Longe vão os tempos em que o médico era encarado como um semideus. Longe vão os tempos em que os doentes aceitavam o tratamento que lhes era imposto sem se questionarem.
Com o advento da internet, massificou-se a informação disponível nas diversas áreas do saber e apresenta-se à nossa porta uma nova geração de doentes. É cada vez mais comum o clínico, médico estomatologista ou médico dentista deparar-se com doentes que, baseados nas mais diversas fontes de informação, por vezes de origem duvidosa, aparecem perante o profissional de saúde oral com o seu autodiagnóstico preestabelecido, procurando condicionar a solução terapêutica a seguir. Na realidade, com a globalização dos conhecimentos, basta ter acesso à internet e utilizar um simples motor de pesquisa geral para, em segundos, ter acesso a um enorme volume de informação. Só na área da saúde existem quase 50 milhões de páginas em português. O problema, como todos sabemos, é que a maior parte da informação disponibilizada nestes motores de pesquisa usualmente utilizados pelo público não passa por nenhum crivo de seleção e, por esta razão, nem sempre apresenta o rigor científico desejável.
As práticas convencionadas ao longo de anos, assentes na pesquisa de livros de texto ou na consulta de colegas mais experientes, não se coaduna per se com as constantes solicitações a que o clínico está exposto na sua prática diária, com doentes cada vez mais exigentes e inquisitórios.
Nesta época de profundas mudanças, a enorme quantidade da informação disponível e os constantes e rápidos avanços tecnológicos e científicos na área da saúde oral aumentam o nível de exigência a que o médico estomatologista e o médico dentista se encontram sujeitos para desempenhar a sua prática clínica de dia para dia com a qualidade que lhe é exigida.
Para uma correta e eficaz integração do conhecimento disponível espera-se que o clínico possua a capacidade de analisar a evidência científica disponível, ao mesmo tempo que integra a experiência clínica nas expectativas dos doentes.
Durante a sua prática, o clínico é confrontado diariamente com diversas questões clínicas que requerem algum tipo de pesquisa e leitura de fontes científicas. Para tal, tem ao seu dispor diversos motores de pesquisa especializados e várias bases de dados bibliográficas, algumas de acesso livre como a SCIRUS, ScienceDirect e a Medline/Pubmed1. No entanto, trata-se de uma tarefa nem sempre fácil de cumprir devido à proliferação às vezes desordenada de artigos e revistas. Por ano, são publicados mais de 4 000 artigos nas mais de 700 revistas da área da saúde oral2,3. A leitura de tal quantidade de informação implicaria, em última análise, a utilização de mais de 5 h diárias, só para atualização. Tal facto não se coaduna com o modus vivendi atual, no qual as carreiras e rotinas de vida são demasiado absorventes.
A questão que surge então é: «Como atualizar os conhecimentos de uma forma eficaz e eficiente?».
Poderá haver quem pense que se está a exigir demasiado ao profissional, que tem de exercer a sua atividade clínica diária ao mesmo tempo que deve procurar uma constante atualização.
Não cremos que seja esse o espírito que a classe tem vindo a demonstrar ao longo dos anos. Acreditamos que a grande maioria se soube adaptar e consegue usufruir dos recursos disponíveis. Através da utilização online de bases de dados primárias ou secundárias, recorrendo à utilização de termos MeSH e utilizando diversos critérios e limites que visam restringir a sua busca à questão em mente.
A segunda questão que poderá existir é: «Como integrar esta evidência científica com a perícia e experiencia clínica que por vezes não se possui?».
Mais uma vez, as novas tecnologias permitiram a troca de partilhas clínicas à distância e em tempo real. O envio de imagens por email, os fóruns online e as redes profissionais e sociais em que existe contacto entre profissionais com diversos níveis de conhecimento e experiência clínica permitem a discussão de casos e o esclarecimento de dúvidas entre clínicos que poderão estar a muitos quilómetros de distância, num espaço de minutos.
Obviamente, ainda existem lacunas que necessitam de ser colmatadas nos tempos vindouros, como a capacidade para aceder a evidência clínica em tempo útil, sem que o produto/técnica em questão não tenha sido descontinuado/modificado. Devido ao elevado tempo que muitas vezes os investigadores têm de esperar para ver publicado o resultado das suas pesquisas, essa informação poderá chegar ao clínico fora do tempo considerado útil. Por outro lado, o clínico deverá dotar-se das ferramentas que lhe permitam proceder à análise crítica dos artigos de modo a poder destrinçar a qualidade dos mesmos. Apenas com uma criteriosa triagem da informação disponibilizada o clínico poderá manter-se atualizado e capaz de prestar um serviço de qualidade aos doentes.
Chegamos então à última questão, talvez a mais complicada de todas nos tempos de hoje, que é a capacidade de integrar a evidência científica na experiência clínica e adaptá-la às expectativas do paciente, que poderão estar condicionadas por componentes emocionais, sociais ou económicos.
O tempo da medicina impositora encontra-se em desuso e cabe ao clínico adequar o plano de tratamento às expectativas do doente, mantendo-o informado dos riscos-benefícios de todas as possíveis alternativas terapêuticas.
Os tempos poderão ser difíceis, mas o importante é encarar estas dificuldades como uma oportunidade a nosso favor e a favor dos doentes. Desejos de um ótimo ano de 2013.