Cateteres centrais de inserção periférica tornaram‐se dispositivos essenciais para administração contínua ou intermitente da terapia intravenosa, por tempo intermediário a prolongado, em especial no cuidado intensivo de recém‐nascidos.1 Mais conhecidos na prática clínica como PICC, da sigla em inglês Peripherally Inserted Central Catheters, são usados para a infusão de fluidos, fármacos, nutrição parenteral e hemocomponentes e promovem melhoria na qualidade do cuidado ao relacionar‐se à redução da dor e do estresse resultante da necessidade de múltiplas punções venosas periféricas, bem como ao menor risco presumido de complicações relacionadas a cateteres intravenosos centrais.1,2
Desde os primeiros relatos de uso clínico do PICC na década de 1970, o aprimoramento tecnológico dos materiais de confecção, das técnicas de inserção e do desempenho na manutenção do volume de infusão em cateteres de pequeno diâmetro possibilitou avanços no cuidado de recém‐nascidos, em especial durante a administração de soluções e fármacos com extremos de osmolaridade e pH, ou com propriedades irritantes ou vesicantes aos tecidos.2,3
Apesar dos benefícios, o uso de PICC em recém‐nascidos caracteriza‐se como complexo e requer a aplicação de diretrizes e acompanhamento de resultados com vistas à implantação de boas práticas e prevenção de complicações relacionadas à inserção, manutenção e retirada do cateter. Destaca‐se que, apesar de PICC serem inseridos em veias periféricas, o cuidado diário na prevenção de complicações distingue‐se do destinado a recém‐nascidos portadores de cateteres intravenosos periféricos, pois as dimensões e a localização da ponta do cateter se assemelham aos de inserção em veias centrais.3,4
Em neonatos, as principais complicações relacionadas ao uso de PICC são a infecção de corrente sanguínea associada ao cateter, a obstrução, a migração e o deslocamento do cateter.1,3 De modo semelhante ao que acontece com crianças, metanálise de estudos feitos com pacientes adultos demonstrou que, comparativamente aos cateteres centrais, PICC associaram‐se a maior risco para ocorrência de mau posicionamento, tromboflebite e disfunções mecânicas.4
Ao se estudarem 559 recém‐nascidos que usaram 626 PICC identificou‐se, como principais causas de complicações, sepse presumida, obstrução, edema ou infiltração, quebra do cateter, retirada acidental, flebite, efusão pleural e mau posicionamento central.5 A incidência de complicações em neonatos varia marcadamente entre os estudos, desde zero até 34%, e destaca‐se a obstrução como uma das principais complicações mecânicas.5‐8
A obstrução do PICC pode decorrer de oclusão trombótica ou não trombótica, parcial ou total. do lúmen do cateter, o que limita ou impede a administração de soluções ou a aspiração de sangue pelo dispositivo.2 Compromete a segurança do paciente por ocasionar atraso ou interrupção da terapia. O uso de PICC de calibres mais largos pode relacionar‐se a maior risco de desenvolvimento de oclusão e trombose venosa, enquanto que o uso de cateteres de calibres mais finos pode contribuir para a obstrução do PICC e outras disfunções mecânicas.1 As causas de obstrução do cateter não trombóticas são variadas e podem decorrer de presença de precipitados minerais, lipídicos e de fármacos, dobra do cateter, suturas muito justas e mau posicionamento do cateter por encontrar‐se contra a parede do vaso ou comprimido pela clavícula ou primeira costela.9 Estudos apontam que a maior parte das obstruções de PICC é do tipo trombótica e decorre da deposição de fibrina no interior e/ou ao redor da ponta do cateter, com possível evolução para complicações secundárias graves, como infecção e trombose relacionadas ao cateter.2,9
Em um artigo publicado neste número da revista, Balaminut et al.10 estudaram a eficácia de duas concentrações de heparina de baixo peso molecular na desobstrução de 76 PICC retirados de recém‐nascidos após o uso e guardados por até seis meses para inclusão no estudo. Os PICC estudados foram submetidos à técnica para promover a ocorrência de obstrução trombótica e posteriormente aleatorizados em dois grupos, um designado a receber a dose de 25U/mL de heparina e o outro a dose de 50U/mL. A técnica usada para a desobstrução foi a de pressão negativa com dânula de três vias e, em cada grupo de estudo, um profissional foi responsável pela implantação da técnica proposta em todos os cateteres desse grupo. Os achados apontaram maior índice de desobstrução de PICC no grupo de cateteres nos quais se usou maior concentração de heparina.
O uso de heparina, incluindo a de baixo peso molecular, tem sido descrito na prevenção de obstrução trombótica de PICC.11‐13 A heparina como anticoagulante é mais empregada na manutenção intermitente de cateteres e apresenta resultados controversos, porém na infusão contínua na profilaxia de oclusão de PICC em neonatos, estudo publicado na base Cochrane conclui efeito preventivo, mas sem poder suficiente para determinar eventos adversos secundários. Foi necessário acompanhamento clínico de resultados.11‐14 Assim, apesar de controvérsias, a atividade antitrombótica da heparina pode ser considerada na prática clínica para prevenção de obstrução. Contudo, não se atribui ação trombolítica a esse fármaco, como proposto no estudo de Balaminut et al.10 Os achados desse estudo, provavelmente, foram influenciados pelo emprego da técnica de pressão negativa e as diferenças entre os grupos sofreram influência do modo de implantação da técnica de desobstrução mecânica do cateter. Pressupõe‐se que o profissional do grupo heparina de maior concentração usou a técnica de desobstrução de maneira mais eficaz.
Para desobstrução de PICC, técnicas mecânicas, com diferentes variações, têm sido descritas e rotineiramente usadas na clínica, alcançando alguns índices de sucesso, mas devem ser empregadas com extremo critério, devido ao risco de deslocamento de trombos do interior do cateter para a circulação sanguínea do neonato.14‐16 Acrescenta‐se que, como agentes trombolíticos, mais adequadamente denominados como fibrinolíticos, existem seis fármacos conhecidos até o momento. A alteplase é um dos mais estudados para reversão de obstrução de cateteres, apesar de reações adversas restringirem o uso.9,16,17
Estudos demonstram que a obstrução do PICC caracteriza‐se como evento adverso passível de prevenção, por meio da instituição de cuidados e intervenções criteriosos e constantemente atualizados com base nas melhores evidências que sustentem a prática durante a manipulação do cateter.1,3,8 Ademais, estruturação assistencial que promova intervenções interdisciplinares para manejo individual de recém‐nascidos portadores de PICC, com base no acompanhamento de resultados obtidos em cada cenário clínico e na instituição de medidas de aperfeiçoamento contínuo, ainda são as melhores medidas para promover a retirada do cateter por alta do tratamento e prevenir complicações capazes de comprometer a qualidade da terapia intravenosa.
FinanciamentoO estudo não recebeu financiamento.
Conflitos de interesseA autora declara não haver conflitos de interesse.