Identificar os fatores ambientais preditores do perfil sensorial de lactentes dos quatro aos 18 meses de idade.
MétodosEstudo transversal com 97 lactentes (40 do sexo feminino e 57 do masculino), com idade média de 1,05±0,32, aos quais foi aplicado o Test of Sensory Functions in Infants. Responderam ao questionário Affordances in the Home Environment for Motor Development‐Infant Scale 97 pais e 11 educadoras de sete creches, de forma a caracterizar o contexto familiar e de creche, e relacionou‐se ao perfil sensorial dos bebês. O AHEMD‐IS é um questionário que caracteriza as oportunidades no ambiente para crianças entre três e 18 meses de idade. As variáveis que apresentaram uma associação significante foram incluídas no modelo de regressão linear para determinar os fatores preditores do perfil sensorial.
ResultadosA maioria dos bebês (66%) apresentou um perfil sensorial normal e 34% deles encontram‐se em risco ou em déficit (com problemas sensoriais). As oportunidades de estimulação na habitação foram classificadas como suficientes e nas creches foram avaliadas como boas. Os resultados da regressão revelaram que apenas os fatores “horas diárias na creche” e “espaço exterior de creche” influenciaram o perfil sensorial dos bebês, notadamente o controle oculomotor.
ConclusõesO perfil sensorial dos bebês situou‐se entre o normal e em risco. O contexto familiar oferece oportunidades de estimulação suficientes e as creches demonstraram ter boas oportunidades. As horas diárias em creche e o espaço exterior em creche foram os preditores do perfil sensorial no controle oculomotor.
To identify environment factors predicting sensory profile of infants between 4 and 18 months old.
MethodsThis cross‐sectional study evaluated 97 infants (40 females e 57 males), with a mean age of 1.05±0.32 years with the Test of Sensory Functions in Infants (TSFI) and also asked 97 parents and 11 kindergarten teachers of seven daycare centers to answer the Affordances in the Home Environment for Motor Development‐ Infant Scale (AHEMD‐IS). The AHEMD‐IS is a questionnaire that characterizes the opportunities in the home environment for infants between 3 and 18 months of age. We tested the association between affordances and the sensory profile of infants. Significant variables were entered into a regression model to determine predictors of sensory profile.
ResultsThe majority of infants (66%) had a normal sensory profile and 34% were at risk or deficit. Affordances in the home were classified as adequate and they were good in the studied daycare centers. The results of the regression revealed that only daily hours in daycare center and daycare outside space influenced the sensory profile of infants, in particular the Ocular‐Motor Control component.
ConclusionsThe sensory profile of infants was between normal and at risk. While the family home offered adequate affordances for motor development, the daycare centers of the infants involved demonstrated a good quantity and quality of affordances. Overall, we conclude that daily hours in the daycare center and daycare outside space were predictors of the sensory profile, particular on Ocular‐Motor Control component.
A primeira infância é a fase na qual se registra grande neuroplasticidade e as mudanças neuropsicomotoras contribuem para um melhor desenvolvimento infantil.1,2 O desenvolvimento motor é dependente das experiências sensoriomotoras oferecidas pelo ambiente e o bebê compreende e apreende melhor o seu mundo3 por meio de diversificadas informações provenientes dos estímulos recebidos pela visão, audição, pelo toque e pela manipulação de objetos. Considera‐se um desenvolvimento sensorial adequado quando esse se encontra de acordo com os princípios da integração sensorial, os quais se relacionam às bases neurológicas e aos aspectos comportamentais. Um comportamento adaptado é resultado de uma eficaz integração sensorial.4 Também um processamento efetivo, em nível cortical, dos estímulos sensoriais é fundamental para o desenvolvimento das funções percetivomotoras, emocionais e cognitivas.5 A maturação biológica define os parâmetros do desenvolvimento infantil, notadamente os fatores de ordem estrutural e funcional, como a massa corporal, a estatura, a força e a coordenação; mas o ambiente (contexto físico, cultural e social) e a solicitação de tarefas influenciam o desenvolvimento sensorial do bebê.6
Segundo Caçola, Gabbard, Santos e Batistela,7 ultimamente tenta‐se relacionar o desenvolvimento sensorial infantil com o ambiente, mais especificamente com as affordances, termo introduzido por Gibson,6,8 que se refere à interação entre o contexto físico em que a criança está inserida e as oportunidades de estimulação presentes (atividades e brinquedos), ou seja, a forma como se organizam e se usam os objetos do contexto. A avaliação das affordances é crucial para melhor se adequar esses contextos às necessidades das crianças e, consequentemente, facilitar o seu desenvolvimento sensorial.9,10 As conclusões desses estudos ressaltam que a disponibilidade de brinquedos e as características do espaço físico promovem o desenvolvimento sensoriomotor de bebês nos primeiros anos de vida,11‐13 pois uma exposição adequada a estímulos resulta numa boa integração sensorial.
A família é o primeiro contexto com o qual o bebê tem contato. Esse pode oferecer estimulação e proteção, mas também riscos para o desenvolvimento,13 pois as características socioeconômicas e culturais de cada família podem promover ou condicionar as oportunidades de estimulação do bebê.14 No que diz respeito ao contexto de creche, em Portugal, segundo a Portaria n° 262/2011 de 31 de agosto,15 a obrigatoriedade da presença de um educador de infância no contato com o bebê é apenas após a aquisição da marcha. Essa legislação denota uma maior ênfase nos cuidados básicos de higiene e alimentação, em detrimento da estimulação e orientação educativa para o desenvolvimento motor. Por outro lado, essa portaria ressalta que deve ser dado um atendimento individualizado, de acordo com as capacidades de cada criança, fazerem‐se atividades pedagógicas, lúdicas e de motricidade em função da idade e necessidades das crianças, mas não exige um técnico com formação para implementar esse atendimento. Em relação ao espaço físico da creche, a portaria refere que o espaço interior deve estar dividido em berçário, sala de atividades com brinquedos adequados e seguros, área de convívio e refeição. O espaço exterior deve ter uma zona coberta para uso de brinquedos com rodas e um espaço aberto com equipamentos que permitam escalar, subir e escorregar. A maioria das creches em Portugal não tem um espaço exterior, pois foram criadas anteriormente a essa portaria. Com a emancipação da mulher no mundo do trabalho, a maioria dos bebês passa grande parte do seu dia na creche (cerca de oito horas), logo é importante avaliar esse contexto. Há poucos estudos com referência às oportunidades de estimulação para o desenvolvimento sensoriomotor na creche e, principalmente, que as compare com as oportunidades em casa e o perfil sensorial infantil.
Assim, esta investigação pretendeu determinar a razão pela qual alguns bebês, sem doença neurológica, ortopédica ou antecedente de prematuridade, apresentam déficits sensoriais, que se não forem detectados precocemente podem causar problemas na idade escolar, como atrasos no desenvolvimento motor e alterações comportamentais. Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo geral verificar se existe uma influência das affordances familiares e de creche no desenvolvimento sensorial e identificar os fatores ambientais preditores do perfil sensorial dos bebês com idades entre quatro e 18 meses. Foram definidos como objetivos específicos: 1° Caracterizar o perfil sensorial dos lactentes; 2° Caracterizar o contexto familiar e de creche quanto às affordances; e 3° Relacionar o perfil sensorial dos lactentes com as affordances.
MétodoTrata‐se de estudo transversal, com três amostras de conveniência. O Comitê de Ética do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano considerou que o estudo cumpre os princípios éticos da declaração de Helsinque. A Amostra 1 foi constituída por 97 bebês, com uma média de idade de 12 meses (idade média 1,05±0,32 anos). Foram os critérios de inclusão: lactentes com idades compreendidas entre quatro e 18 meses, de ambos os gêneros, sem doenças ortopédicas, neurológicas, ou prematuros com idade gestacional ao nascimento inferior a 34 semanas de gestação, sem complicações neonatais (boletim de Apgar no 5° minuto ≥9 e peso de nascimento >2.500g). A Amostra 2 foi constituída por 97 pais (um de cada bebê), foram incluídos aqueles que se mostraram motivados e interessados em participar no estudo e que o autorizaram. Finalmente, a Amostra 3 foi constituída por 11 educadoras de infância de sete creches de Vila Real. Cada uma tem a responsabilidade de coordenar a sala onde os bebês se encontravam inseridos. Houve autorização prévia por parte da creche para a feitura do estudo e a disponibilidade das educadoras para participarem dele.
Os instrumentos usados neste estudo foram o Test of Sensory Functions in Infants –TSFI,16 o Affordance in the Home Environment for Motor Development‐Infant Scale (AHEMD‐IS) – Escala Bebê (três‐18 meses)7 e um pequeno questionário para recolher informações sobre o contexto físico e as rotinas do bebê, assim como alguns dados sobre o nascimento e acompanhamento médico da criança, para complementar a caracterização do perfil sensorial e dos contextos ambientais.
O perfil sensorial foi avaliado por meio do TSFI. Esse teste avalia o processamento e a reação sensorial em bebês com idades entre quatro‐18 meses nos subtestes de reação à pressão tátil profunda, funções motoras adaptadas, integração visuotátil, controle oculomotor e reação à estimulação vestibular. Foi usada a versão portuguesa do teste, validada por Pedrosa e Ribeiro.17 Seu uso consistiu na aplicação do teste tal como é descrito no manual, na ordem dos itens e com o uso dos materiais indicados. A aplicação foi feita apenas por um avaliador com treinamento em integração sensorial e especificamente nesse instrumento de avaliação. A aplicação foi feita na creche, com a presença da educadora de infância e com a duração de aproximadamente 20 minutos por bebê. Cada item foi avaliado numa escala de valores desde 0‐1 a 0‐3. Após ter‐se procedido à pontuação de cada item, somaram‐se os valores obtidos em cada subteste e, no fim, somaram‐se as pontuações dos subtestes e obteve‐se o valor da pontuação total do teste, com valores entre 0 e 49. Esses valores encontram‐se subdivididos de acordo com a idade e dão a indicação da classificação do perfil sensorial entre normal (33‐49 para 4‐6 meses; 41‐49 para 7‐9 meses e 44‐49 para 10‐12/13‐18 meses), em risco (30‐32 para 4‐6; 38‐40 para 7‐9 e 41‐43 para 10‐12/13‐18 meses) e em déficit (0‐29 para 4‐6, 0‐37 para 7‐9 e 0‐40 para 10‐12/13‐18 meses). A confiabilidade dos dados foi verificada com o recurso ao coeficiente de correlação intraclasse dos resultados obtidos da dupla aplicação do TSFI a um grupo de 10 crianças do grupo etário em estudo. O valor em todos os índices foi superior a 0,950.
As oportunidades em casa e na creche foram avaliadas pelo questionário de autopreenchimento AHEMD‐IS, versão portuguesa, resultado de uma parceria entre laboratórios que estudam o desenvolvimento motor nos Estados Unidos da América e no Brasil. Esse questionário avalia as oportunidades de estimulação do bebê, que conduzem a uma promoção do desenvolvimento motor, por meio de 41 itens agrupados em três grupos: espaço físico da residência (exterior e interior), atividades diárias e brinquedos (motricidade fina e grossa) existentes na residência. Embora não exista um sistema de pontuação ainda validado para esse questionário, os autores do instrumento sugerem um sistema de pontuação não oficial. Assim, existem dois tipos de resposta, a escolha dicotômica (sim/não), na qual a pontuação varia entre 0‐1, e a escala tipo Likert, para a qual se atribui um ponto por cada resposta na mesma questão, que inicia no 0 e vai até o número máximo de escolhas (espaço exterior 0‐5, espaço interior 0‐5, atividades diárias 0‐23, brinquedos de motricidade fina, varia nas idades anteriores e posteriores a 12 meses 0‐15/0‐33, assim como nos brinquedos de motricidade grossa 0‐18/0‐27). A pontuação total do questionário varia entre 0‐66/0‐93, de acordo com a idade dos bebês, e é obtida pela soma dos domínios. Dado que, para o escore quantitativo, em alguns casos o mesmo valor pode corresponder a duas classificações diferentes a depender da idade (ex., pontuação 30 significa fraca para um bebê com >12 meses, mas suficiente se tiver <12 meses), atribuiu‐se uma classificação qualitativa: fraca, suficiente e boa, com os seguintes pontos de corte: affordances fracas 0‐22 para <12 meses e 0‐31 para >12 meses; affordances suficientes 23‐44 para <12 meses e 32‐62 para >12 meses; affordances boas 45‐66 para <12 meses e 63‐93 para >12 meses. Esse questionário foi preenchido pela educadora da sala e em casa pelos pais.
Foi usado um pequeno questionário para a coleta de informações sobre o contexto físico, as rotinas do bebê e a gravidez/parto. Para uma melhor compreensão e confirmação dos resultados obtidos com o TSFI, foram ainda feitas entrevistas semiestruturadas com as educadoras e auxiliares das creches, assim como com alguns pais, sobre o desempenho sensoriomotor dos bebês, além da observação direta dos bebês nas suas rotinas diárias na creche, como forma de afastar a presença de problemas de saúde temporários no bebê, como febre, rompimento dos dentes, dor ou outros. Esses problemas poderiam afetar o resultado do teste.
Foram solicitadas as devidas autorizações às creches e aos pais dos bebês para a aplicação dos testes, assim como aos autores destes.
A análise dos dados foi feita com o programa Statistical Package for Social Scienses, versão 19 para Windows. Inicialmente comprovou‐se a normalidade da distribuição dos dados por meio da simetria e da curtose. Com base nos pontos de corte dos instrumentos, foi caracterizado o perfil sensorial e o contexto familiar e de creche quanto às oportunidades de estimulação. Para verificar a associação entre as variáveis independentes (biológicas e socioculturais – informações neonatais e domínios do AHEMD‐IS) e as variáveis dependentes (áreas do perfil sensorial – subtestes do TSFI) foi usado o coeficiente de correlação de Pearson. As variáveis que apresentaram uma associação significativa entraram no modelo de regressão linear, por ordem decrescente do valor de r, para determinar os fatores preditores.
ResultadosOs resultados da aplicação do TSFI revelam que os bebês apresentam, em média±desvio padrão, um perfil sensorial de 43,41±5. Isso significa que estão entre os parâmetros normais e em risco. As pontuações finais do TSFI obtidas variaram entre um valor máximo de 49 e um valor mínimo de 26. A pontuação de 47 foi a que obteve uma maior frequência (16,5%). Apenas 13 bebês alcançaram a pontuação máxima de 49. A maioria dos bebês situa‐se no parâmetro normal (66%), embora 34% apresentem um perfil sensorial em risco (11,3%) ou mesmo em déficit (22,7%),
Os subtestes apresentaram resultados entre os parâmetros “normal” e “em risco”, exceto quanto às funções motoras adaptadas, que, a depender da idade e dos pontos de corte, apresentaram resultados das três classificações. Como se pode verificar na figura 1, os subtestes que apresentam valores médios mais altos e, portanto, mais próximos do parâmetro em risco e em déficit são as funções motoras adaptadas e a reação à estimulação vestibular.
Com relação às affordances familiares, obtiveram‐se valores médios de 38,70±6,71 para bebês com idade < 12 meses e 54,91±11,15 para >12 meses, ou seja, suficientes. As affordances na creche podem ser classificadas de boas, pois o valor médio total foi de 69,88±9,39. Na tabela 1 são apresentados os valores médios das affordances por domínios do AHEMD‐IS.
Pontuação de acordo com a Affordances in the Home Environment for Motor Development‐Infant Scale das oportunidades de estimulação em casa e na creche
Oportunidades em casaBebês até 12 meses | Oportunidades em casaBebês após 12 meses | Oportunidades na creche | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Domínios | Média±DP | Min‐Máx | Média±DP | Min‐Máx | Média±DP | Min‐Máx |
Espaço físico externo | 3,02±1,85 | 0‐5 | 3,39±1,79 | 0‐5 | 4,25±1,75 | 0‐5 |
Espaço físico interno | 4,09±0,65 | 2‐5 | 4,24±0,58 | 3‐5 | 4,25±0,46 | 4‐5 |
Atividades diárias | 14,65±2,26 | 10‐20 | 16,04±2,37 | 10‐21 | 17,37±2,26 | 3‐20 |
Brinquedos de motricidade grossa | 9,44±2,50 | 3‐14 | 13,78±5,19 | 7‐30 | 19,38±5,45 | 12‐27 |
Brinquedos de motricidade fina | 7,49±3,07 | 2‐14 | 17,24±6,92 | 4‐39 | 24,63±7,76 | 13‐32 |
DP, desvio padrão; Min‐Máx, mínimo‐máximo.
Na residência, a oferta de brinquedos para a motricidade fina e grossa situa‐se na categoria suficiente. Esses são os domínios mais fracos na estimulação do desenvolvimento sensorial infantil. O espaço físico interior destaca‐se como o domínio mais bem estruturado para a promoção do desenvolvimento dos bebês. No conjunto das creches avaliadas, os valores obtidos mostraram boas oportunidades em todos os domínios. O domínio espaço físico interior foi o mais pontuado. Tal como na residência, foram os brinquedos para a motricidade grossa e fina que receberam a pontuação média mais baixa (19,38±5,449 e 24,63±7,763; respectivamente), mesmo assim inserida na classificação de boas affordances.
Os resultados da correlação evidenciam uma associação entre horas de creche (p=0,009), área da creche (p=0,047), tempo de TV na creche (p=0,012) e espaço exterior da creche (p<0,001) com o controle oculomotor. Não se verificaram associações entre os fatores biológicos e as affordances familiares com o perfil sensorial (tabela 2).
Correlação de Pearson entre o perfil sensorial (subtestes do TSFI) e os fatores biológicos /socioculturais e os domínios do AHEMD‐IS significativos
Fatores | Horas diárias na creche | Área da creche | Tempo de TV na creche | Espaço exterior na creche |
---|---|---|---|---|
Teste TSFI | r=–2,79 | r=0,24 | r=–0,30 | r=0,52 |
Controle oculomotor | p=0,009 | p=0,047 | p=0,012 | p<0,001 |
Para verificar quais variáveis são preditoras do perfil sensorial, fez‐se uma regressão linear. Foram incluídas no modelo apenas as variáveis que apresentaram associação significativa (tabela 3). O conjunto das variáveis (horas de creche, área da creche, o tempo de TV na creche e espaço exterior da creche) explicou 27,5% do controle oculomotor.
Preditores do desempenho no controle oculomotor
Variáveis | Controle oculomotor | ||
---|---|---|---|
β | t | p valor | |
Área da creche | 0,02 | 0,18 | 0,855 |
Horas diárias em creche | –0,25 | –2,16 | 0,035 |
Tempo de TV na creche | 0,06 | 0,49 | 0,627 |
Espaço exterior na creche | 0,45 | 3,07 | 0,003 |
β, coeficiente standartizado; t, estatístico.
r2=0,28; p<0,001
De acordo com o modelo usado, constatou‐se que as horas de creche (p=0,035) e o espaço exterior da creche (p=0,003) são as variáveis preditores do perfil sensorial, com poder explicativo do desempenho dos bebês no controle oculomotor. Quanto à área da creche e o tempo de TV na creche, não se mostraram com associação significativa (p=0,855 e p=0,627, respectivamente).
DiscussãoExistem opiniões controversas sobre a eficácia da avaliação e intervenção em integração sensorial,18 mas são muitos os autores3,5,8,11,19 que defendem a importância da integração sensorial na promoção do desenvolvimento infantil. Este estudo teve como objetivo identificar os fatores ambientais preditores do perfil sensorial dos lactentes com idades entre quatro e 18 meses e caracterizar o contexto familiar e de creche quanto às affordances. Os resultados obtidos comprovaram que 66% dos bebês apresentam um perfil sensorial normal. Porém, 11,3% e 22,7% deles encontram‐se em risco e em déficit respectivamente. Esses resultados justificam um encaminhamento para uma nova avaliação, mais pormenorizada e partilhada com outros profissionais de saúde. Caso se comprove, e de acordo com as indicações do TSFI, o lactente deverá ter um acompanhamento terapêutico especializado, devido à falta de estimulação sensoriomotora ou a um atraso no desenvolvimento motor não diagnosticado.6,20,21 As áreas mais afetadas, as funções motoras adaptadas e a reação à estimulação vestibular estão de acordo com o descrito na literatura.22 Foram assinaladas como áreas afetadas nos bebês, principalmente por falta de estimulação quer de forma provocada quer da livre. Também Reams13 verificou que as funções motoras adaptadas eram uma das mais afetadas no perfil sensorial dos bebês, assim como o controle oculomotor surge neste estudo e no de Reams13 como uma das funções mais desenvolvidas. Quanto à reação à pressão tátil profunda, não existe concordância nesses estudos: no estudo de Reams13 surge como uma função afetada e no presente estudo é a que conta com melhores resultados de desempenho. A discordância dos resultados nesse quesito pode ser explicada pelas diferenças culturais dos países. As rotinas usadas nas famílias portuguesas, como o dar colo aos bebês e o contato físico nas brincadeiras (ex.: “onde está o teu nariz?”), poderiam explicar os resultados superiores na tolerância ao toque.23
As oportunidades na habitação foram avaliadas apenas como suficientes, ou seja, as affordances existem, mas não em número e diversidade necessários para se considerar uma boa oferta de oportunidades de estimulação. Quanto aos domínios, os mais afetados são os das ofertas de brinquedos de motricidade grossa e fina e o mais adequado o da estruturação do espaço físico no interior da habitação. Esses resultados revelam que as famílias têm uma preocupação com a organização do espaço e o tipo de brinquedos do bebê, mas possivelmente o orçamento familiar8 ou a falta de informação pode impossibilitar o aumento de oportunidades no que se refere aos brinquedos de motricidade grossa e fina. Outra razão possível é a falta de tempo para levar os filhos ao parque infantil, onde se encontram diversos brinquedos de grande dimensão que promovem a motricidade grossa, dado que os pais trabalham em média oito horas diárias, com o acréscimo das horas para deslocamentos e da gestão doméstica.
Tal como esperado, as creches apresentaram boa affordances, pois uma creche com boas condições físicas e de estimulação pode promover uma excelente oportunidade para os bebês se desenvolverem adequadamente em segurança e facilitar o brincar, além de assegurar a alimentação, a higiene e o contato com outras crianças.24 Verifica‐se que as crianças inseridas em creche apresentam um melhor desenvolvimento sensoriomotor, embora alguns autores questionem se isso ocorre devido exclusivamente à creche ou se a família também fica mais disponível para os períodos de interação.24
Nas salas da creche até aos 12 meses de idade, as oportunidades, em nível de espaço físico, das atividades feitas e dos brinquedos disponíveis, ofereciam condições adequadas para a promoção do desenvolvimento sensoriomotor e podem contribuir para o perfil sensorial dos bebês, apesar de terem apenas a supervisão, e não a presença diária, de um educador de infância.
Quando se relacionaram as variáveis dependentes (perfil sensorial) com as independentes (contexto familiar e de creche), observou‐se que apenas fatores socioculturais da creche influenciaram o perfil sensorial dos bebês. Uma razão poderia ser o fato de os bebês passarem a maior parte do seu dia ativo nesse contexto. A habitação é um espaço com menos tempo ativo, à exceção do fim de semana. As horas diárias e o espaço exterior da creche foram as variáveis que mais influenciaram o perfil sensorial em relação ao desempenho oculomotor e apresentaram um poder explicativo de 27,5%. A creche pode oferecer uma maior quantidade e melhor qualidade de oportunidades, além da estimulação para o uso dessas affordances. É possível que, como os bebês passam mais tempo na creche do que em casa, essas oportunidades variadas tenham influenciado o desempenho oculomotor. Entretanto, mais do que oito horas passadas na creche podem desfavorecer o desenvolvimento, visto que essas horas não são de estimulação e uso de affordances e poderiam ser passadas em casa com os pais, em brincadeiras e jogos que estimulam o desempenho oculomotor. Já foi observado, em estudos prévios, que a interação dos pais com os seus bebês em brincadeiras que estimulem o alcançar e agarrar e a participação em jogos de imitação, e permitem ao bebê movimentar‐se livremente e escolher os brinquedos a explorar, propiciam o desenvolvimento sensoriomotor.11 Como já foi sugerido, em relação ao espaço exterior em apartamentos, as oportunidades de estimulação apresentam classificações fracas.25,26 Um espaço exterior de creche deve apresentar brinquedos diversos, como os suspensos, cadeirinhas de balanço, bolas, percursos com obstáculos e superfícies diversas, entre outros, para fornecer ao bebê estímulos que serão processados, de forma que esse consiga fazer as tarefas que lhe são exigidas para explorar o próprio espaço e os brinquedos.21 Em Portugal, o espaço exterior da creche é frequentemente negligenciado, a quantidade e sobretudo a qualidade dos brinquedos que existem nos espaços exteriores não permitem um desenvolvimento sensorial adequado, porque são pouco versáteis e com fracas condições de segurança. Esses deveriam potenciar uma estimulação das áreas cerebrais e componentes sensoriais, de forma a promover uma maior entrada de estímulos propriocetivos e vestibulares, além de estimular todo o processamento ao nível do cerebelo. Um exemplo são as atividades que requerem equilíbrio (cerebelo) ou as atividades de planificação/organização e execução motora (córtex frontal),5,27 que podem contribuir para um melhor controle oculomotor. Este estudo realça a importância da organização e planificação do espaço exterior, no contexto no qual o bebê passa a maior parte do seu dia.
Vale ressaltar a importância da feitura de estudos similares, de forma a favorecer a formulação de recomendações quanto ao tipo de equipamento e de material mais aconselhável para maximizar o desenvolvimento sensoriomotor dos bebês e prevenir o aparecimento de problemas na idade escolar.7 Atualmente os pais e educadores demonstram uma maior preocupação com o desenvolvimento das capacidades que contribuem para o sucesso escolar, valorizam bastante as atividades desenvolvidas nos espaços interiores (cognitivas e de motricidade fina) e negligenciam as potencialidades desenvolvidas no espaço exterior.
Este estudo apresenta como limitações o fato de não se terem aplicado como complemento da avaliação do perfil sensorial testes validados para comprovar os resultados obtidos, assim como o autopreenchimento pelas educadoras do questionário de avaliação do contexto em creche, pois esse foi construído para avaliar o contexto habitacional. Ressalta‐se ainda o fato de as correlações serem fracas e a dificuldade de generalização dos resultados em nível nacional e internacional.
Apesar disso, pode‐se concluir que o perfil sensorial dos bebês situou‐se, em média, entre o normal e o de risco. São recomendados uma nova avaliação e, possivelmente, um encaminhamento para uma supervisão terapêutica para confirmação dos resultados. As famílias tinham uma oferta suficiente de oportunidades de estimulação. Já as creches demonstraram contar com boas oportunidades quer no espaço físico quer em brinquedos e brincadeiras. As horas diárias em creche e o espaço exterior da creche foram os preditores do perfil sensorial quanto ao desempenho dos bebês no controle oculomotor.
Em síntese, os resultados deste estudo permitem‐nos perceber a importância do contexto de creche no desenvolvimento sensorial dos bebês, o que é da maior importância para a formação de equipes multidisciplinares responsáveis pela concepção e planificação desses espaços.
FinanciamentoO estudo não recebeu financiamento.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Aos bebês e seus pais por terem participado deste estudo, assim como às creches e educadoras de infância, pela disponibilidade prestada.