Identificar a associação do índice de massa corporal e aptidão física aeróbica com fatores de risco de doenças cardiovasculares em crianças.
MétodosEstudo transversal realizado na cidade de Itaúna-MG no ano de 2010 com 290 escolares de 6 a 10 anos de ambos os sexos, aleatoriamente selecionados. Crianças de escolas da zona rural e aquelas com limitações médicas para prática de atividade física não foram incluídas. Coletou-se o sangue após jejum de 12 horas. A pressão arterial, a estatura e o peso foram avaliados segundo padrões internacionais. Foram considerados fatores de risco cardiovascular: hipertensão arterial, colesterol total, LDL, triacilgliceróis e insulinemia elevados e HDL baixo. A análise estatística incluiu a Correlação de Spearman e a Regressão Logística, com os fatores de risco cardiovascular como variáveis dependentes.
ResultadosCorrelações significativas foram encontradas, nos dois sexos, entre índice de massa corporal e aptidão física aeróbica com a maioria dos fatores de risco cardiovascular. Crianças dos dois sexos com índice de massa corporal acima do percentil 75 apresentaram chances aumentadas para insulinemia alterada e agrupamento de fatores de risco cardiovascular. Meninas com aptidão física aeróbica no primeiro quartil apresentaram chances aumentadas para insulinemia alterada e agrupamento de fatores de risco cardiovascular.
ConclusãoAs associações significativas e as chances aumentadas para presença de fatores de risco cardiovascular em crianças com menor aptidão física aeróbica e maior índice de massa corporal justificam o uso dessas variáveis no monitoramento da saúde em pediatria.
To identify the association between both, body mass index and aerobic fitness, with cardiovascular disease risk factors in children.
MethodsCross-sectional study, carried out in Itaúna-MG, in 2010, with 290 school children ranging from 6 to 10 years-old of both sexes, randomly selected. Children from schools located in the countryside and those with medical restrctions for physical activity were not included. Blood sample was collected after a 12-hour fasting period. Blood pressure, stature and weight were evaluated in accordance with international standards. The following were considered as cardiovascular risk factors: high blood pressure, high total cholesterol, LDL, triglycerides and insulin levels, and low HDL. The statistical analysis included the Spearman's coefficient and the logistic regression, with cardiovascular risk factors as dependent variables.
ResultsSignificant correlations were found, in both sexes, among body mass index and aerobic fitness with most of the cardiovascular risk factors. Children of both sexes with body mass index in the fourth quartile demonstrated increased chances of having high blood insulin and clustering cardiovascular risk factors. Moreover, girls with aerobic fitness in the first quartile also demonstrated increased chances of having high blood insulin and clustering cardiovascular risk factors.
ConclusionThe significant associations and the increased chances of having cardiovascular risk factors in children with less aerobic fitness and higher levels of body mass index justify the use of these variables for health monitoring in Pediatrics.
As doenças do aparelho circulatório são a principal causa de morte na população adulta nos últimos 30 anos no Brasil.1 As doenças cardiovasculares (DCV) são causadas pela associação entre fatores de risco genéticos e comportamentais e podem ter sua origem na infância.2–4 Entre os principais fatores de risco para DCV, destacam-se hereditariedade, obesidade, tabagismo, inatividade física, dislipidemia, hipertensão arterial, diabetes, insulinemia e sexo.5,6 Para a redução da morbidade e da mortalidade cardiovascular na fase adulta, o controle dos fatores de risco modificáveis deveria ser iniciado ainda na infância.7
Para o diagnóstico do sobrepeso e da obesidade, o índice de massa corporal (IMC) é considerado um bom indicador de adiposidade geral, já que está associado à gordura subcutânea.6 Tanto o IMC quanto outras medidas de adiposidade apresentam-se relacionados à aptidão física aeróbica em crianças.8 A aptidão física aeróbica associa-se inversamente aos fatores de risco de DCV em crianças e adultos.9–11 Mesmo entre as crianças com sobrepeso ou obesas, uma melhor aptidão física aeróbica parece ter um efeito protetor sobre os fatores de risco de DCV.11
A relação entre variáveis antropométricas, aptidão física aeróbica e fatores de risco de DCV carece de estudos transversais e longitudinais em crianças brasileiras, visando melhor compreensão da magnitude e dos mecanismos dessas associações. Assim, o objetivo deste estudo foi identificar a associação de índice de massa corporal e aptidão física aeróbica aos fatores de risco de DCV em crianças de 6 a 10 anos.
MétodoA população em estudo foi a de escolares de 6 a 10 anos, matriculados do 1° ao 5° ano em escolas públicas da zona urbana de Itaúna, Minas Gerais. Esses estudantes constituíam um universo de 4.649 escolares. Para determinar o tamanho mínimo necessário de amostra, foi realizado um levantamento (estudo piloto) com 25 alunos de 6 a 10 anos e de ambos os sexos, nos quais se mensuraram as variáveis pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), colesterol HDL (mg/dL), colesterol LDL (mg/dL), colesterol total (mg/dL), triacilgliceróis (mg/dL) e insulinemia (μUI/mL), e obtidos suas respectivas médias e desvios padrões. Foi estabelecido o erro máximo de tolerância permitido para a estimativa da média populacional de cada variável que não comprometesse a confiabilidade dos resultados. Para o cálculo da amostra mínima em cada variável, utilizou-se o respectivo desvio padrão amostral como estimativa populacional em nível de significância de 5%. Sendo assim, optou-se por assumir o tamanho amostral máximo entre os mínimos obtidos, sendo o valor de 228 indivíduos relativo à variável insulinemia, que, por sua vez, foi limitante para a amostragem por apresentar a maior va-riabilidade. Portanto, o tamanho da amostra foi definido em 228 estudantes como mínimo para atender à margem de erro nas medidas populacionais para todas as variáveis de interesse. Entretanto, estimando-se uma perda de 50%, a amostra final foi definida em 456 crianças. Realizou-se, em cada escola, estratificação por sexo e idade para que a proporção de idade e sexo fosse mantida. Com os dados obtidos em cada escola, os alunos foram numerados em cada série em ordem sequencial. A seguir, utilizando-se uma tabela de números aleatórios gerada pelo Excel 2003 (Microsoft Corporation, Washington – USA), selecionaram-se as crianças de número correspondente na lista criada em cada série, até atingir o número necessário para compor a amostra para aquele sexo e idade naquela escola.
Os critérios de inclusão foram pertencer à faixa etária compreendida entre 6 a 10 anos e estar matriculada na rede pública estadual ou municipal, em turnos da manhã ou tarde, da classe introdutória até o quinto ano. Os critérios de exclusão foram limitações clínicas e/ou motoras incapacitantes para a realização de teste físico e crianças matriculadas em escolas rurais, que representavam 6% dos estudantes do município.
Somente foram incluídas as crianças cujos pais auto-rizaram sua participação mediante assinatura do termo de consentimento. O projeto foi previamente aprovado pela Câmara Departamental de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG (parecer n° 93/2009) e pelos Comitês de Ética em Pesquisa da UFMG (parecer n° 0040.0.203.000-10) e da Universidade de Itaúna (parecer n° 012/10).
A massa corporal foi aferida com as crianças usando roupas leves, numa balança eletrônica digital da marca Seca (Scales Galore, Nova York, EUA), com capacidade máxima de 150kg e precisão de 0,1kg. Não foi subtraído o peso correspondente às roupas. A altura foi aferida em um antropômetro vertical Alturaexata (Alturaexata, Minas Gerais, Brasil), com graduação em centímetros (cm) e precisão de 0,001m. Massa corporal e altura foram aferidas duas vezes e a média foi considerada. O IMC foi calculado por meio da relação entre massa corporal total em quilogramas e altura em metros ao quadrado.
A pressão arterial foi aferida com um aparelho de pressão arterial automático da marca Onrom (Omron Healthcare, Illinois, EUA), modelo HEM711, validado para uso em crianças.12 Foram realizadas três medidas no braço direito após pelo menos 5 minutos de repouso com a criança sentada com pernas e braços em posição relaxada. Foi dado um intervalo de dois minutos entre cada medida, de acordo com Anderssen et al.13 A média das três medidas foi considerada.
A aptidão física aeróbica foi avaliada por meio do “20m Shuttle Run test”,14 que consiste numa corrida de ida e volta num percurso de 20 metros, com intensidade progressiva até a exaustão. O ritmo de corrida foi determinado por um sinal sonoro emitido por um aparelho de som com o CD específico do teste. A distância foi demarcada na quadra de esportes ou em outra área com piso pavimentado disponível dentro das próprias escolas. O teste se inicia com 8,5km/h e aumenta-se 0,5km/h a cada minuto até que a criança não consiga manter o ritmo por dois sinais sonoros consecutivos. Todas as crianças foram verbalmente encorajadas a alcançar o esforço máximo no teste. Para o cálculo do consumo máximo de oxigênio (VO2max), em mL.kg−1.min−1, foi utilizada a equação descrita por Leger e Gadoury:15 VO2max=31,025+3,238 (velocidade final do teste em km/h) –3,248 (idade em anos) +0,1536 (velocidade final x idade).
Após jejum de 12 horas, foram coletados 10mL de sangue numa seringa plástica descartável, dividida em dois tubos em quantidades iguais. O material foi armazenado em isopor à temperatura ambiente e levado ao laboratório em no máximo 1 hora, onde foi imediatamente analisado. Um dos tubos, contendo anticoagulante fluoreto, foi centrifugado a 5000rpm durante 5 minutos para obter plasma e realizar a glicemia em jejum pelo método enzimático-automação com reagente da Labtest (LABTEST, Minas Gerais – Brasil) no aparelho Clinline 150 (Biomerieux – USA). Dos 5mL restantes, após centrifugação a 5000rpm durante 5 minutos, foram retirados 500 microlitros de soro para análise do colesterol total e fracionado pelo método colorimétrico enzimático, bem como para análise dos triacilgliceróis pelo método enzimático-automação, todos realizados com reagentes da Labtest no aparelho Clinline 150 (Biomerieux – USA). Um volume de 1mL de soro foi utilizado para análise da insulinemia pela quimiluminescência por imunoensaio imunométrico em μUI/mL, em equipamento automatizado Immulite 2000 (Immulite 2000 Automated Immunoassay Analyzer, Boston, USA).
Foram considerados como fatores de risco de DCV, neste estudo, valores alterados das variáveis pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), colesterol total, colesterol HDL, colesterol LDL, triacilgliceróis e insulinemia.
Devido à distribuição não normal de algumas variáveis, a correlação de Spearman foi utilizada para avaliar a associação de IMC e a aptidão física aeróbica a cada um dos fatores de risco de DCV. O escore Z do IMC foi previamente calculado em cada idade para cada sexo e utilizado para fazer a associação às variáveis de risco. Para efeito de agrupamento de fatores de risco foram considerados três ou mais fatores presentes na mesma criança. Os pontos de corte adotados para as variáveis de risco foram: pressão arterial e insulinemia acima do percentil 80 para sexo e idade, colesterol HDL abaixo de 45mg/dL, colesterol LDL, triacilgliceróis e glicemia acima de 100mg/dL.16 A análise de regressão logística estimou a razão das chances para hi-pertensão arterial, HDL baixo, LDL elevado, triacilgliceróis elevados, insulinemia elevada e agrupamento de fatores de risco de DCV em crianças acima do percentil 75 e abaixo do percentil 75 para IMC, e acima e abaixo do percentil 25 para aptidão física aeróbica. Os dados foram analisados utilizando-se o pacote estatístico SPSS para Windows versão 17.0 (SPSS Inc. Released 2008. SPSS Statistics for Windows, Chicago – USA). Um nível de probabilidade de p<0,05 foi utilizado para indicar significância estatística.
ResultadosAs características descritivas da amostra são apresentadas na tabela 1. O coeficiente de correlação intraclasse para as duas medidas de estatura e massa corporal foram, respectivamente, 0,997 e 1,0 (p<0,001). Quanto à condição socioeconômica, a amostra estava classificada como 0,7% na classe B1, 9,7% na B2, 35,9% na C1, 35,2% na C2, 17,9% na D e 0,7% na classe E.
Características antropométricas e fatores de risco cardiovascular em meninas e meninos de 6 a 10 anos (n=290)
Variável | Meninas (n=132) | Meninos (n=158) | ||
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Média | DP | Média | DP | |
Idade (anos) | 8,3 | 1,6 | 8,3 | 1,3 |
Estatura (m) | 1,3 | 0,1 | 1,3 | 0,1 |
Massa Corporal (kg) | 30,0 | 8,9 | 31,6 | 8,9 |
IMC (kg/m2) | 16,9 | 3,6 | 17,5 | 3,3 |
VO2max (mL/kg/min) | 49,9 | 3,1 | 52,0b | 3,6 |
PAS (mmHg) | 94,8 | 9,9 | 95,8 | 11,4 |
PAD (mmHg) | 59,3 | 8,5 | 57,5 | 8,9 |
Colesterol total (mg/dL) | 171, 4 | 30,4 | 169,3 | 27,9 |
LDL (mg/dL) | 103,7 | 27,0 | 100,3 | 28,0 |
HDL (mg/dL) | 50,2 | 10,6 | 53,1a | 10,9 |
Triacilgliceróis (mg/dL) | 87,4 | 39,5 | 79,8 | 33,5 |
Glicemia (mg/dL) | 88,7 | 7,9 | 88,3 | 8,2 |
Insulinemia (μUI/mL) | 5,8 | 5,4 | 4,8 | 4,0 |
DP, desvio padrão; IMC, índice de massa corporal; VO2max, consumo máximo de oxigênio; LDL, colesterol de baixa densidade; HDL, colesterol de alta densidade.
Os coeficientes da correlação de Spearman para IMC e aptidão física aeróbica com os fatores de risco de DCV são apresentados na tabela 2. Nos dois sexos houve uma correlação positiva e significativa entre o escore Z do IMC e PAS, PAD, triacilgliceróis e insulinemia. As correlações entre o escore Z do IMC e colesterol total, HDL e LDL não foram significativas em nenhum dos sexos. A aptidão física aeróbica nas meninas correlacionou-se de forma negativa e significativa com PAD, colesterol total, triacilgliceróis e insulinemia. Nos meninos, uma forte correlação negativa e significativa (p<0,01) foi encontrada entre aptidão física aeróbica e PAS, PAD, colesterol total, LDL, triacilgliceróis e insulinemia.
Coeficientes de correlação de Spearman entre IMC (escore Z) e VO2max com os fatores de risco de DCV em meninas e meninos de 6 a 10 anos (n=290)
IMC (escore Z) | VO2max | |||
---|---|---|---|---|
Coeficiente Correlação | Valor p | Coeficiente Correlação | Valor p | |
Meninas (n=132) | ||||
PAS | 0,327 | <0,001 | -0,115 | 0,191 |
PAD | 0,216 | 0,013 | -0,173 | 0,048 |
Colesterol Total | 0,050 | 0,565 | -0,192 | 0,028 |
HDL | -0,072 | 0,412 | 0,001 | 0,991 |
LDL | 0,033 | 0,704 | -0,110 | 0,208 |
Triacilgliceróis | 0,221 | 0,011 | -0,342 | <0,001 |
Insulinemia | 0,350 | <0,001 | -0,401 | <0,001 |
Meninos (n=158) | ||||
PAS | 0,513 | <0,001 | -0,310 | <0,001 |
PAD | 0,394 | <0,001 | -0,295 | <0,001 |
Colesterol Total | 0,131 | 0,102 | -0,267 | 0,001 |
HDL | -0,115 | 0,150 | 0,044 | 0,586 |
LDL | 0,110 | 0,169 | -0,209 | 0,009 |
Triacilgliceróis | 0,311 | <0,001 | -0,237 | 0,003 |
Insulinemia | 0,445 | <0,001 | -0,372 | 0<0,001 |
IMC, índice de massa corporal; VO2max, consumo máximo de oxigênio; PAS, pressão arterial sistólica; PAD, pressão arterial diastólica; HDL, colesterol de alta densidade; LDL, colesterol de baixa densidade
Chances aumentadas para agrupamento de fatores de risco de DCV e insulinemia em função das variáveis IMC e aptidão física aeróbica, nos dois sexos, são apresentadas na tabela 3.
Razão das Chances para os fatores de risco de doença cardiovascular em meninas e meninos de 6 a 10 anos (n=290)
Meninas (n=138) | Meninos (n=152) | |||
---|---|---|---|---|
Razão de Chances | IC 95% | Razão de Chances | IC 95% | |
IMC > percentil 75 versus < 75 | ||||
PAS | 6,79 | - | 1,99 | 0,07–57,51 |
PAD | 4,38 | 0,35 – 54,44 | 1,27 | 0,07–22,56 |
Triacilgliceróis | 2,80a | 1,16 – 6,72 | 2,55 | 0,98–6,66 |
HDL | 2,49a | 1,07 – 5,80 | 1,55 | 0,60–4,00 |
LDL | 1,72 | 0,73 – 4,01 | 1,34 | 0,58–3,10 |
Insulinemia | 11,81b | 4,33 – 32,23 | 3,62b | 1,48–8,84 |
Agrupamento | 4,70b | 1,98 – 11,19 | 5,25b | 2,08–13,23 |
VO2max. < percentil 25 versus > 25 | ||||
PAS | 0 | - | 2,14 | 0,07–61,68 |
PAD | 4,38 | 0,35 – 54,44 | 1,36 | 0,08–24,21 |
Triacilgliceróis | 3,50b | 1,46 – 8,34 | 1,95 | 0,74–5,14 |
HDL | 0,97 | 0,40 – 2,35 | 1,18 | 0,45–3,11 |
LDL | 0,88 | 0,39 – 2,02 | 1,55 | 0,66–3,61 |
Insulinemia | 4,88b | 1,86 – 12,78 | 2,99a | 1,21–7,37 |
Agrupamento | 2,48a | 1,04 – 5,94 | 1,58 | 0,61–4,11 |
Agrupamento: três ou mais dos seguintes fatores presentes na mesma criança: LDL, Triacilgliceróis e Glicemia acima de 100mg/dL; HDL abaixo de 45mg/dL; Insulinemia, pressão arterial sistólica e diastólica acima do percentil 80 para sexo e idade; IC 95%=intervalo de confiança 95%
O IMC, no presente estudo, associou-se nos dois sexos de forma positiva com PAS, PAD, triacilgliceróis e insulinemia. As crianças com IMC acima do percentil 75 apresentaram chances aumentadas para fatores de risco de doenças cardiovasculares, em comparação às crianças abaixo do percentil 75. A aptidão física aeróbica associou-se de forma negativa nos dois sexos com PAD, colesterol total, triacilgliceróis e insulinemia. Chances aumentadas para insulinemia alterada nos dois sexos e para agrupamento de fatores de risco de DCV nas meninas foram encontradas ao comparar a aptidão física aeróbica abaixo e acima do percentil 25. Os valores médios das variáveis de risco de DCV encontrados neste estudo para os dois sexos, exceto colesterol total (171,4mg/dL) e LDL (103,7mg/dL) nas meninas, estão na faixa considerada “desejável” pela I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência16 e são similares aos encontrados no “Estudo do Coração de Belo Horizonte”.17
Outros estudos corroboram a presente investigação com correlações positivas e significativas entre IMC e PAS, PAD,2,18 triacilgliceróis e insulinemia.2,19 Entretanto, as correlações não significativas encontradas no presente estudo entre IMC e colesterol total, HDL e LDL, nos dois sexos, não estão em acordo com os resultados dos estudos acima citados. Como no presente estudo, Sinaiko et al20 também não encontraram correlação significativa entre IMC e HDL (p=0,07) e entre IMC e LDL (p=0,48) nos meninos, embora nas meninas essa correlação tenha sido significativa. Nas meninas do presente estudo, estar acima do percentil 75 de IMC em comparação com estar abaixo do mesmo percentil aumentava em 2,8, 2,5 e 11,8 vezes as chances de estar, respectivamente, com triacilgliceróis, HDL e insulinemia alterados. Nos meninos, as chances para aqueles com IMC acima do percentil 75 foi 3,6 vezes maior para insulinemia aumentada. As chances de apresentarem agrupamento de fatores de risco de DCV para meninas e meninos, respecti-vamente, foram 4,7 e 5,3 vezes maiores para aquelas acima do percentil 75. Falaschetti et al2 estudaram 5002 crianças de 7 a 12 anos e encontraram razões das chances significativas entre aquelas abaixo do percentil 85 e aquelas acima do percentil 95 de IMC, nos dois sexos, para hipertensão, triacilgliceróis elevado e baixos níveis de HDL. O “Estudo do Coração de Belo Horizonte” encontrou, em 1450 crianças e adolescentes de 6 a 18 anos, razões das chances significativas para variáveis de risco de DCV ao comparar os estudantes com IMC abaixo e acima do percentil 85.17 Nesse último estudo, as chances para HDL alterado e PAS e PAD elevadas foram, respectivamente, 2,2, 3,6 e 2,7 vezes maior para os estudantes com IMC acima do percentil 85. Talvez não tenha sido observada chance aumentada para PAS e PAD elevadas nos dois sexos, no presente estudo, devido ao ponto de corte ser estabelecido acima do percentil 75 para o IMC, e não acima do percentil 85, como no “Estudo do Coração de Belo Horizonte”.
Embora o IMC não discrimine a obesidade abdominal e visceral, essa última está associada, por vários mecanismos, a alguns fatores de risco de DCV. O tecido adiposo visceral secreta maior quantidade de adipocitocinas, comparado ao subcutâneo. As adipocitocinas têm funções inflamatórias e imunes que mediam a resistência à insulina, as complicações cardiovasculares e, principalmente, o processo aterogênico via biomarcadores inflamatórios, como TNF-alfa, IL-6 e proteína C-reativa (PCR).21,22 As adipocitocinas mediam a lipólise indiretamente e aumentam a síntese hepática de ácidos graxos, assim aumentando os níveis séricos de ácidos graxos e triacilgliceróis.21 As altas correlações entre IMC, insulinemia e triacilgliceróis no presente estudo, nos dois sexos, corroboram as pesquisas citadas.
A aptidão física aeróbica apresentou uma correlação significativa e negativa com PAD, colesterol total, triacilgliceróis e insulinemia nas meninas do presente estudo. Nos meninos, as correlações foram mais fortes (p<0,01) e significativas também com a PAS e com o LDL. Esses resultados são similares a vários outros estudos na população pediátrica.10,11,13,24 Kriemler et al9 encontraram associação inversa entre a aptidão física aeróbica e a soma de quatro dobras cutâneas, a resistência à insulina e o risco metabólico, além de observarem redução de 6% na resistência à insulina para cada aumento de um estágio num teste de aptidão física aeróbica. A importância da aptidão física aeróbica foi destacada por Kelly et al,25 que encontraram melhora de VO2max, colesterol HDL e função endotelial após oito semanas de treinamento aeróbico num grupo de crianças, quando comparado ao grupo controle sem treinamento. Investigação com crianças e adolescentes com sobrepeso e obesos, submetidos a 12 semanas de treinamento aeróbico de intensidade moderada, três vezes por semana, encontrou redução na razão colesterol total para HDL, na proteína C-reativa e na gordura corporal, concomitante a um aumento na aptidão física aeróbica.26
No presente estudo, as meninas com aptidão física aeróbica abaixo do percentil 25 apresentaram 3,5 e 4,9 vezes mais chances de ter triacilgliceróis e insulinemia aumentados, quando comparadas às demais meninas. Nos meninos abaixo do percentil 25 de aptidão física aeróbica, foi encontrada três vezes mais chance para insulinemia alterada. As chances aumentadas para insulinemia alterada nas crianças com IMC no último quartil e aptidão física aeróbica no primeiro quartil talvez possam ser parcialmente explicadas pelo ponto de corte acima do percentil 80 adotado para insulinemia. No entanto, uma recente revisão apresentou os percentis 75 e 80 como os pontos de corte mais utilizados em estudos epidemiológicos em crianças.21 Como a hiperglicemia raramente está presente em crianças, a glicemia em jejum e o índice HOMA trazem menos informações do que a insulinemia isoladamente.20 Por esse motivo, optou-se por utilizar a insulinemia no presente estudo.
Chances 2,5 vezes maiores foram encontradas para um agrupamento de fatores de risco de DCV em meninas abaixo do percentil 25 de aptidão física aeróbica, comparadas às demais meninas. Análise de escolares de nove anos mostrou chance 13 vezes maior de possuir agrupamento de fatores de risco de DCV para aqueles no primeiro quartil de aptidão física aeróbica em relação aos que estavam no quarto quartil.13 Outro estudo, com 1.140 crianças europeias de 9-10 anos, observou chance de agrupamento de risco metabólico de 3,1 vezes maior para meninas e de 2,4 vezes maior para meninos, ao comparar aqueles abaixo e acima do percentil 75 de aptidão física aeróbica.11 Ruiz et al23 utilizaram a análise de variância para comparar as médias de variáveis de risco de DCV entre os quatro quartis de aptidão física aeróbica. Foram encontradas diferenças significativas entre o primeiro e o quarto quartis de aptidão física aeróbica para resistência à insulina nos dois sexos e entre primeiro e quarto quartis para triacilgliceróis e razão colesterol total para HDL nas meninas. Meninos e meninas no primeiro quartil de aptidão física aeróbica também apresentaram menor risco metabólico em relação às demais crianças.
A aptidão física aeróbica pode ser avaliada em testes de corrida, nos quais a massa corporal do avaliado afeta diretamente o desempenho, ou em testes em cicloergômetro, em que a massa corporal pode ou não ser considerada. Como o presente estudo utilizou um teste de corrida para avaliar a aptidão física aeróbica, as crianças com sobrepeso e obesas provavelmente apresentaram piores resultados, o que pode explicar o pior perfil de risco das crianças abaixo do percentil 25 de aptidão física aeróbica. Embora o teste de aptidão física utilizado seja fortemente correlacionado com a medida da aptidão física aeróbica em laboratório e tenha sido utilizado em estudos recentes com crianças,9,27 fatores motivacionais podem afetar o resultado do teste, e talvez isso explique as inconsistências nas chances de risco cardiovascular entre os dois sexos aqui observadas.9,27 Mesmo em crianças com sobrepeso, uma melhor aptidão física aeróbica atenua o risco metabólico e de DCV por mecanismos que possivelmente envolvem aspectos genéticos, adipocitocinas e capacidade oxidativa dos músculoesqueléticos.28 Os benefícios da aptidão física aeróbica podem envolver melhora na ação da insulina, melhora no transporte de glicose, melhora no metabolismo de gorduras, aumento dos níveis de colesterol HDL e diminuição do tônus simpático e da pressão arterial.29 Portanto, a associação entre aptidão física aeróbica e os fatores de risco de DCV justificam a inclusão da avaliação da aptidão física aeróbica, em especial no ambiente escolar, como parte do monitoramento da saúde de crianças.
Possíveis limitações desse estudo são sua natureza transversal, que impede estabelecer uma relação causal entre as variáveis, e o cuidado com a generalização desses dados para outras regiões do país, devido às possíveis diferenças étnicas, culturais e socioeconômicas. Apesar de tais limitações, os resultados reforçam a contribuição de um elevado índice de massa corporal e de uma baixa aptidão física aeróbica na presença de agrupamento de fatores de risco de doença cardiovascular em crianças.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
FinanciamentoFAPEMIG – processo APQ 02341-10. Universidade de Itaúna – MG: projeto 016/2010.
Estudo conduzido na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.