A crescente utilização de instrumentos musicais desde a infância pode conduzir a situações clínicas para as quais os profissionais médicos de saúde oral devem estar particularmente atentos, no sentido de prevenir e minimizar sequelas dessa utilização. O desenvolvimento de patologia associada à utilização de instrumentos musicais pode conferir limitação temporária ou permanente, justificando a importância de incluir de forma válida a condição das estruturas orais no âmbito das atividades da saúde ocupacional.
Como objetivo deste trabalho de revisão pretende-se abordar, genericamente, as características dos instrumentos musicais que podem afetar as estruturas orais ou periorais e respetivas manifestações clínicas.
Procedeu-se a uma revisão da literatura, recorrendo às bases de dados Medline, Scielo, Embase e SciVers, bem como à pesquisa manual em bibliotecas universitárias e de escolas de música em Portugal, Espanha e Reino Unido. Igualmente, adotou-se a pesquisa ativa com base nas referências utilizadas nas diversas publicações encontradas.
The increasing use of musical instruments since childhood, can lead to clinical conditions for which medical professionals oral health should pay particular attention in order to prevent and minimize consequences of such use. The development of pathology associated with the use of musical instruments can provide temporary or permanent limitations, justifying the importance of including valid form of the condition of the oral structures in the activities of occupational health.
Aim of this review paper is intended to address generally, the characteristics of musical instruments that can affect the oral or perioral structures and their clinical manifestations.
The authors conducted a literature review using the Medline, Scielo, Embase and SciVers, as well as the manual search in university libraries and in music schools in Portugal, Spain and United Kingdom. Also adopted an active research based on the references used in the various publications found.
Determinados hábitos podem condicionar o estado de saúde oral ou das estruturas anexas e a utilização de instrumentos musicais sempre foi considerada como um fator causal de potenciais complicações oro-faciais, com particularidade para o uso da voz ou de instrumentos de sopro1,2.
A utilização de instrumentos musicais tem vindo a crescer em Portugal e frequentemente os indivíduos sofrem de complicações que os afetam profissionalmente ou nas suas atividades de lazer, com consequentes implicações na qualidade de vida e expectativas económicas, sociais e culturais dos indivíduos3.
Um estudo publicado em 1988 mostrou que 82% de 2.212 músicos pertencentes a 48 grandes orquestras sinfónicas dos EUA reportavam um qualquer problema de saúde e que 76% dos inquiridos afirmavam terem pelo menos um problema médico que interferiu com a sua capacidade como instrumentista4.
Ao longo dos tempos, um importante número de registos na literatura científica5–16 tem reportado um conjunto de impactos na saúde dos profissionais de música podendo, no limite, conduzir a mortes prematuras. Contudo escasseiam estudos longitudinais que permitam uma efetiva monitorização nos indicadores de saúde nestes indivíduos e eventualmente comparar esses dados com indivíduos exercendo outras actividades ocupacionais.
Numa outra perspetiva, alguns tipos de tratamentos orais neste grupo de profissionais podem provocar importantes limitações na performance instrumental17. Assim, torna-se extremamente importante para os profissionais de saúde oral e para os instrumentistas perspetivarem a vigilância periódica das estruturas orais num sentido estritamente preventivo, mas perante a necessidade de uma intervenção operatória, estabelecer um completo entendimento das perspetivas terapêuticas e suas condicionantes, como forma de prevenção de conflitos éticos e até do foro médico-legal2,3,12,18–20.
Neste trabalho de revisão pretende-se abordar de forma generalista as características dos diversos instrumentos musicais, principalmente na interação com as estruturas orais ou periorais e respetivas manifestações clínicas que poderão advir desse contacto. Assim, ir-se-á restringir a análise de impactos nas estruturas orais aos instrumentos musicais que pela sua técnica de execução demonstram poder estar na génese de alguma patologia.
MétodosPara esse efeito, procedeu-se a uma revisão da literatura publicada, quer como trabalhos científicos, quer material editado sob a forma de manuais de técnica instrumental musical, recorrendo-se para esse efeito às bases de dados Medline, Scielo, Embase e SciVers, bem como à pesquisa manual em bibliotecas universitárias e de escolas de música em Portugal, Espanha e Reino Unido. Igualmente, adoptou-se a pesquisa ativa com base nas referências utilizadas nas diversas publicações encontradas.
Foram combinados os seguintes limites e descritores MeSH: ((«Oral Health»[Mesh] OR «Dentistry»[Mesh]) AND «Music»[Mesh]) AND («Occupational Medicine»[Mesh] OR «Occupational Diseases»[Mesh] OR «Occupational Dentistry»[Mesh]) AND («humans»[MeSH Terms] AND (English[lang] OR French[lang] OR Italian[lang] OR Spanish[lang] OR Portuguese[lang]) AND («1960/01/01»[PDAT]: «2010/12/31»[PDAT])).
Tipos de instrumentos musicaisSob o ponto de vista físico, os instrumentos musicais são dispositivos sonoros, construídos por vários tipos de materiais, escolhidos essencialmente por razões de ordem prática e acústica. A configuração com que cada instrumento musical é fabricado obedece às propriedades anátomo-fisiológicas humanas, principalmente no que se refere à forma e dimensão da mão.
Segundo Henrique21 deve-se a Hornbostel e Sachs a classificação dos instrumentos musicais em função dos seus princípios acústicos (modo como é produzido o som) em 4 categorias: Aerofones – o som é produzido pela vibração de massa de ar originada sobre o instrumento, Cordofones – o som é produzido por uma corda tensa, Idiofones - o som é produzido pelo próprio instrumento, feito de materiais elásticos sonoros, sem estarem submetidos a tensão e Membranofones – o som é produzido por uma membrana esticada.
Aerofones ou instrumentos de soproOs aerofones, vulgarmente designados instrumentos de sopro serão aqueles que mais impactos poderão desencadear na saúde oral dos instrumentistas e deveter-se em conta que as diferenças nas técnicas de execução de cada instrumento poderão refletir condições clínicas diferenciadas.
Assim, classificaremos os diversos aerofones em função do seu tipo de bucal ou boquilha, ou seja, a porção do instrumento que entra em contacto com os lábios ou a boca (fig. 1), o qual também pode ser designado por embocadura mas neste caso já deveremos ter como referência todo o conjunto da boquilha e das estruturas orais ou periorais, deste modo, os aerofones poderão ser divididos em 6 grupos dos quais apenas 4 terão interesse neste trabalho (tabela 1);
Tipos de boquilhas e respetiva interação com a cavidade oral durante a execução musical: A-bucal, B-palheta simples, C-palheta dupla e D-bisel (adaptado de Yeo et al2 - Reproduzido com permissão do Australian Dental Journal©).
Principais instrumentos de sopro com implicações diretas nas estruturas oro-faciais
Aerofones de aresta (o som é produzido pela passagem do fluxo de ar na embocadura em forma de aresta) | Simples | Flauta transversal, Flautim | |
Bisel | Flauta de bisel, Apito | ||
Aerofones de palheta [o som é produzido pela vibração da(s) palheta(s)] | Livres | Órgão de boca, Berimbau | |
Batentes | Simples | Saxofone, Clarinete | |
Duplas | Oboé, Fagote, Corne Inglês | ||
Aerofones de bucal (o som é produzido pela vibração dos lábios) | Trompete, Trombone, Trompa, Tuba, Clarim, Feliscone | ||
Voz (o som é produzido pela passagem da coluna de ar nas cordas vocais) | Femininas | Soprano, Mezzo-Soprano, Contralto | |
Masculinas | Tenor, Barítono, Baixo |
A execução dos instrumentos de sopro obriga a uma complexa interação neuromuscular estabelecida entre os lábios e os músculos da face e os dentes, palato e a língua e a boquilha do instrumento, tudo isto articulado com a produção, direção e intensidade da coluna de ar (ventilação) que produz as sonoridades próprias de cada instrumento.
Cada tipo de embocadura (figs. 2–8) requer uma articulação específica entre a boquilha, os lábios e o sistema respiratório de forma a permitir a correta execução musical, assim alguns distúrbios presentes na boca e face dos instrumentistas de sopro estão intimamente relacionados com o formato da embocadura, tempo e frequência de execução do instrumento.
Desta forma as características anatómicas dos indivíduos pode facilitar a execução de alguns instrumentos enquanto noutros terão de haver mecanismos compensatórios da mandíbula e dos músculos da cabeça e pescoço que poderão ser a causa de problemas dento-faciais a posteriori. Esta perspetiva pode limitar a escolha dos indivíduos relativamente a um ou outro instrumento musical.
Frequentemente os músicos de sopros referem alterações nas suas estruturas oro-faciais que os impedem cabalmente na execução do instrumento e podem criar limitações na qualidade de vida dos indivíduos. Assim os distúrbios mais frequentes serão os problemas ortodônticos, traumatismos e ulcerações dos tecidos moles, xerostomia, herpes labial e distonia focal.
Ao cuidado com os procedimentos de higiene e de controle da infecção cruzada das embocaduras deve ser dada a máxima prioridade, a par com os primeiros ensinamentos técnicos do instrumento de sopro, pois pode constituir um importante fator de risco biológico para os instrumentistas, de acordo com um ensaio piloto realizado por laboratório de microbiologia ao comparar o potencial bacteriológico de uma palheta nova vs uma paleta já usada (uso >1 mês) (fig. 9).
A voz como instrumento de soproA produção da emissão sonora vocal ocorre pela formação de uma coluna de ar a partir do ar expelido pelos pulmões e pela perturbação dessa coluna de ar junto das cordas vocais e em função da capacidade vibratória das mesmas. A restante caracterização acústica da voz e respetiva aplicação no canto musical está relacionada com a textura e posição assumida por movimentos da laringe, pelos lábios, pela língua, pela mandíbula e dentes22; de acordo com estes princípios a voz é classificada como um instrumento musical de sopro.
Tradicionalmente a voz é classificada segundo 3 parâmetros: amplitude, timbre e tessitura23,24 e estes podem ser modelados em função das estruturas anátomo-funcionais da orofaringe.
Os cantores, os atores e os professores são as classes profissionais que maioritariamente reportam problemas de saúde associados à utilização da voz como instrumento de trabalho8,25,26.
Nos músicos uma das queixas mais evidentes é secura das mucosas provocada pelo atrito resultante da passagem da coluna de ar; este facto poderá constituir um fator de risco para a desmineralização acentuada do esmalte dentário.
De igual forma os ambientes onde são realizadas as atividades podem influenciar significativamente a capacidade para o desempenho desta atividade pois os palcos em algumas salas de espectáculo podem estar sujeitos ao fumo, poeiras e ar condicionado27.
Cordofones ou instrumentos de cordaDe entre os instrumentos de corda, a técnica de execução do violino e da viola de arco ou violeta (o violino é ligeiramente mais pequeno e leve do que a viola de arco ou violeta) será a que apresenta maior potencial de dano nas estruturas oro-faciais28–30, pois o seu principal suporte (queixeira – dispositivo de apoio anatómico que auxilia o instrumentista a acomodar de maneira mais confortável o violino ou a viola de arco ao queixo) permite fixar o instrumento entre o rebordo inferior do corpo da mandíbula e o ombro esquerdo (figs. 10–12).
O equilíbrio de forças exercidas entre o ombro e a mandíbula vai estar em constante modificação durante a execução, esta posição induz a desgastes das cúspides dentárias principalmente entre o 2.° e o 3.° quadrante, podendo ocorrer fraturas dessas cúspides, principalmente dos dentes molares e pré-molares, bem como pode induzir à ocorrência de mordidas cruzadas31,32.
Estes instrumentistas apresentam uma prevalência de 40% de dores de pescoço e dos músculos faciais contra cerca de 14% da população geral2,33.
Devido à existência de pequenas lesões de repetição pode ocorrer remodelação da ATM conduzindo à degeneração prematura do menisco e cápsula articular, sob a forma de irregularidades no côndilo2,34.
Num estudo35 conduzido em 30 músicos com aplicação de dispositivos intraorais de apoio dentário (férulas), 80% reportaram melhoria dos sintomas predominantes, sendo que o tratamento com este tipo de dispositivos contribuiu para uma diminuição significativa na dor no pescoço em 91%, dos dentes / dor na ATM em 83%, e de dor no ombro ou extremidade superior em 76% dos músicos.
Outro tipo de lesão típica nestes músicos é a relacionada com as glândulas salivares e linfoadenopatias por degeneração tecidual unilateral33.
Durante a prática musical há um contacto permanente, mais ou menos intenso, entre o instrumento e a pele do músico. Segundo Onder et al.36 a prevalência de problemas de pele relacionados com a execução dos instrumentos ocorre em 32% dos executantes de cordas e 27% dos executantes de instrumentos de sopro, comparativamente a 9% numa amostra de não músicos. Já Ostwald et al.37, através de um estudo transversal, determinaram que 20 em 97 músicos apresentaram problemas dermatológicos e Nethercott e Holness38 num estudo prospetivo determinaram que a incidência de problemas dermatológicos ocorreu em 32% dos instrumentistas de corda e em 20% dos instrumentistas de sopro, respetivamente. Outros autores39 determinaram uma frequência de 49,7% em todos os tipos de músicos estudados.A dermatite de contacto provocada pela fricção do instrumento sob o queixo e rebordo mandibular pode assumir uma variabilidade patológica desde a dermatite crónica no local de abrasão até ao estabelecimento de processo infeccioso, passando por eczema atópico ou psoríase, eventual hipersensibilidade ou alergia a determinado tipo de madeiras e vernizes constituintes do instrumento. O agravamento de algumas doenças de pele podem ser mediadas pela transpiração e higiene2,40–42.
A utilização de suportes do instrumento no ombro (espaleira - acessório utilizado para apoiar o violino ao ombro do músico.) é uma possível abordagem terapêutica, contudo existem outras como métodos de relaxamento postural e fisioterapia. Outro tipo de dispositivos de proteção e suporte dentário43 foram criados e estão a ser desenvolvidos com o objetivo de permitir um equilíbrio na estabilização das estruturas oro-dentárias e promover mecanismos protetores sem alteração das características acústicas produzidas pelos músicos.
Problemas ortodônticosSão vários os problemas do foro ortodôntico que podem surgir nos músicos, mais em particular daqueles que utilizam instrumentos de sopro, pois a estabilização da embocadura com a boca e com os dentes pode provocar desvios na sua inter-relação de toda a estrutura maxilofacial18,44–47. Igualmente a posição dos dentes poderá influenciar a postura corporal na execução de notas de alguns instrumentos, contribuindo para uma maior fadiga e, ao longo de tempo, uma redução na capacidade de resposta ergonómica à atividade musical48.
Estudo de Maia e Araújo49 destaca que uma vez adquirida a embocadura as estruturas constituintes não devem sofrer modificações, pois as variações na embocadura resultantes de modificações anatómicas dos dentes anteriores e que podem surgir ao longo de tratamentos dentários poderão interferir diretamente no desempenho do músico. Quando surge esta situação o instrumentista deve adaptar-se e adquirir outro posicionamento da embocadura.
A ocorrência de movimentos dentários está condicionada a um processo biológico múltiplo, caracterizado por um conjunto sequencial de alterações dos tecidos periodontais. Quando um conjunto de forças é aplicado sobre os dentes durante um determinado tempo provoca a movimentação dentária através de um procedimento de remodelação do osso circundante50.
Todo o processo de remodelação óssea será influenciado pela intensidade das forças aplicadas sobre os dentes, contudo a quantificação dessas forças são um processo de difícil monitorização no ser humano, pois mediadores bioquímicos (prostaglandinas) ou efeitos piezoeléctricos poderão também condicionar a resposta biológica às forças mecânicas51.
O conceito atual de otimização das forças para a movimentação dentária é baseado numa sinergia criada entre a magnitude e o período de exposição à força, de forma a produzir movimento dentário sem sequelas nos tecidos e com o máximo de conforto para o paciente, essencialmente no domínio da sintomatologia dolorosa52. Contudo, a maioria dos dados disponíveis nesta matéria reportam-se a estudos animais, condicionando a sua adaptação ao Homem53–57.
A força ótima para a movimentação dos dentes depende do tipo de dente e do indivíduo, no entanto existe alguma variabilidade apresentada pelos diversos autores. Proffit58 considerou que idealmente as forças envolvidas na maioria dos tratamentos ortodônticos são na ordem de grandeza dos 50 a 150g; já Ricketts et al.59 indica que esse valor «ideal» seria cerca de 100g/cm2 da face radicular afectada pelo movimento dentário; Krishnan e Davidovitch60 refere que a mecanoterapia ortodôntica produz resultados com forças entre os 20 e os 150g consoante o tipo de dente.
Todos estes relatos apresentam-se francamente inferiores às verificadas durante a normal utilização dos vários instrumentos de sopro, que podem atingir na classe das madeiras 211 a 270g, ou nos metais 500g, tornando-se deste modo potencialmente nocivo para a harmonia dento-facial dos indivíduos46,61.
Num estudo62 que permitiu a monitorização das forças exercidas por 4 tipos de instrumentos de sopro foi determinado que a variação das forças exercidas pelos bucais sobre os dentes incisivos era de 29N (tuba) a 50N (trompete) e que as flexões sofridas pelos dentes incisivos, devido a essas forças, variavam entre os 43 microns (tuba) e os 100 microns (trompete). Com base nestes resultados, será válido prevenir a deslocação dos dentes e lesões periodontais que poderão conduzir a anquilose dentária.
Num estudo desenvolvido junto de 78 músicos de instrumentos de sopro, submetidos a tratamento ortodôntico fixo, Raney63 refere que apenas 14% dos indivíduos referem não ter tido efeitos adversos na sua atividade musical; nesse estudo igualmente foi referido o facto de o tempo de adaptação à nova situação clínica ser superior para os instrumentistas de flauta e de metais, esse facto poderá ser explicado devido ao tipo de embocadura que obriga à pressão de encontro aos lábios e destes contra as faces vestibulares dos dentes anteriores.
As sequelas labiais que advêm da pressão dos lábios contra a boquilha dos instrumentos têm tentado ser minimizadas, quer pelos ortodontistas quer pelos próprios instrumentistas, com o recurso à utilização de ceras ortodônticas ou dispositivos de proteção dentária, no entanto este processo pode conduzir a uma deterioração mais acentuada dos bucais e das palhetas64.
A idade de início dos tratamentos ortodônticos fixos apresenta-se atualmente mais ampla que no passado, mas será durante a adolescência que este tipo de tratamento é mais frequente, período esse bastante importante para a formação de um músico, conduzindo por vezes a sérias limitações nos tratamentos ortodônticos, mas também por vezes a importantes atrasos na evolução das técnicas de execução instrumental.
Distonia focalA distonia focal é uma patologia de origem neuromuscular rara na população geral, mas de extrema importância em saúde ocupacional, principalmente nos indivíduos que executem movimentos repetidos durante longos períodos.
Nos músicos pode apresentar uma prevalência significativa e afeta essencialmente os músculos que executam uma ação repetida ou assumam uma posição forçosamente contraída com os dedos das mãos ou com os músculos da face no controle do instrumento durante a produção de som65–67.
A distonia da embocadura afeta o indivíduo na produção e controle do som devido a um conjunto de contrações musculares involuntárias dos músculos da face, em associação a uma descoordenação lingual e respiratória. Os mecanismos terapêuticos desta patologia, que pode conduzir à desmotivação do indivíduo, e que integrem processos psicoterapêuticos têm permitido recuperar funcionalmente alguns dos instrumentistas afetados.
Este tipo de patologia está associado a longos períodos de tratamento e reabilitação com uma consequente inatividade ocupacional, daí tornar-se importante numa perspetiva preventiva o seu diagnóstico precoce e rápido encaminhamento para procedimentos terapêuticos67,68.
Atualmente admite-se que a génese da distonia está associada a alterações da excitabilidade de determinados circuitos cerebrais ligados ao controle motor induzidos pelos movimentos repetitivos e estereotipados, que os músicos assumem na sua atividade, conduzindo a alterações motoras e sensoriais devido ao fenómeno de hiperexcitabilidade intracortical e à hiperatividade cortical focal69.
Considerações prostodonticasEm Portugal, devido às elevadas taxas de mortalidade dentária na população adulta, a reabilitação protética nos músicos pode configurar-se como uma necessidade profissional, mas também como um problema acrescido para o médico, pois torna-se muito importante a estabilidade da prótese para a produção musical.
Se por um lado, o recurso a próteses suportadas por implantes pode permitir uma estabilidade aceitável para a prática musical, por outro lado, as forças exercidas pelos bucais no caso dos instrumentos de sopro ou pela pressão oclusal no caso de alguns instrumentos de corda podem ao longo do tempo condicionar o sucesso no seu conjunto17.
Relativamente ao recurso a próteses removíveis tornar-se-á um importante desafio a estabilização e resistência das mesmas durante a prática musical, assim será de todo útil ao médico tomar conhecimento das características do instrumento musical e do conjunto de forças a exercer sobre as próteses para uma melhor adaptação destas após a sua confeção.
Traumatismos dos tecidos moles oraisDurante o apoio dos bucais sobre os lábios e as forças exercidas na execução do instrumento provoca dor e lacerações essencialmente pela fricção e vibração produzida na execução70.
Outro aspecto a ter em consideração será o aumento da frequência de lesões do tipo ulcerativo que os músicos apresentam com localização predominantemente nos lábios. Trata-se de uma situação comum em executantes de certos tipos de instrumentos musicais, devido à posição de execução das palhetas e respetiva relação com os lábios e interposição destes com os bordos dentários, provocando um traumatismo sistemático. Estes indivíduos apresentam constantemente queixas de ulcerações, dor ou até hiperpigmentação da mucosa labial71.
Os músicos de sopros devem ser capazes de sustentar altas pressões intraorais, a fim de tocar as notas mais agudas. A exposição prolongada a essas pressões elevadas pode levar à insuficiência no desempenho, relacionado com transtornos velofaríngeos. Este tipo de distúrbio ocorre quando o palato mole não fecha completamente a passagem de ar entre as cavidades nasais e orais na cavidade respiratória superior durante as tarefas de sopro. Esse encerramento é necessário para otimizar o desempenho de um instrumento de sopro e pode ser potencialmente ameaçador da carreira artística do executante72.
Lesões do foro dermatológicoA pele é um órgão importante no posicionamento e execução de instrumentos musicais. Durante a prática musical há um contacto permanente e intenso entre o instrumento e a pele do músico, podendo dar origem a lesões. A natureza e a frequência das lesões estão dependentes do instrumento executado e do material que o constitui surgindo nos pontos de contacto: boca, lábios, mento ou dedos70.
Além do agravamento de algumas doenças de pele, tais como a psoríase ou o eczema atópico devido à prática musical, podem ainda surgir complicações do foro dermatológico especificamente causadas pela execução de instrumentos musicais41,42.
ConclusõesComo se descreveu ao longo deste artigo, a utilização de certos instrumentos musicais deve ser motivo de particular atenção na abordagem estomatológica, pelo facto de estes poderem constituir uma potencial fonte de alterações patológicas na cavidade bucal. Contudo, com a crescente adesão por parte dos mais jovens à aprendizagem musical e pelo envolvimento de milhares de praticantes musicais em escolas, orquestras, bandas e filarmónicas torna-se, na opinião do autor, de extrema atualidade o importante desafio de prevenção e tratamento das complicações orais junto destes indivíduos, uma vez que daí podem advir sequelas crónicas e incapacitantes para a prática musical, com inerentes repercussões, em alguns casos, profissionais.
Os instrumentos de sopro, os instrumentos de corda como o violino e a viola de arco ou violeta, e a utilização musical da voz serão os instrumentos musicais mais susceptíveis de originar lesões orais ou da ATM, devido a sua utilização implicar o envolvimento de estruturas anatómicas da cavidade oral e perioral.
Os médicos especialistas nestas estruturas orais, bem como outros profissionais de saúde e outros agentes que lidam com estes indivíduos devem promover, junto destes, comportamentos de vigilância médico-dentária periódica, concomitantemente a utilização de dispositivos de protecção individual deve também ser promovida como uma medida efetiva de prevenção de traumatismos.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
A todos músicos envolvidos e que se disponibilizaram para colaborar no desenvolvimento do estudo, com particular referência ao professor de saxofone Hugo Lopes da Academia de Música de Castelo de Paiva, igualmente o meu agradecimento à Professora Doutora Cristina Pina (FCS-UFP) pelo apoio laboratorial na análise microbiológica das palhetas e por último, aos colegas Mestre Miguel Pais Clemente e Professor Doutor Mário Vasconcelos da FMDUP por toda a reflexão conjunta que tem vindo a ser desenvolvida no âmbito desta temática.