Determinar os fatores de risco para perda de peso acima de 8% em recém‐nascido a termo por ocasião da alta pós‐parto de um Hospital Amigo da Criança.
MétodosOs casos foram selecionados de uma coorte de recém‐nascido, pertencentes a um estudo prévio. Foram incluídos recém‐nascidos a termo com peso ao nascer ≥2.000g, saudáveis e amamentados exclusivamente, excluídos os gemelares, os recém‐nascidos que usaram fototerapia e aqueles com alta hospitalar após 96 horas de vida. As variáveis maternas e neonatais estudadas foram idade materna, paridade, raça, tipo de parto, diabete materna, sexo, idade gestacional e adequação do peso para idade. Foram usadas as análises de regressão de Cox univariada e múltipla ajustadas e foi considerado significativo p<0,05.
ResultadosForam estudados 414 recém‐nascidos dos quais 107 (25,8%) tiveram perda excessiva de peso. Pela regressão univariada, os fatores de risco associados à perda de peso >8% foram parto cesárea e maior idade materna. Pela análise de regressão múltipla ajustada, o modelo para explicar a perda de peso foi o parto cesárea (Risco Relativo: 2,27 e Intervalo de Confiança 95%: 1,54‐3,35).
ConclusõesO preditor independente para perda de peso maior do que 8% em recém‐nascidos a termo amamentados exclusivamente em um Hospital Amigo da Criança foi a cesárea. É possível que a redução do número de cesáreas possa minimizar a perda de peso neonatal excessiva e o consequente uso de fórmula láctea na primeira semana de vida.
To determine the risk factors for weight loss over 8% in full‐term newborns at postpartum discharge from a Baby Friendly Hospital.
MethodsThe cases were selected from a cohort of infants belonging to a previous study. Healthy full‐term newborns with birth weight ≥2.000g, who were exclusively breastfed, and excluding twins and those undergoing phototherapy as well as those discharged after 96 hours of life, were included. The analyzed maternal variables were maternal age, parity, ethnicity, type of delivery, maternal diabetes, gender, gestational age and appropriate weight for age. Adjusted multiple and univariate Cox regression analyses were used, considering as significant p<0.05.
ResultsWe studied 414 newborns, of whom 107 (25.8%) had excessive weight loss. Through the univariate regression, risk factors associated with weight loss >8% were caesarean delivery and older maternal age. At the adjusted multiple regression analysis, the model to explain the weight loss was cesarean delivery (relative risk: 2.27 and 95% of confidence interval: 1.54 to 3.35).
ConclusionsThe independent predictor for weight loss >8% in exclusively breastfed full‐term newborns in a Baby‐Friendly Hospital was the cesarean delivery. It is possible to reduce the number of cesarean sections to minimize neonatal excessive weight loss and the resulting use of infant formula during the first week of life.
A quase totalidade dos recém‐nascidos (RN) apresenta perda ponderal nos primeiros dias de vida.1 Dada essa grande frequência, os autores a denominam de perda fisiológica de peso.2 A maioria dos estudos sugere que a perda corresponde, principalmente, à redução de fluidos,1 mas também é consequência do uso, pelo RN, de tecido adiposo como fonte de energia.2
Nos primeiros 2‐3 dias3 de vida, RN amamentados exclusivamente perdem, em média, entre 5%‐7% do peso do nascimento.1 Os limites fisiológicos máximos de perda de peso para RN amamentados exclusivamente ao seio são controversos. Assim, pode ser considerado normal ou aceitável a perda ponderal de até 10%,4–6 embora também haja referências a valores de 7%.7
A evolução do peso do recém‐nascido, nos primeiros dias de vida, é usada como um indicador da adequação da amamentação.7 Dessa forma, o percentual de redução do peso em relação ao nascimento pode ser um dos parâmetros usados para a introdução de fórmula láctea.8
O tema tem despertado interesse crescente dado o grande número de aspectos com baixos níveis de evidência. Assim, permanecem indefinidos o percentual de perda de peso que indica a suplementação com fórmula, o decréscimo de peso compatível com a alta hospitalar segura e o período necessário para sua recuperação.9
A iniciativa Hospital Amigo da Criança do Unicef10 recomenda a amamentação exclusiva ao seio materno, mas o impacto em curto prazo dessa prática sobre a evolução ponderal é pouco conhecido.
Com relação aos possíveis marcadores associados à perda de peso existem publicações que envolvem RN com alimentação mista, ou seja, amamentados e com suplementação com fórmula láctea.11,12 Nesses estudos, os fatores associados à perda de peso são múltiplos e entre eles encontra‐se o parto cesárea. Por outro lado, são poucos os estudos em RN exclusivamente amamentados ao seio3,13 e em hospitais amigos da criança.14,15 O objetivo deste estudo foi determinar os fatores de risco para a perda ponderal maior do que 8% em RN a termo amamentados exclusivamente ao seio materno em um Hospital Amigo da Criança.
MétodoFoi feita uma análise secundária de dados de um estudo previamente publicado (n=608) feito entre 06/2008 a 10/2008.16 A evolução ponderal de uma coorte de RN a termo, com peso ao nascer ≥2.000g e idade gestacional ≥37 semanas, foi avaliada prospectivamente ao nascimento e à alta hospitalar. Foram excluídos RN que usaram suplementação com fórmula ou fórmula exclusiva, gemelares, RN cuja alta hospitalar foi após 96 horas de vida e aqueles que fizeram fototerapia durante a internação após o parto.
Os RN foram pesados ao nascer e no dia da alta hospitalar, despidos, com balança marca Filizola®, com sensibilidade de 5 gramas. A unidade neonatal em questão é um hospital público, nível terciário, que aderiu aos 10 passos recomendados e recebeu o título de Hospital Amigo da Criança há 12 anos.10
A alta hospitalar pós‐parto nesse serviço ocorreu, como rotina, com 48 horas de vida no parto vaginal e com 72 horas após parto cesárea. A média da duração da internação nessa coorte de RN foi de 58,9±9,9 horas, com mínimo de 41 e máximo de 96 horas, conforme o critério de exclusão.
Foram estudadas como variáveis independentes maternas: idade, etnia, paridade, tipo de parto e antecedente de diabete, tomando como base os resultados da curva glicêmica durante o pré‐natal. Entre as variáveis neonatais estudaram‐se o sexo, o peso ao nascimento, a adequação do peso para a idade, o peso na alta hospitalar e a duração da internação. O peso à alta foi obtido na manhã do dia da alta hospitalar. A idade gestacional17 foi estabelecida na sala de parto e a adequação do peso para a idade gestacional foi definida segundo a curva de crescimento intrauterino de Alexander et al.,18 com o uso do peso ao nascer. Perda de peso, em porcentagem, no momento de alta hospitalar foi considerada como a diferença percentual entre o peso do nascimento e o peso aferido no momento da alta. A variável dependente foi a perda de peso excessiva, considerada quando houve redução >8% no peso à alta hospitalar em relação ao nascimento.
Ao banco de dados do estudo anterior16 foram acrescentadas as informações referentes às variáveis: adequação do peso para a idade e antecedente de diabete materna. A análise de dados foi feita com o SAS System for Windows versão 9.1.3. A análise estatística foi feita com os testes de qui‐quadrado, t de Student, de Kruskall‐Wallis, regressão de Cox univariada e múltipla, ajustadas pela hora da alta hospitalar dado que os RN com parto vaginal e cesárea tiveram duração de internação distinta. O processo de seleção das variáveis na análise de regressão foi o stepwise, em que, em cada passo, todas as combinações são testadas. Todas as variáveis foram introduzidas no modelo, independentemente do valor de p na análise univariada. Foram estabelecidos os valores do risco relativo (RR) e intervalo de confiança de 95% (IC95%), e considerou‐se significativo valor de p<0,05.
O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição aprovou o projeto original e o estudo atual e considerou esse último dispensado da assinatura dos parentes no termo de consentimento livre e esclarecido, por se tratar de uma análise secundária de dados.
ResultadosO trabalho contou com 414 RN, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão explicitados no método e na figura 1. Com relação ao peso ao nascer, a média±DP foi 3.319±409 g, a mediana 3.305 g e o intervalo interquartil 3.005‐3.595g. A perda de peso em média nessa amostra foi de 6,4±2,5%. Do total, 107 (25,8%) tiveram perda excessiva de peso, com média de perda de 9,4%±1,1% (8,1‐13,6%); Em 20 (4,8%) a perda de peso à alta foi superior a 10%. A duração da internação diferiu significativamente entre os grupos com e sem perda de peso excessiva; assim, a alta hospitalar ocorreu, respectivamente, com 61,4±9,9h vs. 58,0±9,8h (p=0,003). A tabela 1 apresenta a distribuição da média de perda ponderal e a frequência de perda de peso acima de 8%, segundo a idade gestacional. A perda de peso não diferiu entre as idades gestacionais. A frequência de cesárea foi significativamente diferente (p<0,001) entre as idades gestacionais (tabela 1).
Valores da média±DP e mediana da perda de peso à alta e a frequência relativa de parto cesárea e perda de peso acima de 8% segundo a idade gestacional (n=414)
IG | n | Cesárea %a | Média±DP | Medianab | Perda>8% (%) |
---|---|---|---|---|---|
37 | 50 | 56,2 | 6,9±2,8 | 7,2 | 34,0 |
38 | 59 | 18,0 | 6,1±2,4 | 6,5 | 22,0 |
39 | 104 | 44,4 | 5,9±2,5 | 6,1 | 20,2 |
40 | 141 | 54,9 | 6,7±2,4 | 6,8 | 30,5 |
41 | 60 | 46,3 | 5,8±2,4 | 6,4 | 21,7 |
IG, idade gestacional; n, número de casos; %, porcentagem; DP, desvio padrão.
A tabela 2 apresenta os fatores de risco pela regressão univariada. Os fatores de risco associados à perda de peso >8% foram o parto cesárea e a maior idade materna (tabela 2). O modelo obtido pela análise de regressão múltipla, ajustada pela hora da alta hospitalar, que melhor explicou a perda de peso nessa amostra correspondeu ao parto cesárea que, de forma independente, aumentou o risco de perda >8% em 2,27 vezes (RR=2,27; IC95%: 1,54‐3,35; p<0,0001).
Fatores de risco para perda de peso >8% à alta hospitalar em RN a termo, em amamentação exclusiva, segundo a análise de regressão logística univariada ajustada (n=414)
>8% n=107 | ≤8% n=307 | p‐valora | RRb | IC95%b | |
---|---|---|---|---|---|
Idade mãe (anos; média±DP) | 26,4±6,2 | 24,6±6,3 | 0,034 | 1,03 | 1,00‐1,06 |
Paridade (média±DP) | 0,8±0,9 | 0,9±1,2 | 0,335 | 0,91 | 0,76‐1,09 |
Etnia negra,c n (%) | 36 (33,6) | 124 (40,3) | 0,163 | 0,75 | 0,50‐1,12 |
Diabete materna, n (%) | 4 (3,7) | 4 (1,3) | 0,263 | 1,77 | 0,65‐4,84 |
Parto cesárea, n (%) | 54 (50,4) | 74 (24,1) | <0,0001 | 2,16 | 1,47‐3,18 |
Sexo feminino, n (%) | 56 (52,3) | 144 (46,9) | 0,397 | 1,17 | 0,80‐1,72 |
IG 37 semanas,d n (%) | 17 (15,8) | 33 (10,7) | 0,488 | 1,12 | 0,65‐1,94 |
Peso ao nascer (g; média±DP) | 3337±415 | 3313±407 | 0,778 | 1,00 | 1,00‐1,00 |
AIG,e n (%) | 89 (83,1) | 258 (84,0) | 0,375 | 0,77 | 0,38‐1,53 |
DP, desvio padrão; g, grama; n, número de casos; IG, idade gestacional; AIG, adequado para idade gestacional.
Os fatores de risco para perda de peso excessiva em RN a termo amamentados exclusivamente e nascidos num Hospital Amigo da Criança foram a cesárea e a maior idade materna. Pelo modelo de regressão múltipla a cesárea permaneceu como único fator independente para perda ponderal >8%.
Considerando as políticas do Hospital Amigo da Criança, a média de perda obtida na amostra total foi semelhante à dos demais estudos. Dessa forma, a média de perda de peso de 6,4% é compatível com descrições de 5,7% a 6,6%±2% em uma revisão sistemática de 11 estudos bastante heterogêneos, com RN em amamentação exclusiva e independentemente do tipo de parto.2,14 Já a frequência de perda maior do que 8% nesse estudo foi bastante expressiva (25,8% dos RN). Diferentes definições de perda de peso excessiva são adotadas pelos autores, ou seja, >7; >8 e >10%.19 O ponto de corte de 8% não é muito usado.19 Encontramos uma referência14 que descreve valores de 7,4% dos RN com perdas superiores a 8% em amamentação exclusiva, não exclusiva e fórmula. Elegemos o limite de 8% para perda excessiva de peso considerando a necessidade de suporte para a amamentação desses RN após a alta, como indicado no passo 10 do hospital amigo da criança.8,10
Não há um consenso se a perda de peso acima de 7% pode ser um indicador de problemas na amamentação ao seio7,8 e, por outro lado, a perda de 8%‐10% pode ser considerada perda fisiológica se nenhuma anormalidade de exame físico estiver presente. Aponta, no entanto, para a necessidade de um maior suporte à amamentação.8,19
Para a perda acima de 10% o valor obtido neste estudo está próximo ao limite inferior da ampla faixa de variação de outras publicações.4,5,11,15,20–22 Assim, de 2,4%5 a 25%21 dos RN perdem acima de 10% com diferentes tipos de alimentação. Ausência de RN com perda >10% também foi descrita.3,14 Acredita‐se que o percentual de 4,8% obtido neste estudo possa ser atribuído à aplicação de todos os passos da Iniciativa Hospital Amigo da Criança no serviço.
Dentre os fatores de risco estudados, a maior idade materna foi identificada como a variável preditora para a perda de peso, provavelmente porque o aumento da idade cursa com aumento da morbidade materna por hipertensão e diabete e evolui com risco de finalização da gravidez via cesárea.23
Na análise bivariada entre a idade gestacional e a perda de peso e entre a idade e a frequência de cesárea identificou‐se haver diferença significativa apenas na segunda: os RN com 37 e 40 semanas de idade gestacional se destacaram dos demais por terem as maiores frequências de cesárea. Por sua vez, a análise de regressão multivariada, que suprimiu os efeitos de confundimento, não destacou a idade gestacional como fator de risco, o que seria esperado, uma vez que, na prática clínica, os RN de 37 semanas são os que demonstram maior propensão a dificuldades na amamentação.24
O mecanismo mais conhecido que justifica a associação do parto cesárea com a maior perda de peso do RN e dificuldades na amamentação é o retardamento da lactogênese II, definida como secreção de leite copiosa que se inicia no 2°/3° dia pós‐parto.11,25 Também existem reconhecidos impedimentos de posicionamento do RN no parto cesárea para cumprir o passo 4 do Hospital Amigo da Criança, com primeira mamada entre meia a uma hora de vida, o que pode colaborar para uma lactogênese mais tardia.26
Mais recentemente, os estudos têm identificado que outro mecanismo também presente seria o excesso de líquido administrado à mãe durante o trabalho de parto.22,27 A infusão de 1.200mL a mais de 2.500mL de líquidos na mãe, na cesárea ou no parto vaginal com analgesia,19 determina hipervolemia no RN e maior diurese no primeiro dia de vida.2,27 Grande parte da perda de peso desses RN é observada no primeiro dia.2,19 Em uma revisão sobre o tema19 foram encontradas evidências de oito estudos que associaram a perda de peso com o excesso de liquido ofertado à mãe em RN em amamentação exclusiva. Por outro lado, um ensaio clínico randomizado não encontrou associação de menor perda de peso com a restrição de infusão de líquidos nas mães.28
Este estudo se constituiu de uma análise secundária de dados de estudo anterior, cujas informações sobre a evolução ponderal foram coletadas prospectivamente. Dessa forma, a avaliação de outras variáveis associadas com a perda de peso e dificuldades de amamentação13,20 não foi feita, o que pode ser apontado como uma limitação do estudo. Também, a maior duração da internação no parto cesárea, comparado ao vaginal, predisporia à observação do nadir da perda de peso nesse primeiro grupo.21 Mas esse efeito foi suprimido pelo ajuste na análise de regressão pela duração da internação em horas.
O peso à alta foi preditor do grau de ansiedade e de preocupação com o volume de produção láctea.20 Dessa forma, se for possível conhecer e minimizar os fatores associados à perda de peso, talvez seja possível também reduzir a ansiedade materna e colaborar para maiores taxas de sucesso da amamentação exclusiva.20 Conclui‐se que a redução do número de cesáreas poderia minimizar a perda de peso neonatal excessiva e, como consequência, minorar a indicação de suplementação com fórmula, nos primeiros dias de vida.
FinanciamentoBolsa de iniciação científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
A Cleide Aparecida Moreira Silva, do Serviço de Bioestatística da Câmara de Pesquisa FCM/Unicamp/Campinas/Brasil, pela análise estatística.