INTRODUÇÃO
O estudo da satisfação sexual tem sido dificultado pela pobre conceptualização do constructo1. Como consequência, a medida da satisfação sexual tem sido igualmente difícil. Contudo, várias escalas têm sido desenvolvidas para medir a satisfação sexual . A Hudson Index of Sexual Satisfaction2 contém 25 items na sua versão mais recente. Outra escala é a Whitley Sexual Satisfaction Inventory3 que inclúi items para avaliação do grau de satisfação sexual em diferentes tipos de actividade sexual. Outros instrumentos que medem a satisfação sexual, são os seguintes: Pinney Sexual Satisfaction Inventory4, Sexual Interaction Inventory5 e ainda Derogatis Sexual Functioning Inventory6. Como parte do Interpersonal Exchange Model of Sexual Satisfaction (IEMSS)7 desenvolveram o Global Measure of Sexual Satisfaction. Nesta escala, é pedida uma classificação da relação sexual em vários adjectivos bipolares, e o instrumento revelou boa fidelidade teste-reteste, elevada consistência interna e está correlacionada com outras medidas da satisfação sexual1.
Uma análise cuidadosa destes instrumentos revela alguns problemas e dificuldades metodológicas. Lawrance e Byers1,7 referem que algumas escalas de satisfação sexual incluem itens relativos a comportamentos (e.g., frequência sexual) que são, nalguns estudos, usados como predictores da satisfação sexual. A inclusão dos mesmos items (e.g., frequência da actividade sexual; consistência orgástica) ao mesmo tempo como predictores e critério de medida, impede a correcta interpretação da relação entre as variáveis.
Sprecher e Cate8 , recomendam para a investigação focada na satisfação sexual, o uso de escalas com validade e fidelidade, bem como o uso de um ou mais items globais para medir as avaliações e sentimentos dos sujeitos sobre a qualidade das suas relações sexuais. Os autores defendem ainda que o uso de uma escala de satisfação sexual, deve estar relacionada com a teoria subjacente à investigação.
O tema da satisfação sexual tem sido amplamente estudado com o objectivo de encontrar os seus predictores. A revisão da literatura revela que a frequência das relações sexuais e a ocurrência do orgasmo, têm sido apontados como indicadores objectivos de satisfação sexual. Alguns estudos têm demonstrado associações positivas entre a frequência sexual e a satisfação sexual9-12. Do mesmo modo, a ocurrência e consistência do orgasmo está positivamente associada à satisfação sexual13-16. Por outro lado, a satisfação sexual tem sido a variável da sexualidade examinada com mais frequência, pela sua associação com a estabilidade e a satisfação da relação8.
A pertinência do estudo sobre a satisfação sexual feminina, que aqui apresentamos, assenta no seguinte:
- A revisão de literatura mostra claramente a dificuldade em operacionalizar o conceito de satisfação sexual;
- Consideramos que não dispomos ainda de um corpo teórico suficiente para a análise e compreensão dos factores que influenciam e determinam a satisfação sexual feminina e masculina.
- A escassez de estudos sobre diferenças de género a nível da satisfação sexual.
Até há bem pouco tempo, a análise da sexualidade feminina era feita a partir de extrapolações da sexualidade masculina, existindo digamos que um modelo unisexo para a sexualidade. Sabemos que existem duas sexualidades, e por conseguinte, também a nível da satisfação sexual se encontram diferenças de género, o que aliás é bastante notório na prática clínica. No entanto, os factores que determinam o prazer e a satisfação sexual feminina não são ainda conhecidos.
O trabalho que aqui apresentamos é parte de um estudo português sobre a função sexual feminina em variáveis psicológicas, sociais e relacionais. Neste artigo, apresentamos apenas uma análise dos dados relativos aos factores determinantes da satisfação sexual feminina. O objectivo é identificar e analisar os aspectos relevantes para o prazer ou satisfação sexual das mulheres, na perspectiva das próprias mulheres. Apresentamos neste trabalho apenas uma análise preliminar, com os primeiros resultados obtidos na amostra resultante dos primeiros 2 meses, pois, o estudo encontrase ainda a decorrer.
METODOLOGIA
Procedimentos
Este estudo foi inteiramente realizado através da Internet. A investigação foi conduzida em 3 fases:
1. Construção de um website para alojar o estudo bem como uma base de dados.
2. Estudo piloto para testar o correcto funcionamento do site e da base de dados, bem como a estructura do questionário.
3. Divulgação do estudo e recolha da amostra.
Foi ainda elaborado um questionário de auto-resposta que contempla dados sociodemográficos e um conjunto de apartados sobre a função sexual feminina, sendo um deles relativo aos factores determinantes da satisfação sexual das mulheres. Este apartado inclui uma questão central sobre os aspectos que as mulheres consideram importantes para ter satisfação sexual. Para a recolha dos dados, é apresentado um conjunto de items com uma escala de resposta de tipo Lickert em 5 pontos (1: nada importante; 2: pouco importante; 3: moderadamente importante; 4: muito importante, e 5: fundamental). As restantes questões estão relacionadas com a existência de dificuldades sexuais, o grau de satisfação com a vida sexual no momento presente e o desejo das mulheres melhorarem a sua sexualidade.
Para a recolha da amostra foi utilizado o método snowball via e-mail, em que era divulgado o link de acesso ao estudo. A primeira página incluia um consentimento informado com informação relativa aos objectivos do estudo, a identidade dos investigadores, endereço de correio electrónico, bem como as instruções para participar. Por conseguinte, a participação foi voluntaria, tratando-se de uma amostra auto-selecionada de mulheres utilizadoras da internet.
Amostra
Os dados que apresentamos são relativos a uma amostra de 1.148 mulheres maiores de 18 anos que completaram o questionário na totalidade. A média de idade é de 30 anos (18-71; DT = 8,07). O nível educacional é elevado sendo que 56,6% das mulheres são licenciadas, 14,8% têm uma pós-graduação, 8,4% têm mestrado, 1,8% têm doutoramento e apenas 18,3% dos sujeitos não têm estudos superiores. Relativamente ao estado civil, 60,8% são solteiras, 16,8% são casadas, 14,5% vivem em união de facto, 7,2% estão divorciadas ou separadas e 0,7% são viúvas. Ainda sobre a situação relacional, 74,9% afirmam ter uma relação de compromisso, 15,3% não têm relação de compromisso nem parceiro sexual e 9,8% não têm relação de compromisso mas têm parceiro sexual. 81% das mulheres são heterossexuais, 9,1% são homossexuais, 9,1% são bissexuais e 0,8% referem a categoria "indefinido". Quanto à religião, 44,8% afirma ser católica não praticante, 8,5% católica praticante, 2,4% diz ser praticante de outra religião, 3,3% afirma-se não praticante de outra religião e 40,9% sem religião.
RESULTADOS
Os principais resultados dizem respeito aos factores determinantes da satisfação sexual das mulheres. Contudo, apresentamos primeiramente alguns dados que consideramos relevantes e com algumas implicações clínicas. Um pouco mais de metade das mulheres (56%) afirmam que gostariam de "receber do parceiro/a mais ou melhor estimulação física, ou seja, receber carícias físicas mais eficazes para se sentirem excitadas". E 77,2% consideram fundamental "ser acariciada o suficiente antes da penetração".
Outro dado interessante e que permite uma reflexão sobre a abordagem e o tratamento dos problemas sexuais das mulheres está relacionado com os contextos em que a mulher pode pedir ajuda. Assim, encontramos 43,2% de mulheres que respondem afirmativamente à pergunta: "O seu ginecologista pergunta-lhe sobre a sua vida sexual?". Apenas 29,2% dos sujeitos afirmam ter a iniciativa para falar com o seu ginecologista sobre a sua vida sexual e possíveis dificuldades.
Na amostra total, 86,76% das mulheres afirma que gostaria de melhorar a sua vida sexual. E essa melhoria seria nos seguintes aspectos: fazer amor mais vezes (41,8%); ter melhor relação com o corpo (22,6%); ter mais desejo e interesse sexual (22,3%); sentirse mais desinibida para o sexo (21,5%); ser melhor estimulada pelo parceiro/a (20,7%); fortalecer o vinculo emocional com o parceiro/a (18,3%); falar mais sobre sexo como parceiro/a (12,4%); ter orgasmo (12%); ter mais fantasias sexuais (10,5%); ter melhor autoestima sexual (7,5%); ser capaz de revelar os interesses sexuais ao parceiro/a (8,6%); ter experiências sexuais sem relação de compromisso (7,8%); que o parceiro/a resolva o seu problema sexual (4,6%); ter menos desejo sexual (0,5%); noutros aspectos (15,4%).
Relativamente aos aspectos ou factores que determinam a satisfação sexual das mulheres, ou seja, o que é que as mulheres consideram importante para o seu prazer sexual, apresentamos na tabela 1 os resultados dos diferentes ítems, aparecendo a percentagem dos items considerados "muito importantes" ou "fundamentais".
DISCUSSÃO
Os dados revelam que a maioria das mulheres não fala com o seu médico especialista sobre a sua sexualidade. Neste estudo, 70,7% das mulheres não toma a iniciativa de falar sobre as suas dificuldades com o seu médico. Apesar de se tratar de uma amostra de mulheres jovens (M = 30) e com um nível educacional elevado, o que à partida pressupõe uma maior abertura para comunicar sobre questões da sexualidade, as mulheres não abordam o tema. Por outro lado, 56,8% refere que os médicos não abordam o tema da sexualidade. Pensamos que este dado pode ser revelador de possiveis dificuldades dos médicos ginecologistas em dar resposta às questões das vivências da sexualidade.
Outro dado relevante diz respeito à importância do orgasmo. 80% das mulheres considera muito importante ou fundamental "sentir prazer sem a obrigatoriedade do orgasmo", o que revela que a consistência orgástica não é um bom indicador da satisfação sexual feminina como defendem alguns estudos, acima citados.
Parece-nos interessante constatar que uma grande maioria de mulheres (87%) gostaria de melhorar a sua vida sexual. As mulheres desejariam melhorar os seguintes aspectos: ter mais actividade sexual; melhorar a relação com o corpo; ter mais desejo e receber mais e melhor estimulação sexual. Estes resultados vão ao encontro dos encontrados noutros estudos, que revelam a falta de desejo sexual como principal queixa das mulheres, o que muitas vezes constitui mesmo um quadro de disfunção sexual. Estes dados mostram ainda a interacção entre o desejo e a excitação, que devem ser entendidas num modelo de circularidade, como defende Basson17,18, e não como duas fases lineares e sequenciais no modelo da resposta sexual.
Parece-nos igualmente relevante o facto de 91,8% das mulheres considerar muito importante ou fundamental para a sua satisfação sexual: "Receber a estimulação física que necessito". A análise deste dado remete-nos para a complexidade do diagnóstico clínico das disfunções. Sendo o diagnóstico das disfunções sexuais um diagnóstico clínico, este dado demonstra a importância de ter em conta no processo de avaliação, o tipo e a qualidade de estimulação que a mulher recebe na relação sexual, a fim de evitar a classificação de determinados problemas ou dificuldades, como disfunções. Por outro lado, este valor tão elevado de mulheres que referem o facto de receber a estimulação sexual que necessitam como algo fundamental, faz-nos questionar se essas mulheres estarão efectivamente a receber a estimulação que desejam, o que nos remete para a importância da comunicação sexual no casal.
CONCLUSÃO
A análise dos resultados relativos aos aspectos que as mulheres consideram como muito importantes ou fundamentais para a sua satisfação, permite-nos observar que os principais factores determinantes da satisfação sexual nesta amostra de mulheres, são factores interpessoais. Ou seja, são os factores que dizem directamente respeito ao parceiro, que as mulheres mais valorizam para se sentirem sexualmente satisfeitas. Tal facto mostra como a sexualidade feminina é tão contextualizada na relação interpessoal. Neste grupo que intitulamos de factores interpessoais encontram-se os seguintes aspectos: "sentirem-se desejadas", "receber atenção do parceiro", "ser capaz de satisfazer o parceiro", "sentir que o pareciro gosta do seu corpo". Com menor grau de importância, encontramos um segundo grupo de factores que consideramos serem os factores de funcionamento físico-sexual: "sentir prazer físico", "sentir excitação física", "ter vontade de ter sexo", "sentir a lubrificação". Estes aspectos são mais individuais e relacionados com o próprio prazer e a função sexual das mulheres, contudo, não são os mais valorizados por elas. Consideramos que estes dados mostram claramente e revelam uma vez mais a importância do contexto relacional e dos factores interpessoais na resposta sexual feminina. E que este facto é assinalável das incontornáveis diferenças de género na sexualidade humana.
Limitações do estudo: como já referimos, apresentamos neste trabalho uns resultados preliminares de um estudo alargado sobre a função sexual feminina e que está ainda a decorrer. Os dados referentes aos factores determinantes da satisfação sexual obrigam a uma análise factorial que será posteriormente realizada com a amostra final, após o encerramento do estudo. Contudo, podemos apontar já algumas limitações do estudo, nomeadamente a amostra auto-selecionada de mulheres utilizadoras da Internet, por conseguinte, de um nível educacional elevado e longe de serem representativas da população portuguesa.
Trabalho realizado com una bolsa de investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Correspondência:
Prof. Dra. A.A. Carvalheira.
Instituto Superior de Psicologia Aplicada.
Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
R. Jardim do Tabaco, 34. 1149-041 Lisboa. Portugal.
Correio electrónico: ana.carvalheira@ispa.pt