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Inicio Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo Apoplexia hipofisária no serviço de urgência
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Vol. 10. Núm. 2.
Páginas 171-174 (julio - diciembre 2015)
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Vol. 10. Núm. 2.
Páginas 171-174 (julio - diciembre 2015)
Caso clínico
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Apoplexia hipofisária no serviço de urgência
Pituitary apoplexy at the emergency department
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Carolina Moreno
Autor para correspondencia
carolinamoreno@sapo.pt
endocdiab@huc.min_saude.pt

Autor para correspondência: Endereço Postal: Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Praceta Prof. Mota Pinto, 3000‐075, Coimbra, Portugal, Tel.: +00351239400400/00351919836253.
, Leonor Gomes, Isabel Paiva, Luísa Ruas, Francisco Carrilho
Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (HUC), Coimbra, Portugal
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Tabela 1. Fatores precipitantes de apoplexia hipofisária
Resumo

A apoplexia hipofisária é uma patologia rara, com uma incidência estimada entre 0,6 e 16,8% na população geral (nos adenomas da hipófise entre 2 e 7%), dada a variabilidade de apresentação clínica e dificuldade diagnóstica. No Serviço de Urgência, sintomas inespecíficos podem atrasar a correta abordagem diagnóstica e terapêutica e aumentar o risco de insuficiência adrenocortical aguda potencialmente fatal.

Os autores descrevem o caso de um doente de 77 anos com uma apresentação clínica inicial invulgar e sem confirmação imagiológica do enfarte agudo hipofisário nas primeiras 24 horas. Os sintomas decorrentes do hipopituitarismo e a análise dos antecedentes patológicos contribuíram de forma decisiva para o diagnóstico.

Salienta‐se a necessidade de um alto nível de suspeição clínica para uma abordagem correta e terapêutica a tempo, para evitar uma crise adrenocortical. Em casos de déficits neuro‐oftalmológicos, a intervenção cirúrgica precoce permite recuperação sem sequelas definitivas. A substituição dos setores hipofisários deficitários é essencial e habitualmente permanente.

Palavras‐chave:
Apoplexia hipofisária
Tumor hipofisário clinicamente não funcionante
Hipopituitarismo
Abstract

Pituitary apoplexy is a rare condition, with an estimated incidence of 0.6‐16.8% in general population (between 2 and 7% in pituitary adenomas), as a result of a variable clinical presentation and several diagnostic challenges. In the Emergency Department, non‐specific symptoms can delay the diagnosis and the emergency therapy, increasing the risk of a life‐threatening acute adrenal insufficiency.

The authors report a 77‐year‐old patient with an unusual clinical presentation and without confirmation of the pituitary infarction in the first 24hours. The hypopituitarism and the patient's personal history contributed to the correct diagnosis.

A high degree of clinical suspicion is needed to implement urgent supportive measures and prevent an adrenal crisis. When neuro‐ophthalmic deficits occur, neurosurgical decompression allows a full recovery without permanent sequalae. Substitution therapy for the pituitary deficits is essential and usually permanent.

Keywords:
Pituitary apoplexy
Clinically non‐functioning pituitary tumor
Hypopituitarism
Texto completo
Introdução

A apoplexia hipofisária é provocada pelo enfarte ou pela hemorragia súbita da hipófise.1,2 Ocorre mais frequentemente num adenoma hipofisário pré‐existente, embora também possa acontecer numa glândula estruturalmente normal.2 Não é claro que a sua prevalência seja diferente consoante o tipo histológico do adenoma, mas os macroadenomas (tumores com diâmetro superior a 10mm) parecem apresentar um risco superior.3

A sua apresentação clínica pode ser aguda, com cefaleia, oftalmoplegia, déficits neurológicos, coma ou até mesmo morte, ou então desenvolver‐se insidiosamente, com sintomas subagudos, durante dias ou semanas.4,5 Como se trata de uma emergência neuroendócrina, o diagnóstico precoce é crucial mas nem sempre fácil, uma vez que os sintomas clássicos estão presentes apenas em 3% dos doentes, como reportam algumas séries.5 Dessa forma, sinais e sintomas de hipopituitarismo são um indicador importante, por não estarem tão frequentemente presentes nas patologias que fazem diagnóstico diferencial com a apoplexia hipofisária: hemorragia subaracnoide, meningite, encefalite, trombose do seio cavernoso, tumores selares e parasselares. A prioridade é reconhecer a insuficiência adrenocortical aguda, por se tratar da principal causa de morte na apoplexia hipofisária.1,5

Dado o dilema diagnóstico, métodos imagiológicos são invariavelmente necessários. A tomografia computadorizada (TC) é o exame de primeira linha e a ressonância magnética (RM) o método com maior acuidade, que permite a confirmação do diagnóstico em 90% dos casos.6

O tratamento divide‐se em duas fases: medidas de apoio imediatas e abordagem conservadora ou cirúrgica em médio prazo. Inicialmente, a corticoterapia endovenosa deve ser administrada sempre que haja suspeita clínica. Nunca deixar um doente hemodinamicamente instável aguardar pela confirmação laboratorial de hipopituitarismo.2,7 Após o tratamento inicial, ainda é controverso se a neurocirurgia tem lugar e quando será mais apropriada. É necessário ter em conta parâmetros endócrinos, neurológicos, oftalmológicos e neurocirúrgicos. Não existem, até a data, critérios clínicos baseados na evidência que permitam definir em que doentes será apropriada a descompressão cirúrgica. Essa decisão fica a cargo da situação do doente em causa e do bom‐senso clínico da equipa multidisciplinar que o acompanha.2

Caso clínico

Descreve‐se o caso de um doente do sexo masculino de 77 anos que recorreu ao Serviço de Urgência por cefaleia com cerca de 12 horas de duração, holocraniana e persistente, que condicionou náuseas. Antecedentes pessoais patológicos de macroadenoma hipofisário clinicamente não funcionante (1,3cm de diâmetro na última avaliação imagiológica por RM selar, feita 18 meses antes) e hipertensão arterial. O adenoma hipofisário tinha sido diagnosticado havia dois anos e meio, sob a forma de incidentaloma, após a feitura de TC num episódio de suspeita de acidente isquêmico transitório. Nas avaliações seriadas em consulta de tumores hipofisários, mantinha‐se totalmente assintomático e sem déficit campimétrico após estudo neuro‐oftalmológico por campimetria. Estava medicado com bromocriptina 2,5mg/id, que cumpria havia dois anos, e amlodipina+valsartan 5+80mg/id. O exame neurológico não mostrava alterações, a avaliação laboratorial sumária era normal e a TC evidenciava “lesão intrasselar compatível com macroadenoma, espontaneamente hiperdenso, homogêneo” (fig. 1). Foi medicado com metoclopramida 10mg e.v., com melhoria sintomática. Teve alta com o diagnóstico de “disfunção vestibular minor”.

Figura 1.

TC‐CE no momento da admissão que revela lesão intrasselar compatível com macroadenoma, espontaneamente hiperdenso e homogêneo.

(0.09MB).

Após 48 horas recorreu novamente ao Serviço de Urgência, com náuseas e vômitos alimentares, febre e prostração. Apresentava pressão arterial de 90/45mmHg, lentificação cognitiva, proptose do olho esquerdo com ptose palpebral, parésia dos III, IV e V pares cranianos esquerdos, parésia facial direita e hemianopsia bitemporal em exame campimétrico por confrontação. Analiticamente a proteína C reativa era de 8mg/dL (< 0,5) e os leucócitos eram de 11,3x109/L,4‐10 sem outras alterações laboratoriais referenciáveis; a TC referia “dimensões do macroadenoma hipofisário sobreponíveis, com densidade hemática no polo superior da lesão, relacionável com apoplexia hipofisária” (fig. 2). Após colheitas para doseamentos hormonais, foi administrada hidrocortisona 100mg e.v. em bólus e posteriormente de 6/6 horas.

Figura 2.

TC‐CE após 48 horas que mostra macroadenoma hipofisário de dimensões sobreponíveis, mas com densidade hemática no polo superior da lesão, relacionável com apoplexia hipofisária.

(0.08MB).

Considerou‐se como principal hipótese de diagnóstico a apoplexia hipofisária, mas sem possibilidade de excluir totalmente eventual patologia infecciosa do SNC. Dessa forma, enquanto se aguardava esclarecimento total do quadro, foi inicialmente internado no Serviço de Infectologia, onde fez estudo microbiológico de sangue, urina e líquido céfalo‐raquídeo (que veio a revelar‐se totalmente negativo) e iniciou antibioticoterapia empírica de largo espectro e antivírico em doses meníngeas. Foi ainda feita angio‐TC cerebral que excluiu trombose do seio cavernoso.

Ao terceiro dia de internamento foi transferido para o Serviço de Endocrinologia, com persistência dos déficits neurológicos e, também, por redução campimétrica bilateral em avaliação neuro‐oftalmológica seriada com campimetria. Analiticamente, insuficiência ante‐hipofisária global: ACTH<5pg/mL (5‐25), cortisol=3,9μg/dL (5‐25), TSH=0,57μUI/mL (0,4‐4), T4L=0,8ng/dL (0,8‐1,9), GH=0,6μg/L (<1), prolactina<0,3ng/mL (<18), LH=1mUI/mL (<9), FSH=4,3mUI/mL (<15), testosterona total=0,4ng/mL (2,7‐11), sem no entanto apresentar alterações laboratoriais bioquímicas. Foi medicado com hidrocortisona 20mg/3id e levotiroxina sódica 50μg/id. A RM de controle, sob comparação com o exame prévio feito 18 meses antes, revelou “aumento das dimensões da lesão (de 1,3cm para 1,7cm), com compressão da haste hipofisária e quiasma óptico” (fig. 3). Ao quinto dia de terapêutica foi transferido para o Serviço de Neurocirurgia para remoção tumoral por abordagem transesfenoidal, que decorreu sem intercorrências. A análise histopatológica confirmou tratar‐se de um “adenoma hipofisário provavelmente do tipo secretor de FSH, com extensas áreas de necrose hemorrágica, compatível com apoplexia”.

Figura 3.

RM selar, no quarto dia de internação que evidencia aumento das dimensões da lesão (de 1,3cm para 1,7cm), com compressão da haste hipofisária e quiasma óptico.

(0.08MB).

Durante o período de observação pós‐operatório o doente evidenciou recuperação neurológica e oftalmológica total. A RM de controle pós‐cirúrgico mostrou “sinais de remoção da lesão expansiva selar e suprasselar, observando‐se a glândula hipofisária alojada no interior da sela turca com realce homogêneo após contraste”. Reavaliação laboratorial aos três meses: ACTH=9,8pg/mL (5‐25), cortisol=2,9μg/dL (5‐25), TSH<0,008μUI/mL (0,4‐4), T4L=1,9ng/dL (0,8‐1,9), GH=0,2μg/L (< 1), IGF1=39ng/mL (81‐225), prolactina=1,8ng/mL (< 18), LH=1,3mUI/mL (< 9), FSH=2,5mUI/mL (< 15), testosterona total=0,5ng/mL (2,7‐11). Atualmente com boa qualidade de vida, mantém hipopituitarismo sob terapêutica substitutiva com prednisolona 5mg/id e levotiroxina sódica 50μg/id e acompanhamento em Consulta de Tumores Hipofisários do Serviço de Endocrinologia.

Discussão

Apesar da raridade da apoplexia hipofisária no contexto do Serviço de Urgência, no presente caso alguns fatores motivaram a suspeição clínica: é mais frequente em doentes com macroadenomas hipofisários (ocorre em 0,6%‐10,5% desses adenomas),8 entre a 5a‐7a décadas de vida e ligeiramente mais prevalente em homens (homem:mulher de 1,6:1).5

Fatores precipitantes foram identificados em 25%‐40% dos casos de apoplexia hipofisária (tabela 1).3 Dentro desses, o doente apresentava hipertensão arterial, que é o mais frequente (26% dos casos),9 bem como terapêutica crônica com agonistas da dopamina, que pode também contribuir para uma maior predisposição à hemorragia intratumoral.10

Tabela 1.

Fatores precipitantes de apoplexia hipofisária

Fatores precipitantes de apoplexia hipofisária 
Hipertensão arterial 
Cirurgia major (particularmente bypass coronário) 
Testes dinâmicos de função ante‐hipofisária com GnRH, TRH e CRH 
Anticoagulantes orais 
Coagulopatias 
Terapêutica com agonistas da dopamina 
Terapêutica com estrogênio oral 
Radioterapia 
Gravidez 
Traumatismo crânio‐encefálico 

As manifestações clínicas decorrem de um rápido aumento do conteúdo e consequente hipertensão intrasselar. A mais comum é uma cefaleia súbita retro‐orbitária, bifrontal ou difusa, acompanhada por náuseas e vômitos.1 A compressão lateral pode afetar o conteúdo dos seios cavernosos e mais frequentemente envolve o III par craniano e leva à paralisia ocular em 70% dos casos, tal como o doente manifestou no segundo episódio de urgência. A diminuição da acuidade visual representa um sinal de alarme, por resultar de um crescimento vertical do conteúdo intrasselar, com compressão do quiasma óptico.7

A maioria dos doentes (cerca de 80%) está deficitária em um ou mais setores hipofisários no momento da apresentação clínica. A insuficiência adrenocortical secundária é a mais grave e também a mais frequente.11 Para o seu diagnóstico está preconizado o estudo hormonal ante‐hipofisário no momento de diagnóstico, que não deve no entanto atrasar a administração peremptória de hidrocortisona 100‐200mg em bólus e.v. seguida de infusão e.v. contínua de 2‐4mg/h ou de 50‐100mg por via i.m. ou e.v. de 6/6 horas.2 No caso clínico descrito, a colheita de sangue feita no Serviço de Urgência veio posteriormente a confirmar insuficiência ante‐hipofisária global, num doente previamente sem déficits.

A avaliação imagiológica é mais frequentemente feita por TC, por ser a modalidade habitualmente disponível num contexto de urgência. No entanto, a TC só permite diagnosticar apoplexia hipofisária em 21‐28% dos casos.5 Não surpreende, portanto, que no exame feito no primeiro episódio de urgência do doente não tivessem sido encontradas alterações. A RM permite maior sensibilidade diagnóstica, consegue‐se discernir a presença de hemorragia numa massa selar tanto em fase hiperaguda (< 24h) com isointensidade em ponderação T1 e ligeira hiperintensidade em T2, como em fase aguda (1‐3 dias) com hipointensidade tanto em T1 como em T2 e em fase tardia (> 3 dias) com hiperintensidade em T1 e T2.3

A necessidade e o momento ideal para abordagem cirúrgica continuam a gerar alguma controvérsia, por não existirem ensaios controlados e randomizados sobre essa patologia. Os déficits neuro‐oftalmológicos ligeiros (definidos como amputação campimétrica parcial, sem perda significativa de acuidade visual) tendem a melhorar espontaneamente em doentes tratados de forma conservadora.2,12 No entanto, a monitoração da sua evolução deve ser intensiva, com feitura de exame neurológico de 2‐2 horas e campimetria diária.2 Sempre que haja deterioração neuro‐oftalmológica ou do estado de consciência, como se verificou no caso descrito, está preconizada intervenção cirúrgica que deverá ter lugar até sete dias após o início dos sintomas.7 Os cuidados pós‐cirúrgicos imediatos incluem a substituição de todos os setores vitais deficitários e, também, avaliação de possível disfunção neuro‐hipofisária posterior, pois a diabete insípida acontece em 16% dos casos.1

O seguimento em longo prazo assume particular importância pela necessidade de reavaliação endócrina. Pode haver recuperação parcial ou completa em até 50% dos doentes,11 o que infelizmente não se veio a verificar no presente caso, em que a terapêutica substitutiva será permanente.

Conclusão

A apoplexia hipofisária é uma urgência endocrinológica potencialmente fatal que exige uma atitude terapêutica imediata, no momento do diagnóstico no Serviço de Urgência. Embora variável na sua apresentação clínica, deve ser sempre considerada no diagnóstico diferencial de um doente com cefaleia súbita e intensa e deterioração neuro‐oftalmológica. A abordagem multidisciplinar, com colaboração da endocrinologia, neurologia, oftalmologia e neurocirurgia, é essencial para garantir um tratamento a tempo e adequado à gravidade clínica de cada doente.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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