O tumor de células granulares é uma neoplasia benigna incomum com forte predileção pela cavidade oral, com um maior número de casos afetando a região da língua. Apresenta-se geralmente como um nódulo solitário, assintomático, de base séssil, com crescimento lento (meses ou anos) e coloração variável. Apesar da sua etiologia incerta, há estudos que apontam para uma origem neural para a lesão. O presente artigo tem como objetivo apresentar 2 casos clínicos cuja queixa principal era um nódulo submucoso no dorso da língua, com evolução lenta e superfície epitelial hígida. Em ambos os casos, o diagnóstico definitivo foi realizado após a análise histológica e imuno-histoquímica e o tratamento realizado através de excisão cirúrgica conservadora. Também são discutidos os aspetos clínicos, histológicos e imuno-histoquímicos do tumor de células granulares.
The granular cell tumor is an uncommon benign neoplasm with a strong predilection for the oral cavity, with a greater number of cases affecting the tongue. It typically presents as a solitary nodule, asymptomatic, sessile base, with slow growth (months or years) and variable color. Despite its uncertain etiology, studies suggest a neural origin for the lesion. The aim of this article is to present two clinical cases whose main complaint was a submucosal nodules in the dorsum of the tongue, with slow evolution and healthy surface. In both cases, definitive diagnosis was made after histological and immunohistochemical analysis and the treatment was made with conservative surgical excision. It is also discussed clinical, histological and immunohistochemical features of granular cell tumor.
Com forte predileção pela cavidade bucal, o tumor de células granulares (TCG) é uma neoplasia benigna de tecidos moles descoberta por Abrikossoff em 1926. Devido a uma histomorfologia semelhante às células do tecido muscular esquelético, foi denominada inicialmente de mioblastoma de células granulares1. Contudo, estudos recentes demonstraram um direcionamento para uma origem de tecidos neurais2–4.
A língua é a região mais acometida, embora outras partes do corpo, como pele, mama e trato gastrointestinal, também possam ser afetadas5. Há uma maior predileção por adultos jovens e negros5, sendo raro em crianças6.
Clinicamente, o TCG caracteriza-se como um nódulo séssil assintomático, solitário, de crescimento lento (meses ou anos) e coloração variável7. Alguns autores têm relatado lesões multicêntricas8, inclusive com alterações sistémicas9. Devido ao caráter benigno e ao comportamento biológico favorável, o tratamento preconizado é a excisão cirúrgica conservadora7. Entretanto, existem relatos de uma variante maligna desse tumor, que apresenta uma elevada taxa de metástase e baixa sobrevida10.
Desta forma, o objetivo deste trabalho é descrever 2 casos de TCG e as suas singularidades no âmbito clínico, histopatológico e imuno-histoquímico, contribuindo para o melhor conhecimento da doença e, nomeadamente, da sua etiologia, na perspetiva atual.
Casos clínicosCaso 1Paciente do sexo feminino, 23 anos, leucoderma, compareceu ao Setor de Odontologia do Hospital de Urgência do Estado de Sergipe, Brasil, queixando-se de um «caroço na língua» (sic), com evolução aproximada de 6 meses. A paciente afirmava não ser tabagista, contudo ser etilista social. Ao exame intrabucal, observou-se uma lesão nodular submucosa no dorso central esquerdo da língua, medindo aproximadamente 1cm de diâmetro, bem circunscrita, assintomática, de coloração amarelo-empalidecida, com superfície epidérmica hígida (fig. 1).
Sob anestesia local, procedeu-se à biópsia excisional e ao envio da peça para análise histológica. Os possíveis diagnósticos levantados foram de fibroma e neurofibroma.
Em coloração de Hematoxilina-Eosina (HE), o exame histopatológico demonstrou a presença de um epitélio escamoso estratificado acantótico, que não exibia atipias. No tecido conjuntivo fibrovascular, evidenciou-se preponderante proliferação de células poligonais, de citoplasma amplo eosinofílico de aspeto granular, com núcleo picnótico e ovoide, apresentando íntima relação com fibras musculares e terminações nervosas. Outras colorações, como o Tricrómico de Masson (TM) e Periodic Acid-Schiff (PAS), também foram utilizadas para uma melhor visualização dessa população celular. As células tumorais, através de reação imuno-histoquímica, mostraram-se positivas para a proteína S-100, confirmando o diagnóstico de TCG (fig. 2).
(A) Secção histológica corada em HE, mostrando uma proliferação de células poligonais volumosas, com citoplasma amplo grosseiramente granuloso e núcleo pequeno, ocasionalmente excêntrico. (B) Secção histológica corada em TM, destacando o parênquima neoplásico composto por células granulosas poligonais (em vermelho) e o estroma de tecido conjuntivo fibroso (a azul). (C) Secção histológica corada em PAS, demonstrando grânulos citoplasmáticos PAS-positivos. (D) Secção histológica submetida à marcação imuno-histoquímica (LSAB) para proteína S-100, mostrando positividade no parênquima tumoral.
Paciente do sexo masculino, 25 anos, leucoderma, procurou o Setor de Odontologia do Hospital de Urgência do Estado de Sergipe, Brasil, com queixa principal de um «caroço na língua» (sic), com aproximadamente 3 anos de evolução. Quando submetido ao exame intrabucal, apresentou lesão nodular submucosa em região do dorso central direito da língua, com aproximadamente 1,5cm de diâmetro, circunscrita, ligeiramente empalidecida, assintomática, de consistência firme e sem ulcerações (fig. 3).
A conduta adotada foi a excisão cirúrgica local conservadora e o envio do material coletado para análise histológica, sendo colocado o diagnóstico clínico provisório de neurofibroma.
O exame histopatológico revelou a presença de um epitélio escamoso estratificado acantótico. Em região subepitelial, verificou-se a proliferação de células poligonais contendo citoplasma amplo, granuloso e eosinofílico, com núcleo basofílico, picnótico e vesicular. Além disso, as células tumorais apresentaram uma distribuição irregular, entremeando as fibras superficiais da língua. As colorações de TM e PAS auxiliaram no diagnóstico final de TCG. As células granulares mostraram-se também fortemente positivas na presença da proteína S100, confirmando esse diagnóstico (fig. 4).
(A) Secção histológica corada em HE, caracterizada pela proliferação de células com o citoplasma granular no tecido conjuntivo subjacente. (B) Através da coloração de Masson, percebe-se a presença de células poligonais granulosas (a vermelho, indicadas pelas setas), de algumas fibras musculares (a vermelho) e de fibras colágenas (a azul). (C) Positividade citoplasmática das células neoplásicas para o PAS. (D) Secção histológica submetida à marcação imuno-histoquímica (LSAB) para proteína S-100, mostrando positividade no parênquima tumoral.
O TCG é uma lesão benigna incomum com predileção pela cavidade bucal, afetando a língua em mais de 75% dos casos7,11. Como o nome sugere, a sua histogénese é incerta, embora as suas características apontem para uma origem nas células de Schwann12. Estudos apontam para predileção por indivíduos entre a quarta e sexta décadas de vida, do sexo feminino7,11, e de etnia negra5. Embora existam hipóteses sobre uma relação entre as hormonas sexuais femininas e o desenvolvimento do tumor12, um estudo recente não demonstrou qualquer influência hormonal, uma vez que as reações imuno-histoquímicas à progesterona e ao estrogénio foram negativas3. Ainda assim, outros estudos também apontam para uma forte predileção pelo sexo masculino5,13, deixando a hipótese da influência hormonal no campo das especulações.
O TCG apresenta-se usualmente como um crescimento nodular sem sintomatologia dolorosa, não inflamatório, de evolução lenta, base séssil, apresentando uma superfície epitelial geralmente hígida e de coloração semelhante à mucosa circunjacente ou levemente empalidecido2–4,7,11,14,15. Tais características são semelhantes às observadas em diversas lesões, inclusive aquelas com predileção pela língua, como os outros tipos de tumores de nervos periféricos (schwannoma, neuroma traumático e neurofibroma)16 e as neoplasias benignas de origem muscular (miofibroma, rabdomioma e leiomioma)17, exigindo que o TCG seja incluído no diagnóstico diferencial de lesões presentes nesta localização. Nos nossos relatos, os casos analisados apresentaram características similares a outros já descritos, inclusive a forma solitária de se configurar. Entretanto, a presença de lesões multifocais não pode ser menosprezada, uma vez que estas se podem apresentar em aproximadamente 5% dos casos5,13.
Em relação aos aspetos histológicos, o revestimento dérmico do TCG é constituído por uma camada de epitélio de revestimento pavimentoso estratificado demonstrando áreas de acantose, sem a presença de atipias celulares2–4,7,11,14,15. A hiperplasia pseudoepiteliomatosa, ausente nos casos aqui descritos, parece estar presente em pelo menos 10% dos tumores5. Essa característica, muitas vezes, mimetiza uma invasão proliferativa das células epiteliais do carcinoma espinocelular, podendo conduzir a um diagnóstico patológico equivocado e, em consequência, a uma conduta terapêutica desnecessária e não resolutiva. O patologista, portanto, deve estar atento a esse tipo de variação, principalmente no caso de biópsias incisionais18.
O TCG é formado por uma proliferação de células poligonais, de citoplasma amplo, contendo material eosinofílico-granuloso, com núcleo pequeno e excêntrico, de forma vesicular e fortemente basofílico2–4,7,11,14,15,19. A baixa atividade mitótica e a ausência de pleomorfismo são marcas preponderantes nessas células7,19. A proliferação tumoral apresenta, assim como nos casos em estudo, um padrão pseudoinvasivo, ou seja, as células infiltram-se no tecido conjuntivo local e entremeiam as fibras musculares sem, contundo, se expandir4,20. A invasão perineural também é um achado histológico comum dessa lesão. Lençóis, ninhos e cordões são outras formas comuns dessa proliferação7,8. A presença de grânulos citoplasmáticos, característica destes tumores, pode ser realçada através da coloração de PAS, assim como foi observado nos presentes relatos. Além disso, o método histoquímico do TM é eficaz quando se objetiva avaliar a disposição do tecido conjuntivo fibroso entre as células neoplásicas e se deseja descartar a presença de um tumor de células musculares, como o leiomioma.
Embora extremamente rara, a possibilidade de malignização do TCG não pode ser menosprezada. Para isso, alguns critérios histológicos devem ser observados, como a presença de necrose, de células alongadas e delgadas, de núcleos vesiculares com grandes nucléolos, o aumento do número de mitoses, o aumento da razão núcleo-citoplasma e o pleomorfismo. Na presença de 3 ou mais destas características, o neoplasma deve ser classificado como maligno21. Em nenhum dos casos aqui apresentados, entretanto, foram observadas estas alterações.
As reações imuno-histoquímicas são decisivas no diagnóstico definitivo do TCG. A marcação positiva das células tumorais com a proteína S-100 é fundamental para a definição da origem neural da lesão. S-100 é uma proteína nuclear, de baixo peso molecular, que regula diversos processos intracelulares, como o crescimento celular, motilidade, regulação do ciclo celular, transcrição e diferenciação22. Além disso, estudos ainda mostram uma forte positividade das células tumorais para outras proteínas, tais como a vimentina, a enolase neurónio-específica, a CD-68 (proteína de membrana altamente glicosada) e a PGP9.5 (proteína do gene humano)2–4,7,20. De entre essas, a vimentina é usualmente incluída em um painel imuno-histoquímico primário juntamente com outras proteínas, como a própria S-100. A reação intensa para vimentina sem coexpressão de outras proteínas é fortemente sugestiva de tumores mesenquimais, como os sarcomas e linfomas23.
Atualmente, alguns autores têm indicado a realização da punção aspirativa por agulha fina (PAAF) como forma de diagnóstico do TCG, uma vez que este apresenta características citopatológicas distintas o suficiente para o identificar com esta técnica19,24,25. Entretanto, para Fitzhugh et al.19, este método diagnóstico não é amplamente difundido e usado para lesões localizadas na língua, devido à alta sensibilidade da região e à falta de experiência dos profissionais em aspirar lesões na região oral. De qualquer forma, mesmo nos casos diagnosticados através da PAAF, a imuno-histoquímica com S-100 foi realizada para a confirmação da natureza da lesão.
Devido ao comportamento benigno do TCG, a conduta preconizada é a excisão cirúrgica conservadora. A recidiva do tumor é muito rara quando o mesmo se configura de forma solitária. Quando multifocal, um acompanhamento longitudinal é mandatório, pois, nesses casos, as recidivas são bem mais frequentes26. Os casos aqui relatados não apresentaram histórico de recidiva; porém, o acompanhamento prolongado não pôde ser realizado, devido ao não retorno dos pacientes ao serviço de odontologia do referido hospital.
ConclusãoApesar de incomum, o TCG é uma lesão que deve ser incluída no diagnóstico diferencial de lesões nodulares localizadas especialmente na língua. A imuno-histoquímica é decisiva no estabelecimento do diagnóstico definitivo desta entidade clínica.
Responsabilidades éticasConfidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.