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Vol. 33. Núm. 2.
Páginas 222-229 (junio 2015)
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Vol. 33. Núm. 2.
Páginas 222-229 (junio 2015)
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Ingestão de cálcio, níveis séricos de vitamina D e obesidade infantil: existe associação?
Calcium intake, serum vitamin D and obesity in children: is there an association?
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Kelly Aparecida da Cunha
Autor para correspondencia
kelly.cunha@ufv.br

Autor para correspondência.
, Elma Izze da Silva Magalhães, Laís Monteiro Rodrigues Loureiro, Luciana Ferreira da Rocha Sant’Ana, Andréia Queiroz Ribeiro, Juliana Farias de Novaes
Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, MG, Brasil
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Tabela 1. Estudos que avaliaram a associação entre cálcio ou vitamina D e obesidade em crianças, 2001‐2014
Resumo
Objetivo

Avaliar a associação da ingestão de cálcio e níveis séricos de vitamina D e a obesidade infantil, por meio de uma revisão integrativa.

Fontes de dados

A pesquisa foi feita nas bases Pubmed/MedLine, Science Direct e SciELO com publicações de 2001 a 2014. Usaram‐se os termos em inglês combinados: “children” e “calcium” ou “children” e “vitamina D” associados, cada um, aos descritores: “obesity”, “adiposity” ou “body fat”, para todas as bases. Foram incluídos estudos que relacionassem as palavras‐ chave da pesquisa, com delineamento transversal, estudos de coorte e ensaios clínicos. Foram excluídos artigos de revisão ou artigos que não estudaram a associação de interesse.

Síntese dos dados

Oito artigos fizeram parte dessa revisão, dos quais cinco eram referentes ao cálcio e três abordaram a vitamina D. A maioria dos estudos foi de delineamento longitudinal. Os estudos analisados encontraram associação entre ingestão cálcio e obesidade, especialmente quando consideradas características como idade e sexo. Tem‐se observado relação inversa entre concentrações séricas de vitamina D e medidas de adiposidade em crianças. Essas são influenciadas pelo sexo e pelas estações do ano.

Conclusões

Os estudos avaliados mostraram associação entre cálcio e vitamina D com a obesidade na infância. Assim, considerando o possível efeito protetor desses micronutrientes em relação à obesidade infantil, as ações preventivas de saúde pública podem ser pautadas com ênfase na educação nutricional.

Palavras‐chave:
Crianças
Cálcio
Vitamina D
Obesidade
Adiposidade
Abstract
Objective

To evaluate the association between calcium intake and serum vitamin D levels and childhood obesity by an integrative review.

Data source

The research was conducted in the databases PubMed/medLine, Science Direct and SciELO with 2001 to 2014 publications. We used the combined terms in English: “children” and “calcium” or “children” and “vitamin D” associated with the descriptors: “obesity”, “adiposity” or “body fat” for all bases. Cross‐sectional and cohort studies, as well as clinical trials, were included. Review articles or those that that have not addressed the association of interest were excluded.

Data synthesis

Eight articles were part of this review, five of which were related to calcium and three to vitamin D. Most studies had a longitudinal design. The analyzed studies found an association between calcium intake and obesity, especially when age and sex were considered. Inverse relationship between serum vitamin D and measures of adiposity in children has been observed and this association was influenced by the sex of the patient and by the seasons of the year.

Conclusions

The studies reviewed showed an association between calcium and vitamin D with childhood obesity. Considering the possible protective effect of these micronutrients in relation to childhood obesity, preventive public health actions should be designed, with emphasis on nutritional education.

Keywords:
Children
Calcium
Vitamin D
Obesity
Adiposity
Texto completo
Introdução

A obesidade é considerada um problema de saúde pública que alcança proporções alarmantes a cada ano em todas as regiões do mundo.1‐3 De acordo com a Organização Mundial da Saúde, mundialmente, a prevalência de obesidade quase dobrou desde 1980.3

A prevenção da obesidade na infância é de alta prioridade3 e está associada aos hábitos dietéticos e à prática de atividade física. Contudo, já se sabe que, independentemente da ingestão calórica, outros fatores podem determinar a obesidade infantil, como a nutrigenômica, a nutrição pré‐natal e a amamentação, a saúde da microbiota intestinal, o consumo de alimentos com propriedades funcionais e a ingestão de ácidos graxos ômega‐3, zinco, vitaminas A, C, D, E, folato e cálcio.4 Esses fatores podem contribuir para a prevenção e auxiliar o tratamento dessa doença.

A deficiência de micronutrientes, como o cálcio e a vitamina D, é frequente em diversos países, independentemente do estado nutricional, porém sua magnitude é maior em crianças com excesso de peso.2,5‐7 Nesse contexto, o interesse sobre a associação entre o consumo de cálcio e os níveis séricos de vitamina D e as doenças metabólicas em crianças tem ganhado destaque no mundo científico há pelo menos 30 anos.8 Vários são os estudos que tentam esclarecer as mais diversas questões sobre o assunto,6,9,10 já que a combinação de baixos níveis séricos de 25‐hidroxivitamina D (25(OH)D) e inadequada ingestão de cálcio tem sido associada a fatores de risco cardiovasculares, tais como hipertensão, obesidade, síndrome metabólica (SM) e diabetes mellitus tipo 2.2,4,5,8 Ou seja, a combinação da deficiência de ambos os nutrientes merece consideração especial em crianças.4

Entretanto, as recomendações da ingestão de cálcio e vitamina D não foram propostas para prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, visto que os estudos ainda são escassos, inconsistentes e às vezes de baixa qualidade.11 Apesar da insuficiência de vitamina D e a baixa ingestão de cálcio serem comumente relatadas, pouco se sabe sobre a ação desses micronutrientes na prevenção e no tratamento de doenças, como a obesidade. Diante do exposto, esta revisão integrativa teve como objetivo avaliar a associação entre o consumo de cálcio e os níveis séricos de vitamina D com o acúmulo de gordura corporal (GC) em crianças.

Método

A pesquisa foi feita por meio de busca nas bases de dados Pubmed/MedLine, Science Direct e SciELO para artigos publicados entre 2001 e junho de 2014. Usaram‐se os termos em inglês combinados: “children” e “calcium” ou “children” e “vitamina D” associados, cada um, aos descritores “obesity”, “adiposity” ou “body fat”, para ambas as bases (fig. 1). Foram usados os parâmetros etários da Organização Mundial de Saúde12 para a definição de “criança” e considerados apenas os artigos que incluíram indivíduos com até nove anos. Foram incluídos estudos que relacionaram as palavras‐chave da pesquisa, com delineamento transversal, longitudinal e ensaio clínico; foram excluídos artigos de revisão e artigos que não estudaram a associação entre esses micronutrientes e a obesidade. Três revisores independentes fizeram a pesquisa simultaneamente. As pesquisas foram confrontadas e foram incluídos apenas os estudos selecionados por no mínimo dois pesquisadores.

Figura 1.

Fluxograma detalhado da estratégia de pesquisa e seleção dos estudos.

(0.39MB).
Resultados

A pesquisa resultou em 216 estudos sobre o tema (91da busca com o descritor “calcium” e 125 com o descritor “vitamin D”). Inicialmente, foram selecionados 65 artigos para leitura dos resumos com base na relevância dos títulos. Após a leitura dos resumos foram selecionados 10 artigos que se referiam ao estudo da associação entre adiposidade corporal e os micronutrientes de interesse. Entretanto, dois estudos foram excluídos, após a leitura dos textos completos, por não atender aos objetivos dessa revisão. Assim, oito artigos fizeram parte dessa revisão, os quais foram publicados de 2001 a 2014. Dentre os estudos incluídos, cinco13‐17 eram referentes ao cálcio e três18,20,21 abordaram a vitamina D. A figura 1 apresenta o fluxograma do processo feito até a seleção dos estudos incluídos nesta revisão.

Entre os trabalhos que avaliaram a relação entre a ingestão de cálcio e obesidade, a maioria foi de delineamento longitudinal.13‐16 Foi encontrado apenas um estudo transversal.17 A faixa etária variou desde crianças mais jovens13,14,16 até indivíduos no fim da infância.15,17

Na análise dos resultados dos estudos (tabela 1), quatro mostraram uma associação inversa entre a ingestão de cálcio e indicadores de obesidade.13‐15,17 Destaca‐se que, desses, apenas o artigo de Skinner et al.14 não fez ajustes estatísticos para controle dos fatores de confusão. Algumas particularidades foram verificadas no estudo de Moreira et al.17 onde essa relação foi observada apenas em meninas. No estudo de Dixon et al.,15 verificou‐se associação somente nas crianças não hipercolesterolêmicas mais velhas (sete a 10 anos). Diferenças nos parâmetros de obesidade dos indivíduos com diferentes ingestões de cálcio foram verificadas no ensaio clínico randomizado feito por DeJongh, Binkley e Specker:16 nas crianças no menor tercil de ingestão de cálcio dietético (<821mg/dia), o ganho de massa de gordura foi mais baixo (0,3±0,5kg) no grupo suplementado com cálcio (dois tabletes de 500mg de cálcio elementar como carbonato de cálcio) do que no grupo placebo (0,8±1,1kg).

Tabela 1.

Estudos que avaliaram a associação entre cálcio ou vitamina D e obesidade em crianças, 2001‐2014

Autores/Ano de publicaçãoPaís  Delineamento do estudo  População/Amostra  Principais resultados 
Cálcio  Carruth & Skinner12(2001)  Estados Unidos  Longitudinal(retrospectivo)  Crianças brancas acompanhadas dos 2‐96 meses (n=53)  Médias mais altas de ingestão de cálcio e mais porções diárias de produtos lácteos foram associados com menor GC 
  Skinner et al.13 (2005)  Estados Unidos  Longitudinal  Crianças brancas acompanhadas dos 2‐96 meses (n=52)  Ingestões de cálcio e gordura polinsaturada foram negativamente relacionadas ao %GC 
  Dixon et al.14 (2005)  Estados Unidos  Longitudinal  Crianças não obesas HC e não HC de 4 a 10 anos(n=342)  Ingestão de cálcio foi inversamente associada com o IMC, somatório de DC e DC do tronco nas crianças de 7 a 10 anos não HC. Nenhuma associação encontrada para crianças de 4 a 6 anos 
  Moreira et al.16 (2005)  Portugal  Transversal  Crianças das escolas primárias de Portugal entre 7 e 9 anos (n=3.044)  Relação inversa entre a ingestão de cálcio e IMC apenas em meninas 
  DeJongh, Binkley & Specker15 (2006)  Estados Unidos  Longitudinal(ensaio randomizado placebo e controle)  Crianças de 3 a 5 anos (n=178)  Menor tercil de ingestão de cálcio dietético, menor ganho de massa de gordura no grupo suplementado com cálcio comparado ao grupo placebo 
Vitamina D  Lee HA et al.17 (2013)  Coreia  Transversal  Crianças de 7 a 9 anos (n=205)  As concentrações de 25(OH)D foram inversamente associadas com os índices de adiposidade 
  Lee SH et al.19 (2013)  Coreia  Transversal  Crianças de 9 anos de idade (n=1.660)  Níveis médios de 25 (OH) D foram menores em crianças com obesidade total ou abdominal 
  Lourenço et al.20 (2014)  Brasil  Longitudinal  Crianças menores de 10 anos de idade (n=796)  O gene FTO foi positivamente associado com o ganho de peso. A vit D parece modificar os efeitos genéticos do FTO 

IMC, Índice de massa corporal; GC, Gordura corporal; %GC, Percentual de gordura corporal; HC, Hipercolesterolêmicas; Não HC, Não hipercolesterolêmicas; DC, dobras cutâneas; GER, Gasto energético de repouso.

Dentre os trabalhos que abordaram a relação entre vitamina D e obesidade em crianças, dois foram transversais18,20 e um longitudinal21 (tabela 1). Em um estudo com crianças de sete a nove anos na Coreia, Lee et al.18 encontraram associação inversa entre concentrações de vitamina D e IMC, percentual de gordura corporal (%GC), perímetro da cintura, perímetro do braço e dobra cutânea triciptal. Neste trabalho a concentração de 25(OH)D (25 hidroxivitamina D) foi dosada e os níveis foram categorizados em três grupos, de acordo com o Instituto de Medicina (IOM):19 suficiente (≥ 30ng/mL), insuficiente (20,0‐29,9ng/mL) e deficiente (< 20ng/mL). Entre as crianças, 84,4% não alcançaram os níveis suficientes de vitamina D e 17,6% estavam deficientes. As meninas tiveram níveis mais elevados de vitamina D do que os meninos. Outro estudo encontrou menores concentrações de vitamina D em crianças obesas em relação às eutróficas. Os valores séricos de Vitamina D estiveram significativamente associados com maiores valores de IMC, perímetro da cintura e triacilgliceróis séricos, além de menores valores de HDL.20 Os autores deste estudo usaram a mesma categorização dos níveis de vitamina D do IOM, porém citaram outra referência.22 Finalmente, um estudo longitudinal, na região amazônica brasileira, acompanhou crianças de 2007 a 2012 com o objetivo de avaliar o efeito do gene FTO nas modificações do IMC durante a infância, além de verificar se o status de vitamina D poderia modificar esse efeito. Com modelos de regressão múltipla, os autores encontraram efeito do FTO que aumentou o IMC ao longo dos anos e a deficiência de vitamina D (<75nmol/L em 32% da amostra em 2007) e exacerbou esse efeito, ou seja, aumentou ainda mais o IMC.21 Em todos esses estudos que abordam a vitamina D os autores fizeram ajustes para possíveis variáveis de confundimento.

Discussão

Embora o papel do cálcio na obesidade seja amplamente estudado em adultos, observa‐se uma escassez de trabalhos com crianças. Dentre os artigos analisados, peculiaridades foram encontradas nos resultados e isso pode estar relacionado a diferenças metodológicas nos estudos, como, por exemplo, métodos de avaliação dietética (recordatório de 20 horas, registros alimentares, questionário de frequência alimentar), bem como o período de tempo avaliado e o ajuste do cálcio dietético por energia ou outros possíveis confundidores nos modelos estatísticos. Além disso, a fonte dietética de cálcio também pode ter influenciado nos efeitos sobre a obesidade. Segundo Zemel & Miller,23 o cálcio oriundo de fontes lácteas parece exercer maiores efeitos comparado àquele de fontes suplementares ou fortificadas. Esses efeitos, provavelmente, podem ser atribuídos à presença de outros compostos bioativos dos laticínios que atuam sinergicamente com o cálcio para reduzir a adiposidade.

Os mecanismos envolvidos na relação entre cálcio e obesidade estão apresentados na figura 2. Esses mecanismos ainda não estão completamente elucidados, entretanto alguns estudos fornecem algumas explicações plausíveis.24,25 Uma delas é que a baixa ingestão de cálcio aumenta os níveis séricos de calcitriol, o que pode estimular o fluxo de cálcio dos adipócitos por receptores de membrana da vitamina D, identificados como associados à membrana de resposta rápida a esteroides. O aumento dos níveis intracelulares de cálcio, por sua vez, aumenta a atividade da ácido graxo sintase, inibe a expressão da lipase hormônio‐sensível, promove a lipogênese, inibe a lipólise e resulta no acúmulo de gordura corporal. Além disso, o calcitriol inibe a expressão da proteína desacopladora‐2 (envolvida na regulação do metabolismo, na termogênese induzida pela dieta e controle do peso corporal), por meio dos receptores clássicos de vitamina D nuclear em adipócitos, e aumenta, assim, a eficiência de energia.24,25 Adicionalmente, a regulação pelo calcitriol da proteína desacopladora‐2 e dos níveis de cálcio intracelular parece desempenhar um efeito sobre o metabolismo da energia ao afetar a apoptose de adipócitos.24

Figura 2.

Mecanismos sugeridos para explicar a relação entre ingestão de cálcio e obesidade.

AGS, Ácido Graxo Sintase; LHS, Lipase Hormônio Sensível; 11 β‐OHE D‐1, 11 β‐hidroxiesteroide desidrogenase.

(0.28MB).

O mecanismo exato pelo qual a ingestão de cálcio induz a redução da obesidade abdominal ainda não está claro, mas a produção de cortisol autócrino do tecido adiposo poderia explicar esse efeito.24 Foi demonstrado que o calcitriol estimula a expressão da 11β‐hidroxiesteroide desidrogenase‐1, a qual catalisa a conversão de cortisona a cortisol (envolvido na deposição de gordura principalmente na região abdominal) nos adipócitos. Assim, sugere‐se que as dietas ricas em cálcio, ao suprimir os níveis de calcitriol, levam a um menor acúmulo de gordura corporal pela redução da produção de cortisol no tecido adiposo.26

Outros estudos têm relacionado o papel do cálcio na obesidade pelo efeito desse micronutriente sobre a excreção fecal de gordura e regulação do apetite. O cálcio da dieta e de suplementos pode aumentar a excreção fecal de gordura, por meio da formação de complexos insolúveis no intestino.24 Entretanto, os estudos têm demonstrado que esse efeito é relativamente pequeno (especialmente com o cálcio suplementar).27,28 Dessa forma, esse mecanismo contribui para o efeito antiobesidade de cálcio, mas não pode explicá‐lo completamente.24,25,27 Sugere‐se que a ingestão de cálcio possa interferir na regulação do apetite. Entretanto, esse efeito foi avaliado em poucos estudos e a hipótese não é confirmada.6,29

O fato de um dos estudos ter encontrado relação inversa da ingestão de cálcio com parâmetros de obesidade apenas em meninas17 necessita de investigação. Isso pode se relacionar a características intrínsecas ao gênero, já que o aumento no percentual de gordura corporal ocorre mais cedo e com maior intensidade no sexo feminino durante a puberdade. Além disso, os meninos apresentam maior conteúdo de massa corporal magra por centímetro de altura do que as meninas.30 Moreira et al.17 levantaram a hipótese de uma possível interação entre o conteúdo de gordura corporal e o cálcio dietético e sugeriram que os efeitos desse micronutriente dependem de um maior percentual de gordura corporal, o que não foi observado nos indivíduos do sexo masculino.

A associação inversa entre a ingestão de cálcio e medidas de adiposidade verificada apenas em crianças mais velhas15 pode ser explicada pelo padrão de crescimento nessa faixa etária. A GC diminui gradualmente durante os primeiros anos de vida e alcança um conteúdo mínimo entre quatro e seis anos. A partir desse período, as crianças passam pelo “rebote da adiposidade”, com um aumento no peso corporal em preparação para o estirão de crescimento puberal.31 DeJongh, Binkley e Specker,16 que estudaram crianças entre três e cinco anos, também sugerem que o efeito da ingestão de cálcio deve ser maior na faixa etária em que a GC está aumentada.

As diferenças encontradas nos parâmetros de obesidade dos indivíduos com menores ingestões de cálcio, comparados com aqueles com maiores ingestões, indicam que o efeito do aumento da ingestão desse micronutriente na GC é mais observado nos indivíduos com baixas ingestões usuais de cálcio.16 Isso pode ser explicado pelo papel do calcitriol na absorção do cálcio. O calcitriol influencia o transporte ativo por aumentar a permeabilidade da membrana, regular a migração de cálcio por meio das células intestinais e aumentar o nível de calbindina.32,33 A fração de cálcio absorvida aumenta conforme sua ingestão diminui, devido a uma adaptação parcial à restrição desse micronutriente, o que resulta no aumento do transporte ativo mediado pelo calcitriol. Assim, o transporte ativo torna‐se o principal mecanismo de absorção de cálcio quando a sua ingestão é baixa.34

Pode‐se perceber que muitos dos mecanismos que explicam a adiposidade e sua associação com os micronutrientes estudados demostram a estreita relação entre o cálcio e a vitamina D presente nos eventos metabólicos da adipogênese. A presença ou ausência de um deles pode trazer prejuízos não apenas ósseos, mas à saúde como um todo. Os mecanismos envolvidos na associação entre obesidade e níveis séricos de vitamina D não são descritos especificamente para crianças. A figura 3 apresenta os possíveis mecanismos envolvidos na relação entre a vitamina D e a obesidade.

Figura 3.

Mecanismos sugeridos para explicar a relação cíclica entre deficiência de vitamina D e o aumento do depósito de gordura corporal.

PTH, Paratormônio.

(0.18MB).

Cabe aqui ressaltar que, apesar de a 25 (OH) D3 (calcidiol) não ser o metabólito mais ativo, é o mais comumente avaliado, já que os níveis plasmáticos da vitamina D ativa, a 1,25 di‐hidroxivitamina D (1,25(OH)2D3), são regularmente mantidos em concentração normais; além disso, os níveis plasmáticos de 25(OH)D3 são aproximadamente 100 vezes maiores do que os de 1,25(OH)2D3 e a meia‐vida da 1,25(OH)2D3 é de aproximadamente seis horas, enquanto a da 25(OH)D3, de duas a três semanas.11

Quando se comparam os níveis séricos de vitamina D das crianças do estudo de Lourenço21 no Brasil com um estudo feito nos Estados Unidos,35 observam‐se maiores níveis no Brasil. Esse fato está relacionado à maior incidência de luz solar em áreas tropicais e aumenta a conversão da vitamina D em sua forma ativa, que é dosada. Webb, Kline & Holick36 já explicavam esse fenômeno e mostravam que a latitude e as estações afetam a quantidade e qualidade da radiação solar que atinge a terra, especialmente no espectro UVB, e influenciam de forma drástica a síntese de vitamina D cutânea. Acredita‐se também que a deficiência de vitamina D pode estar relacionada à falta de exposição solar dos indivíduos obesos, uma vez que são mais sedentários e ficam mais abrigados do sol. Por esses fatores estarem interligados com a piora no quadro da obesidade, não é clara ainda a relação de causa e efeito entre as duas patologias.37

Lee et al.18 destacaram que as diferenças nos níveis séricos de vitamina D em relação ao gênero podem ser explicadas pelo fato de as meninas alegarem ter uma alimentação mais saudável em todos os quesitos questionados. Por outro lado, essa diferença entre gêneros não foi encontrada em outro estudo.20

O mecanismo pelo qual a vitamina D influencia a adiposidade corporal não está completamente elucidado, porém existem vertentes que tentam explicar esse fenômeno. A vitamina D é lipossolúvel, por isso é sequestrada e fica armazenada nos adipócitos. Isso reduz a biodisponibilidade dela e aciona o hipotálamo para gerar uma cascata de reações que leva ao aumento da sensação de fome e redução do gasto energético, de modo a compensar a falta da vitamina.37 Entre essas reações está o aumento do hormônio da paratireoide (PTH), que promove lipogênese38,39 e pode modular a adipogênese por meio da supressão do receptor de vitamina D, que inibe compostos envolvidos na diferenciação e maturação dos adipócitos.39,40 De maneira geral, percebe‐se que o aumento da GC pode agravar a deficiência de vitamina D que, por sua vez, pode aumentar ainda mais o acúmulo de gordura e gerar um ciclo (fig. 3).

Para essa revisão, é necessário considerar a possibilidade de vieses de publicação, pois nota‐se uma tendência de que resultados positivos sejam mais publicados. Alguns estudos17,18,20 que avaliaram a associação do cálcio e vitamina D com a obesidade apresentaram delineamento transversal. É importante considerar a existência de algumas limitações, com destaque para a causalidade reversa, já que a exposição e o desfecho são coletados simultaneamente.30 Além disso, é importante levar em conta que um dos estudos14 não fez ajustes para fatores de confusão nas análises estatísticas, além do pequeno tamanho amostral usado por outros,13,14 o que pode contribuir para conclusões equivocadas. Finalmente, vale ainda enfatizar que se reconhece a importância da avaliação da qualidade dos estudos nas revisões sistemáticas. Entretanto, destacamos que as listas e escalas de qualidade existentes usadas para esse processo de avaliação contêm questões voltadas para ensaios clínicos. Nessa revisão, foi incluído apenas um ensaio clínico e, assim, tal avaliação não foi aplicada.

Considerações finais

A associação entre o cálcio e a vitamina D com a obesidade é complexa e muito ainda há de ser elucidado. No tocante ao cálcio, os estudos que avaliam a associação da ingestão e medidas de obesidade na infância têm encontrado resultados importantes quando são consideradas características como a idade e o sexo dos indivíduos. Em relação à vitamina D, os estudos são recentes e promissores. Todos mostram associação inversa entre concentrações séricas de vitamina D e obesidade ou medidas de adiposidade em crianças. Essa associação é influenciada por estações do ano e pelo sexo dos indivíduos.

Já é consenso que os hábitos alimentares e comportamentais nas idades mais tenras podem afetar a vida adulta. Com isso, a necessidade de mais estudos cuja amostra seja composta exclusivamente por crianças é extremamente relevante, principalmente os de delineamento longitudinal, uma vez que podem esclarecer a relação de causalidade entre essas associações. O cálcio e a vitamina D, avaliados tanto pela ingestão dietética quanto por marcadores bioquímicos, mostraram‐se associados à obesidade.

Assim, considerando o efeito protetor da ingestão desses nutrientes em relação à obesidade infantil, as ações de saúde pública para prevenção podem ser pautadas principalmente na educação nutricional, por ser de fácil acesso e baixo custo, e auxiliar consequentemente as condutas de prevenção das doenças crônicas associadas ao sobrepeso e à obesidade ao longo da vida.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Copyright © 2015. Associação de Pediatria de São Paulo
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