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Vol. 56. Núm. 2.
Páginas 103-109 (abril - junio 2015)
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Prevalência e gravidade de cárie na dentição decídua nas crianças de 6 anos de Mafra
Prevalence and severity of caries in the primary dentition in 6‐years‐old children of Mafra
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Cátia Gomes, Sónia Mendes
Autor para correspondencia
sonia.mendes@fmd.ul.pt

Autor para correspondência.
, Mário Bernardo
Faculdade de Medicina Dentária, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal; UICOB – unidade n° 4062 da FCT
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Tabela 1. Distribuição da amostra por género e local de observação (n=165)
Tabela 2. Comportamentos relacionados com a saúde oral
Tabela 3. Associação entre a cárie na dentição decídua e os comportamentos relacionados com a saúde oral e o nível de higiene oral
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Resumo
Objetivos

Determinar nas crianças de 6 anos da Freguesia de Mafra a prevalência e gravidade de cárie na dentição decídua e o nível de higiene oral. Descrever os comportamentos relacionados com a saúde oral e analisar a associação entre a cárie, o nível de higiene oral e estes comportamentos.

Métodos

Estudo observacional e transversal. Foi recolhida informação sobre comportamentos relacionados com a saúde oral através de um questionário. Os dados relativos à cárie (Índice cpod) e ao nível de higiene oral (IHO‐S) foram obtidos por um observador calibrado que utilizou os critérios da OMS. A análise dos dados foi efetuada com os testes do qui‐quadrado, Mann‐Whitney e Kruskal‐Wallis (α=0,05).

Resultados

A amostra consistiu em 165 crianças. A prevalência de cárie na dentição decídua foi de 32,7% e o cpod de 1,32, encontrando‐se a grande maioria dos dentes cariados (84,9%). A média do IHO‐S foi 1,74. A maioria das crianças já havia visitado o dentista (61,0%) e ingeria alimentos cariogénicos «às vezes» (76,2%). Mais de 80% das crianças escovava os dentes diariamente com a ajuda dos pais e 66,7% iniciou a escovagem entre o primeiro e o terceiro ano de vida. Verificou‐se uma associação positiva entre a cárie e as visitas ao dentista e a idade de início de escovagem dos dentes.

Conclusões

A prevalência e gravidade de cárie podem ser consideradas baixas, no entanto, a maioria dos dentes com experiência de cárie não estavam tratados. As atividades de promoção da saúde oral devem incluir informação sobre os comportamentos alimentares e, em especial, informação e motivação para o início precoce da escovagem dos dentes.

Palavras‐chave:
Cárie dentária
Prevalência
Epidemiologia
Saúde oral
Abstract
Objectives

Determine the prevalence and severity of dental caries in the primary dentition and the oral hygiene level in 6‐year‐old children of Mafra. Describe oral health related behaviours and analyze the association between oral health behaviours and both caries in the primary dentition and oral hygiene level.

Methods

Cross‐sectional study. Oral health behaviours information was obtained by a questionnaire. Caries (cpod using WHO criteria) and oral hygiene (OHI‐S) data was collected by a calibrated observer. Statistical analysis was performed using Chi‐Square, Mann‐Whitney and Kruskal‐Wallis tests (α=0.05).

Results

The sample included 165 children. The prevalence of caries in the primary dentition was 32.7% and the dmft was 1.32, with the vast majority of teeth (84.9%) being decayed. The mean OHI‐S was 1.74. Most children had visited the dentist (61.0%) and ate cariogenic foods «sometimes» (76.2%). Over 80% of children brushed their teeth daily with parents¿ help and 66.7% started brushing between the first and third year. A positive association was found between caries and the visit to the dentist, and the age toothbrushing started.

Conclusions

The prevalence and severity of dental caries may be considered low. The oral health promotion activities should include information and motivation for healthy behaviours, specially, for the age of toothbrush beginning.

Keywords:
Dental caries
Prevalence
Epidemiology
Oral health
Texto completo
Introdução

Nas últimas décadas do século XX verificou‐se uma evidente diminuição da prevalência de cárie dentária nos países desenvolvidos1–3. De um modo geral, as principais causas apontadas para esta diminuição incluem a melhoria das condições gerais de saúde e, mais especificamente, a generalização das medidas de higiene oral e da utilização de produtos fluoretados4,5. Alguns estudos realizados em países desenvolvidos demonstraram que, nos últimos anos, após esta clara diminuição desta doença se atingiu uma estabilização ou um ligeiro aumento da prevalência de cárie na dentição decídua6–8.

Em Portugal, os estudos publicados apontam para uma melhoria dos indicadores de cárie9–11 aumentando a percentagem de isentos de cárie na dentição decídua aos 6 anos de idade de 17,0% em 19849 para 51% em 200511. Os resultados do III Estudo Nacional da Prevalência das Doenças Orais da Direção‐Geral da Saúde (DGS), ainda não publicados, mas apresentados em março de 2015 no Dia Mundial da Saúde Oral, referiram 54% de indivíduos isentos de cárie nessa mesma idade.

Apesar da diminuição da sua prevalência, a cárie continua a ser uma das doenças mais comuns em todo o mundo e pode considerar‐se que os seus valores permanecem elevados. A cárie dentária é a doença mais prevalente na infância e, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 60‐90% da população mundial escolarizada apresenta esta doença4. Mesmo nos países onde se verifica um aumento do número de indivíduos isentos de cárie, continua a existir uma minoria da população, sobretudo os indivíduos de mais carenciados e de baixos recursos12,13, que apresenta níveis elevados e inaceitáveis desta doença. Por estes motivos, continua a ser considerada um importante problema de saúde pública.

Nas crianças, a cárie dentária não tratada pode levar ao aparecimento de dor, infeções e, também, à perda prematura de dentes. Estas situações, por sua vez, podem contribuir para alterações da fala, da alimentação e até para o incorreto desenvolvimento e crescimento da criança. As suas complicações podem levar a perda de horas escolares e a uma diminuição da qualidade de vida, desgastando a criança física e psicologicamente14. Por outro lado, o seu tratamento é, não só, dispendioso, como também bastante complexo, devido a dificuldades de colaboração. Nos casos mais graves pode levar à necessidade de efetuar os tratamentos dentários sob sedação ou anestesia geral15.

Na literatura existem diversos fatores associados ao desenvolvimento da cárie dentária, entre eles a escovagem diária dos dentes, a alimentação cariogénica, a frequência de idas ao dentista e a presença de placa bacteriana16–18.

Sendo, a cárie, um relevante problema de saúde pública, o seu estudo epidemiológico é fundamental para que haja um melhor conhecimento da doença e dos seus principais determinantes, de modo a permitir uma melhor organização dos serviços e da aplicação de programas preventivos.

Este estudo pretendeu ser um contributo para o conhecimento do estado da saúde oral das crianças com 6 anos da Freguesia de Mafra. A Freguesia de Mafra é uma das 11 freguesias do Concelho de Mafra, sendo este concelho pertencente à área metropolitana de Lisboa. É um concelho que dista cerca de 50kmda capital, situando‐se na região do litoral oeste de Portugal e que segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, entre 2001‐2011, apresentou um aumento da sua população em 41,2%. Também a Freguesia de Mafra registou um aumento da sua população, passando 11.276 habitantes em 2001, para 17.986 em 2011. Nestes 10 anos a população infantil desta freguesia sofreu um aumento de cerca de 1.000 crianças19,20. Uma das possíveis causas deste aumento de população é atribuída à construção do eixo rodoviário A21, que liga esta região à cidade de Lisboa. É um concelho em amplo desenvolvimento e, segundo dados da Câmara Municipal de Mafra, apresenta uma estrutura empresarial com forte peso no setor terciário, comércio e serviços, representando estes setores cerca de 68% da atividade do concelho.

Os seus objetivos específicos foram: 1) conhecer a prevalência de cárie na dentição decídua; 2) determinar a gravidade de cárie na dentição decídua (índice cpod); 3) avaliar o nível de higiene oral; 4) descrever os comportamentos relacionados com a saúde oral, nomeadamente os hábitos alimentares e de higiene oral e a frequência da visita ao médico dentista; 5) analisar a associação entre a cárie na dentição decídua e o nível de higiene oral e os comportamentos relacionados com a saúde oral.

Materiais e métodos

Para atingir os objetivos propostos foi realizado um estudo observacional e transversal, tendo este sido autorizado pela Direção do Agrupamento Escolar de Mafra.

A população‐alvo do estudo foi constituída pelas crianças de 6 anos de idade da Freguesia de Mafra, sendo esta a idade índice recomendada para o estudo da dentição decídua21. Em Portugal, os 6 anos correspondem à idade obrigatória de entrada na escola, pelo que a amostra foi selecionada a partir da listagem dos alunos do 1.° ano do 1.° ciclo do ensino básico. No ano letivo 2012‐2013 existiam na Freguesia de Mafra 2 escolas do 1.° ciclo do ensino básico, a EB1 Sanches de Brito e a EB1 Hélia Correia, tendo estas, respetivamente, 76 e 118 alunos. Com os recursos disponíveis, foi considerado possível incluir no estudo todos os 194 alunos. Os critérios de inclusão consistiram na existência de consentimento dos encarregados de educação, de assentimento da criança e possuir 6 anos de idade completos na altura da recolha dos dados.

A recolha de dados foi realizada nas instalações das escolas entre novembro de 2012 e janeiro de 2013. Os procedimentos do estudo incluíram a observação intraoral das crianças e a aplicação de um questionário aos encarregados de educação.

Para a observação intraoral as crianças sentavam‐se numa cadeira, com a cabeça pousada sobre as pernas do observador, posicionando‐se este às «12 horas». A observação foi sempre efetuada perto de uma janela e com a iluminação de teto própria da sala de aula. O material utilizado incluiu uma sonda CPI, um espelho intraoral e compressas esterilizadas para a secagem dos dentes, sendo respeitadas todas as normas de prevenção contra a infeção cruzada.

A observação intraoral permitiu a recolha de dados relativos à presença de cárie e ao nível de higiene oral. A partir destes dados foi calculado o índice cpod, segundo os critérios definidos pela OMS22. A prevalência de cárie correspondeu à proporção entre o número de crianças com cpod maior ou igual a «1» e o número total de crianças observadas. A gravidade de cárie correspondeu ao valor médio do índice cpod22. O nível de higiene oral da criança foi quantificado através do componente de depósitos moles do Índice de Higiene Oral Simplificado (IHOS) de Green e Vermillion23. Para o cálculo do IHOS só foram consideradas as crianças cujos dentes índice se encontravam completamente erupcionados.

As observações intraorais foram realizadas por um único observador, previamente treinado e calibrado com um investigador experiente na aplicação dos índices. Foram realizadas observações duplas, sendo os valores de concordância intraobservador de 83%, podendo este ser considerado excelente relativamente à concordância entre as 2 observações24.

No final do estudo foi enviada uma carta, dirigida aos encarregados de educação, com a informação do estado de saúde oral da criança e com breves recomendações sobre higiene oral e hábitos alimentares saudáveis.

O questionário foi construído para aplicação no estudo, com base numa revisão da literatura, pretendendo recolher informação sobre os comportamentos relacionados com a saúde oral das crianças. A aplicação do questionário foi efetuada aos pais das crianças participantes, recolhendo informação sobre: a visita ao dentista, a frequência de ingestão de alimentos açucarados, o momento do dia da ingestão de doces, o uso de chucha ou biberão com alimentos açucarados, a frequência da escovagem dos dentes, o momento do dia em que escova os dentes, a ajuda e idade de início da escovagem dos dentes. O questionário era constituído por questões de resposta múltipla independentes, nas quais foram utilizadas escalas previamente utilizadas noutros estudos semelhantes. Após a sua construção, este questionário estruturado foi aplicado num estudo piloto. O estudo piloto foi realizado numa população com características semelhantes à da população estudada, de modo a verificar a compreensão e clareza das perguntas e servindo também de treino e calibragem do observador.

A distribuição do questionário, aos encarregados de educação das crianças participantes, foi realizada através da professora de cada uma das turmas, sendo entregue juntamente com um envelope para a sua devolução, garantindo assim a confidencialidade dos dados.

Os dados foram analisados no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS, versão 21.0, SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Foram calculadas as frequências relativas e absolutas de todas as variáveis e também a média, o desvio padrão (dp), a mediana e os valores mínimo e máximo do índice cpod e do IHOS. Para a análise inferencial foram utilizados testes não paramétricos, pois a prevalência e a gravidade de cárie não apresentaram uma distribuição normal. Consoante as características das variáveis estudadas, foram aplicados os testes do qui‐quadrado, de Mann‐Whitney e de Kruskal‐Wallis (seguido do post‐hoc LSD, caso se encontrassem diferenças significativas entre pelo menos um dos grupos), com um nível de significância de 5%.

Resultados

Das 194 crianças que frequentavam o 1.° ano do 1.° ciclo do ensino básico na Freguesia de Mafra, foi possível obter dados de 165 crianças que constituíram a amostra do estudo (fig. 1), correspondendo a 85,1% de participação.

Figura 1.

Constituição da amostra do estudo.

(0.14MB).

A distribuição da amostra por género e local de observação é apresentada na tabela 1.

Tabela 1.

Distribuição da amostra por género e local de observação (n=165)

  % (n) 
Género
Feminino  53,9 (89) 
Masculino  46,1 (76) 
Local
EB1 Sanches de Brito  40,0 (66) 
EB1 Hélia Correia  60,0 (99) 

A prevalência de cárie encontrada na dentição decídua foi 32,1%, sendo a média de cpod 1,32 (dp=2,39). A mediana e a moda foram iguais a «0», sendo o valor mínimo de cpod encontrado «0» e o valor máximo «10».

Analisando o número de dentes que correspondiam aos vários componentes do índice, verificou‐se que o componente «c» correspondia a 84,9% dos dentes, o componente «p» a 3,7% e o componente «o» a 11,4%.

A média encontrada do IHOS foi 1,74, o que corresponde ao um nível de higiene oral razoável. O valor mínimo observado foi «0» e o máximo «3». A distribuição da amostra segundo as categorias do IHOS é apresentada na figura 2, onde se pode verificar que a maioria das crianças apresentava um nível de higiene oral razoável (42,7%) ou mau (42,7%).

Figura 2.

Distribuição da amostra segundo as categorias do IHOS (n=110).

(0.08MB).

Relativamente aos comportamentos relacionados com a saúde oral, mais de metade dos participantes (61,0%) respondeu que já tinha visitado o médico dentista. Quanto à frequência de ingestão de alimentos cariogénicos, a grande maioria (76,2%) das crianças referiu comer este tipo de alimentos «às vezes». Quase todas as crianças que comiam este tipo de alimentos faziam‐no entre as refeições (92,0%). Do total da amostra, 60,4% das crianças nunca usou chucha ou biberão com alimentos cariogénicos. No que diz respeito à frequência de escovagem dos dentes, 86,0% das crianças escovavam os dentes todos os dias. O momento mais frequente da escovagem dos dentes foi referido como sendo a «noite» (88,5%). A maioria dos pais (82,2%) referiu ajudar os filhos na higiene oral, no entanto, apenas 19,4% iniciou a escovagem dos dentes antes do primeiro ano de vida da criança (tabela 2).

Tabela 2.

Comportamentos relacionados com a saúde oral

  % (n) 
Visita ao dentista (n=164)
Sim  61,0 (100) 
Não  39,0 (64) 
Ingestão de alimentos cariogénicos (bolachas, doces, bolos ou outras guloseimas) (n=164)
Às vezes  76,2 (125) 
Todos os dias  23,2 (38) 
Nunca  0,6 (1) 
Momento do dia em que ingere alimentos cariogénicos (n=163)
Fora das refeições  92,0 (150) 
Às refeições  18,4 (30) 
Ao deitar  0,6 (1) 
Usou chucha ou biberão com alimentos açucarados (chocolate, açúcar, mel ou papa) (n=164)
Sim  39,6 (65) 
Não  60,4 (99) 
Escova os dentes todos os dias? (n=164)
Sim  86,0 (141) 
Não  14,0 (23) 
Momento do dia em que escova os dentes (n=163)
Manhã  72,2 (119) 
Noite  88,5 (146) 
Depois das refeições  10,9 (18) 
Ajuda na escovagem dos dentes (n=163)
Sim  82,2 (134) 
Não  17,8 (29) 
Idade de início da escovagem dos dentes (n=165)
Antes do primeiro ano  19,4 (32) 
Entre 1‐3 anos  66,7 (110) 
Depois dos 3 anos  13,9 (23) 

Quando estudada a associação entre a cárie dentária na dentição decídua e os comportamentos relacionados com a saúde oral verificou‐se que as crianças com maior cpod visitaram mais o médico dentista (p=0,02). Embora se tenha verificado uma tendência para que as crianças com piores hábitos alimentares apresentassem piores indicadores de saúde oral, estas diferenças não se verificaram significativas (p>0,05). Também foi verificada uma tendência para que as crianças com hábitos de higiene oral mais saudáveis tivessem menor prevalência e gravidade de cárie, embora esta só se tenha verificado estatisticamente significativa relativamente à idade de início da escovagem dos dentes. As crianças que iniciaram a escovagem dos dentes antes do primeiro ano de idade apresentaram menor prevalência e gravidade de cárie (tabela 3).

Tabela 3.

Associação entre a cárie na dentição decídua e os comportamentos relacionados com a saúde oral e o nível de higiene oral

Variáveis  PrevalênciaGravidade
  % (n)  Valor de p  cpod (dp)  Valor de p 
Visitas ao dentista
Sim  37,0 (37)  0,1*  1,6 (2,6)  0,02** 
Não  25,0 (16)    0,8 (1,9)   
Ingestão de alimentos açucarados
Nunca/Às vezes  29,6 (37)  0,3*  1,3 (2,5)  0,7** 
Todos os dias  42,1 (16)    1,4 (2,2)   
Usou chucha ou biberão com alimentos açucarados
Sim  38,5 (25)  0,2*  1,6 (2,7)  0,1** 
Não  28,3 (28)    1,1 (2,1)   
Frequência de escovagem dos dentes
Todos os dias  29,8 (42)  0,09*  1,2 (2,4)  0,09** 
Às vezes  47,8 (11)    1,7 (2,3)   
Ajuda na escovagem dos dentes
Sim  29,9 (40)  0,1*  1,3 (2,4)  0,2** 
Não  44,8 (13)    1,5 (2,5)   
Idade de início da escovagem dos dentes
Antes de um ano  12,5 (4)  0,007*  0,3 (1,0)a  0,004*** 
Entre 1‐3 anos  34,5 (38)    1,4 (2,4)b   
Mais de 3 anos  52,2 (12)    2,2 (3,2)b   
IHOS
Excelente/Bom  7,1 (1)  0,3*  0,3 (0,8)  0,055*** 
Razoável  38,3 (18)    1,5 (2,1)   
Mau  36,2 (17)    2,1 (3,4)   

Nota: os grupos que partilham a mesma letra não são significativamente diferentes.

*

χ2.

**

Mann‐Whitney.

***

Kruskal‐Wallis.

Quando comparada a prevalência e gravidade de cárie nos diferentes níveis de higiene oral, embora se tenha verificado uma tendência para que as crianças com melhores níveis de higiene oral apresentassem melhores indicadores de cárie, essas diferenças não se demonstraram significativas. Refira‐se, no entanto, um valor de p=0,055 relativamente ao cpod, muito próximo do valor de decisão do teste (tabela 3).

Discussão

Os resultados do presente estudo podem ser generalizados para a população escolar da Freguesia de Mafra, pois as características e a seleção da amostra podem levar a que esta se considere representativa dessa mesma população.

Os valores de prevalência e gravidade de cárie na dentição decídua, encontrados no presente estudo, podem ser considerados baixos, tendo em consideração outros estudos realizados em Portugal9,11. Também, segundo a classificação da OMS21, a população da Freguesia de Mafra pode ser classificada como tendo uma prevalência de cárie «baixa» e uma gravidade de cárie «muito baixa». A Freguesia de Mafra pertence à Região de Lisboa e Vale do Tejo, estando esta região entre as que apresentaram melhores resultados de cárie dentária aos 6 anos de idade, em Portugal11. Os valores encontrados no presente estudo aproximam‐se do objetivo para os 6 anos propostos pela OMS para o ano de 2020 25, que pretende que 80% das crianças desta idade estejam isentas de cárie, sendo semelhantes a outros países da Europa, como o Reino Unido26 e a Itália27.

Na população deste estudo, verificou‐se uma maior proporção de crianças que já visitaram o dentista, comparativamente a outros estudos nacionais9,11. Estes dados podem, em parte, ser explicados pelo crescente número de crianças destas idades abrangidas pela contratualização do Plano Nacional de Promoção da Saúde Oral, desenvolvido desde o ano 2005 e que verificou um acréscimo de 53,7% de utilização dos cheques dentista entre o ano de 2008‐201328. Apesar de tudo, 40% das crianças de 6 anos de idade da Freguesia de Mafra nunca haviam feito qualquer consulta a este profissional de saúde oral. Assim, embora com melhores resultados relativamente a outros estudos portugueses anteriores, a visita ao médico dentista pode ainda considerar‐se tardia. A «American Association of Pediatric Dentistry» defende o estabelecimento de uma rotina de prevenção de saúde oral durante os 6 meses seguintes ao nascimento do primeiro dente decíduo e nunca mais tarde que os 12 meses de idade, tendo esta como objetivo a avaliação do risco da criança desenvolver cárie e a educação dos pais para os cuidados de saúde oral que devem ter com o seu filho29. Um estudo realizado na zona de Lisboa30 verificou que 56,7% dos médicos de família e pediatras apenas aconselham a primeira visita de rotina a este profissional de saúde oral, entre o terceiro e sexto ano de vida, o que pode ajudar a explicar este resultado. A associação entre a cárie dentária na dentição decídua e a visita ao dentista demonstrou que, na população estudada, esta visita se realiza por necessidade, tal como verificado noutros estudos portugueses9,11,31, o que poderá demonstrar alguma falta de acesso ou obstáculos a este tipo de consultas.

A alta frequência de hábitos alimentares pouco saudáveis na população estudada revela que as ações de educação para a saúde oral devem focar estes tópicos. A DGS recomenda que este tipo de hábitos deve ser abandonado, em especial o uso prolongado de biberão com alimentos como sumos, farinhas ou leite e/ou a utilização de chucha com açúcar ou mel32. No entanto, nenhum dos hábitos alimentares estudados se demonstrou significativamente associado à cárie dentária, ao contrário do encontrado por Vasconcelos et al. (2004)33 e por Johansson et al.17. Apesar de tudo, atualmente, os fatores alimentares aparentam ter uma menor relevância para o desenvolvimento de cárie, sobretudo devido à ampla utilização de produtos fluoretados34,35.

Os hábitos de escovagem dos dentes revelaram‐se, de um modo geral, bem implementados na população. Tal como recomendado32, uma grande maioria das crianças referiu escovar os dentes todos os dias, sendo os valores encontrados ligeiramente melhores que os nacionais11. A literatura evidencia também a importância de um dos momentos da escovagem ser obrigatoriamente à noite32,36, tendo sido este momento foi referido como o mais frequentemente realizado pelas crianças estudadas. Outro aspeto positivo relativamente à higiene oral foi a grande maioria dos pais referir ajudar os seus filhos na escovagem dos dentes. Tendo em consideração a destreza manual da criança, este auxílio pode, em alguns casos, melhorar a eficácia de escovagem dos dentes, podendo contribuir simultaneamente para a prevenção da fluorose dentária.

No entanto, verificou‐se que apenas 19,4% das crianças iniciou a escovagem no primeiro ano de vida, ao contrário do recomendado nacional e internacionalmente32,36. É aconselhado o início da escovagem dos dentes aquando da erupção dos primeiros dentes decíduos. Este fator, que se verificou significativamente associado à cárie dentária no presente estudo, deve ser um dos principais a ter em consideração nas ações de promoção da saúde oral que se venham a implementar nesta população e, provavelmente, noutras com características semelhantes.

Apesar da maioria das crianças referir a escovagem dos dentes todos os dias, o nível de higiene oral encontrado na população estudada pode ser bastante melhorado. Esta situação aponta para a importância de continuar a incluir a higiene oral nas sessões de promoção da saúde oral. Estas sessões devem ser incluir demonstrações práticas, de modo a que as crianças e os seus pais possam melhorar a capacidade e eficácia da escovagem dos dentes.

Apesar dos resultados do presente estudo apresentarem, de um modo geral, uma população com bons indicadores de saúde oral, os valores de prevalência e gravidade de cárie demonstram que a cárie continua a ser bastante frequente na infância, demonstrando a necessidade de uma intervenção mais precoce, antes dos 6 anos de idade. Por outro lado, o facto do componente «c» do cpod corresponder a mais de 80% dos dentes contabilizados, resultado semelhante ao encontrado pela DGS em 200511, é um resultado preocupante. O facto da maioria dos dentes decíduos não estar tratada apoia a falta de acesso aos cuidados de medicina dentária nestas idades. Na população estudada, a cárie apresenta uma distribuição polarizada, com uma minoria da população a exibir níveis muito graves da doença. Esta situação poderá justificar a adoção de estratégias de risco nestas crianças, nomeadamente, um acompanhamento mais frequente por um profissional de saúde oral, de modo a serem aplicados selantes e vernizes de flúor, e também ser efetuado um reforço da promoção da saúde oral, de modo a apoiar e capacitar as crianças e as suas famílias para a adoção de comportamentos mais saudáveis.

Conclusões

Os valores de prevalência e gravidade de cárie na dentição decídua, encontrados no presente estudo, podem ser considerados baixos. A idade de início da escovagem dos dentes verificou‐se um importante fator a incluir nas ações de promoção de saúde oral da população. A associação da gravidade de cárie na dentição decídua com as visitas ao dentista, juntamente com a grande percentagem de dentes decíduos não tratados na população, apontaram para a existência de barreiras no acesso aos tratamentos de saúde oral nestas idades.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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