A cirurgia bariátrica é um procedimento cada vez mais utilizado no tratamento da obesidade e suas comorbilidades. As mulheres em idade fértil submetidas a este procedimento constituem um grupo que merece particular atenção. Existe o consenso de que a gravidez deva ser evitada pelo menos até um ano após a cirurgia, dado as complicações materno‐fetais associadas, pelo que uma contraceção eficaz é essencial.
Os contracetivos orais são amplamente utilizados, no entanto, a cirurgia de bypass gástrico pode condicionar uma diminuição da capacidade absortiva destes fármacos. É objetivo desta revisão avaliar a efetividade dos contracetivos orais nas mulheres submetidas a cirurgia bariátrica.
MétodosFoi realizada uma pesquisa sistemática da literatura nas bases de dados TRIP Database, Cochrane Library, DARE, Bandolier, National Guideline Clearing House, NeLH Guidelines Finder e Medline, entre janeiro de 2002 e janeiro de 2012, em inglês, espanhol e português.
ResultadosDos 12 artigos encontrados, 3 cumpriam os critérios de inclusão definidos: uma revisão sistemática (NE 2a), um estudo de cohort (NE 2b) e uma revisão clássica (NE 4). A revisão sistemática conclui que, apesar de a evidência ser limitada, não se verifica diminuição substancial da efetividade dos contracetivos orais. O ensaio clínico não aconselha a utilização de contracetivos orais e privilegia os métodos contracetivos que não utilizem a via oral. A revisão clássica aponta para a falência dos contracetivos orais após a cirurgia bariátrica e a diminuição da capacidade absortiva após cirurgia de bypass gástrico.
DiscussãoA evidência existente sobre a efetividade dos contracetivos orais é limitada a um número reduzido de estudos. Não foi identificada uma diminuição substancial da efetividade dos contracetivos orais nos estudos incluídos. O uso de contracetivos orais após cirurgia bariátrica tem uma força de recomendação C.
Bariatric surgery is commonly used in the treatment of obesity and its comorbidities. Women of childbearing age who use this procedure represent a group of particular concern. There is a consensus that pregnancy should be avoided at least one year after surgery because of the complications for both mother and fetus. Therefore, it is essential for these women to have an efficient contraception.
Gastric bypass surgery may have the potential to reduce the absorption capacity of oral contraception. The aim of this review article is to evaluate the effectiveness of oral contraception on the women who undergo bariatric surgery.
MethodWe have conducted a systematic review of the literature from TRIP Database, Cochrane Library, DARE, Bandolier, National Guideline Clearing House, NeLH Guidelines Finder and Medlin, from January 2002 to January 2012, in English, Spanish and Portuguese.
ResultsFrom 12 articles, three met review inclusion criteria: one review article (evidence level 2a), one cohort study (evidence level 2b) and a classic review (evidence level 4). The review article found no substantial decrease in the effectiveness of oral contraception. The cohort study favored the use of any other birth control besides the oral ones. The classic review concludes that there is a flaw of oral contraception after bariatric surgery and that there is a diminished absorption capacity after the surgery.
DiscussionEvidence on this subject is quite limited to a few studies. We could not conclude that there is a decrease in the effectiveness of the oral contraception from available studies. Oral contraception use after bariatric surgery as a strength of recommendation C.
A obesidade representa um dos maiores desafios do século XXI. Segundo um estudo de Macedo et al.1, em 2007 existiam em Portugal 14,8% de mulheres obesas. À medida que a prevalência da obesidade aumenta e a cirurgia minimamente invasiva se torna mais comum, o número de indivíduos que realiza cirurgia bariátrica continua a aumentar2. A OMS estima que nos EUA mais de 30% das mulheres em idade fértil sejam obesas (IMC maior que 30kg/m2)3.
Existe um consenso geral de que a gravidez deve ser desaconselhada 12‐24 meses após a cirurgia2. Um período de espera de 12 meses até engravidar é aconselhado pela American College of Obstetricians and Gynecologists. A gravidez neste período está associada a um crescimento fetal diminuído2 e maior incidência de partos pré‐termo4,5.
É comum as doentes com obesidade terem ciclos anovulatórios e assumirem que não podem engravidar. Após a redução de peso pela cirurgia bariátrica, os ciclos menstruais das mulheres tornam‐se mais regulares6, com consequente aumento da fertilidade. A redução de 5‐10% do peso corporal restabelece a função ovulatória na maior parte das mulheres com síndrome do ovário poliquístico e há uma melhoria dos níveis de insulina, androgénios e de sex hormone bonding globulin (SHBG)3. É importante que as mulheres em idade fértil e que foram submetidas a cirurgia bariátrica sejam adequadamente aconselhadas sobre a necessidade de uma contraceção eficaz durante o primeiro ano após a cirurgia.
O resultado da perda de peso é mais consistente com os procedimentos de bypass gástrico7. Este procedimento mal absortivo condiciona uma absorção diminuída dos nutrientes e calorias pelo encurtamento do tamanho funcional do intestino delgado, podendo interferir com a efetividade da ação dos contracetivos orais.
Por não haver orientações nesta área sobre qual a conduta ideal, realizou‐se uma revisão baseada na evidência sobre a efetividade dos contracetivos orais nas mulheres submetidas a cirurgia bariátrica.
MétodosFoi realizada uma pesquisa sistemática nas bases de dados TRIP Database, Cochrane Library, DARE, Bandolier, National Guideline Clearing House, NeLH Guidelines Finder e Medline, de normas de orientação clínica, revisões sistemáticas, meta‐análises e estudos originais, publicados entre janeiro de 2002 e janeiro de 2012, em inglês, espanhol e português, utilizando os termos MeSH bariatric surgery, oral contraceptives, gastric bypass e biliopancreatic diversion.
Os critérios definidos para inclusão de artigos nesta revisão foram: a) População: mulheres em idade fértil, submetidas a cirurgia bariátrica; b) Intervenção: uso de contracetivos orais; c) Comparação: utilização de outros métodos contracetivos; d) Resultado: a falência do método contracetivo. Artigos repetidos e discordância com o objetivo da revisão foram critérios de exclusão. Para avaliar a qualidade dos estudos e posterior atribuição do nível de evidência (NE) e forças de recomendação (FR) foi utilizada a escala Oxford center for evidence based medicine – Levels of evidence. Esta taxonomia subdivide a qualidade do estudo em 5 NE (tabela 1) e em 4 graus de FR (tabela 2).
Níveis de evidência (Oxford Center for Evidence‐based Medicine)
NE | Significado |
1a | Revisões sistemáticas (com homogeneidade) de ECA |
1b | ECA individuais (com intervalo de confiança estreito) |
1c | «Tudo ou nada» |
2a | Revisões sistemáticas (com homogeneidade) de estudos cohort |
2b | Estudos cohort individuais (incluindo ECA fraca qualidade) |
2c | Pesquisa de «outcome»; estudos ecológicos |
3a | Revisões sistemáticas (com homogeneidade) de estudos caso‐controlo |
3b | Estudos individuais de caso‐controlo |
4 | Série de casos (e estudos cohort e caso‐controlo de fraca qualidade) |
5 | Opinião de peritos sem comentário crítico explícito ou baseada na fisiologia ou em pesquisa de fraca qualidade |
Forças de recomendação (Oxford Center for Evidence‐based Medicine)
FR | Significado |
A | Estudos consistentes de nível 1 |
B | Estudos consistentes de nível 2 ou 3 ou extrapolações de estudos de nível 1 |
C | Estudos de nível 4 ou extrapolações de estudos nível 2 ou 3 |
D | Estudos de nível 5 ou estudos inconclusivos ou inconsistentes de qualquer nível |
Da pesquisa inicial obtiveram‐se 12 artigos. Destes foram excluídos os artigos em que se verificou discordância com o objetivo da revisão, aqueles que não cumpriam os critérios de inclusão e os artigos repetidos.
Foram selecionados 3 artigos: uma revisão clássica, uma revisão sistemática e um estudo de cohort. A descrição e resultados destes estudos encontram‐se explanados na tabela 3.
Resultados
Autor/ano | Objetivo | Desenho do estudo | População | Resultados | Conclusões |
Paulen. et al.Contraception 82 (2010) 86‐94)8 | Revisão sistemática da literatura sobre a segurança e efetividade da contraceção usada entre mulheres submetidas a cirurgia bariátrica | Gerrits et al., 2003Weiss et al., 2001Victor et al., 1987Andersen et al., 1982Choi and Scarborough, 2004 | 40 ♀ idade fértil, submetidas a derivação biliopancreática215 ♀ idade fértil que usavam CO após banda gástricaAmbos analisaram os níveis hormonais após uma dose única de CO em ♀ submetidas a cirurgia bypass jejunoileal♀ de 18 anos, obesa com história de depressão, abuso de tabaco, uso de CO e drogas recreativas e esteatohepatite submetida a bypass gástrico | 2 das 9 ♀ que usavam CO engravidaram. Tiveram episódios de diarreiaNão se observou gravidez nas ♀ que tomavam CO↓ níveis plasmáticos de noretisterona e levonogestrelNão houve ↓ dos níveis de estradiol e levonogestrel após cirurgia. Admite‐se relação da obesidade com níveis de esteroidesAVC isquémico durante o uso de CO, 11 semanas após cirurgia | NE 2a |
Gerrits et al., Obsesity Surgery; 13, (2003). 378‐3829 | Avaliar as mudanças na fertilidade, risco na gravidez e efetividade dos CO após derivação biliopancreática | Estudo cohort | 40 ♀ entre os 16‐44 anos, submetidas a bypass gástrico com IMC médio de 39,3kg/m2 | 4 ♀ engravidaram(2 usavam CO, 2 não usavam nenhum método)2 das 9 que utilizavam CO engravidaram no 1.° ano após cirurgia e ambas têm registo de episódios de diarreia e uma tem registo de anemia | NE 2b |
Murthy, Semin Reprod Med2010; 28 (2)156‐633 | Rever os artigos existentes sobre a efetividade e os riscos do uso da contraceção oral em mulheres obesas | Revisão clássica | Utiliza estudos referidos na tabela:Victor et al., 1987Gerrits et al., 2003 | Será prudente considerar a utilização de métodos contracetivos que evitem a via oral | NE 4 |
AVC: acidente vascular cerebral; CO: contracetivo oral; IMC: índice de massa corporal; NE: nível de evidência.
Na revisão sistemática de Paulen, et al.8 incluíram‐se 5 estudos (sendo 2 destes farmacocinéticos, um estudo prospetivo, um retrospetivo e um relato de caso) de pouco rigor metodológico. No estudo de Gerrits et al., a amostra utilizada era de pequenas dimensões; as mulheres que foram submetidas a derivação biliopancreátrica e que se encontravam a fazer CO e engravidaram tiveram complicações pós‐operatórias (diarreia e vómitos) pelo que não se pode extrapolar que isso tenha ocorrido pela inefetividade do CO. Weiss et al. estudam uma população que foi submetida a banda gástrica, não tendo ocorrido gravidez. Não sendo um procedimento mal absortivo, a efetividade do CO não diminui e nesta população não ocorreu gravidez. Dois dos outros estudos incluídos na revisão sistemática (estudos farmacocinéticos) estudaram mulheres submetidas a cirurgias que já não são utilizadas, pelo que estes resultados são de pouco valor.
Esta revisão admite que, potencialmente, a cirurgia mal absortiva possa diminuir a efetividade dos CO, no entanto, tal não pôde ser demonstrado nos resultados obtidos. A efetividade pode ser diminuída também por complicações pós‐operatórias. Há uma preocupação com o risco acrescido de complicações trombóticas associadas a procedimentos cirúrgicos e o potencial dos estrogénios de aumentar o risco trombótico.
Atribuiu‐se um NE 2a.
Um dos estudos incluídos na nossa revisão, o estudo de Gerrits et al.9, é igualmente um dos estudos anteriormente discutidos e que consta na revisão sistemática8. Atribuiu‐se um NE 2b. De referir que apresenta um viés de informação (questionário de auto preenchimento), amostra de pequenas dimensões, follow‐up curto e os fatores confundidores não são referidos.
A revisão clássica de Murthy3 foi classificada com NE 4. Esta revisão apresenta qualidade metodológica pouco rigorosa, um pequeno número de estudos de amostras pequenas. Conclui que será prudente utilizar meios contracetivos que evitem a via oral.
Os estudos existentes não investigam os compostos farmacológicos que mais comummente integram a composição dos CO, não sendo possível extrapolar conclusões a partir dos estudos disponíveis. Comparam técnicas cirúrgicas que se encontram em desuso como a derivação gastroduodenal, sendo necessário investigação que incida sobre o bypass gástrico, procedimento mal absortivo que poderá interferir na absorção dos CO. Existem poucos estudos que comparem o uso de CO com outros métodos contracetivos, nomeadamente o dispositivo intrauterino, implante subcutâneo ou anel vaginal.
É importante salientar que a cirurgia de bypass gástrico está muitas vezes associada a náuseas e vómitos no período pós‐operatório, que poderão diminuir a efetividade da pílula.
Numa grande parte dos estudos, as amostras utilizadas são pequenas e desconhece‐se a intenção da mulher em engravidar. Não é controlada a toma da pílula, os esquecimentos eventuais, o não cumprimento de horário, as outras intercorrências médicas ou uso de outros fármacos.
Em conclusão e de acordo com os dados obtidos, não existe evidência suficiente para recomendar ou desaconselhar a utilização de contracetivos orais após cirurgia bariátrica (FR C).
No futuro, serão necessários mais estudos cientificamente rigorosos, mais próximos da prática clínica real, com metodologia mais homogénea e maior poder estatístico.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Gostaríamos de agradecer à Professora Doutora Paula Freitas pela motivação que nos deu para a redação do artigo e pela sua constante disponibilidade e ajuda.