Identificar fatores preditivos do desenvolvimento de diabetes mellitus (DM) em mulheres com antecedentes de diabetes gestacional (DG).
Tipo de estudoEstudo observacional, analítico, retrospetivo e de coorte.
LocalHospital de Braga.
PopulaçãoAmostra aleatória de 300 mulheres, nascidas antes de 1995, com diagnóstico de DG entre 1 de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2010 e seguimento da gravidez no Hospital de Braga.
MétodosOs dados foram obtidos através da consulta de processos clínicos. A lista de doentes com DM, referente ao ano de 2011, foi utilizada para verificação do desenvolvimento da doença no grupo selecionado. Foram analisados o perfil sociodemográfico, os antecedentes pessoais, familiares e obstétricos e outros fatores anteparto. Foi realizada uma análise descritiva univariada e bivariada. Seguidamente foi criado um modelo de regressão logística binária para identificar potenciais preditores de desenvolvimento de DM tipo 2.
ResultadosTrinta e dois vírgula sete por cento das mulheres desenvolveu DM. A probabilidade de desenvolvimento de DM após DG aumentou 8,2 vezes quando idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico (OR=8,19; p<0,001), 3,4 vezes se necessidade de insulinoterapia (OR=3,36; p<0,001) e 3,1 vezes se índice de massa corporal (IMC) prévio ≥26,4kg/m2 (OR=3,07; p=0,003). História familiar de DM tipo 2, 4 valores elevados na prova de tolerância oral à glicose, valor de glicemia em jejum, idade materna no momento do diagnóstico e IMC pós‐parto, apesar de apresentarem associação com desenvolvimento de DM não se revelaram seus preditores. Não se verificou associação entre gravidez prévia ou diagnóstico prévio de DG com desenvolvimento de DM.
ConclusõesEm mulheres com DG, a idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico, a necessidade de insulinoterapia e o IMC prévio ≥26,4kg/m2 apresentaram‐se como fatores de risco para desenvolvimento de DM.
To identify predictive factors to diabetes mellitus (DM) development in women with history of gestational diabetes (GD).
Study designAn observational, analytic, cohort retrospective study.
LocalHospital of Braga.
PopulationA random sample of 300 women, born before 1995, with GD diagnosed since January 1, 2001 to December 31, 2010 and pregnancy surveillance in a public Hospital of Braga.
MethodsData was collected by consultation of medical records. The DM patients’ list of 2011 was used to verification of the disease development in the selected group. Sociodemographic profile, personal, family and obstetric history, and other antepartum factors were analyzed. A univariate descriptive analysis and a bivariate analysis were performed. A binary logistic regression model was created to identify potential predictors of type 2 DM development.
Results32.7% of women developed DM. The probability of DM development after GD was increased 8.2 times when gestational age at diagnosis was less than 24 weeks (OR=8.19; p<0.001), 3.4 times with the need of insulin therapy (OR=3.36; p<0.001) and 3.1 times with previous pregnancy body mass index (BMI) ≥26.4kg/m2 (OR=3.07; p=0.003). Although family history of type 2 DM, maternal age at diagnosis, postpartum BMI, 4 abnormal values in the diagnostic oral glucose tolerance test and fasting glucose level had presented association with DM development, did not present as its predictors. It was not verified association between previous pregnancy or previous GD diagnosis and DM development.
ConclusionsIn women with GD, gestational age at diagnosis less than 24 weeks, need of insulin therapy and previous pregnancy BMI ≥26.4kg/m2 were presented as risk factors to DM development.
A prevalência de diabetes mellitus (DM) tem aumentado progressivamente1. Aliás, mais de 382 milhões de pessoas em todo o mundo têm diabetes, o que corresponde a 8,3% da população mundial2. Atualmente, em Portugal, a prevalência de DM atinge os 12,9%2.
A diabetes gestacional (DG) é definida como qualquer grau de intolerância à glicose com início ou deteção durante a gravidez3. Em Portugal a prevalência de DG, em 2009 (ainda utilizando o método de rastreio antigo), foi de 3,9% e atualmente estima‐se uma prevalência de 4,8%, valor semelhante ao apresentado pelos EUA (aproximadamente 4%)2,4,5. A DG é um conhecido fator de risco para DM6,7. Na última década, o risco de desenvolver DM após DG mais do que duplicou8. Em comparação com a população em geral, o grupo de mulheres com antecedentes de DG apresenta também risco aumentado de desenvolvimento de complicações associadas à DM9,10.
De forma a estratificar o risco de desenvolvimento de DM e, consequentemente, reduzir a morbimortalidade associada, vários estudos procuraram estabelecer os fatores de risco que aumentam a probabilidade de desenvolver DM em mulheres com antecedentes de DG11. No entanto, existem ainda muitas controvérsias e, em Portugal, não estão disponíveis dados relativos à nossa população.
Assim, o presente estudo pretende contribuir para a definição destes fatores de risco e apresenta como principais objetivos caracterizar o perfil sociodemográfico, os antecedentes pessoais, familiares e obstétricos e outros fatores anteparto de mulheres com DG, e determinar os fatores preditores de DM.
MétodosEstudo observacional, analítico, de coorte e retrospetivo. O universo é constituído por mulheres com antecedentes de DG e a população consiste nas mulheres, nascidas antes de 1995, com antecedentes de DG diagnosticada entre 1 de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2010, e com vigilância da gravidez num hospital público da região norte de Portugal (Hospital de Braga). De forma a evitar a inclusão de adolescentes e apresentar uma amostra mais homogénea, foram selecionadas mulheres nascidas antes de 1995. Os critérios de inclusão e exclusão são apresentados em detalhe na tabela 1. Durante o período de tempo a que se reportou o estudo foram diagnosticados 986 casos de DG. Obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão, obteve‐se um valor final de 897 mulheres com antecedentes de DG. O tamanho da amostra (n=300) foi estimado de acordo com Pedhazur12 e tendo em consideração que o teste estatístico escolhido foi a regressão logística binária. De seguida, a determinação da amostra de 300 elementos foi realizada por seleção aleatória simples, através de um software (randomizer.org).
Critérios de inclusão e exclusão
Critérios de inclusão | Critérios de exclusão |
Ser residente no concelho de Braga | Mulheres em que a informação clínica se apresentava incompleta |
Ano de nascimento prévio a 1995 | Mulheres cujo parto não ocorreu no Hospital de Braga e em que a informação clínica se apresentava indisponível |
Vigilância da gravidez no Hospital de Braga |
O desenho do estudo e protocolo foram aprovados pela Comissão de Ética do referido hospital. Utilizando como fonte de informação os processos clínicos individuais, foi recolhida informação relativa ao perfil sociodemográfico (idade atual [em 2011], escolaridade e situação laboral), aos antecedentes pessoais, familiares (Índice de massa corporal [IMC] prévio, IMC pós‐parto, história familiar de DM tipo 2) e obstétricos, e outros fatores anteparto (gravidez prévia, idade materna no momento do diagnóstico, idade gestacional no diagnóstico, valores da prova de tolerância oral à glucose (PTOG)b, necessidade de insulinoterapia, nível sanguíneo de glucose).
No que respeita ao diagnóstico de DM, as informações obtidas foram recolhidas a partir da lista de doentes com DM referente a 2011, após solicitação e obtenção de autorização. Esta lista pertence ao Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) de Braga (que inclui todos os centros de cuidados de saúde primários da área de referência do Hospital de Braga).
Análise estatísticaOs dados quantitativos são apresentados como média±desvio‐padrão. A análise estatística foi realizada utilizando o Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS, versão22.0). Uma análise descritiva univariada foi obtida através do cálculo das frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central e de dispersão, em consonância com as variáveis em estudo. Para estabelecer associação entre o desenvolvimento de DM e algumas variáveis nominais foi realizada uma análise bivariada usando o teste de qui‐quadradro (χ2). Quanto às variáveis quantitativas, para estabelecer diferenças estatisticamente significativas entre o grupo que desenvolveu DM e o grupo sem a doença foi usado o teste t (uma vez que as variáveis apresentavam distribuição normal, com valores de curtose entre 0,132‐4,643 e de assimetria entre 0,124‐1,147). Para finalizar, foi conduzida uma análise multivariada com a criação de um modelo de regressão logística binária, com o intuito de identificar potenciais preditores de desenvolvimento de DM após DG. A significância estatística foi confirmada se p<0,05.
ResultadosCaraterização sociodemográficaA idade atual da amostra foi de 38±5,1 anos, com uma idade mínima de 22 e máxima de 50 anos. Comparando os 2 grupos (com e sem desenvolvimento de DM, respetivamente), no que respeita à idade atual não se verificaram diferença estatisticamente significativa entre as mulheres que desenvolveram a doença (39±4,9 anos) e as que não desenvolveram (38±5,2 anos) (t [202, 278]=−1,528; p=0,128) (fig. 1). A escolaridade e situação laboral encontram‐se descritas na tabela 2. No momento do diagnóstico 30,3% da amostra tinha completado 6 anos de escolaridade e a maioria das mulheres (66,7%) eram trabalhadoras inativas.
Caracterização sociodemográfica
Características sociodemográficas | % (n) |
Habilitações literárias | |
1.° ciclo | 7,3 (22) |
2.° ciclo | 30,3 (91) |
3.° ciclo | 21,7 (65) |
Ensino secundário | 20,3 (61) |
Ensino superior | 20,3 (61) |
Situação laboral | |
Trabalhador ativo | 33,3 (100) |
Trabalhador inativo* | 66,7 (200) |
Um IMC prévio ≥26,4kg/m2 estava presente em 34% (n=102) das mulheres e o IMC pós‐parto da amostra era de 29,5±4,6kg/m2 (mínimo 20,4 e máximo 48,9kg/m2). Considerando a história familiar, 50% (n=150) das mulheres com DG têm antecedentes familiares de DM tipo 2. Relativamente aos antecedentes obstétricos e outros fatores anteparto, 69% (n=207) das mulheres tiveram pelo menos uma gravidez anterior e aproximadamente 8% apresentaram diagnóstico prévio de DG. A idade materna no momento do diagnóstico era 34±4,8 anos. Doze vírgula sete por cento das mulheres apresentaram idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico. A presença de 4 valores elevados na PTGO foi verificada em 15% e a necessidade de insulinoterapia em 31%. O valor médio de glicose em jejum foi 85±13,5mg/dL (tabela 3).
Antecedentes obstétricos e outros fatores pré‐parto da amostra
Antecedentes obstétricos e fatores anteparto | % (n) | M | DP | Mediana | Moda | Max | Min |
Gravidez prévia | 69,0 (207) | NA | NA | NA | NA | NA | NA |
Diagnóstico prévio de DG | 7,7 (23) | NA | NA | NA | NA | NA | NA |
Idade materna no momento do diagnóstico | NA | 34 | 4,8 | 33 | 33 | 44 | 19 |
Idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico | 12,7 (38) | NA | NA | NA | NA | NA | NA |
4 valores alterados na PTOG | 15,0 (45) | NA | NA | NA | NA | NA | NA |
Insulinoterapia | 31,0 (93) | NA | NA | NA | NA | NA | NA |
Valor de glicemia em jejum | NA | 85 | 13,5 | 83 | 87 | 156 | 45 |
%: frequência relativa; DG: diabetes gestacional; DP: desvio‐padrão; M: média; Max: máximo; Min: mínimo; n: frequência absoluta; NA: não aplicável; PTOG: prova de tolerância oral à glicose.
Do total de 300 mulheres da amostra, 32,7% (n=98) desenvolveu DM após DG. Associações possíveis entre DM e variáveis nominais independentes foram analisadas (tabela 4). Tal como apresentado na tabela 4, existe relação estatisticamente significativa entre o desenvolvimento de DM e as variáveis IMC prévio ≥26,4kg/m2, história familiar de DM tipo 2, idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico, 4 valores elevados na PTGO e necessidade de insulinoterapia. Estas variáveis foram mais frequentes nas mulheres que desenvolveram DM (p<0,05). Gravidez prévia e diagnóstico prévio de DG não apresentaram relação estatisticamente significativa com o desenvolvimento de DM.
Associação entre a variável dependente diabetes mellitus e as variáveis independentes nominais
Sem DM (n=202) | Com DM (n=98) | X 2cc (df) | p | |
% (n) | % (n) | |||
IMC pré‐gravidez ≥26,4 kg/m2 | 24,3 (49) | 54,1 (53) | 24,84 (1) | *** |
História familiar de DM tipo 2 | 46,0 (93) | 58,2 (57) | 3,88 (1) | * |
Gravidez prévia | 67,3 (136) | 72,4 (71) | 0,59 (1) | 0,443 |
Diagnóstico prévio de DG | 6,9 (14) | 9,2 (9) | 0,21 (1) | 0,648 |
Idade gestacional <24 semanas no momento do diagnóstico | 4,0 (8) | 30,6 (30) | 39,99 (1) | *** |
4 valores alterados na PTOG | 9,9 (20) | 25,5 (25) | 11,42 (1) | ** |
Necessidade de insulinoterapia | 19,8 (40) | 54,1 (53) | 34,67 (1) | *** |
%: frequência relativa; df: graus de liberdade; DG: diabetes gestacional; DM: diabetes mellitus; IMC: índice de massa corporal; n: frequência absoluta; PTOG: prova de tolerância oral à glicose.
As possíveis associações entre desenvolvimento de DM e as variáveis independentes quantitativas são apresentadas na tabela 5. As mulheres que desenvolveram DM apresentavam idade materna no momento do diagnóstico, IMC pós‐parto e valor de glicemia em jejum superiores de forma estatisticamente significativa (p<0,05).
Associação entre a variável dependente diabetes mellitus e as variáveis independentes quantitativas
Sem DM (n=202) | Com DM (n=98) | t(df) | p | |||
M | DP | M | DP | |||
Idade materna no momento do diagnóstico | 33,0 | 4,8 | 34 | 4,6 | −1,718 (298) | * |
IMC pós‐parto | 29,0 | 4,2 | 30,6 | 5,2 | −2,745 (158,51) | ** |
Glicemia em jejum | 83,0 | 12,8 | 88,0 | 14,3 | −3,156 (298) | ** |
df: graus de liberdade; DM: diabetes mellitus; DP: desvio‐padrão; IMC: índice de massa corporal; M: média; n: frequência absoluta.
De forma a identificar potenciais preditores do desenvolvimento de DM em mulheres com antecedentes de DG, foi realizada uma análise multivariada através de um modelo de regressão logística binária. O modelo obtido foi estatisticamente significativo (G2=87,49; p<0,001) e ajustado de forma também estatisticamente significativa (χ2HL=9,55; p=0,298). A idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico aumentou 8,2 vezes a probabilidade de desenvolver DM após DG (odds ratio [OR]=8,191; 95% IC=3,295‐20,360; p<0,001), enquanto a necessidade de insulinoterapia aumentou essa probabilidade 3,4 vezes (OR=3,358; 95% IC=1,814‐6,216; p<0,001) e a presença de IMC prévio ≥26,4kg/m2 aumentou 3,1 vezes (OR=3,074; 95% CI=1,447‐6,532; p=0,003) (tabela 6). As variáveis idade materna no momento do diagnóstico, 4 valores elevados na PTGO, história familiar de DM tipo 2, IMC pós‐parto e valor de glicose em jejum não influenciaram, de forma estatisticamente significativa, a probabilidade de desenvolvimento de DM (tabela 6).
Determinação de fatores preditores do desenvolvimento de diabetes mellitus: regressão logística binária
Variáveis independentes | Coeficiente de regressão | Erro‐padrão | Wald | df | p | OR | IC 95% OR | |
Limite inferior | Limite superior | |||||||
IMC pré‐gravidez ≥26,4 kg/m2 | 1,123 | 0,385 | 8,531 | 1 | ** | 3,074 | 1,447 | 6,532 |
História familiar de DM tipo 2 | 0,261 | 0,298 | 0,766 | 1 | 0,382 | 1,298 | 0,724 | 2,329 |
Idade gestacional <24 semanas no momento do diagnóstico | 2,103 | 0,465 | 20,493 | 1 | *** | 8,191 | 3,295 | 20,360 |
4 valores alterados na PTOG | 0,767 | 0,415 | 3,408 | 1 | 0,065 | 2,153 | 0,954 | 4,861 |
Necessidade de insulinoterapia | 1,211 | 0,314 | 14,874 | 1 | *** | 3,358 | 1,814 | 6,216 |
Idade materna no momento do diagnóstico | 0,011 | 0,031 | 0,141 | 1 | 0,707 | 1,012 | 0,953 | 1,074 |
IMC pós‐parto | −0,012 | 0,039 | 0,096 | 1 | 0,756 | 0,988 | 0,916 | 1,066 |
Glicemia em jejum | 0,006 | 0,011 | 0,272 | 1 | 0,602 | 1,006 | 0,984 | 1,028 |
Df: graus de liberdade; DM: diabetes mellitus; IC: intervalo de confiança; IMC: índice de massa corporal; OR: odds ratio; PTOG: prova de tolerância oral à glicose.
O modelo proposto permitiu que 74,7% das mulheres fossem classificadas corretamente no que se refere ao desenvolvimento ou não de DM. A sensibilidade foi de 75,5% e a especificidade de 74,3% (com um ponto de corte de 0,3%). A área sob a curva ROC foi significativamente maior que 0,5 (c=0,819; p<0,001), o que indica um modelo com boa capacidade discriminatória (fig. 2).
DiscussãoNuma tentativa de diminuir a morbimortalidade associada à DM, foram estudados os fatores de risco que aumentam a probabilidade de desenvolvimento de DM em mulheres com antecedentes de DG. O presente estudo demostra que a idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico, a necessidade de insulinoterapia e IMC prévio à gravidez ≥26,4kg/m2 são fatores de risco para desenvolvimento de DM.
A idade é um fator de risco conhecido para DM tipo 2. Neste estudo, a idade atual das mulheres que desenvolveram DM não foi significativamente diferente das mulheres sem DM. Portanto, a idade atual não influenciou a determinação de fatores preditivos para o desenvolvimento de DM.
Relativamente aos fatores de risco para desenvolvimento de DM após DG, os resultados foram maioritariamente consistentes com a literatura. Gravidez prévia e diagnóstico prévio de DG não apresentaram relação significativa com o desenvolvimento de DM. Existem alguns estudos que verificaram associação entre a paridade e o desenvolvimento de DM após DG13,14. Contudo, um número superior de trabalhos não encontrou a referida associação15–18. A controvérsia destes resultados pode estar relacionada com a heterogeneidade étnica das diferentes amostras. Controvérsia semelhante está presente na literatura relativamente ao diagnóstico prévio de DG. De facto, existe associação com DM em alguns estudos13,19, mas esta relação desaparece em outros trabalhos15,20.
Em consonância com relatos anteriores, a existência de história familiar de DM tipo 2 apresentou relação estatisticamente significativa com o desenvolvimento posterior de DM, no entanto, este fator não foi um dos preditores do desenvolvimento da doença após DG14–17;19–22. Resultados similares foram obtidos para 4 valores elevados na PTGO. Porém, estes resultados contradizem a literatura existente, que salienta os valores da PTGO como preditores do desenvolvimento de DM20,23.
Mulheres que desenvolvem DM apresentam valores superiores de idade materna no momento do diagnóstico, IMC pós‐parto e glicose em jejum. Nenhuma das 3 variáveis se apresentou como preditor para desenvolvimento de DM. No que respeita à idade materna no momento do diagnóstico e o IMC pós‐parto, os resultados obtidos estão de acordo com a literatura13–22;24,25. No entanto, os resultados do valor de glicose em jejum contrariam o que já foi publicado13–23;26.
IMC prévio ≥26,4kg/m2 aumentou 3,1 vezes a probabilidade de desenvolvimento de DM após DG. A maioria dos estudos prévios confirma a existência desta associação17,18,20,21,24,27, com apenas uma minoria a não verificar a associação14,18. A necessidade de insulinoterapia aumentou 3,4 vezes a probabilidade de desenvolvimento de DM. A associação entre estas 2 variáveis é alvo de debate. De facto, enquanto alguns estudos apoiam a associação16,21, outros não13,20,22. Esta controvérsia pode estar associada com o facto da progressão para insulinoterapia depender do sucesso das medidas de modificação de estilos de vida, que também podem prevenir ou atrasar a progressão para uma DM3.
Idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico aumentou 8,2 vezes a probabilidade de desenvolvimento de DM após DG. A bibliografia é algo controversa no que respeita à referida associação: alguns estudos suportam‐na15,20,21,24,26 enquanto outros não encontram evidência da sua existência14,16,18. É possível que a justificação para esta contradição seja secundária à utilização de diferentes protocolos para o rastreio de DG nos diferentes estudos3. No presente estudo, os resultados dos parâmetros que avaliam os valores anormais da glicose (4 valores elevados na PTGO e valor de glicose em jejum) não se apresentaram como fatores preditores de desenvolvimento de DM, o que aparentemente contaria a literatura. Contudo, uma revisão sistémica conduzida por Baptist‐Roberts et al. demostrou que as medidas antropométricas de obesidade, insulinoterapia e idade gestacional no momento do diagnóstico são os fatores de risco com maior evidência para o desenvolvimento de DM após DG. De facto, esta revisão sistémica defende que os estudos que existem são heterogéneos no que respeita à etnia dos elementos das diferentes amostras, aos fatores de risco avaliados e aos métodos estatísticos utilizados. Portanto, existe fraca evidência para obter conclusões firmes sobre outros fatores de risco28. Mais, uma revisão sistémica restrita à análise das alterações da glicemia na PTGO como preditores de desenvolvimento de DM após DG mostrou que se tratavam de preditores consistentes. No entanto, a qualidade desta revisão sistémica foi limitada por importantes perdas durante o follow‐up e curta duração23.
O presente estudo apresenta algumas limitações. Apesar de uma amostra aleatória diminuir a possibilidade de um viés de seleção, assim como de variáveis de confusão, a amostra é constituída por mulheres com diagnóstico de DG efetuado durante um período de tempo compreendido entre 1‐10 anos. Portanto, as mulheres com partos mais recentes podem não ter desenvolvido DM ainda. Além disso, alguns elementos podem ter falecido durante o tempo decorrido entre o diagnóstico de DG e 2011 ou podem ter mudado de ACES durante esse período. Isto pode conduzir a uma percentagem de participantes com DM inferior à real. Contudo, a percentagem de mulheres que desenvolveu DM foi similar à descrita na literatura4. De facto, neste estudo 32,7% das mulheres desenvolveu a doença. Na literatura têm sido descritas percentagens de desenvolvimento de DM que variam entre 2,6‐70%, desde as 6 semanas até 28 anos após o parto3.
De referir que, neste trabalho, apesar de um novo método de rastreio de DG ter sido implementado em Portugal em 2011, utilizaram‐se mulheres com diagnóstico de DG baseado nos antigos critérios. De facto, é essencial conhecer a população em risco de desenvolvimento de DM e só poderíamos avaliar as mulheres diagnosticadas de acordo com os novos critérios, pelo menos 10 anos depois da sua implementação. Para além disso, de referir que esta modificação nos critérios de diagnóstico e classificação da DG, propostos pela International Association of Diabetes in Pregnancy Study Groups (IADPSG) e baseados nos resultados do estudo observacional HAPO (Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome study), permanece controversa29,30. Na verdade, faltam estudos randomizados controlados que suportem a alteração dos referidos critérios, estimando‐se também que a prevalência de DG aumente de 2‐5% para mais de 16%30. Tal poderá ter implicações futuras ao nível da relação custo‐efetividade, uma vez que inicialmente os custos podem aumentar bastante face à necessidade, destas pacientes em risco, de um seguimento mais apertado.31 De salientar, no entanto, que alguns destes custos podem ser compensados a longo prazo pelos ganhos na identificação precoce destes indivíduos em risco31. Em suma, mantém‐se a necessidade de confirmar a efetividade dos critérios propostos pela IADPSG na melhoria das complicações perinatais30.
Em conclusão, este estudo demonstrou que a idade gestacional menor que 24 semanas no momento do diagnóstico, a necessidade de insulinoterapia e o IMC prévio ≥26,4kg/m2 são fatores de risco para desenvolvimento de DM. Os autores acreditam que estes resultados serão válidos mesmo não sendo os critérios de diagnóstico de DG atualmente os mesmos, pois nenhuma dessas associações está na dependência desses novos critérios. Em última análise, este estudo contribuiu para a literatura existente, necessária para a estratificação do risco e prevenção de DM em mulheres com antecedentes de DG.Autoria/colaboradores
Os autores Ana Maria Carvalho Ribeiro e Cristina Nogueira‐Silva contribuíram igualmente para o manuscrito (partilhando desta forma o lugar de 1° autor).
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Em Portugal, até janeiro de 2011, a PTGO com 100g de glucose foi o teste aprovado para fazer o diagnóstico de DG. Este teste era feito após um resultado positivo no teste de rastreio (teste de O'Sullivan). O teste de rastreio era realizado imediatamente após o diagnóstico de gravidez nas mulheres com alto risco de DG e entre as 24‐28 semanas de gestação nas restantes grávidas. Era considerado um teste positivo, quando uma hora após a ingestão de 50g de glucose existia um nível de glucose no sangue igual ou superior a 140mg/dL. Se fosse obtido um resultado negativo o teste deveria ser repetido às 32 semanas. A PTGO consistia na medição de 4 valores de glucose no sangue: em jejum, uma hora, 2 horas e 3 horas após a ingestão de 100g desse açúcar. Valores anormais eram respetivamente iguais ou superiores a 95mg/dL, 180mg/dL, 155mg/dL e 140mg/dL. O diagnóstico era confirmado na presença de 2 ou mais valores anormais. Se não fosse confirmado, a prova era repetida no trimestre seguinte.