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Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 184-188 (junio 2016)
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Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 184-188 (junio 2016)
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Frequência de rinite e alterações orofaciais em pacientes com má oclusão dentária
Frequency of rhinitis and orofacial disorders in patients with dental malocclusion
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Tamara Christine de Souza Imbaud
Autor para correspondencia
tamaraimbaud@uol.com.br

Autor para correspondência.
, Márcia Carvalho Mallozi, Vanda Beatriz Teixeira Coelho Domingos, Dirceu Solé
Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM‐Unifesp), São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Pacientes segundo alterações maxilofaciais e oclusivas observadas, considerando‐se a presença ou não de rinite ou respiração bucal
Resumo
Objetivo

Descrever a frequência e etiologia da rinite, da respiração oral, os tipos de má oclusão e as alterações orofaciais em pacientes tratados por má oclusão dentária.

Métodos

Pacientes com má oclusão dentária (n=89, oito a 15 anos) em tratamento ortodôntico em centro de pós‐graduação em ortodontia (São Paulo, Brasil) participaram do estudo. Rinite e respiração oral foram diagnosticadas por anamnese e exame clínico e a etiologia alérgica dessa por teste cutâneo de hipersensibilidade imediata (TCHI) com aeroalérgenos. Avaliou‐se a relação entre tipos de respiração (oral ou nasal), rinite e tipos de má oclusão dentária, bruxismo e alterações cefalométricas (aumento do eixo Y de crescimento facial) em comparação com o traçado cefalométrico padrão (Escola de Odontologia da Universidade de São Paulo).

Resultados

A frequência de rinite nos pacientes com má oclusão dentária foi de 76,4% (68), desses 81,7% eram alérgicos (49/60 TCHI positivo) e a frequência de respiração oral foi de 62,9%. Houve associação significativa entre ter o eixo Y de crescimento facial aumentado e respiração oral (p<0,001), o mesmo entre respiração oral e rinite (p=0,009). Não houve associação entre rinite e bruxismo.

Conclusões

A frequência de rinite em crianças com má oclusão dentária é superior à da população geral, que gira ao redor de 30%. Os pacientes com respiração oral têm tendência de crescimento dólico facial (eixo Y de crescimento aumentado). Nos pacientes com rinite, independentemente da presença da respiração oral, a tendência dólico facial não foi observada.

Palavras‐chave:
Rinite
Respiração bucal
Má oclusão
Cefalometria
Bruxismo
Abstract
Objective

To describe the frequency and etiology of rhinitis, oral breathing, types of malocclusion and orofacial disorders in patients treated for dental malocclusion.

Methods

Patients with poor dental occlusion (n=89, 8‐15 years) undergoing orthodontic treatment at the Postgraduate Orthodontics Center (Sao Paulo, Brazil) participated in the study. Rhinitis and oral breathing were diagnosed by anamnesis, clinical assessment and allergic etiology of rhinitis through immediate hypersensitivity skin prick test (SPT) with airborne allergens. The association between types of breathing (oral or nasal), rhinitis and types of dental malocclusion, bruxism and cephalometric alterations (increased Y axis of facial growth) compared to standard cephalometric tracing (Escola de Odontologia da Universidade de São Paulo) were assessed.

Results

The frequency of rhinitis in patients with dental malocclusion was 76.4% (68), and, of these, 81.7% were allergic (49/60 positive skin prick test), whereas the frequency of oral breathing was 62.9%. There was a significant association between an increased Y axis of facial growth and oral breathing (p<0.001), as well as between oral breathing and rhinitis (p=0.009). There was no association between rhinitis and bruxism.

Conclusions

The frequency of rhinitis in children with dental malocclusion is higher than that in the general population, which is approximately 30%. Patients with oral breathing have a tendency to a dolichofacial growth pattern (increased Y axis of facial growth). In patients with rhinitis, regardless of the presence of oral breathing, the dolichofacial growth tendency was not observed.

Keywords:
Rhinitis
Oral breathing
Malocclusion
Cephalometry
Bruxism
Texto completo
Introdução

O crescimento e o desenvolvimento do maciço crânio facial e, consequentemente, a oclusão dentária sofrem influências do meio ambiente pela respiração, amamentação, mastigação, hábitos (mamadeira e a sucção digital e/ou chupeta) e deglutição.1,2

Por aerar as cavidades pneumáticas paranasais, a respiração permite o desenvolvimento facial adequado por meio de pressão feita pelo fluxo e refluxo de ar através das narinas. Obstruções nas vias aéreas, como hipertrofia adenoamigdaliana, causam interferência na pressão inspiratória. O fluxo nasal escasso e a ausência de pressão da língua contra o palato levam à hipoplasia de seios maxilares, ao estreitamento das cavidades nasais e da arcada dentária superior, o que favorece a má oclusão dentária.3‐5 A respiração oral pode ser favorecida pela demora no diagnóstico e no tratamento da rinite alérgica (RA) que, além de facilitar a respiração oral crônica, pode gerar distúrbio de fala, sinusite crônica, bruxismo, apneia noturna, distúrbios do sono, disfunção da tuba auditiva, otite média e crises de asma.6 A hipertrofia adenoamigdaliana e a mordida cruzada posterior estão associadas à otite média em crianças.2,7,8

RA é considerada um problema de saúde pública devido à sua alta prevalência, uma vez que compromete a qualidade de vida do paciente e tem custo social elevado.6,10 A prevalência de RA em escolares brasileiros varia entre 26,6% e 34,2%.11 Embora a associação entre má oclusão dentária e RA seja comum, suas inter‐relações merecem mais estudos. Associação entre má oclusão dentária e respiração oral em pacientes com RA,12–15 bem como com bruxismo,13 já foi relatada.

Em pacientes com RA, têm sido descritos redução dos diâmetros craniofaciais, má oclusão dentária (apinhamento dental anterior, mordida cruzada, maxila em posição protruída, mandíbula retruída) e direção de crescimento vetorial facial com predomínio do componente vertical, que se expressa por aumento da medida do eixo Y de crescimento no estudo cefalométrico.1,12‐16 A má oclusão dentária se associa a outros transtornos, como a respiração oral, o uso de chupeta e chupar o dedo por um longo tempo (além dos três e dos quatro anos, respectivamente).2,12‐23 Estudo com crianças de 5‐6 anos matriculadas em escolas de ensino fundamental no Brasil observou frequência elevada de má oclusão, que foi associada a hábitos bucais deletérios, como chupeta, mamadeira e sucção digital.1,12 Por isso os profissionais de saúde, médicos, dentistas e terapeutas da fala deveriam estar mais alertas sobre o impacto negativo da obstrução das vias aéreas sobre o crescimento facial do paciente e sobre sua saúde psicológica.2,13

A avaliação multidisciplinar dos pacientes em tratamento com má oclusão dentária, com rinite e/ou respiração oral é importante para um tratamento mais adequado.2 Neste estudo, foram avaliados os pacientes em tratamento de má oclusão dentária em serviço de ortodontia quanto à frequência de rinite, respiração oral, bruxismo e alterações orofaciais, além do aumento do eixo Y por avaliação cefalométrica, segundo a presença ou não de rinite e/ou respiração oral.

Método

Foram selecionados 89 pacientes (8‐15 anos) entre o total de atendidos (300 aiores de sete anos) em centro especializado em ortodontia na cidade de São Paulo, encaminhados para tratamento ortodôntico por má oclusão dentária, durante 012. A escolha foi aleatória e não foram admitidos os que relataram hábitos como chupar chupeta ou dedo por período superior a três e quatro anos de idade respectivamente, aqueles que tinham diagnóstico de hipertrofia de amígdala adenoidiana (radiografia) ou cirurgia (adenoidectomia), discrepância ósteo‐dentária, pirâmide nasal anormal que poderia interferir com a respiração nasal, deglutição atípica e malformações genéticas. Todos os pacientes tinham avaliação da deglutição por fonoaudióloga antes de iniciar o tratamento. Todos os pacientes foram autorizados por seus pais a participar do estudo e os últimos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os pacientes foram avaliados por anamnese e exame clínico com especial atenção à cavidade oral e às fossas nasais, a fim de fazer o diagnóstico de rinite e/ou respiração oral (TCSI). Foram considerados respiradores orais aqueles cuja respiração era predominantemente através da boca ao longo dos últimos seis meses24 (n=56), os outros foram caracterizados como respiradores nasais (n=33).

Os pacientes que apresentavam sinais e sintomas nasais como espirros, coriza, obstrução nasal e/ou prurido nasal foram identificados como tendo rinite.6 De acordo com esse critério, os pacientes constituíram dois grupos: com rinite (n=68) e sem rinite (n=21).

Todos os pacientes com rinite foram submetidos ao teste cutâneo de hipersensibilidade imediata (TCHI)25 para identificar a etiologia da pelo mesmo investigador (TCSI). Empregou‐se a técnica de puntura e usou‐se bateria padrão de aeroalérgenos (Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae, Blomia tropicalis, mistura de fungos, mistura de pólens, Blattella germanica, epitélio de cão, epitélio de gato, histamina (1mg/mL) e controle negativo ‐ FDA Allergen®). O aparecimento de pápula com diâmetro médio de 3 mm maior do que o diâmetro do controle negativo para qualquer aeroalérgeno testado caracterizou o TCHI como positivo e o paciente como tendo RA.25

Os pacientes (divididos em grupos, com ou sem rinite e com e sem respiração oral) foram também avaliados quanto à presença de bruxismo, tipos de má oclusão e aumento do eixo Y. O eixo Y (ângulo NS. Gn, fig. 1) foi obtido por avaliação cefalométrica (VBTCD) feita sobre a radiografia do paciente. A representação gráfica da direção do crescimento mandibular foi em relação à base do crânio (padrão USP).26 Quando aumentado, indica que a mandíbula cresce no sentido horário, resulta em face mais longa e retrognatia. Quando o eixo Y está diminuído, significa que o crescimento é no sentido anti‐horário, o que resulta em mandíbula prognata. Essas medidas angulares e lineares das características faciais, esqueléticas e dentárias foram comparadas com os padrões de normalidade.26

Figura 1.

Ângulo NS. Gn – Eixo Y de crescimento.

(0.09MB).

O diagnóstico do tipo de má oclusão foi feito por ortodontista (VBTCD) e o diagnóstico de bruxismo foi baseado em informação dos pais sobre o hábito de seus filhos rangerem ou apertarem os dentes.

De acordo com as variáveis analisadas foram empregados teste t de Student, teste exato de Fisher e qui‐quadrado e fixou‐se em 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo, Escola Paulista de Medicina‐Universidade Federal de São Paulo.

Resultados

Rinite foi diagnosticada em 76,4% (68/89) dos pacientes, não houve diferenças significativas com relação à mediana da idade: 144 meses (96 a 180 meses) para os com rinite e de 120 meses (90 a 180 meses) para aqueles sem rinite.

A tabela 1 mostra as alterações observadas nos pacientes de acordo com a presença ou ausência de rinite. Mostra também que a presença de respiração oral foi significativamente mais frequente entre os portadores de rinite.

Tabela 1.

Pacientes segundo alterações maxilofaciais e oclusivas observadas, considerando‐se a presença ou não de rinite ou respiração bucal

  RiniteRespiração bucal
  Sim (n=68)  Não (n=21)  OR (IC95%)  Sim (n=56)  Não (n=33)  OR (IC95%) 
Atresia maxilar  29 (78,4)  8 (21,6)  1,21 (0,44‐3,30)  24 (64,9)  13 (35,1)  1,15 (0,48‐2,77) 
Bruxismo  28 (87,5)  4 (12,5)  2,98 (0,90‐9,80)  23 (71,9)  9 (28,1)  1,86 (0,73‐4,73) 
Respiração bucal  48 (85,8)  8 (14,2)  3,90a (1,40‐0,86)  ‐  ‐  ‐ 
Rinite  ‐  ‐  ‐  48 (70,5)  20 (29,5)  3,91a(1,40‐10,86) 
Eixo Y aumentado  35 (81,3)  8 (16,7)  1,72 (0,63‐4,69)  30 (85,7)  5 (14,3)  6,46a(2,18‐19,16) 
Mordida profunda  32 (74,4)  11 (25,6)  0,80 (0,30‐2,15)  25 (58,1)  18 (41,9)  0,67 (0,28‐1,60) 
Mordida aberta  24 (82,8)  5 (17,2)  1,75 (0,57‐5,35)  13 (76,5)  4 (23,5)  2,19 (0,65‐7,39) 
Mordida cruzada  24 (82,8)  5 (17,2)  1,75 (0,57‐5,35)  19 (65,5)  10 (34,5)  1,18 (0,47‐2,98) 
Apinhamento  41 (78,8)  11 (21,2)  1,38 (0,52‐3,70)  35 (67,3)  17 (32,7)  1,60 (0,66‐3,75) 

OR, Odds ratio; IC95%, Intervalo de confiança de 95%; Negrito e itálico, valores significativos p<0,05.

a

Teste exato de Fisher.

A tabela 1 mostra também as alterações observadas nos pacientes segundo a presença (64,9%) ou ausência de respiração oral. A presença de rinite e o aumento do eixo Y foram significativamente associados à de respiração oral.

A frequência de sensibilização alérgica foi de 81,7%, significativamente maior entre os pacientes com RA moderada/grave quando comparados aqueles com formas não graves. Blomia tropicalis (41/49), D. pteronyssinus (40/49), D. farinae (40/49), Blattella germanica (6/49) e mix de fungos (5/49) foram os alérgenos identificados.

Discussão

A associação entre respiração oral e rinite tem sido amplamente documentada e ocorre como resultado da obstrução nasal, que é um dos sintomas mais desconfortáveis da rinite.2,6,11,14 Estudos de longo prazo com esses pacientes têm documentado maior frequência de alterações no desenvolvimento facial e má oclusão dentária especialmente como possível consequência da respiração oral crônica.2,12‐14,19‐22 No entanto, os estudos que avaliam a prevalência de rinite em pacientes com má oclusão dentária são poucos, o que motivou esta investigação. Por percebermos a importância da respiração para o desenvolvimento orofacial e a oclusão dentária,1,3,12,13,17 pacientes com outras causas de respiração oral foram excluídos para evitar interferências nos resultados.2‐4,27,28

Aproximadamente 75% dos pacientes avaliados foram diagnosticados como portadores de rinite. Esse resultado excede em muito os valores observados em estudos epidemiológicos em população geral.11 Além disso, 81,7% dos pacientes que fizeram TCHI foram documentados como sensíveis a pelo menos um aeroalérgeno, o que os caracterizou como tendo RA. De modo semelhante ao relatado por outros autores, a presença de rinite se associou à respiração oral,6,9,10 o que não aconteceu com os outros parâmetros (tabela 1).

Ao analisar os pacientes com base na presença de respiração oral, observa‐se associação significativa dessa com ter rinite e ter o eixo Y de crescimento aumentado (padrão de crescimento dolicofacial), semelhantemente ao notado por outros autores.13,19,22‐28 Surpreendentemente, não houve aumento significativo no eixo Y de crescimento quando os pacientes foram avaliados com relação à presença de rinite. Talvez a associação entre rinite e obstrução nasal, acompanhada pela respiração oral, favoreça as más oclusões dentárias (atresia maxilar, mordida aberta, mordida cruzada, mordida profunda e apinhamento dentário).1,12‐14,18

Vale a pena mencionar que a maioria dos pacientes com rinite avaliados neste estudo não tinha essa condição diagnosticada e entre os com diagnóstico médico poucos eram tratados adequadamente. Além disso, é fato que a má oclusão dentária foi o motivo da ida dos pacientes para o serviço em questão, o que sugere que os sintomas de rinite foram subestimados pela família e, muitas vezes, pelos médicos que os trataram. Isso mostra a importância da avaliação multiprofissional dos pacientes com rinite e respiração oral, para evitar complicações como a má oclusão dentária.

Outro resultado obtido foi a prevalência de bruxismo de 36%. Esse dado relatado pelos pais dos pacientes talvez seja de baixa confiabilidade, porém, como os pacientes eram jovens e praticamente não tinham desgastes dentários por bruxismo, foi o modo de se obter a informação. Apesar de relatos de taxas de prevalência de bruxismo entre 7 e 20%, valores de até 60% já foram documentados conforme a população examinada.29 Embora o bruxismo seja apontado como frequente entre os respiradores orais, quando comparados com os respiradores nasais,14,30 essa observação não foi documentada neste estudo. Acredita‐se que o bruxismo ocorra devido à necessidade que o indivíduo tem de igualar as pressões da orelha interna e externa, uma vez que o edema da mucosa causado pela rinite estende‐se à mucosa de revestimento da tuba de Eustáquio e, ao causar a sua obstrução, determina um desequilíbrio de pressão. O ranger de dentes ajudaria a equilibrar as pressões.18,26

Em conclusão, a frequência de rinite em crianças e adolescentes em tratamento ortodôntico é alta, a maioria deles tem etiologia alérgica e se associa à respiração oral, o que determina aumento significativo no eixo Y de crescimento, observado clinicamente pela tendência de crescimento dolicofacial. Uma abordagem multidisciplinar desses pacientes é fundamental.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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