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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial
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Inicio Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial Tumor odontogénico calcificante cístico associado a odontoma: relato de caso
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Vol. 56. Núm. 3.
Páginas 188-194 (julio - septiembre 2015)
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Caso clínico
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Tumor odontogénico calcificante cístico associado a odontoma: relato de caso
Calcifying cystic odontogenic tumour associated with odontoma: a case report
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Adriana Alkmim de Sousaa,
Autor para correspondencia
adriana_alkmim@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Marcella Rezende Serpaa, Nádia Vieira Queiroza, Flávio Ricardo Manzia, Martinho Campolina Rebello Hortaa,b, Paulo Eduardo Alencar Souzaa,b
a Departamento de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
b Serviço de Estomatologia e Laboratório de Patologia Bucal, Departamento de Odontologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
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Resumo

O tumor odontogénico cístico calcificante (TOCC) é uma neoplasia odontogénica benigna cística, relativamente incomum, caracterizada pela presença de revestimento epitelial semelhante ao do ameloblastoma, contendo células fantasmas passíveis de calcificação. O objetivo deste trabalho é descrever um caso de TOCC associado a odontoma e rever a literatura pertinente. Uma paciente de 21 anos de idade, sexo feminino, procurou atendimento queixando‐se de desconforto na região do dente 22. O exame físico não revelou alterações. Ao exame radiográfico foi observada área radiotransparente circunscrita unilocular, contendo material radiopaco, localizada no rebordo alveolar entre os dentes 22 e 23. Considerando‐se as hipóteses diagnósticas de tumor odontogénico adenomatoide, TOCC e lesão fibro‐óssea benigna, optou‐se pela realização de biópsia excisional. O exame anatomopatológico estabeleceu o diagnóstico de TOCC associado a odontoma. Não existem sinais de recidiva após 4 anos de acompanhamento clínico e radiográfico. O caso relatado contribui para o conhecimento das características desse tumor odontogénico.

Palavras‐chave:
Cisto odontogénico calcificante
Cistos odontogénicos
Tumores odontogénicos
Relatos de casos
Abstract

The calcifying cystic odontogenic tumor (CCOT) is an unusual benign cystic odontogenic neoplasm, characterized by the presence of an ameloblastoma‐like epithelium showing ghost cells that can be mineralized. The aim of this study is to report on a case of CCOT associated with odontoma and review the pertinent literature. A 21‐year‐old female patient sought treatment complaining of discomfort in the region of tooth 22. Physical examination revealed no abnormalities. Radiographic examination showed well circumscribed, unilocular radiolucent area containing radiopaque material, located in the alveolar ridge between teeth 22 and 23. An excisional biopsy was performed based on the diagnostic hypotheses of adenomatoid odontogenic tumor, CCOT and benign fibro‐osseous lesion. The histopathological examination established the diagnosis of CCOT associated with odontoma. No signs of recurrence were observed after 4‐years of clinical and radiographic follow‐up. The reported case contributes to the knowledge about the features of this odontogenic tumor.

Keywords:
Odontogenic Cyst
Calcifying
Odontogenic Cysts
Odontogenic Tumors
Case Reports
Texto completo
Introdução

O tumor odontogénico cístico calcificante (TOCC), anteriormente denominado cisto odontogénico calcificante (COC), é uma neoplasia odontogénica benigna cística caracterizada pela presença de revestimento epitelial semelhante ao do ameloblastoma, contendo células fantasmas passíveis de calcificação1,2.

Habitualmente encontrado em osso alveolar (TOCC central) ou na gengiva (TOCC periférico), o tumor apresenta prevalência semelhante para maxila e mandíbula, sendo a região de incisivos e caninos a mais afetada3,4. Descrita primeiramente em 1962, a lesão geralmente apresenta‐se assintomática, sendo detectada na maioria das vezes por exames radiográficos de rotina2,5. Em alguns casos pode provocar aumento de volume e desconforto local. O TOCC intraósseo apresenta‐se como imagem radiotransparente geralmente unilocular, podendo apresentar calcificações internas irregulares e associação com outros tumores odontogénicos, como o odontoma3–5.

O presente estudo tem como objetivo descrever um caso de TOCC associado a odontoma e rever a literatura sobre o tema.

Caso clínico

Paciente do sexo feminino, 21 anos de idade, leucoderma, procurou a Clínica de Estomatologia do Departamento de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) queixando‐se de sensibilidade e desconforto na região do incisivo lateral superior esquerdo, presente há 5 meses. A paciente relatou também história de atraso na erupção do canino superior esquerdo, que já se encontrava totalmente erupcionado. O exame físico não revelou alterações (figs. 1 e 2). Os dentes adjacentes apresentavam resposta positiva aos testes de vitalidade pulpar.

Figura 1.

Exame físico intraoral mostrando ausência de alterações patológicas na região palatina adjacente ao incisivo lateral superior esquerdo.

(0.09MB).
Figura 2.

Exame físico intraoral mostrando ausência de alterações patológicas na região vestibular adjacente ao incisivo lateral superior esquerdo.

(0.07MB).

Ao exame radiográfico foi observada uma área radiotransparente circunscrita unilocular, delimitada por um halo radiopaco, contendo material radiopaco em permeio, localizada no rebordo alveolar entre os terços médios das raízes dos dentes 22 e 23 (figs. 3 e 4). Para melhor avaliação da dimensão, localização, relação com estruturas adjacentes, periferia e conteúdo da lesão, solicitou‐se exame de tomografia computadorizada, o qual mostrou lesão hipodensa, bem delimitada, contendo estrutura hiperdensa irregular no seu interior, medindo aproximadamente 7mm de diâmetro, localizada próximo à cortical palatina da maxila, entre os dentes 22 e 23, sem promover reabsorção radicular dos mesmos (figs. 5 e 6).

Figura 3.

Radiografia periapical mostrando lesão radiotransparente unilocular, bem delimitada, contendo material radiopaco no seu interior, localizada na região anterior da maxila do lado esquerdo, projetada na região das raízes dos dentes 22 e 23 (indicada pela seta).

(0.09MB).
Figura 4.

Radiografia oclusal total de maxila mostrando a lesão (indicada pela seta).

(0.06MB).
Figura 5.

Exame tomográfico em reconstrução panorâmica mostrando a íntima relação da lesão com as raízes dos dentes 22 e 23 sem, contudo, promover reabsorção radicular (indicada pela seta).

(0.04MB).
Figura 6.

Exame tomográfico em cortes transversais mostrando a localização palatina da lesão (indicada pela seta).

(0.08MB).

Diante das características clínicas e imagiológicas, as seguintes hipóteses de diagnóstico foram estabelecidas: tumor odontogénico adenomatoide, TOCC ou lesão fibro‐óssea benigna. Tumor odontogénico adenomatoide, TOCC e lesão fibro‐óssea benigna (principalmente fibroma ossificante central e displasia cemento‐óssea focal) foram considerados como hipóteses de diagnóstico pelo fato dessas lesões poderem se apresentar radiograficamente como uma área radiotransparente, bem delimitada, contendo material radiopaco em seu interior. Adicionalmente, o tumor odontogénico adenomatoide e o TOCC apresentam maior prevalência de ocorrência na região anterior da maxila.

Considerando‐se as hipóteses diagnósticas, a localização e a extensão da lesão, optou‐se pela realização de biópsia excisional. Inicialmente foi realizada anestesia local por meio da técnica supraperiosteal para bloqueio de ramos dos nervos alveolar superior, nasopalatino e palatino maior. O anestésico utilizado foi cloridrato de lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000 (ALPHACAINE 100®, DFL, Rio de Janeiro, Brasil). Em seguida, foi realizada incisão intrasulcular palatina com descolamento de retalho mucoperiósteo, utilizando bisturi lâmina 15 (Solidor, São Paulo, Brasil). Para osteotomia utilizou‐se uma broca esférica multilaminada (KG Sorensen, São Paulo, Brasil), sob irrigação com soro fisiológico. A lesão foi exposta, facilmente destacada do osso adjacente e totalmente curetada (figs. 7 e 8). Em seguida o retalho mucoperiósteo foi reposicionado e suturado com pontos isolados, utilizando fio de seda Ethicon™ 4.0 (Johnson & Johnson, São Paulo, Brasil) (fig. 9). A peça cirúrgica (fig. 10) foi fixada numa solução de formaldeído a 10% e enviada para exame anatomopatológico no Laboratório de Patologia Bucal do Departamento de Odontologia da PUC Minas.

Figura 7.

Biópsia excisional: exposição da lesão após descolamento de retalho mucoperiósteo.

(0.1MB).
Figura 8.

Biópsia excisional: loja cirúrgica após a curetagem da lesão.

(0.11MB).
Figura 9.

Biópsia excisional: sutura.

(0.09MB).
Figura 10.

Biópsia excisional: peça cirúrgica.

(0.16MB).

Os cortes histológicos, corados em hematoxilina e eosina, mostraram fragmentos de cápsula cística constituída por tecido conjuntivo fibroso celularizado e parcialmente revestida por epitélio odontogénico, exibindo células da camada basal de formato cúbico ou colunar com núcleos hipercromáticos e discreta polarização nuclear, além de células das camadas suprabasais arranjadas frouxamente. No revestimento epitelial também foram observadas células fantasmas, com citoplasma eosinofílico e ausência de núcleo, por vezes exibindo calcificação ou agrupadas formando massas (figs. 11 e 12). Observou‐se também, associado à lesão, material dentinário, prismas de esmalte (figs. 13 e 14) e tecido conjuntivo fibroso frouxo, característico de polpa dentária. O diagnóstico conclusivo foi de TOCC associado a odontoma.

Figura 11.

Características histopatológicas da lesão, mostrando cápsula cística revestida por epitélio odontogénico, com presença de células fantasmas, indicadas pelas setas (HE, 200X).

(0.24MB).
Figura 12.

Características histopatológicas da lesão, mostrando epitélio odontogénico, com presença de célula fantasma, indicada pela seta (HE, 400X).

(0.16MB).
Figura 13.

Aspectos histopatológicos do odontoma associado à lesão, mostrando depósitos de esmalte (seta fina) e material dentinoide (setas grossas) (HE, 100X).

(0.25MB).
Figura 14.

Aspectos histopatológicos do odontoma associado à lesão, mostrando depósitos de esmalte (seta fina) e material dentinoide (seta grossa) (HE, 200X).

(0.22MB).

Paciente mantém‐se em acompanhamento clínico e radiográfico, sem sinais de recidiva após 4 anos (fig. 15).

Figura 15.

Radiografia periapical 4 anos após excisão cirúrgica, mostrando ausência de sinais de recidiva.

(0.13MB).
Discussão e conclusões

O TOCC chegou a ser descrito como uma variante do ameloblastoma, antes de ser considerada uma entidade própria em 1962, quando 15 casos foram descritos e a lesão foi denominada COC (terminologia atualmente em desuso)2. Sua nomenclatura e classificação ainda vêm sendo discutidas na literatura, com controvérsias, sendo que alguns autores defendem que a lesão apresenta natureza não neoplásica com potencial de crescimento e outros a consideram um tumor com formações císticas6–9. A classificação da OMS de 2005 descreveu‐a como neoplasia benigna cística e introduziu a nova nomenclatura: TOCC1.

As apresentações central e periférica do TOCC possuem características epidemiológicas semelhantes. O diagnóstico já foi registrado em ampla faixa etária, variando de 5 a mais de 90 anos3,4. Não existe predileção por sexo ou etnia. Sem diferença significativa de localização entre maxila ou mandíbula, o TOCC apresenta‐se comumente na região anterior3–5. No presente caso, a lesão desenvolveu‐se em região anterior de maxila e foi diagnosticada na terceira década de vida, estando em concordância com um relevante estudo que avaliou 215 casos de TOCC intraósseo, no qual 50% dos casos associados a odontoma estavam localizados em região de incisivo a canino e 60% destes pacientes foram diagnosticados na segunda ou terceira década de vida4. O TOCC central não possui sinais e sintomas característicos, sendo na maioria das vezes associado a uma expansão da cortical óssea. A dor é apenas observada em casos de infecção secundária4. Radiograficamente observa‐se uma imagem radiotransparente bem definida, geralmente unilocular, podendo exibir material radiopaco no seu interior e reabsorção radicular dos dentes adjacentes4,10. No presente caso a lesão possuía pequenas dimensões, não gerando alterações clínicas visíveis (dentárias ou em mucosa). Em decorrência destas características, a presença da lesão só foi constatada no exame radiográfico.

O presente caso apresentou quadro histopatológico característico, descrito comumente na literatura: cápsula cística revestida por epitélio odontogénico, com presença de células fantasmas isoladas ou em grupos, ocasionalmente exibindo calcificação ou formando massas11,12. A característica histopatológica mais marcante do TOCC é a presença de células fantasmas. As células fantasmas são células epiteliais alteradas, volumosas, que apresentam citoplasma eosinofílico (na coloração pela hematoxilina e eosina) e formato ovoide ou elíptico, sendo passíveis de calcificação. Geralmente apresentam ausência de núcleo e contornos preservados, embora possam também apresentar remanescentes nucleares em várias fases de degeneração e contornos celulares perdidos, formando massas. Técnicas histológicas como a coloração histoquímica de Van Gieson podem ser utilizadas para diferenciar as células fantasmas, que se coram de amarelo, de áreas dentinoides (matriz de material eosinofílico semelhante a dentina), que se coram de vermelho. Adicionalmente, as células fantasmas apresentam fluorescência amarela na coloração histoquímica pela rodamina B (a mesma reação observada para a queratina)13. O TOCC pode estar associado a outros tipos de tumores odontogénicos, como tumor odontogénico adenomatoide, ameloblastoma e, com maior frequência, odontoma14. No caso descrito a lesão estava associada a odontoma.

O diagnóstico definitivo do TOCC é obtido após exame anatomopatológico. A modalidade de biópsia realizada (incisional ou excisional) depende do tamanho da lesão, de sua localização e das hipóteses de diagnóstico15. Passível de uma diversidade imagiológica, o TOCC apresenta amplas possibilidades de diagnóstico diferencial. Quando se apresenta como área radiotransparente, devem ser consideradas as hipóteses de cisto dentígero, ameloblastoma, cisto periapical, cisto residual, cisto periodontal lateral, cavidade óssea idiopática, tumor odontogénico queratocístico, mixoma odontogénico e fibroma ameloblástico. Em lesões com característica radiográfica mista considera‐se especialmente o tumor odontogénico adenomatoide, devendo também ser considerados tumor odontogénico epitelial calcificante, fibro‐odontoma ameloblástico, odontoma, fibroma ossificante central e displasia cemento‐óssea4.

Por possuir comportamento neoplásico, existe a necessidade de excisão cirúrgica, sendo o tratamento conservador a melhor escolha. Quando o TOCC está associado a outro tumor odontogénico, o tratamento deve ser proposto de acordo com o preconizado para a lesão de comportamento clínico mais agressivo. No caso apresentado, optou‐se pela realização de enucleação cirúrgica conservadora para estabelecimento de diagnóstico e tratamento, devido ao pequeno tamanho da lesão. O exame anatomopatológico da peça cirúrgica mostrou que o TOCC encontrava‐se associado a odontoma e, desse modo, a adoção de nenhuma outra modalidade terapêutica foi necessária. Deve‐se realizar acompanhamento clínico e radiográfico periódico, como apresentado no caso, devido à possibilidade de recorrência, embora raramente descrita na literatura11,12,16.

O presente relato descreve um caso de TOCC associado a odontoma, diagnosticado em fase inicial. Apesar do diagnóstico conclusivo desse tumor odontogénico estar condicionado ao exame anatomopatológico, este procedimento deve ser precedido de detalhada anamnese, exame físico, bem como da adequada indicação e interpretação de exames imagiológicos.

Responsabilidades ÉticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Brasil; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil; Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Brasil.

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