O adenoma pleomórfico é a neoplasia mais comum das glândulas salivares. Esse tumor benigno acomete principalmente glândulas salivares maiores, com predileção pela parótida. Lesões intraorais são menos comuns e ocorrem preferencialmente no palato. O objetivo desse trabalho é relatar 2 casos clínicos de adenoma pleomórfico no palato e rever a literatura pertinente. No primeiro caso, um paciente do género masculino, de 68 anos, apresentou lesão nodular, medindo aproximadamente 2cm, localizada no palato duro direito. No segundo caso, uma paciente do género feminino, de 31 anos, grávida, apresentou aumento de volume bem delimitado no palato duro direito, medindo aproximadamente 2,5cm. Em ambos os casos o diagnóstico foi realizado por meio de biópsia incisional e as lesões foram tratadas com exérese cirúrgica. Os 2 pacientes foram acompanhados pelo período de 2 anos, sem sinais de recidiva. Os casos relatados contribuem para o conhecimento das características dessa importante neoplasia.
Pleomorphic adenoma is the most common salivary gland neoplasm. This benign tumor mainly affects the major salivary glands, mostly the parotid. Intraoral lesions are less common and occur preferentially in the palate. The aim of this study is to report two cases of pleomorphic adenoma in palate and review the pertinent literature. In the first case, a 68 years old male patient presented a nodular lesion, measuring approximately 2cm, and located in the right hard palate. In the second case, a 31 years old female patient, pregnant, presented a well‐defined swelling in the right hard palate, measuring nearly 2.5cm. In both cases, the diagnosis was made by incisional biopsy and the lesions were treated by surgical excision. The two patients were followed for a two years period with no signs of recurrence. The reported cases contribute to the knowledge about the features of this important tumor.
O adenoma pleomórfico é a neoplasia de glândulas salivares mais comum, sendo responsável por 40‐70% de todos os tumores que acometem essas estruturas1. Ocorre com maior frequência em glândulas salivares maiores (62,1%) do que em glândulas salivares menores (37,9%), sendo a glândula parótida a mais comumente afetada2. Lesões intraorais ocorrem preferencialmente no palato seguido pelo lábio superior e mucosa jugal1,2. Pode acometer indivíduos em qualquer faixa etária, principalmente na terceira e quarta décadas de vida, com predominância pelo género feminino (aproximadamente 60%)2. Geralmente apresenta‐se como uma tumefação de consistência firme, crescimento lento, indolor, recoberta por mucosa íntegra e de coloração normal1–3. Em alguns casos pode exibir crescimento rápido, ulceração e grande extensão2.
Lesões no palato podem afetar o osso subjacente, correspondendo à área radiotransparente bem delimitada em exames radiográficos. Ocasionalmente, podem estender‐se para o seio maxilar4. Para lesões nas glândulas salivares maiores a tomografia computadorizada, ultrassonografia e ressonância magnética podem ser indicadas como exames complementares no diagnóstico e para acompanhamento dos pacientes5.
O exame histopatológico apresenta neoplasia geralmente bem delimitada por cápsula de tecido conjuntivo fibroso, com parênquima constituído por células epiteliais ductais e células mioepiteliais. Essas células frequentemente exibem diferentes morfologias gerando arquiteturas teciduais distintas dentro do mesmo tumor, motivo pelo qual foi denominado pleomórfico2,3. Podem ser encontradas áreas ductiformes, sólidas, mixoides, hialinas, plasmocitoides, osteoides e condroides, além de metaplasia escamosa6,7.
O tratamento para o adenoma pleomórfico de glândulas salivares menores consiste na enucleação conservadora. Essa modalidade de tratamento apresenta excelente prognóstico quando realizada a remoção cirúrgica adequada, com baixas taxas de recidiva e rara transformação maligna3,8.
O objetivo deste estudo é relatar 2 casos clínicos de adenoma pleomórfico no palato, descrevendo as características clínicas, hipóteses de diagnóstico, conduta para obtenção do diagnóstico, características histopatológicas e tratamento.
Casos clínicosCaso 1Paciente do sexo masculino, 68 anos de idade, leucoderma, procurou a Clínica de Estomatologia do Departamento de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) queixando‐se de aumento de volume no palato, com tempo de evolução de 2 anos e discreta sintomatologia dolorosa. A anamnese não revelou alterações sistémicas. Ao exame clínico extraoral não foram observadas alterações. O exame clínico intraoral mostrou lesão nodular, pediculada, de consistência firme, localizada no palato duro do lado direito, entre os pré‐molares superiores e a rafe palatina, medindo aproximadamente 2cm na sua maior extensão. Foi realizada uma radiografia oclusal de maxila que não mostrou alterações ósseas. As hipóteses diagnósticas de neoplasia de glândula salivar e neoplasia mesenquimal benigna foram consideradas. Foi realizada biópsia incisional com diagnóstico anatomopatológico de adenoma pleomórfico. O tratamento proposto para a lesão foi a remoção cirúrgica conservadora. Paciente retornou após 4 semanas exibindo, ao exame intraoral, ulcerações na mucosa que recobria a lesão (fig. 1). Inicialmente, foi realizada anestesia local por meio da técnica supraperiosteal para bloqueio de ramos do nervo palatino maior, com cloridrato de lidocaína 2% e epinefrina 1:100.000 (ALPHACAINE 100®, DFL, Rio de Janeiro, Brasil). Em seguida, foi realizada incisão na base da lesão com bisturi lâmina 15 (Solidor, São Paulo, Brasil) e, após o descolamento do retalho mucoso palatino, a lesão foi exposta e removida (fig. 2). Foi realizada limpeza da ferida cirúrgica e sutura com fio seda Ethicon™ 4.0 (Johnson & Johnson, São Paulo, Brasil) (fig. 3). A lesão excisada (fig. 4) foi fixada em solução de formaldeído a 10% e enviada para exame anatomopatológico no Laboratório de Patologia Bucal da PUC Minas.
Os cortes histológicos, corados em hematoxilina e eosina, mostraram neoplasia de glândula salivar benigna, constituída por células epiteliais e mioepiteliais, parcialmente envolvida por fina cápsula de tecido conjuntivo fibroso (fig. 5). As células epiteliais encontravam‐se formando lençóis ou estruturas ductiformes, enquanto as células mioepiteliais formavam áreas mixoides, hialinas (fig. 6) ou exibiam aspecto plasmocitoide (fig. 7). O diagnóstico de adenoma pleomórfico foi confirmado. Paciente queixou‐se de desconforto no palato quando se alimentava, durante as 2 primeiras semanas após cirurgia. O paciente está sendo acompanhado clinicamente e, 2 anos após a cirurgia, não apresenta sinais de recidiva da lesão (fig. 8).
Paciente do sexo feminino, 31 anos de idade, leucoderma, foi encaminhada pelo cirurgião‐dentista à Clínica de Estomatologia do Departamento de Odontologia da PUC Minas para avaliação de lesão nodular no palato duro com diagnóstico histopatológico de adenoma pleomórfico, obtido por meio de biópsia incisional. Durante a anamnese, a paciente relatou a evolução da lesão há 4 anos com característica assintomática. Relatou estar no sexto mês de gestação e não apresentava outras alterações sistémicas. O exame extraoral mostrou ausência de alterações. Ao exame intraoral, observou‐se um aumento de volume bem delimitado no palato duro do lado direito, de consistência firme e coloração semelhante à da mucosa normal, medindo aproximadamente 2,5cm, exibindo pequena área de ulceração no local da realização da biópsia incisional (fig. 9). O exame radiográfico não mostrou alterações. O tratamento proposto foi a remoção cirúrgica conservadora e confecção de placa palatina em acrílico com grampos retentores para minimizar o desconforto pós‐operatório. Foi realizada anestesia local com lidocaína 2% e epinefrina 1:100.000 (ALPHACAINE 100®, DFL, Rio de Janeiro, Brasil), seguida de incisão semilunar com bisturi lâmina 15 (Solidor, São Paulo, Brasil) e rebatimento do retalho mucoso. Como a lesão se apresentava encapsulada, foi possível destacá‐la da mucosa suprajacente com facilidade (fig. 10). O retalho foi reposicionado por meio de pontos isolados (fig. 11) e a lesão (fig. 12) foi fixada em formaldeído a 10% para realização de exame anatomopatológico no Laboratório de Patologia Bucal da PUC Minas. Em seguida, foi colocada a placa de acrílico (fig. 13) para proteção da região operada e controlo da sintomatologia dolorosa.
Os cortes histológicos mostraram neoplasia benigna de glândula salivar, envolvida por cápsula de tecido conjuntivo fibroso (fig. 14). O parênquima neoplásico é constituído por células epiteliais dispostas em lençóis e estruturas ductiformes, além de células mioepiteliais formando áreas mixoides e hialinas (fig. 15) ou apresentando‐se com morfologia plasmocitoide (fig. 16). O diagnóstico de adenoma pleomórfico foi confirmado. A paciente relatou ausência de dor no pós‐operatório e manteve utilização da placa de acrílico por 4 semanas. A paciente encontra‐se em acompanhamento e o exame clínico após 2 anos da remoção cirúrgica mostrou adequada cicatrização e ausência de sinais de recidiva da lesão (fig. 17).
O adenoma pleomórfico é a neoplasia mais comum das glândulas salivares e acomete principalmente as glândulas salivares maiores, principalmente a parótida3. Embora menos frequente em glândulas salivares menores, um estudo multicêntrico, avaliando 174 casos da doença em localizações intrabucais, mostrou que o palato foi o sítio mais acometido (54%), seguido pelo lábio superior (18%), mucosa bucal (11%), vestíbulo maxilar (10%) e outros sítios como lábio inferior, língua e outros (7%)1. No presente artigo, ambos os casos relatados ocorreram na localização intrabucal mais frequente: a região posterior de palato duro.
Estudos mostram que o adenoma pleomórfico apresenta discreta predileção pelo género feminino, com proporções de prevalência de 1:1,19, 1:1,42,10 e 1:1,711, homens para mulheres. Quanto à incidência por idade, um estudo de 229 pacientes realizado na França mostrou maior incidência entre a 4.a e 6.a décadas de vida10, enquanto noutro estudo com 206 pacientes, no Zimbabué, a incidência ficou entre a 3.a e 4.a décadas de vida2. Embora mais frequente nas décadas relatadas nos artigos citados anteriormente, o adenoma pleomórfico pode acometer indivíduos em várias idades12, como o paciente relatado no primeiro caso clínico do presente artigo, no final da 7.a década de vida.
As lesões são geralmente assintomáticas e de crescimento lento, o que pode levar a um grande intervalo de tempo entre o surgimento e o diagnóstico, com relatos de 15 anos e média de diagnóstico de 25 meses de evolução13. Em ambos os casos relatados no presente artigo, os pacientes procuraram atendimento especializado para diagnóstico e tratamento das lesões após 2 ou 4 anos do surgimento de sinais perceptíveis pelos mesmos.
Diagnósticos diferenciais em lesões no palato incluem outros tumores de glândulas salivares menores, particularmente carcinoma mucoepidermoide, assim como neoplasias mesenquimais13. As neoplasias glandulares benignas e malignas em fases iniciais podem apresentar características clínicas intraorais semelhantes, como as apresentadas nos 2 casos relatados nesse artigo.
A excisão cirúrgica conservadora é o tratamento de escolha para o adenoma pleomórfico de glândulas salivares menores e as recidivas são incomuns diante da adequada remoção2. Essa foi a modalidade terapêutica realizada nos 2 casos relatados. A inadequada ressecção do tumor pode levar a recidiva, que ocorre principalmente de 7‐10 anos após a excisão3,8,14. Recidivas sucessivas e maior tempo de evolução da lesão aumentam a possibilidade de transformação maligna3,8,15. Aproximadamente 3‐4% dos adenomas pleomórficos podem tornar‐se carcinoma ex‐adenoma pleomórfico, uma neoplasia maligna agressiva capaz de gerar metástase e óbito15,16.
No primeiro caso relatado, devido à remoção da lesão com toda a mucosa sobrejacente, a cicatrização ocorreu por segunda intenção e a sintomatologia dolorosa foi controlada com utilização de anti‐inflamatório e analgésico. No segundo caso, durante a exposição da lesão, foi verificada que a mesma se apresentava encapsulada, o que permitiu sua enucleação com preservação da mucosa e consequente cicatrização por primeira intenção. Como a lesão era extensa, previamente à cirurgia foi confeccionada a placa de acrílico que contribuiu para a ausência de dor pós‐operatória, aliada ao uso de medicação analgésica. Devido à impossibilidade de se determinar antes da cirurgia a relação da lesão com a mucosa sobrejacente e a possível necessidade de remoção desta mucosa, consideramos que a proteção do palato com um dispositivo de acrílico seja uma excelente opção para proteção e controle da dor pós‐operatória. O palato é uma área de contato direto com alimentos e, com a própria língua e a utilização de dispositivo móvel de proteção, pode contribuir também para o processo de cicatrização.
Concluindo, o presente artigo apresentou 2 casos de adenoma pleomórfico no palato com características clínicas e evolução, compatíveis com os dados da literatura. O tratamento por meio de excisão cirúrgica é o mais indicado e a utilização de dispositivos, como a placa de acrílico para proteção da ferida cirúrgica, pode ser uma conduta terapêutica eficaz para a redução da sintomatologia dolorosa.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Brasil; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil; Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Brasil.