual atual é superior no grupo normativo do que no grupo clínico.

No que concerne às características clínicas das participantes do grupo clínico, constatou-se que a maioria das participantes deste grupo (92,8%) realizou tratamentos adjuvantes anteriormente, e destas, 42,2% realizaram os três tipos de tratamento: quimioterapia, radioterapia e hormonoterapia. No momento da recolha de dados, verificou-se que apenas 30,4% das mulheres se encontravam a realizar tratamentos adjuvantes, estando a maioria destas (85,7%) a realizar apenas hormonoterapia. Observou-se ainda que das 69 mulheres que constituem este grupo, apenas 20% fizeram reconstrução mamária. Quanto à satisfação da mulher com o apoio do parceiro na doença, verificou-se que 57,1% das mulheres considerava o apoio do parceiro muito satisfatório; 31,75% considerava-o moderadamente satisfatório; 6,4% pouco satisfatório e 4,8% das mulheres considerava o apoio do parceiro nada satisfatório.

Comparando os dois grupos relativamente aos resultados obtidos em cada uma das escalas utilizadas, como pode observar-se na tabela 1, verificou-se relativamente ao FSFI, que as pontuações obtidas pelo grupo normativo foram superiores às obtidas pelo grupo clínico, havendo diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, tanto ao nível da pontuação total na escala, como em cada uma das seis dimensões que a constituem. Em relação ao BDI - II constatou-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos quanto à pontuação obtida nesta escala, tendo o grupo clínico obtido pontuações superiores ao grupo normativo. Comparando os resultados obtidos por cada um dos grupos na EIC, verificou-se que o grupo normativo obteve pontuações superiores ao grupo clínico, verificando-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos.

Com o objetivo de verificar a relação existente entre a imagem corporal da mulher e a sua função sexual calculouse o coeficiente de correlação de Pearson, tendo-se obtido um valor r = 0,57 (p ≤ 0,001) entre a EIC e o FSFI, o que significa que existe uma correlação positiva entre as duas escalas. Também se verificou a existência de uma correlação positiva entre a imagem corporal e cada uma das dimensões do FSFI: Desejo (r = 0,62; p ≤ 0,001); Excitação (r = 0,57; p ≤ 0,001); Lubrificação (r = 0,50; p ≤ 0,001); Orgasmo (r = 0,42; p ≤ 0,001); Satisfação (r = 0,61; p ≤ 0,001) e Dor (r = 0,50; p ≤ 0,001).

Constatou-se, através do cálculo do coeficiente de correlação de Pearson, que existe uma associação positiva entre a satisfação da mulher mastectomizada com o apoio do parceiro durante a doença e a sua imagem corporal, obtendose uma correlação r = 0,34 (p ≤ 0,01). Também através do cálculo do coeficiente de correlação de Pearson se verificou a existência de uma associação positiva entre a satisfação da mulher mastectomizada com o apoio do parceiro durante a doença e a sua função sexual (r = 0,27; p ≤ 0,05).

Discussão

Ao comparar os dois grupos relativamente ao domínio sociodemográfico, nomeadamente em relação às variáveis idade, grau de escolaridade, situação conjugal, existência de filhos e existência de parceiro sexual, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre eles, tal como se pretendia. Assim, estas variáveis, que poderiam eventualmente influenciar a imagem corporal e a função sexual, não tiveram interferência no estudo.

Comparando o grupo clínico com o grupo normativo, relativamente à variável menopausa, no momento da recolha de dados, constatou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Dado não existirem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos no que concerne à idade, uma possível explicação para esta diferença poderá ser os efeitos secundários dos tratamentos adjuvantes a que as mulheres do grupo clínico foram submetidas, nomeadamente devido à quimioterapia. Este impacto da quimioterapia no estado menopausal aparenta ser um importante fator indutor de problemas sexuais13. Assim, o estado menopausal constitui uma explicação para o facto de as mulheres do grupo clínico apresentarem mais problemas ao nível da função sexual do que as mulheres do grupo normativo.

Relativamente à variável depressão, constatou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos, sendo o índice depressivo superior no grupo clínico do que no grupo normativo. Isto vai de encontro com Dastan e Buzlu14, que afirmaram que a mastectomia constitui um importante fator de risco de depressão. Também Vahdaninia e outros15 verificaram no seu estudo com mulheres com cancro da mama, das quais 82,60% tinham sido mastectomizadas, que 22,20% tinham depressão. As repercussões que o cancro da mama tem na mulher a nível biopsicossocial levam a não ser de estranhar o facto de estas mulheres terem um maior risco de depressão do que as mulheres da população em geral. Porém, a depressão tem sido frequentemente associada a uma pior imagem corporal e ao aumento das disfunções sexuais16-18, o que nos leva a ante-ver que as mulheres do grupo clínico tenham, à partida, pior imagem corporal e pior função sexual do que as mulheres do grupo normativo, como de facto se verificou.

A constatação da existência de uma correlação positiva entre a imagem corporal e a função sexual vai de encontro com o estudo realizado por Brèdart e outros5, que verificaram que as mulheres que apresentam problemas ao nível da imagem corporal denotam pior funcionamento sexual. Panjari e outros19 verificaram que as mulheres com problemas de imagem corporal eram 2,5 vezes mais propensas a apresentar problemas ao nível da função sexual.

Aos sentimentos de medo, tristeza, vergonha, inferioridade, ansiedade, depressão, que a mastectomia pode desencadear na mulher, junta-se o receio relacionado com a aceitação pelo parceiro. Nesse sentido tentou-se perceber qual a importância do apoio do parceiro para a mulher mastectomizada. Verificou-se que existe uma correlação positiva, embora se trate de uma correlação positiva fraca, entre o apoio que a mulher recebeu do parceiro e a sua imagem corporal e entre o referido apoio do parceiro e a função sexual. Estes resultados sugerem que a mulher mastectomizada valoriza o juízo que o seu parceiro faz acerca do seu corpo e da sua aparência física, pressupondo que este terá um papel central no processo adaptativo da mulher em relação à doença, tratamentos e imagem corporal, contribuindo para a melhoria dos sentimentos de feminilidade e atratividade, predizendo uma melhor imagem corporal e função sexual da mulher. Os estudos realizados por Kinsinger e outros20 e por Brédart e outros5 vão de encontro com os resultados obtidos no presente estudo. Kinsinger e outros20 verificaram que a perceção de apoio emocional por parte do parceiro é um forte e permanente preditor da função sexual da mulher. Também Brédart e outros5 referem a importância do relacionamento com o parceiro, referindo que as mulheres que têm um relacionamento emocional pobre com o parceiro, apresentam menor prazer sexual e maior desconforto durante a relação sexual do que as mulheres que têm um melhor relacionamento emocional com o seu parceiro.

Comparativamente com as mulheres que neste estudo constituíram o grupo normativo, verificou-se que as mulheres mastectomizadas (grupo clínico) apresentam pior imagem corporal e pior função sexual. Estes resultados vão de encontro com estudos precedentes. Fobair e outros21 e Brédart e outros5 verificaram que as mulheres com cancro de mama apresentavam mais problemas relativamente à imagem corporal e à função sexual do que as mulheres da mesma faixa etária que não tinham tido a doença. Também Bakht e Najafi3 verificaram que as mulheres com cancro da mama apresentavam pontuações mais baixas ao nível da imagem corporal e pior função sexual do que as mulheres saudáveis. Contudo, estes autores verificaram a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos relativamente às variáveis desejo, excitação, satisfação e dor, não encontrando diferenças ao nível das dimensões lubrificação e orgasmo, enquanto, no presente estudo verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos em todas as dimensões do FSFI.

Algumas limitações estão subjacentes a este estudo, nomeadamente, o método de amostragem, pois recorreu-se a uma amostra de conveniência e não aleatória. Além disso, reconhece-se que o estudo poderia ser enriquecido se a amostra fosse constituída por um maior número de participantes, tanto no grupo clínico como no grupo normativo.

O cancro da mama e a mastectomia não afeta apenas a mulher, afeta também a sua família, principalmente o parceiro. Dada a extrema importância do parceiro no processo de adaptação da mulher à doença e às consequências da mesma, assim como a escassez de estudos que o incluem, sugere-se que em estudos futuros se avaliem as dificuldades sentidas pelos parceiros de mulheres mastectomizadas, avaliando-se também a função sexual destes.

Conclusão

Constatou-se que as mulheres mastectomizadas apresentam pior função sexual e pior imagem corporal do que as mulheres do grupo normativo, o que indica que a mastectomia tem sérias repercussões na função sexual e na imagem corporal da mulher. Por sua vez, a existência de uma correlação positiva entre o apoio do parceiro à mulher mastectomizada e a sua imagem corporal e função sexual indica que o apoio do parceiro é preponderante no processo de adaptação à doença, influenciando positivamente tanto a imagem corporal como a função sexual da mulher. As presentes constatações constituirão uma mais-valia para os profissionais que lidam com estas mulheres, pois possibilitar-lhes-ão estarem mais atentos às dificuldades que elas atravessam, agilizando meios/intervenções no sentido de ajudá-las atempadamente a superar essas dificuldades.

Responsabilidades éticas

Proteção de pessoas e animais: os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.

Confidencialidade dos dados: os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito: os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.


Recebido o 12 de abril de 2012; aceitado o 20 de abril de 2012

* Autor para correspondência

Correio eletrónico:lurdes22santos@gmail.com (L. Santos Seara).

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