Avaliar a completude e a confiabilidade dos dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc).
MétodosEstudo transversal de análise da confiabilidade e completude dos dados do Sinasc, realizado utilizando amostra de Declaração de Nascido Vivo (DNVs) de 2009 dos partos ocorridos em Campinas (SP). Agruparam-se os hospitais conforme a categoria de atendimento (Sistema Único de Saúde – SUS, mistos ou privados), selecionaram-se 600 DNVs aleatoriamente e realizou-se coleta de dados em DNVs-cópia por consulta aos prontuários de mães e recémnascidos (RN) e por entrevistas telefônicas. Avaliou-se a completude das DNVs calculando-se o percentual de campos em branco, e a concordância, comparando-se as DNVs originais com as cópias. Para análise das variáveis utilizaram-se Coeficiente Kappa e de Correlação Intraclasses.
ResultadosO percentual de preenchimento das DNVs variou de 99,8% a 100%. Para a maioria das variáveis a concordância foi excelente. Entretanto, a concordância foi moderada para estado civil e escolaridade da mãe e raça/cor do RN, foi fraca para consultas de pré-natal e presença de anomalias congênitas e muito fraca para número de filhos mortos.
ConclusãoOs resultados mostram que o Sinasc no município é confiável para a maioria das variáveis. Sugerem-se investimentos em capacitação dos profissionais, para que o sistema subsidie o planejamento e a implementação de ações de saúde em benefício da população materno-infantil.
To assess the completeness and reliability of the Information System on Live Births (Sinasc) data.
MethodsA cross-sectional analysis of the reliability and completeness of Sinasc's data was performed using a sample of Live Birth Certificate (LBC) from 2009, related to births from Campinas, Southeast Brazil. For data analysis, hospitals were grouped according to category of service (Unified National Health System, private or both), 600 LBCs were randomly selected and the data were collected in LBC-copies through mothers and newborns’ hospital records and by telephone interviews. The completeness of LBCs was evaluated, calculating the percentage of blank fields, and the LBCs agreement comparing the originals with the copies was evaluated by Kappa and intraclass correlation coefficients.
ResultsThe percentage of completeness of LBCs ranged from 99.8%–100%. For the most items, the agreement was excellent. However, the agreement was acceptable for marital status, maternal education and newborn infants’ race/color, low for prenatal visits and presence of birth defects, and very low for the number of deceased children.
ConclusionThe results showed that the municipality Sinasc is reliable for most of the studied variables. Investments in training of the professionals are suggested in an attempt to improve system capacity to support planning and implementation of health activities for the benefit of maternal and child population.
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como um de seus objetivos a utilização da epidemiologia para estabelecer prioridades, alocação de recursos e orientação programática, sendo necessárias informações que possibilitem antever a ocorrência de mudanças nos padrões de riscos e indicar as medidas de controle pertinentes. Os Sistemas de Informações em Saúde (SIS) são importantes ferramentas no cumprimento desses objetivos.1
Entre os vários SIS, destaca-se o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), que tem como finalidade a obtenção do perfil dos nascimentos em todo o território nacional, segundo variáveis consideradas importantes do ponto de vista epidemiológico.2 A criação desse SIS ocorreu em 1989, com a elaboração do instrumento oficial de coleta de dados, a Declaração de Nascido Vivo (DNV). Desde 1994, o Sinasc está implantado em todo o território nacional, sendo as informações disponibilizadas na página da internet do Departamento de Informática do SUS, num prazo de no máximo dois anos após a ocorrência.3 Assim, é possível obter um panorama epidemiológico das condições de saúde materno-infantil. Isso permite o desenvolvimento de ações voltadas à promoção da saúde, que visam ao desenvolvi-mento e ao bem-estar de um indivíduo em sua totalidade. Esse reconhecimento favorece também o monitoramento e a avaliação das ações de saúde, principalmente em regiões com ampla desigualdade socioeconômica, como o que ocorre no território brasileiro.4
Desde sua criação, o Sinasc tem sido fonte importante para vários tipos de estudos no país. Alguns deles afirmam que os dados das DNVs são confiáveis e completos,5 enquanto outros mostram, além da incompletude, a existência de uma porcentagem significativa de subnotificações de registro de nascimento, como verificado em cidades do Nordeste brasileiro, onde, num período de três anos, 43,6% dos óbitos infantis não tinham correlação com DNVs.6
Reconhecendo que a qualidade desses dados é fundamental para o retrato fiel da realidade e para planejar e implantar programas de saúde destinados à população materno-infantil, este estudo propôs-se a avaliar a completude e a confiabilidade dos dados do Sinasc em Campinas.
MétodoRealizou-se um estudo transversal de análise da confiabilidade e completude dos dados do Sinasc, utilizando-se uma amostra de DNVs de 2009, referentes aos partos de mães residentes em Campinas, cujos partos ocorreram em hospitais do município.
Campinas, São Paulo, Brasil, tem aproximadamente um milhão de habitantes. É gestor pleno do sistema de saúde, organizado segundo princípios e diretrizes do SUS e dividido em cinco distritos de saúde. É composto por 62 centros de saúde (CSs), responsáveis pela atenção básica e por diversos serviços de atenção de média e de alta complexidade próprios, conveniados ou contratados. A rede de estabelecimentos de saúde, que realiza 99,6% dos partos, é composta por 11 hospitais, sendo dois universitários, onde ocorrem 13,9% e 17,6% dos partos, uma maternidade, com 44,2% dos nascimentos, e os oito hospitais privados, com 24%. Um dos hospitais universitários atende somente parturientes do SUS, enquanto o outro e a maternidade dão assistência tanto a clientes do SUS quanto de convênios ou particulares.7
Para a análise dos dados, os hospitais foram agrupados em A, B, C e D, de acordo com a categoria de atendimento. A seleção das DNVs foi realizada por amostragem aleatória estratificada. O cálculo do tamanho da amostra considerou a porcentagem de discordância observada por Mishima et al8 para a variável “número de consultas de pré-natal” (30,7%), com margem de erro de 4% e confiança de 95%. Obteve-se um n=504 DNVs e, acrescido de 20%, considerando possíveis perdas, chegou-se ao grupo amostral de 600 DNVs9. Levando em conta a distribuição do percentual de nascimento entre os hospitais, a amostra foi de 266 DNVs para o Hospital A, 84 para o Hospital B, 106 para o Hospital C, 144 para Hospital D.
O sorteio das DNVs foi realizado por um pesquisador neutro, que não teve contato com a equipe de campo. As declarações originais utilizadas no estudo foram disponibilizadas pela Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, após assinatura do termo de responsabilidade e confidencialidade.
A coleta de dados ocorreu de junho de 2011 a maio de 2012, mediante o preenchimento de formulário em branco idêntico à DNV original por acadêmicos treinados para a pesquisa, com dados dos prontuários hospitalares das mães e de seus RNs e por entrevistas telefônicas com as mães. O preenchimento foi feito segundo as instruções do Manual de Instruções para o Preenchimento da Declaração de Nascido Vivo. Os números de telefone utilizados para as entrevistas foram os anotados nas DNVs e nos prontuários. Realizaramse pelo menos três ligações em dias e horários diferentes (manhã, tarde e noite), de forma a excluir somente as fichas cujos números não existiam, quando a mãe não foi encontrada ou se recusou a participar do estudo. Quando necessário, realizou-se a substituição da DNV, seguindo-se o critério de aleatorização previamente definido.
O levantamento das informações nos prontuários foi realizado com sucesso em todos os hospitais citados, excetuando-se um, que não autorizou a consulta dos prontuários, inviabilizando, neste estabelecimento, a avaliação dos dados cujo padrão-ouro dependia dessa consulta.
Na comparação dos dados, consideraram-se, como padrão-ouro, as informações obtidas por entrevista telefônica com as mães, referentes às variáveis sociodemográficas maternas (idade, estado civil, escolaridade, ocupação, número de filhos nascidos vivos e mortos), ao número de consultas de pré-natal, tipo de parto, sexo e raça/cor do RN. Já para duração da gestação, tipo de gravidez, peso ao nascer, índice de Apgar no 1° e no 5° minutos e presença de anomalias congênitas, o padrão-ouro foi obtido por meio da coleta dos dados nos prontuários das mães e de RNs.
Analisaram-se as variáveis considerando-se os agrupamentos padronizados nas DNVs, com exceção da “Ocupação habitual ou ramo de atividade”, que foi dicotomizada em “Com ocupação” (quando a mãe referiu ter trabalho remunerado fora de casa) e “Sem ocupação” (para estudantes, desempregadas e trabalhadoras do lar). A idade materna foi calculada pela data de nascimento da mãe, obtida na entrevista telefônica. À variável “Estado Civil” foi acrescentada à categoria “União Consensual”, visto que, na DNV, a classificação deste item é baseada em situação conjugal legal.
Os dados foram processados utilizando-se os softwares SPSS 16.0 (SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA) e Epi-Info 6.04 (CDC, Atlanta, Georgia, EUA). O banco de dados foi constituído pelas informações das DNVs originais e aquelas obtidas nos prontuários e nas entrevistas telefônicas. Esse banco foi checado para que fossem excluídos os possíveis erros de digitação. Para o Hospital A, registrou-se apenas informações das DNVs originais e aquelas obtidas na entrevista.
Para a avaliação da concordância entre as variáveis categóricas (estado civil, escolaridade da mãe, ocupação, número de filhos nascidos vivos e mortos, duração da gestação, tipo de gravidez, número de consultas de pré-natal, tipo de parto, sexo do RN, presença de anomalias congênitas, raça/cor e índice de Apgar no 1° e 5° minutos), utilizou-se o Coeficiente de kappa, com nível de significância de 95%. Considerou-se concordância quase perfeita para o kappa entre 0,81 e 1,00; concordância excelente entre 0,61 e 0,80; moderada entre 0,41 e 0,60; fraca entre 0,21 e 0,40; e muito fraca abaixo ou igual a 0,20.10
Para a medida de concordância das variáveis quantitativas (idade da mãe e peso ao nascer) utilizou-se Coeficiente de Correlação Intraclasses (Intraclass Correlation Coefficient – ICC), adotando-se o modelo two way mixed effect model.11
Avaliou-se a completude do preenchimento das DNVs calculando-se o percentual de incompletude (campos em branco), considerando como preenchimento excelente menos de 5% de dados não preenchidos; bom, de 5% a 10% de não preenchimento; regular, de 10% a 20%; ruim, de 20% a 50%; e muito ruim, acima de 50%.12 Nas tomadas de decisão foi adotado erro α de 0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, sob o protocolo 179/2011. Por se tratar de entrevista por telefone, solicitou-se a dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido, que foi substituído pelo consentimento verbal obtido e gravado durante os contatos.
ResultadosO banco de dados utilizado na análise de concordância contou com 601 DNVs. Em relação à completude das variáveis, observou-se um baixo percentual de informações em branco ou ignoradas. Para escolaridade da mãe, número de filhos vivos e de filhos mortos, duração da gestação, número de consultas de pré-natal, Apgar 1° e 5° minutos e presença de anomalia congênita, o percentual de completude foi de 99,8%. As demais apresentaram completude de 100% (tabela 1).
Completude das variáveis das Declarações de Nascidos Vivos do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc), Campinas, São Paulo, 2009
Variáveis | Completude (%) |
---|---|
Idade da mãe | 100 |
Estado civil | 100 |
Escolaridade | 99,8 |
Ocupação | 100 |
Número de filhos vivos | 99,8 |
Número de filhos mortos | 99,8 |
Duração da gestação | 99,8 |
Tipo de gravidez | 100 |
Tipo de parto | 100 |
Número de consultas de pré-natal | 99,8 |
Sexo | 100 |
Apgar 1° minuto | 99,8 |
Apgar 5° minuto | 99,8 |
Raça/cor | 100 |
Peso ao nascer | 100 |
Presença de anomalia congênita | 99,8 |
Fonte: Sinasc. Janeiro a dezembro, 2009: Campinas, SP, Brasil
Na análise das variáveis sociodemográficas maternas observou-se concordância excelente para ocupação da mãe e número de filhos vivos; moderada, para estado civil e escolaridade; e muito fraca, para número de filhos mortos (tabela 2).
Concordância entre as variáveis demográficas maternas das Declarações de Nascidos Vivos do Sinasc, Campinas, SP, 2009
Variáveis | Kappa | IC95% | p-valor |
---|---|---|---|
Estado Civil | 0,44 | 0,39–0,49 | <0,001 |
Escolaridade | 0,57 | 0,51–0,62 | <0,001 |
Ocupação | 0,66 | 0,57–0,74 | <0,001 |
N° Filhos Vivos | 0,86 | 0,80–0,91 | <0,001 |
N° Filhos Mortos | 0,12 | 0,07–0,17 | <0,001 |
Sinasc, Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos; IC95%, Intervalo de Confiança de 95% do Coeficiente kappa
Para as variáveis relacionadas à gestação, ao parto e ao RN verificou-se concordância quase perfeita para tipo de gravidez, tipo de parto, Apgar 1° e 5° minutos e sexo do RN. Para a duração da gestação a concordância foi excelente e, para a raça/cor, moderada. Entretanto, para número de consultas de pré-natal e presença de anomalias congênitas, a concordância foi fraca (tabela 3).
Concordância entre as variáveis relacionadas à gestação, ao parto e ao recém nascido das Declarações de Nascidos do Sinasc, Campinas, SP, 2009
Variáveis | Kappa | IC95% | p-valor |
---|---|---|---|
Duração da | 0,74 | 0,64–0,83 | <0,001 |
Gestação | |||
Tipo de Gravidez | 0,91 | 0,80–1,01 | <0,001 |
No de consultas | 0,25 | 0,18–0,32 | <0,001 |
Pré-Natal | |||
Tipo de Parto | 0,97 | 0,89–1,05 | <0,001 |
Sexo | 0,97 | 0,89–1,05 | <0,001 |
Anomalias | 0,39 | 0,29–0,49 | <0,001 |
Congênitas | |||
Raça/Cor | 0,43 | 0,36–0,50 | <0,001 |
Apgar 1° minuto | 0,97 | 0,95–0,99 | <0,001 |
Apgar 5° minuto | 0,96 | 0,92–0,99 | <0,001 |
Sinasc, Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos; K, Coeficiente kappa; IC95%: Intervalo de Confiança de 95% do Coeficiente kappa
A medida da concordância das variáveis contínuas por meio do ICC demonstrou excelente confiabilidade para a idade da mãe (ICC=0,9984) e peso ao nascer (ICC=0,994) (tabela 4).
Concordância entre as variáveis idade materna e peso de nascimento das Declarações de Nascidos Vivos por meio do ICC do Sinasc, Campinas, SP, 2009
Variáveis | ICC | IC95% | p-valor |
---|---|---|---|
Idade da Mãe | 0,998 | 0,998–0,999 | <0,001 |
Peso ao nascer | 0,994 | 0,993–0,995 | <0,001 |
Sinasc, Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos; ICC, Coeficiente de Correlação Intraclasse
Considerando que Sistemas de Informações sobre Nascidos Vivos são fontes de dados sobre a população materno-infantil de extrema importância, diversos estudos têm sido realizados no Brasil e no exterior buscando avaliar a confiabilidade e a completude das informações contidas nas declarações de nascidos vivos.13–15 Observou-se, neste estudo, que a cobertura do Sinasc em Campinas é excelente, pois, ao comparar o número de nascidos vivos informados pelas DNVs com a população menor de um ano, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2009, verifica-se que a proporção de captação do Sinasc foi superior a 100%.16 Quanto à completude, verificou-se o registro da maioria dos itens das DNVs, apontando para uma adesão satisfatória dos estabelecimentos de saúde.
Embora muitos estudos avaliem a completude agrupando campos em branco e ignorados, nesta pesquisa a avaliação foi analisada pelo cálculo do percentual de campos em branco, uma vez que tais campos refletem a falta de importância dada à declaração e seu consequente mau preenchimento. Já os campos ignorados podem representar ausência de informação nos prontuários ou o desconhecimento por parte dos acompanhantes das mulheres.12,17,18 A excelente completude observada em Campinas para todas as variáveis vai ao encontro da tendência apontada por Barbuscia e Rodrigues-Júnior,17 de aumento na qualidade de preenchimento. Diversos estudos sobre o tema também demonstram melhora da cobertura do sistema em diferentes regiões do país.18–20 Segundo Costa e Frias,18 diversas causas são apontadas para o mau preenchimento das DNVs, como a falta de clareza do manual de instruções para o preenchimento e a heterogeneidade dos profissionais responsáveis por essa tarefa. Diante dos resultados do município, pode-se supor que a equipe gestora e as dos hospitais têm trabalhado em consonância com os objetivos do Sinasc, conscientizando os profissionais de saúde sobre o potencial desse sistema como fonte de informações e sobre a importância do preenchimento completo e correto das declarações.
Além da completude excelente, a concordância para diversas variáveis foi perfeita (idade da mãe e peso ao nascer), quase perfeita (número de filhos vivos, tipo de gravidez e de parto, sexo do RN e Apgar) ou excelente (ocupação da mãe e duração da gestação), mostrando que há possibilidade de proceder análises de alta confiabilidade com base nessas informações, como a elaboração de diagnósticos de saúde, a vigilância e o monitoramento de RNs, a avaliação de ações de saúde na área materno-infantil, o conhecimento da oferta de serviços que realizam partos, entre outros.
Em relação à situação conjugal da mãe, verificou-se concordância moderada, assim como em outros estudos, que apontaram baixa concordância para essa variável.20 É possível supor que essa distorção decorre das opções de preenchimento, que não incluem o item “união estável”, mas somente o estado civil que tem conotação legal. A atual versão da DNV já incluiu essa opção, o que deve contribuir para o preenchimento fidedigno dessa variável, podendo assim refletir a real situação de suporte familiar. Isso é importante, uma vez que a ausência do companheiro relaciona- se com desfechos desfavoráveis, como menor adesão ao pré-natal de gestantes adolescentes e adultas e com baixo peso de nascimento.21
A escolaridade materna também apresentou concordância moderada, diferente do resultado encontrado no Maranhão,19 cuja concordância foi fraca, e do Rio de Janeiro,20 que mostrou boa confiabilidade. É possível que a dificuldade de preenchimento determine esses resultados discrepantes, visto que a variável é categorizada por anos de estudo concluídos, e não por períodos escolares, o que pode causar um viés de preenchimento. A versão mais recente da DNV é objetiva em relação a essa variável, com os campos “nível de escolaridade” e “última série concluída”, tornando mais fácil a assimilação entre o que a puérpera responde e o que deve ser preenchido. Acredita-se que esse novo formato poderá contribuir para aumentar a confiabilidade da informação, visto que estudos mostram que a escolaridade das mães está relacionada aos desfechos negativos para sua própria saúde e a de seus filhos, como maior paridade, pré-natal inadequado, maior risco de mortalidade infantil, de baixo peso ao nascer, entre outros.22–24
Outro problema evidenciado em relação ao correto preenchimento da DNV diz respeito à variável raça/cor, cuja concordância foi moderada. Romero e Cunha12 também observaram uma discrepância entre a proporção de crianças brancas e pardas, comparando o Sinasc com o Censo 2000, e ressaltaram a falta de especificação sobre o preenchimento dessa variável. O trabalho de Buscher et al25 demonstrou diferenças entre a raça autorreferida e os dados publicados em banco de dados sobre nascimentos na Carolina do Norte e ressaltou a necessidade de maior clareza em relação a esse tipo de informação, principalmente em populações com grande diversidade étnica. Já o estudo de Baumeister et al26 revelou que, apesar do treinamento limitado dos responsáveis para preenchimento dos certificados de nascimento, as informações relativas à raça e etnia têm concordância com a raça autorreferida para grupos que não são nativos americanos. Esse tipo de avaliação não foi feita neste estudo, mas acredita-se que a confiabilidade dessa variável tenha sido comprometida pela falta de clareza na orientação para seu preenchimento no manual. Essa padronização deveria seguir a orientação do IBGE, que estabelece que a população brasileira deve ser classificada em branca, preta, parda, amarela e indígena com base na percepção pessoal do sujeito sobre sua raça/etnia, e não a do entrevistador.27
A concordância da variável número de consultas de pré-natal foi fraca. Sabe-se que a atenção pré-natal é essencial para a prevenção de desfechos neonatais negativos e que o correto preenchimento dessa variável pode contribuir para a identificação de grupos vulneráveis. Outros estudos também demonstram problemas em relação ao preenchimento desse campo20 e apontam para a subutilização do cartão da gestante, demonstrando a falta de integração entre os sistemas de informação da rede ambulatorial e básica de saúde com a rede hospitalar.8 Isso explicaria o resultado, mesmo em municípios com alta cobertura de pré-natal.28 Além disso, Theme-Filha et al20 apontaram para uma diferença na concordância dessa variável quando a fonte de comparação era o prontuário ou a entrevista com a mãe, demonstrando que a DNV era preenchida baseada na informação verbal.
Os dados sobre presença de anomalias congênitas também obtiveram concordância fraca, assim como constatado em outros dois estudos. No primeiro, que comparou dados dos certificados de nascimento com prontuários médicos, verificou-se concordância muito pobre15 e, no segundo, observou-se que anomalias mais complexas e inaparentes apresentavam menor concordância, enquanto as mais evidentes mostraram concordância de moderada a excelente, pois são mais facilmente identificadas.29 Concluiu-se que, por não haver um diagnóstico preciso de anomalias complexas no pós-parto imediato, quando comumente é rea-lizado o preenchimento da DNV, há grande possibilidade de registro inadequado desse campo, contribuindo para a menor segurança na utilização desse dado.
A variável número de filhos mortos foi a que obteve o pior resultado, apresentando concordância muito fraca. Segundo estudo realizado por Theme-Filha et al20 as variáveis número de filhos vivos e número de filhos mortos apresentaram baixa completude, mas, quando esses dados eram informados, apresentavam excelente confiabilidade. Como essas informações estavam presentes na maioria dos prontuários, as autoras justificaram a grande taxa de não informação devido à falta de valorização dessa variável. Por apresentar excelente completude em Campinas, fica a impressão de que o problema está na denominação “número de filhos mortos anteriores”, que deixa a dúvida para os hospitais sobre a informação a ser registrada, não especificando se deve ser declarado o total de perdas fetais anteriores, incluindo os abortos espontâneos. Mello Jorge et al,30 em estudo de 1993, já apontavam uma precariedade no registro de dados relativos à paridade materna e mos-traram a denominação da variável como causa de sua baixa confiabilidade. Assim, uma maior clareza dos formulários e do manual de orientação para o preenchimento poderá dirimir as dúvidas e contribuir para a maior confiabilidade desse campo.
A limitação desta pesquisa foi a impossibilidade de realizar o levantamento de dados dos prontuários num dos hospitais do município. No entanto, acredita-se que isso não tenha interferido nos resultados, visto que a maioria das variáveis foi coletada por meio de entrevistas telefônicas.
Este estudo revelou excelente completude e boa confiabilidade do Sinasc em Campinas. Assim, podemos considerar esse sistema de informação como fonte de dados fidedigna da população materno-infantil no município. Espera-se oferecer subsídios para a melhoria do sistema, bem como incentivar o investimento na constante qualificação de suas informações, para que ele seja sempre um instrumento confiável de monitoramento das condições de saúde da população materno-infantil e de planejamento e implementação de ações que objetivam o benefício global desse grupo.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
FinanciamentoMinistério da Saúde – Processo n° 25000.072380/2010-95.
Agradecemos aos seguintes colaboradores, que contribuíram para a realização deste estudo: Ana Paula Rigon Francischetti Garcia, Marta Regina Coelho Rabelo Lima, Aline Veronese, Paula Fernanda Lopes, Jéssica de Sousa Ferreira, Rafaela Rovigatti de Oliveira.
Estudo conduzido no Centro de Investigações em Pediatria (Ciped) – Faculdade de Ciências Médicas – Unicamp, Campinas, SP, Brasil.