Identificar fatores sociodemográficos e comportamentais associados à obesidade abdominal (OA) e ao percentual de gordura corporal elevado (%GC elevado) em adolescentes de Curitiba-PR.
MétodosA amostra probabilística foi composta por 1.732 adolescentes, de 11 a 19 anos, de ambos os sexos, da rede pública de ensino. Foram coletadas as medidas de dobras cutâneas tricipital e panturrilha para o cálculo do %GC, além da medida da circunferência da cintura. Um questionário foi preenchido pelos adolescentes para avaliação das seguintes variáveis: sexo, idade, tipo de residência, nível socioeconômico, tempo gasto assistindo à TV durante a semana e o fim de semana, além do gasto energético diário. A regressão logística foi utilizada como medida de associação dos fatores sociodemográficos e comportamentais com a obesidade abdominal e o percentual de gordura corporal elevado.
ResultadosAs meninas apresentaram maior chance de ter o %GC elevado (OR: 2,73; IC95%: 2,32–3,33). Em contrapartida, têm menor chance de ter obesidade abdominal (OR: 0,58; IC95%: 0,44–0,78). Indivíduos mais velhos (16–19 anos) apresentaram maior chance de ter o %GC elevado (OR: 1,36; IC95%: 1,02–1,83). Em contrapartida, as faixas etárias mais elevadas (13–15 anos e 16–19 anos) tiveram uma associação inversa com a obesidade abdominal. Em relação ao gasto energético diário, os indivíduos menos ativos apresentaram maior chance de ter %GC elevado (OR: 1,36; IC95%: 1,07–1,71) e obesidade abdominal (OR: 1,40; IC95%: 1,09–1,80).
ConclusõesIntervenções relacionadas ao aumento nos níveis de atividade física na população jovem devem ser elaboradas para o combate do excesso de adiposidade corporal.
To identify sociodemographic and behavioral factors associated with abdominal obesity (AO) and high body fat percentage (high BF%) in adolescents from the city of Curitiba-PR.
MethodsThe sample consisted of 1,732 adolescents, aged 11 to 19 years, of both genders. The triceps and calf skinfolds were measured for the calculation of BF%, as well as the waist circumference. A questionnaire was completed by adolescents with the following type of residence, socioeconomic status, time spent watching TV on weekdays and weekends, and daily energy expenditure. Logistic regression was used to measure the association of sociodemographic and behavioral variables with abdominal obesity and high BF%.
ResultsFemale were more likely to have high BF% (OR: 2.73; 95% CI: 2.32–3.33), but were less likely to have abdominal obesity (OR: 0.58; 95% CI: 0.44–0.78). Older individuals (16–19 have high BF% (OR: 1.36; 95% CI: 1.02–1.83). The older age groups (13–15 years and 16–19 years) had an inverse association with abdominal obesity. Regarding daily energy expenditure, the less active individuals were more likely to present high BF% (OR: 1.36; 95% CI: 1.07–1.71) and obesity (OR: 1.40; 95% CI: 1.09–1.80).
ConclusionsInterventions to increase physical activity levels in young people should be designed in order to combat excess body fat should designed to combat excess adiposity.
O cenário epidemiológico atual aponta o sobrepeso e a obesidade como problemas de saúde em escalas alarmantes na população jovem mundial.1 Em 2010, dados internacionais evidenciaram que 43 milhões de crianças em todo o mundo apresentavam sobrepeso ou obesidade, sendo 35 milhões em países em desenvolvimento. A prevalência mundial de sobrepeso e obesidade infantil aumentou de 4,2% em 1990 para 6,7% em 2010, e essas taxas de prevalência devem chegar a 9,1% em 2020.2
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3 estimou que, em apenas três décadas (de 1975 a 2009), a população de adolescentes brasileiros com sobrepeso passou de 3,7% para 21,7%, entre os meninos, e de 7,6% para 19,4%, entre as meninas. A evolução da obesidade também segue a tendência ascendente descrita para o sobrepeso. Como essas condições nutricionais estão associadas ao desenvolvimento de diversos agravos à saúde (dislipidemias, resistência à insulina e hipertensão arterial),4 o controle do excesso de adiposidade corporal é fundamental para a promoção de saúde na população jovem.
Estudos epidemiológicos5,6 buscam identificar a adiposidade corporal (geral ou localizada na região abdominal) e estimar a proporção de adolescentes com valores alterados. No entanto, é fundamental também identificar os principais fatores associados ao excesso de adiposidade corporal em adolescentes. Os determinantes do excesso de adiposidade corporal compõem um complexo conjunto de fatores biológicos, comportamentais e socioambientais que se inter-relacionam e se potencializam mutuamente.1 Dessa maneira, para propor ações de intervenção efetivas na redução do excesso de adiposidade corporal, faz-se necessário o conhecimento do conjunto de fatores associados a essa condição na população jovem.
Considerando essas premissas, o objetivo do presente estudo foi verificar a prevalência e os fatores sociodemográficos e comportamentais associados ao percentual de gordura corporal (%GC) elevado e à obesidade abdominal numa amostra probabilística de adolescentes da rede pública de ensino de Curitiba-PR, Brasil.
MétodoEste estudo apresentou delineamento transversal e foi rea-lizado com adolescentes matriculados em turmas de 6a série do ensino fundamental ao 2° ano do ensino médio de escolas da rede pública de ensino da cidade de Curitiba. Para estimativa do tamanho amostral necessário para o presente estudo, foram considerados os seguintes parâmetros: (i) população de 115.524 adolescentes; (ii) nível de confiança de 95%; (iii) erro amostral de 3 pontos percentuais; (iv) prevalência do desfecho de interesse de 50% (a qual considera uma variância máxima e superestima o tamanho amostral), totalizando uma amostra mínima de 1.057 adolescentes.7 Foi acrescentado efeito de delineamento de 1,4 para corrigir o erro relacionado ao processo de seleção amostral por estágios múltiplos,7 bem como uma margem para possíveis perdas e recusas de 20 pontos percentuais. Portanto, foi estimada uma amostra total de 1.776 adolescentes.
A seleção da amostra deste estudo ocorreu com base no processo de amostragem por estágios múltiplos. No primeiro estágio, todas as escolas estaduais e municipais foram estratificadas de acordo com cada uma das nove regionais administrativas da cidade. No segundo estágio, realizou-se um sorteio de cinco escolas em cada região administrativa, com intuito de que cada escola representasse uma das séries de ensino de interesse. No terceiro estágio, foi realizada uma seleção aleatória simples de uma a três turmas, de acordo com a quantidade de escolares necessária para determinada região administrativa.
Todos os adolescentes da turma sorteada foram convidados a participar do estudo, totalizando 1.812 adolescentes avaliados. Alguns adolescentes foram excluídos da amostra final: 17 adolescentes tinham mais de 19 anos (0,94%); 12 não preencheram corretamente os questionários (0,66%); 5 não realizaram as medidas antropométricas (0,28%); e 29 foram considerados pré-púberes (1,6%), considerando a autoavaliação da pilosina pubiana proposta por Tanner.8 Esses adolescentes pré-púberes foram excluídos da amostra devido às diferenças fisiológicas e morfológicas, assim como comportamentais, em relação aos indivíduos púberes e pós-púberes. Portanto, a taxa de não resposta foi de 3,48%, e a amostra final do estudo foi composta por 1.749 adolescentes.
A coleta de dados foi realizada no período entre setembro de 2010 e junho de 2011, por uma equipe treinada, do Centro de Pesquisa em Exercício e Esporte (CEPEE – UFPR). A circunferência da cintura (CC) foi aferida usando uma fita antropométrica inelástica com escala de medida de 1mm, no ponto médio entre o último arco costal e a crista ilíaca. A obesidade abdominal foi determinada considerando o percentil 75 proposto por Fernández et al,9 específico por sexo e idade. As dobras cutâneas tricipital e panturrilha foram medidas seguindo as recomendações de Callaway et al,10 e o %GC foi estimado por equações preditivas propostas por Slaughter et al.11 Foram realizadas três medidas em cada um desses pontos anatômicos, seguindo recomendações internacionais,12 e a média entre as três medidas foi considerada nas equações preditivas do %GC. Os pontos de corte ≥25% nas moças e ≥20% nos rapazes foram considerados para determinar os adolescentes que apresentavam um %GC elevado.11
Um questionário foi preenchido pelos adolescentes para avaliação das seguintes variáveis: sexo, idade, tipo de residência, nível socioeconômico, tempo gasto assistindo à TV durante a semana e no fim de semana, além do gasto energético diário. A idade decimal dos adolescentes foi obtida e classificada em três faixas etárias: 11 a 12 anos, 13 a 15 anos e 16 a 19 anos. O tipo de residência na qual os adolescentes moravam foi autorreportado (casa/so-brado ou apartamento). O nível socioeconômico foi obtido pelo critério estabelecido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas.13 Esse critério agrupou os adolescentes em oito níveis socioeconômicos (nível A1 ao nível E) com base num escore que combina bens materiais, escolaridade do chefe da família e número de empregados no domicílio. Para fins de análise, os adolescentes foram agrupados em três categorias: A1+A2 (melhor condição); B1+B2; e C1+C2+D+E (pior condição).
O gasto energético diário foi obtido pelo recordatório de três dias de atividade física desenvolvido por Bouchard et al,14 e as equações preditivas foram consideradas para estimar o gasto energético relativo diário (Kcal/kg/dia). Durante as análises, considerou-se a média dos três dias do recordatório. Os adolescentes foram agrupados em três categorias segundo a proposta de Cale15 modificada: muito ativo (≥40kcal/kg/dia), moderadamente ativo (entre 37 e 39,9kcal/kg/dia) e pouco ativo (<37kcal/kg/dia).
O tempo diário de TV foi avaliado mediante o preenchimento do Youth Risk Behavior Survey Questionnaire, adaptado e validado à população jovem brasileira em estudo prévio.16 Foram consideradas duas questões relacionadas ao tempo assistindo à TV em dias habituais, sendo uma questão sobre o dia da semana e outra sobre o fim de semana. As respostas para essas questões foram agrupadas e, considerando o ponto de corte de duas horas diárias, classificadas em quatro categorias: (i) não assistia à TV por duas ou mais horas durante toda a semana; (ii) assistia à TV por duas ou mais horas somente nos fins de semana; (iii) assistia à TV por duas ou mais horas somente em dias da semana; e (iv) assistia à TV por duas ou mais horas diariamente.
Foram realizadas análises de frequência simples e relativa para apresentação dos dados categóricos. As diferenças nas proporções de %GC elevado e obesidade abdominal entre as categorias das variáveis independentes foram avaliadas por meio do teste de qui-quadrado para tendência linear e para heterogeneidade. A associação entre as variáveis independentes, %GC elevado e a obesidade abdominal foi realizada por regressão logística binária com método de inserção de variáveis backward stepwise. A análise bivariada foi realizada para todas as variáveis, permanecendo no modelo multivariado as variáveis com p<0,25. No modelo final, foi considerada uma variável independente significativamente associada ao desfecho (%GC elevado ou obesidade abdominal) quando esta obteve um nível de significância de p<0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná (CAAE: 5371.0.000.091-10). Todos os adolescentes receberam autorização dos pais/responsáveis para participar da pesquisa, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
ResultadosA amostra final do estudo teve maior participação de adolescentes do sexo feminino (52,1%), de idades de 13 a 15 anos (56,9%), que eram do nível socioeconômico B (61,6%) e que moravam em casa ou sobrado (89,9%). Grande parte dos adolescentes (64,9%) assistiam à TV por duas ou mais horas diárias, enquanto 25,4% deles eram pouco ativos. Considerando os indicadores de adiposidade corporal, 40,1% dos adolescentes apresentavam %GC elevado, e 12,2% tinham obesidade abdominal.
A Tabela 1 apresenta os valores de frequência absoluta e relativa de adolescentes com %GC elevado e obesidade abdominal. Observou-se maior proporção de %GC elevado entre as meninas e obesidade abdominal entre os meninos. Maiores proporções de %GC elevado também foram observadas entre os adolescentes de menor gasto energético diário e que residiam em apartamento. Maiores proporções de obesidade abdominal foram encontradas nas faixas etárias inferiores.
Frequência de adolescentes com percentual de gordura corporal elevado e obesidade abdominal segundo as variáveis independentes, Curitiba, Brasil (n=1.742)
Variáveis | %GC elevado | Obesidade abdominal | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | p | n | % | p | |
Sexo | ||||||
Masculino | 258 | 30,8 | < 0,01a | 126 | 15,1 | < 0,01a |
Feminino | 443 | 48,6 | 87 | 9,5 | ||
Faixa etária (anos) | ||||||
11–12 | 71 | 43,6 | 0,43b | 33 | 20,2 | < 0,01b |
13–15 | 378 | 38,0 | 137 | 13,8 | ||
16–18 | 252 | 42,7 | 43 | 7,2 | ||
Nível socioeconômico | ||||||
A (melhor condição) | 43 | 41,3 | 0,18b | 12 | 11,5 | 0,55b |
B | 445 | 41,3 | 128 | 11,9 | ||
C/D/E (pior condição) | 213 | 37,6 | 73 | 12,9 | ||
Tipo de residência | ||||||
Casa/sobrado | 618 | 39,3 | 0,04a | 188 | 12,0 | 0,39a |
Apartamento | 83 | 47,4 | 25 | 14,2 | ||
GED (kcal/kg/dia) | ||||||
Muito ativo (>40,0) | 338 | 36,8 | 0,02b | 106 | 11,5 | 0,56b |
Moderadamente ativo (37,0–39,9) | 174 | 45,0 | 52 | 13,4 | ||
Pouco ativo (<37,0) | 189 | 42,6 | 55 | 12,4 | ||
Tempo assistindo TV | ||||||
< 2 horas todos os dias | 89 | 40,1 | 0,99b | 29 | 13,1 | 0,65b |
2+ horas no fim de semana | 86 | 37,4 | 21 | 9,1 | ||
2+ horas na semana | 77 | 47,5 | 21 | 13,0 | ||
2+ horas diariamente | 449 | 39,6 | 142 | 12,5 |
%GC, Percentual de gordura corporal; GED, gasto energético diário
Na Tabela 2, estão apresentadas as associações do %GC elevado e obesidade abdominal com os fatores sociodemográficos e comportamentais. O %GC elevado foi associado a sexo (feminino), faixa etária (16 a 19 anos) e gasto energético diário (moderadamente ativo e pouco ativo). A obesidade abdominal foi associada aos indivíduos pouco ativos. Contudo, o sexo feminino e as faixas etárias mais elevadas (13 a 15 anos e 16 a 19 anos) foram um fator de proteção.
Associação entre %GC elevado, obesidade abdominal e fatores sociodemográficos e comportamentais, Curitiba, Brasil (n=1.742)
Variáveis | %GC elevadoa | Obesidade abdominala | ||
---|---|---|---|---|
OR | IC 95% | OR | IC 95% | |
Sexo | ||||
Masculino | 1 | 1 | ||
Feminino | 2,73 | (2,32–3,33) | 0,58 | (0,44–0,78) |
Faixa etária (anos) | ||||
11–12 | 1 | 1 | ||
13–15 | 1,09 | (0,87–1,37) | 0,63 | (0,41–0,96) |
16–18 | 1,36 | (1,02–1,83) | 0,29 | (0,18–0,49) |
Nível socioeconômico | ||||
A (melhor condição) | 1,08 | (0,88–1,33) | 0,79 | (0,41–1,54) |
B | 1,1 | (0,71–1,70) | 0,86 | (0,63–1,17) |
C/D/E (pior condição) | 1 | 1 | ||
Tipo de residência | ||||
Casa/sobrado | 1 | 1 | ||
Apartamento | 1,39 | (0,99–1,96) | 1,12 | (0,71–1,78) |
GED (kcal/kg/dia) | ||||
Muito ativo (≥ 40,0) | 1 | 1 | ||
Moderadamente ativo (37,0–39,9) | 1,49 | (1,17–1,91) | 1,10 | (0,84–1,45) |
Pouco ativo (< 37,0) | 1,36 | (1,07–1,71) | 1,40 | (1,09–1,80) |
Tempo assistindo TV | ||||
< 2 horas todos os dias | 1 | 1 | ||
2+ horas na semana | 1,27 | (0,92–1,76) | 0,64 | (0,35–1,17) |
2+ horas no fim-de-semana | 0,95 | (0,70–1,29) | 0,99 | (0,54–1,84) |
2+ horas diariamente | 0,96 | (0,75–1,22) | 0,89 | (0,58–1,38) |
OR: odds ratio; IC95%: intervalo de confiança de 95%; GED: gasto energético diário
A adiposidade corporal elevada representa um fator de risco para diversas doenças cardiovasculares, e estudos identificando os fatores associados com sua presença em indivíduos de todas as idades são relevantes.
Os resultados deste estudo apontaram que 12,2% dos adolescentes apresentavam obesidade abdominal, sendo superior nos rapazes (15,1%) em relação às moças (9,5%). Prevalência semelhante e valor superior nos rapazes também foram identificados em outro estudo nacional, com faixa etária semelhante, o qual identificou uma prevalência de obesidade abdominal de 15,2% e 8,5% para rapazes e moças, respectivamente.17 Outro estudo, conduzido em Recife, identificou prevalência semelhante de obesidade abdominal, com 14,9%, levando em consideração ambos os sexos.18
Comparando essa prevalência com estudos internacionais, foi identificado numa recente revisão sistemática5 que a prevalência de obesidade abdominal em adolescentes de países em desenvolvimento variou de 3,8% a 51,7%, e, em países desenvolvidos, variou de 9,3% a 33,2%. Entretanto, destaca-se que grande parcela dessas discrepâncias entre os estudos pode ser atribuída aos diferentes critérios de determinação da obesidade abdominal.
Em relação ao %GC, observou-se que 40,1% dos adolescentes do presente estudo tinham adiposidade corporal total elevada. Essas estimativas são superiores comparadas a outros estudos nacionais que levaram em consideração os valores aumentados das dobras cutâneas tricipital e subescapular19 e percentual de gordura total.20 Entretanto, no presente estudo, a prevalência de valores aumentados foi superior nas moças, diferentemente dos outros estudos, que encontraram maior prevalência de valores aumentados nos rapazes.19,20 A alta proporção de %GC elevado apresentada no presente estudo retrata a tendência de aumento das últimas décadas,6 sendo este um dado alarmante, principalmente para as gerações futuras.
Diante dessas evidências, percebe-se que sérias consequências à saúde da população jovem mundial, incluindo taxas elevadas de dislipidemias, pressão arterial elevada e síndrome metabólica, serão atingidas se não forem realizadas ações de intervenção para redução da obesidade geral e regiões específicas do corpo, como a região central.4
Alguns subgrupos de risco para o %GC elevado e obesidade abdominal foram destacados no estudo. Adolescentes do sexo feminino representaram um subgrupo de risco para a adiposidade corporal elevada, em comparação aos seus pares do sexo masculino. Em contrapartida, o sexo feminino foi um fator de proteção para obesidade abdominal. Essa diferença observada em adolescentes reflete as diferenças de composição corporal entre homens e mulheres, uma vez que os ganhos em gordura corporal decorrentes dos fatores ambientais são mais evidentes em regiões periféricas para as mulheres e na região central do corpo para os homens.21
Os resultados do presente estudo indicaram um contraste na associação entre faixa etária, %GC elevado e obesidade abdominal nos adolescentes avaliados. Adolescentes de maior idade (16 a 19 anos) tiveram maior chance de ter o %GC elevado em comparação aos pares mais novos (11 e 12 anos). Essa mesma tendência foi apresentada por Minatto et al,22 os quais demonstraram que os indivíduos mais novos (14–15 anos) tiveram um fator de proteção (OR 0,58; IC95% 0,37–0,90) para a adiposidade elevada em relação aos indivíduos mais velhos (16–17 anos). Observados tais resultados, sabe-se que os jovens tendem a realizar menos atividades físicas e a aderir a comportamentos sedentários durante a adolescência,23 o que poderia contribuir para o aumento da adiposidade corporal com o avanço da idade.
Contudo, ao analisar o indicador de adiposidade centralizada, os resultados do presente estudo mostraram que ser um adolescente mais velho (13 a 15 ou 16 a 19 anos) foi fator de proteção para a obesidade abdominal. Estudos prévios24,25 discordam dos valores encontrados. Entretanto, os pontos de corte utilizados no presente estudo não são específicos para a população brasileira, o que pode ter gerado esse resultado contraditório.
O gasto energético diário esteve inversamente associado ao %GC elevado e à obesidade abdominal entre os adolescentes do presente estudo. Esses resultados corroboram a literatura ao indicar que baixos níveis de atividade física podem gerar agravos à saúde, incluindo o aumento da adiposidade corporal e sua distribuição desfavorável.23
Contudo, o tempo diário assistindo à TV não apresentou uma associação significativa com ambos os indicadores de adiposidade corporal avaliados. Esses dados são semelhantes aos obtidos em estudos prévios para obesidade abdominal26 e %GC elevado.27 Esses resultados demonstram que o gasto energético total pode estar mais bem associado, pois mesmo os indivíduos que ficam muitas horas na frente da TV podem fazer atividades de alta intensidade quando não estão nessa atividade sedentária. Além disso, outras atividades sedentárias não foram computadas no presente estudo, como os trabalhos manuais leves e a utilização de computadores, tablets e smartphones.
O nível socioeconômico não esteve associado ao %GC elevado e à obesidade abdominal no presente estudo. Contudo, estudos nacionais19,22,28 apontam essa associação. Duquia et al19 e Minatto et al22 demonstraram que os níveis econômicos mais altos estiveram positivamente associados aos indicadores de adiposidade elevados avaliados. E, da mesma forma, Romanzini, Pelegrini e Petroski28 observaram que a obesidade abdominal era mais presente nos níveis socioeconômicos mais elevados. Entretanto, os indivíduos dos níveis econômicos mais baixos podem também apresentar baixos níveis de atividade física e uma alimentação inadequada, com excesso de calorias e gorduras, de forma similar aos indivíduos dos níveis econômicos mais elevados, e por esse motivo essa associação não foi demonstrada no presente estudo.
O estudo não encontrou também associação significativa entre o tipo de residência e os indicadores de adiposidade corporal, e não foi encontrado na literatura nenhum estudo que objetivou relacionar essas variáveis. Provavelmente, o tipo de residência não refletiu na participação dos indivíduos em atividades físicas, pois os espaços de atividades física em comunidades e escolas podem ser compartilhados por ambos os grupos, independente do tipo de residência.
O presente estudo apresentou algumas limitações. A primeira está relacionada à possibilidade de causalidade reversa na relação entre as variáveis, o que é inerente aos estudos transversais. A segunda condiz com a utilização de questionários como forma de coleta de dados, o qual pode ser influenciado pelo viés de memória e de estimativa, principalmente em relação às medidas de gasto energético diário e o tempo assistindo à TV. Apesar das limitações apresentadas e de várias outras pesquisas nacionais publicadas com esta temática, o presente estudo é importante por ser um dos poucos a utilizar o %GC como indicador de adiposidade corporal geral. Além disso, deve-se levar em consideração que o Brasil é um país com dimensões continentais e com grande variabilidade cultural entre as diversas regiões. Sendo assim, esta investigação agrega informações regionais relativas aos fatores de risco associados à adiposidade corporal em adolescentes.
Os achados do presente estudo representam uma importante referência para que futuros levantamentos epidemiológicos e intervenções para redução da obesidade em crianças e adolescentes sejam conduzidos.
Em conclusão, os resultados indicaram que os subgrupos de risco para o %GC elevado e obesidade abdominal podem variar de acordo com o indicador considerado, especialmente levando em consideração os fatores sociodemográficos. Em relação aos fatores comportamentais, os resultados corroboram a literatura, a qual indica maiores chances de obesidade tanto geral quanto abdominal nos indivíduos menos ativos. Intervenções com foco no aumento dos níveis de atividade física na população jovem devem ser elaboradas para o combate do excesso de adiposidade corporal. Além disso, futuros estudos com delineamento longitudinal devem ser realizados para que os resultados observados em estudos transversais possam ser confirmados e verificar possíveis relações causais.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
FinanciamentoCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/CNPq).
Estudo conduzido na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.