A morbilidade associada às lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho (LMELT) da coluna lombar é estimada em 0,8 milhões de DALYS em todo o mundo, constituindo a maior causa de absentismo profissional. Os profissionais de saúde são um grupo vulnerável à ocorrência destas patologias, em particular aqueles que mobilizam diariamente os doentes.
Perante a necessidade de prevenir as LMELT e face à imutabilidade da situação de trabalho, observa‐se uma aposta na implementação de programas de formação dos profissionais de saúde sobre técnicas de mobilização de doentes.
O objetivo deste estudo é identificar as principais intervenções descritas na bibliografia sobre o impacto da formação dos profissionais de saúde na mobilização de doentes, nomeadamente enfermeiros, de modo a analisar os contributos para a prevenção de LMELT a nível da coluna lombar.
Realizou‐se uma revisão sistemática segundo a metodologia do Prisma Statement® nas bases de dados PubMed, Web of Science, B‐On, JSTOR, Science, Nature, Scielo e IndeX, no período de 1998‐2011, em português, inglês e francês. Foram identificados 79 artigos através dos descritores «profissionais de saúde» (health personnel OR health care workers), «enfermeiros» ou outras expressões associadas a enfermagem (nurses OR nurs*), lesões da coluna vertebral (low back pain OR spinal/Spin* cord injuries), movimentação de doentes (moving and lifting patients OR handling patients OR patient handling task), capacidade física (physical activity OR physical fitness) e intervenção educacional (educational intervention OR training intervention). Após triagem e avaliação da qualidade dos estudos foram selecionados 11.
Verificou‐se que não existe evidência científica que suporte o investimento em programas de formação/informação dos profissionais de saúde acerca das técnicas de mobilização de doentes com o intuito de prevenir as LMELT a nível da coluna lombar. Constatou‐se que os programas de intervenção multifatorial, apoiados numa abordagem sistémica e integrada, são mais efetivos na prevenção das LMELT.
Morbidity from work‐related musculoskeletal disorders (WRMSD) is estimated to be around 0.8 million DALYS worldwide and is the main cause of absenteeism from work. Healthcare professionals are one of the most vulnerable groups to those disorders, namely those moving and handling patients everyday.
In view of the need to prevent WRMSD and the inability to change working conditions, there is a clear reliance on the implementation of programmes to train health professionals in patient mobilisation techniques.
The aim of this study was to focus on the main interventions described in the bibliography concerning the impact of healthcare professional training on patient handling, more specifically nurses, with regard to helping to prevent WRMSD of the lumbar spine.
A systematic review was conducted according to the Prisma Statement® method based on data from PubMed, Web of Science, B‐On, JSTOR, Science, Nature, Scielo and IndeX, between 1998 and 2011, in Portuguese, English and French. 79 articles were found with the following search terms: health personnel OR health care workers, nurses OR nurs*, low back pain OR spinal/Spin* cord injuries, moving and lifting patients OR handling patients OR patient handling task, physical activity OR physical fitness and educational intervention OR training intervention. After screening and assessing the quality of the studies, 11 were selected and analysed.
There is no scientific evidence to warrant investment in programmes focused on healthcare professional training/information on patient mobilization techniques to prevent musculoskeletal disorders of the lumbar spine. Multifactorial intervention programmes based on systemic and integrative components are more effective in WRMSD prevention.
A mobilização manual de cargas representa um peso importante na sociedade em geral, nas organizações e para os próprios trabalhadores porque afetam a população em idade ativa, contribuem para o aumento do absentismo laboral, para a diminuição da produtividade e da qualidade de vida dos trabalhadores1,2.
A atividade dos profissionais de saúde implica exposições a uma variedade de fatores de risco que podem contribuir para o aparecimento e desenvolvimento de lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho (LMELT)3,4. Nesse contexto, a mobilização de doentes é muito frequente e envolve a realização de uma tarefa complexa com exigências marcadamente motoras, frequentemente em sobrecarga do sistema musculoesquelético5.
De acordo com os dados estatísticos do Bureau of Labor Statistics6, a profissão de enfermagem destaca‐se entre as ocupações fortemente associadas à prevalência de LMELT. A incidência anual de dores da coluna lombar entre os enfermeiros que mobilizam doentes é de 40‐50%7 e a prevalência ao longo da vida é de 35‐80%8. Há também registos segundo os quais os enfermeiros apresentam mais 30% de dias de trabalho perdidos devido a problemas lombares que a população em geral9. Nos Estados Unidos da América, a patologia musculoesquelética entre os enfermeiros é de cerca de 72,5%, em pelo menos uma região corporal. Destes, 15,8% apresentam sintomas simultaneamente nas regiões lombar, pescoço e ombros10. Em Portugal, um recente estudo realizado a nível nacional no qual participaram 2.140 enfermeiros revelou uma elevada prevalência de sintomas auto referidos no último ano, nomeadamente a nível da coluna lombar (60,6%), da coluna torácica (44,5%) e da coluna cervical (48,6%)11.
Vários autores referem que a formação dos profissionais de saúde sobre mobilização de doentes tem sido, ao longo dos últimos anos, a estratégia principal (senão a única) para prevenir a ocorrência de lesões musculoesqueléticas da coluna lombar ligadas ao trabalho7,12–14. A eficácia deste tipo de programas de intervenção tem igualmente sido questionada em diversos estudos7,15,16 que, no essencial, apontam a necessidade de adotar abordagens sistémicas na prevenção das LMELT neste grupo profissional17–19.
Na prática verifica‐se que as situações de trabalho se mantêm inalteradas e/ou imutáveis. As limitações económicas continuam a ser referidas como o principal obstáculo para a implementação de estratégias ou procedimentos que impliquem, por um lado, a alteração dos recursos humanos alocados, bem como a aquisição de novos equipamentos, por outro, a reformulação e reorganização dos espaços que permitam a realização correta das técnicas de mobilização de doentes. Nas unidades de saúde só recentemente se começou a evidenciar a necessidade de adequar a configuração do local de trabalho e os equipamentos às características dos trabalhadores20. Nas unidades de saúde portuguesas, de construção antiga (na sua maioria), é frequente os profissionais de saúde terem de desempenhar as suas funções em espaços limitados e inadaptados que obrigam à alteração dos procedimentos mais adequados de mobilização do doente, assumindo posturas extremas com aplicação de força em desvantagem mecânica na realização das suas tarefas, como as de higienes e as transferências, entre outras.
Subsiste, assim, a convicção de que o reduzido número de profissionais de saúde, a pressão organizacional com elevados objetivos de produção e as inadequadas dimensões físicas dos espaços hospitalares constituem os principais elementos que, no essencial, contribuem para a realização de más práticas que colocam em risco os profissionais de saúde durante a prestação de cuidados, assim como os doentes20.
Em síntese, nos contextos de trabalho prevalece a implementação de programas de formação profissional como a única forma de contribuir para a prevenção de LMELT. Tal deve‐se, por certo, a ser uma medida fácil de implementar, custo‐efetiva e tempo efetiva14 (mas com resultados dúbios), o que leva a questionar o investimento neste tipo de programas, assim como nos seus resultados.
MetodologiaO objetivo principal deste estudo foi analisar o impacto da formação e informação dos profissionais de saúde sobre mobilização de doentes, nomeadamente enfermeiros, na perspetiva da prevenção de LMELT a nível da coluna lombar.
Optou‐se por uma revisão sistemática da bibliografia por ser um método preciso e fiável, que permite sintetizar um substantivo conjunto de informação com evidência científica. Seguiu‐se a metodologia do Prisma statement®, de acordo com as instruções de elaboração referidas por Liberati et al.21. A pergunta de investigação foi elaborada com base na metodologia Population, Intervention, Control, Outcomes, Study design (PICOS), sendo a seguinte: Será que os efeitos da formação sobre a mobilização de doentes, com ou sem programas de melhoria da capacidade física, previnem a incidência de lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho a nível da coluna vertebral nos profissionais de saúde, nomeadamente nos enfermeiros?
A identificação da bibliografia pertinente baseou‐se numa pesquisa nas bases de dados PubMed, Web of Science, B‐On, JSTOR, Science, Nature, Scielo e IndeX e também no Google Académico. Os descritores da pesquisa circunscreveram‐se às variáveis que decorrem da pergunta de investigação. Utilizaram‐se expressões como «profissionais de saúde» (health personnel OR health care workers), «enfermeiros» ou outras expressões associadas a enfermagem (nurses OR nurs*), bem como lesões da coluna vertebral (low back pain OR spinal/Spin* cord injuries), movimentação de doentes (moving and lifting patients OR handling patients), capacidade física (physical activity OR physical fitness) e intervenção educacional (educational intervention OR training intervention). Iniciou‐se a pesquisa na base de dados PubMed por ter a aplicação Thesaurus. Foi posteriormente repetida a pesquisa, de modo idêntico, nas restantes bases de dados. Pesquisaram‐se estudos realizados nos últimos 15 anos (período 1996‐2011) em português, inglês e francês. A seleção dos estudos foi feita em 2 etapas: triagem e avaliação da qualidade dos estudos.
A triagem foi feita por 2 revisores, de forma independente, através de lista de verificação dos critérios de elaboração da pergunta de investigação – População: profissionais de saúde; Intervenção (exposição): formação sobre mobilização de doentes, exclusiva ou não, com ou sem programas da melhoria da capacidade física; Controlo (grupo de): profissionais de saúde que não participaram em programas de formação; Outcomes (resultados): queixas, sintomas ou lesões musculoesqueléticas a nível da coluna vertebral; Study design (tipo de estudo): estudos exploratórios, qualitativos ou quantitativos, observacionais, descritivos, ou experimentais, transversais, longitudinais, retrospetivos, estudos de caso‐controlo ou de coortes.
Foi utilizada a estatística Kappa com o intuito de avaliar o grau de concordância entre as avaliações dos revisores perante cada artigo. Os resultados revelaram que relativamente à população, intervenções, controlo e resultados (outcomes) a concordância entre os revisores é moderada (k=0,545; k=0,550; k=0,533; k=0,537, respetivamente). Relativamente ao tipo de estudo a concordância é substancial (k=0,629) e no que respeita à seleção para a fase seguinte é igualmente moderada (k=0,573).
Foi realizada reunião entre os revisores para identificação dos motivos da discordância em 12 artigos (que suscitavam dúvidas) e decisão sobre a sua integração (ou não) na revisão sistemática, tendo‐se chegado a um consenso em 11 artigos.
O passo seguinte consistiu na avaliação da qualidade dos estudos. Esta foi determinada através da aplicação de lista de verificação que contemplou os critérios de elegibilidade22, nomeadamente, a validade interna, a seleção dos participantes (viés de seleção), as variáveis de confundimento, a validade dos resultados (interna) e a validade externa. A lista de verificação dos critérios de elegibilidade dos artigos (tabela 1) foi construída com base em outras listas de verificação mais complexas e já testadas, nomeadamente do The guidelines manual do National Institute for Health and Clinical Excellence e do Critical Appraisal Skills Programme do Public Health Resource Unit. Foi posteriormente validada facialmente pelos revisores do estudo antes de se proceder à sua aplicação.
Lista de verificação dos critérios de elegibilidade
Item avaliado |
Validade internaO objetivo é claro e apropriado? O estudo está claramente definido? |
Seleção dos participantes (viés de seleção)Estudos caso‐controlo: os grupos de casos e de controlos são extraídos de populações comparáveis? Grupos e critérios de inclusão estão bem e claramente definidos? Os participantes são em número suficiente para minimizar o efeito do acaso?Estudos de coorte: os fatores de exposição estão claramente definidos? Os grupos expostos e não expostos são extraídos de populações comparáveis? Os participantes são em número suficiente para minimizar o efeito do acaso? |
Variáveis de confundimentoAs principais variáveis de confundimento estão identificadas e são tidas em conta no desenho do estudo e na análise dos dados (p. ex. uso das técnicas de aleatorização, restrição, emparelhamento, estratificação)? |
ResultadosOs resultados são precisos (verificar intervalo de confiança, estimação do risco)? |
Validade externaOs resultados do estudo aplicam‐se a pessoas que não participam nele? |
Fonte: Neves22.
A figura 1 ilustra a dinâmica do processo de identificação e seleção dos artigos para análise. A revisão sistemática incide nos resultados dos 11 artigos considerados elegíveis para a fase seguinte, nomeadamente, os estudos de Black et al., Daynard et al., Hartvigsen et al., Hignett et al., Hodder et al., Lim et al., Nelson et al., Nussbaum et al., Schibye et al., Warming et al., Yassi et al. e Johnsson et al.12,13,17,23–31.
ResultadosConstatou‐se que a variável «formação» assume diversas formas de acordo com o contexto e orientação dos estudos, havendo necessidade de organizar os resultados em 4 grupos, para melhor sistematização:
- a)
Estudos com programa de formação exclusiva sobre mobilização de doentes (tabela 2);
Tabela 2.Resultados dos estudos com programa de formação exclusiva sobre mobilização de doentes
Ref. bibl. População Intervenção Grupo de controlo Resultados e conclusões (outcomes) Tipo de estudo Qualidade (1‐10) Hartvigsen et al.25 n=345 Enfermeiros e assistentes operacionais Duração: 1h por semana durante 2 anosConteúdo: formação, treino e supervisão das técnicas de levante segundo os princípios de Bobath e mecânica corporal. Foi incluída a utilização de equipamento de assistência a transferência 3h de formação sobre técnicas de mobilização, sem recurso a qualquer equipamento de assistência à transferência Melhoria dos dias sem dor lombar OR (95% IC) 0,98 (0,52‐1,85), diminuição do n.° episódios de dor lombar 1,01 (0,49‐1,53) Procura de tratamento 1,14 (0,69‐1,89)Formação (intensiva) em técnicas de transferências combinadas apenas com equipamento de assistência à mobilização de doentes, isto é intervenção sem caráter sistémico, não previne a incidência de dor lombar nos enfermeiros e nos assistentes operacionais Observacionallongitudinal 10 Hodder et al.27 n=2212 indivíduos inexperientes e 10 enfermeiros Grupo de intervenção: indivíduos inexperientesDuração: 3 sessões em 2 dias consecutivosConteúdo: visualização de um vídeo, formação teórica sobre mecânica corporal e treino das técnicas de mobilização de doentes Os enfermeiros experientes receberam apenas uma sessão de formação e treino das técnicas de mobilização de doentes Realizadas avaliações eletromiográficas e dinâmica da coluna vertebral em 3 gruposO grupo com formação obteve menores valores de carga na região lombar e de risco de lesão mas os valores obtidos apenas demonstraram que os participantes aprenderam comportamentos protetores Observacionalcomparativo 7,5 Nussbaum et al.13 n=24Indivíduos inexperientes Formação I) visualização de vídeo de 25 minutosFormação II) 1h de leitura orientada por docente universitário especialista em ergonomia e 1h de sessão prática com um fisioterapeuta experiente Nenhuma formação ministrada ao grupo de controlo O efeito geral do treino foi o único efeito protetor significativo (p <0,001). A formação influenciou apenas alguns aspetos dos comportamentos adotados na situação de trabalhoAs tarefas de levantamento de doentes são realizadas em posições mais verticalizadas, com o doente mais próximo do profissional de saúde. As análises estáticas apontam diminuição dos valores de compressão discal e de momentos de corte.O programa de formação intensiva não permitiu alteração significativa nos comportamentos a curto prazo Observacionalcomparativo 7,5 Schibye et al.28 n=9Profissionais de saúde do género feminino Formação ministrada por fisioterapeuta durante 6 meses (não há referência aos conteúdos programáticos da formação)Avaliação: em 2 sessões. Na sessão I podiam escolher a técnica a utilizar. Na sessão II apenas podiam utilizar a técnica recomendada Avaliação à totalidade do grupo antes da intervenção Espera‐se que a implementação de um programa de formação intensiva (sem carácter sistémico), quando cumprida a técnica recomendada para a mobilização do doente diminua o risco de LMELTA carga mecânica a nível da coluna lombar reduziu em cerca de 3.400N em todas as tarefas avaliadas, com a utilização da técnica recomendada. No entanto, não existem conclusões relativamente à mudança de comportamento a longo prazo Observacionallongitudinal 6,5 Johnsson et al.31 n=51 Profissionais de saúde Grupo de intervenção adotou o modelo de ensino quality circlesDuração: uma vez/mês durante 4‐6 meses (4 dias de formação)Conteúdo: a formação teve por base o Stockholm Training Concept. Os participantes deveriam aprender um modelo de análise, que aplicariam a cada situação de mobilização do doente, considerando a sua própria capacidade, os recursos e necessidades do doente e as possibilidades e limitações do ambiente. De acordo com esta avaliação escolheriam a técnica de mobilização do doente mais adequada. Foram treinadas as técnicas de mobilização Grupo de controlo adotou o modelo de ensino traditional groupsDuração: 4 dias de formação intensivaConteúdo: idêntico ao grupo de intervenção Os resultados revelam uma melhoria da técnica (F‐value 5,27, p <0,05) e diminuição do desconforto (F‐value 6,20 p <0,005) durante as transferências. Não se verificou a diminuição significativa das queixas musculoesqueléticas dos participantes quando comparadas antes e depois da formação (coluna lombar: 38 e 31% de queixas, respetivamente) Observacionallongitudinal 7 - b)
Estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e programa de exercício físico (tabela 3);
Tabela 3.Resultados dos estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e exercício físico
Ref. bibl. População Intervenção Grupo de controlo Resultados (outcomes) Tipo de estudo Qualidade (1‐10) Warming et al.29 n=156Enfermeiros Programa 1: formação ministrada por fisioterapeuta experiente a um enfermeiro de cada serviço durante 4 dias. Em 6 semanas foi feita formação pelos pares em cada enfermaria que participou no estudo. Conteúdo: formação ministrada segundo o modelo The knowledge of transfer and movement assistance. Neste modelo utilizam‐se os princípios ergonómicos e tem‐se em conta a capacidade de colaboração do doente aquando da realização das técnicas de mobilizaçãoPrograma 2: formação idêntica ao grupo anterior e programa de exercício físico. Duração: de 8 semanas, 1h/2 vezes por semana. Plano de treino: exercícios de aquecimento, de treino aeróbico (corrida na passadeira, remo ou bicicleta) e de treino de força (direcionados para o tronco e glúteos). Local: no hospital, durante as horas de trabalho Não houve qualquer intervenção no grupo de controlo A implementação do programa de formação sobre técnicas de mobilização de doentes em combinação (ou não) com o programa de exercício físico não diminuiu o número de queixas de LMELT autorreferida ao final de um ano (antes 66%, depois 77% no grupo de intervenção em geral)A melhoria da capacidade física faz diminuir os níveis de incapacidade decorrente das LMELT (grau incapacidade Programa 1 foi de 5,92 e no Programa 2 de 2,78, p=0,004) Observacional longitudinal 10 - c)
Estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e introdução de equipamento mecânico de apoio à mobilização de doentes (tabela 4);
Tabela 4.Resultados dos estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e introdução de equipamento mecânico de apoio à mobilização de doentes
Ref. bibl. População Intervenção Grupo de controlo Resultados (outcomes) Tipo de estudo Qualidade (1‐10) Yassi et al.30 n=346 Enfermeiros e assistentes operacionais Grupo A: transferências manuais, segundo a prática comumGrupo B: tinha disponível um elevador e ajudas técnicas para a mobilização (cintos de transferência em cada quarto; 6 placas de deslizamento)Grupo C: tinha disponível equipamento mecânico que incluía elevadores, elevadores para colocar o doente na posição de sentado e ajudas técnicas (cintos de transferência e placas de deslizamento). O n.° de equipamentos foi determinado na avaliação da situação de trabalhoGrupos B e C receberam 3h intensivas de formação prática tendo em conta os princípios ergonómicos, avaliação do doente e técnicas de mobilização com recurso ao equipamento disponível Grupo A: não recebeu nenhuma formação formal. Este grupo tinha disponível elevador e ajudas técnicas para a mobilização de doentes, sujeito a requisição Verificou‐se que um programa de formação sobre mobilização de doentes combinado com um programa de introdução de equipamento mecânico de apoio à mobilização, diminui o cansaço da equipa e diminui a carga física. Nível de conforto aumentou em 51,1% no Grupo C e 47,9% no Grupo B.No Grupo C reduziu‐se a média das queixas musculoesqueléticas a nível lombar ‐5,2/‐3,3 e dos ombros ‐4,9/‐2,3 aos 6 meses e um ano, respetivamente ObservacionalLongitudinal (medidas múltiplas) 10 Daynard et al.24Nota: estudo que decorre do anterior n=36 Profissionais de saúde(12 de cada grupo) Grupos de intervenção do estudo anterior (Grupos B e C)Para efeitos do estudo biomecânico além da intervenção descrita anteriormente, realizaram‐se 5 técnicas de mobilizações, em 2 situações diferentes: 1) doente colaborante e leve e 2) doente não colaborante e pesado. Os participantes deveriam avaliar a situação, determinar a técnica adequada e equipamento a utilizar, não substituir o doente naquilo que ele consegue fazer e completar a mobilização com a ajuda humana ou técnica disponível Grupo de controlo do estudo anterior (Grupo A) A introdução de equipamento no programa de intervenção levou a uma maior concordância com a técnica recomendada (p <0,01). Verificou‐se uma redução da carga na coluna vertebral (p=0,001 no grupo B e p <0,033 no grupo C). Em alguns casos, o equipamento aumentou a carga a nível da coluna vertebral devido ao maior tempo na posição de flexão do tronco. Nenhum método de intervenção exclusiva deve ser recomendado. Cada mobilização deve ser avaliada per si, determinando assim o melhor método de mobilização Observacionalcomparativo 8 - d)
Estudos com programa de intervenção multifatorial (tabela 5).
Tabela 5.Resultados dos estudos com programa de intervenção multifatorial (sistémico)
Ref. bibl. População Intervenção Grupo de controlo Resultados (outcomes) Tipo de estudo Qualidade (1‐10) Nelson et al.12 n=825 Enfermeiros Foram implementadas as seguintes medidas:(1) Protocolo de avaliação ergonómica da situação de trabalho;(2) Algoritmo de avaliação e decisão da técnica de mobilização a utilizar;(3) Existência de um profissional perito em SST;(4) Equipamento mecânico para mobilização de doentes em número definido após avaliação ergonómica;(5) Aprendizagem com o erro/incidentes (after action reviews);(6) Política de «não realizar levante manual» Foram avaliados os dados decorrentes da prática habitual, anterior à intervenção Taxas de LMELT: diminuiu de 24/100 para 16,9/100 trabalhadoresDias de trabalho com restrições: desceu de 1.777 para 539 diasMédia de dias de trabalho perdidos (absentismo): desceu de 14,2 dias para 10,5 dias/LMELT. A perceção de insegurança na mobilização de doentesreduziu com significância estatística (p=0,027)Síntese custo‐benefício: num período de 10 anos poupam‐se 204.599 dólares/ano. O capital investido em materiais e formação dos recursos humanos é recuperado ao final de 3,75 anosO programa teve sucesso a curto termo, mas é necessária maior avaliação no impacto a longo termo ObservacionalLongitudinal, retrospetivo e prospetivo 9,5 Black et al.23 n=776 Profissionais de saúde, prestadores de cuidados diretos Estudo em 3 hospitais de diferentes dimensõesForam implementadas as seguintes medidas:(1) 8h de formação teórica em anatomia, LMELT, mecânica corporal, saúde, técnicas de mobilização de doentes, avaliação normalizada do tipo de dependência do doente, e algoritmos de decisão da técnica de mobilização a utilizar;(2) Formação prática das técnicas de mobilização. Obrigatório manter: 1h de formação por ano ou 4h em cada 3 anos(3) Algoritmos de apoio à mobilização afixados nos placards dos serviços e junto as camas dos doentes(5) Equipamento mecânico de assistência à mobilização de doentes após avaliação da situação de trabalho Três hospitais semelhantes aos do grupo de intervençãoNão houve qualquer intervenção Houve uma redução significativa das taxas de LMELT e de tempo de trabalho perdido no grupo de intervenção (p=0,013). A magnitude de redução varia consoante o tipo de hospital: as reduções mais evidentes verificam‐se nos hospitais mais pequenos (RR=0,69; 95% IC=0,6‐0,8; p <0,0001)O custo e os dias de trabalho perdidos por lesão diminuíram após a intervenção. Houve 41% de redução dos custos por LMELT após a intervenção e a média de dias de trabalho perdidos diminuiu de 35,99 para 16,2 diasA implementação de um programa mutifatorial de prevenção de LMELT de cariz sistémico reduz significativamente os dias de trabalho perdidos e a incapacidade associada às lesões provocadas pela mobilização de doentes Observacionallongitudinal 9 Hignett et al.26 Não há referência ao n.° total de participantesParticiparam 16 serviços (cuidados de saúde primários e secundários) Os 16 serviços participantes formaram os seus trabalhadores segundo o manual de competências das mobilizações manuais do Royal College of Nursing, que lista 63 competências a 3 níveis: supervisores das mobilizações, gestor de serviço e membros da equipa. Os temas que abrange são vários:(1) Política e estratégia organizacional;(2) Comunicação;(3) Formação e treino prático;(4) Desempenho físico e tempo de realização da tarefa;(5) Supervisão;(6) Limitações individuaisEstes temas foram investigados através de várias fontes: análise postural durante a realização das técnicas de mobilização, análise documental e entrevistas, de modo a averiguar a concordância com as recomendações Não houve grupo de controlo Os serviços com maior concordância com as competências do manual de mobilizações do Royal College of Nursing têm técnicas de trabalho mais seguras para as técnicas avaliadasPor vezes as orientações profissionais não estão de acordo com a evidência da investigaçãoOs profissionais dos serviços com maior investimento na cultura de segurança demonstram ter maior capacidade de decisão relativamente à mobilização do doente e apresentaram níveis inferiores de exposição aos fatores de risco relacionados com a atividade. A formação baseada em treino de competências para a mobilização de doentes influencia os comportamentos dos enfermeiros e favorece a cultura de segurança, o que se evidencia na redução dos níveis de risco de LMLT com o método REBA nas diferentes situações de mobilização de doentes Observacional longitudinal 7
Os resultados encontrados estão evidenciados nas tabelas 2–5.
Discussão dos resultadosA mobilização dos doentes apresenta‐se como uma frequente rotina diária dos profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros, assistentes operacionais e fisioterapeutas. A atividade é complexa com diversas exigências e implica, habitualmente, uma elevada carga física com repercussões no sistema musculoesquelético, que, também frequentemente, excede as capacidades individuais dos intervenientes, em particular biomecânicas.
Optou‐se pela abordagem qualitativa, essencialmente descritiva e interpretativa dos diversos estudos que fizeram parte da presente revisão sistemática devido fundamentalmente à sua heterogeneidade, que se observa a nível do desenho de investigação (estudos observacionais, transversais, longitudinais, com ou sem componente comparativa e com medidas repetidas no tempo), dos métodos estatísticos (qui‐quadrado, Anova, entre outros), dos grupos profissionais (maioritariamente enfermeiros), instrumentos de recolha de dados (questionários, instrumentação), e por consequência das variáveis estudadas e resultados obtidos.
É ainda importante fazer uma pequena referência à comparação entre os resultados obtidos com a estatística Kappa no seguimento do estudo. Julga‐se que a moderada concordância obtida se deveu à influência dos artigos que suscitaram dúvidas, mais uma vez devido à sua elevada heterogeneidade no contexto da revisão sistemática e respetivos critérios de inclusão. Assim, como os resultados se encontravam mais próximos do limite superior do intervalo da classificação «concordância moderada» (k=0,41‐0,60), considerou‐se que existia consenso aceitável entre os revisores para se passar à etapa seguinte do estudo. Sendo tal uma limitação, provavelmente o aumento da equipa de revisão seria uma estratégia que contribuiria para aumentar o nível de concordância entre revisores e criar maior assertividade no processo.
Para auxiliar a discussão dos resultados realizou‐se uma síntese crítica dos estudos à luz do atual conhecimento científico nesta área.
a) Estudos com programa de formação exclusiva sobre mobilização de doentes
É reconhecido que as intervenções centradas no indivíduo se têm cingido essencialmente à formação e treino das várias técnicas de posicionamento e transferência de doentes. Os estudos com programas de formação exclusiva sobre mobilização de doentes (tabela 2) apresentam resultados francamente modestos no sentido de apoiar esta iniciativa e este modelo de intervenção centrado no indivíduo como preventivos de LMELT a nível lombar.
Numa primeira abordagem sobre os resultados destacam‐se os estudos de Hartvigsen et al.25 e de Nussbaum et al.13, que não revelam alterações significativas nos comportamentos adotados pelos profissionais de saúde após um programa orientado para a formação e treino na mobilização de doentes e ainda constatam que a formação, por si só, não previne a dor lombar (lombalgia). Estes resultados são compatíveis com os encontrados por outros estudos5,7,12,32,33. Embora bem aceite, de modo geral, para a prevenção de LMELT, a formação sobre mecânica corporal e técnicas de mobilização de doentes não tem conseguido alcançar resultados sustentáveis na evidência científica relativamente à diminuição dos sintomas e sinais de LMELT. Nelson et al.12 referem que nos últimos 30 anos o empenho de alguns investigadores em mostrar uma base credível deste tipo de estratégia tem falhado constantemente, quer nos profissionais do sector da saúde quer noutras áreas.
Similarmente, a implementação de estratégias de intervenção exclusivamente com informação/formação dos profissionais de saúde nas organizações de saúde apresenta resultados muito reduzidos e contraditórios, dado que é ministrada em ambiente laboratorial, controlado, muito diferente da realidade34. O trabalho real apresenta diversos fatores que não são controlados, nomeadamente as características de cada doente a ser mobilizado, como a falta de equilíbrio, a sua massa corporal (frequentemente assimétrica e rígida), a capacidade de colaborar efetivamente durante a mobilização, entre outros. O ambiente hospitalar é mais complexo do que o simulado nesses programas de formação laboratoriais e na realidade, por vezes, as mobilizações ocorrem em casas de banho ou em espaços confinados que obrigam os profissionais de saúde a adotar posturas extremas, a aplicar força muito acima dos limites recomendados, sempre com o intuito de ajudar o doente, evitando situações que o coloquem em risco34. Além do mais, as técnicas de mobilização que são realizadas habitualmente no plano horizontal (por exemplo, com o doente na cama) obrigam o profissional de saúde a utilizar a musculatura dos braços e ombros, em detrimento dos músculos mais fortes dos membros inferiores, o que frequentemente não é contemplado nos programas de formação34.
Relativamente aos resultados dos estudos identificados com programa de formação exclusiva sobre mobilização de doentes, verifica‐se na variável «intervenção» que todos os estudos ensinam e treinam as técnicas de mobilização de doentes segundo os princípios mais adequados na perspetiva da ergonomia. O que difere nos programas de formação é o tempo lecionado e o método de ensino. Em relação ao tempo, nos estudos de Hodder et al.27 e de Nussbaum et al.13 optou‐se pela formação intensiva, em dias consecutivos, enquanto nos estudos Schibye et al.28, Johnsson et al.31 e Hartivigsen et al.25 o período temporal foi mais alargado (6 meses e 2 anos). Em ambos os casos não se encontraram diferenças significativas ao nível dos resultados. Assim sendo, presume‐se que o aumento do tempo de formação não conduz à modificação de comportamentos dos profissionais de saúde no sentido das técnicas recomendadas para a mobilização de doentes.
Relativamente ao método de ensino nos 5 estudos identificados, sobressaem 3: formação tradicional (professor‐aluno), formação com apoio dos pares e Quality Learning Circles. Em todos os estudos não se verificaram igualmente alterações significativas. Alguns autores como Trinkoff et al.35 referem que a formação tradicional não tem conseguido ser eficaz na manutenção de comportamentos a curto prazo. No entanto, ainda segundo o mesmo autor, seria expectável que a formação apoiada pelos pares fosse melhor aceite pelos profissionais de saúde uma vez que é ministrada por um colega (influente) de equipa, conhecedor das rotinas e dificuldades diárias. Nos resultados encontrados na presente revisão sistemática não se verificou nenhum impacto devido à utilização desta metodologia de formação.
Relativamente aos estudos de Hodder et al.27 e Schibye et al.28, tenta‐se reforçar o efeito positivo da formação intensiva. Refere‐se que a formação permite reduzir as posturas extremas e os desvios da coluna vertebral, assim como a atividade muscular, diminuindo a carga na região lombar e, consequentemente, o risco de lesão. Esses resultados são relativamente expectáveis, uma vez que a avaliação do impacto da medida foi realizada no imediato, quando os conteúdos da formação ainda estão muito presentes nos participantes, o que leva a uma maior concordância com as técnicas preconizadas. Os autores referem também que, quando a técnica recomendada de mobilização do doente é aplicada, o risco de lesões musculoesqueléticas da coluna lombar diminui, o que reforça a necessidade de pensar em estratégias eficazes que levem a que os profissionais de saúde cumpram os procedimentos e movimentos recomendados.
Os estudos identificados não conseguem comprovar a mudança de comportamentos ao longo do tempo. Além de serem realizados em ambiente de laboratório, com uma amostra bastante pequena (n=22 e n=9, respetivamente), não realizaram follow‐up dos participantes, pelo que não é possível avaliar o impacto da formação intensiva na mudança de comportamentos.
Os resultados sustentam que a formação não deverá ser a única intervenção do programa de prevenção e, em concordância com outros autores36–38, verifica‐se que os programas de formação intensiva sobre mobilização de doentes não previnem as LMELT nos enfermeiros.
Também os resultados encontrados por Johnsson et al.31, com uma amostra de maior dimensão, são congruentes com os resultados anteriores. Nesse estudo concluiu‐se que a formação sobre mobilização de doentes e as capacidades de colaboração conduziram à melhoria da técnica utilizada. Após a formação, os participantes melhoraram a técnica de transferência de doentes e referiram maior conforto durante a realização do procedimento. Neste estudo existe a particularidade da utilização de um modelo de análise das condições em que se mobiliza o doente. De acordo com a sua própria capacidade, os recursos e necessidades do doente e limitações do ambiente, o profissional de saúde deve selecionar a técnica mais adequada. A eficácia deste método também não foi demonstrada, pois não se verificou a diminuição do número de queixas de LMELT pelos profissionais de saúde envolvidos.
O constante insucesso dos programas de formação intensiva dos profissionais de saúde acerca das técnicas de mobilização do doente prende‐se com o facto de se focalizar na informação ao trabalhador, negligenciando a relação entre o posto de trabalho, o ambiente, a organização e o trabalhador, e ainda com o facto de os programas não serem incorporados a nível organizacional5. Devido ao carácter multifatorial inerente à génese das LMELT, ao abordar a problemática da prevenção das LMELT através de programas de formação exclusiva sobre técnicas de mobilização de doentes, significa estruturar a intervenção ao nível da ponta do iceberg deste problema ocupacional.
Segundo alguns autores, de que se destaca Kjellberg5, o conceito de base «a técnica de trabalho» ainda não foi suficientemente elucidado, motivo pelo qual se insiste neste tipo de programas. Essa técnica de trabalho implica uma determinada metodologia e varia de trabalhador para trabalhador. É também influenciada pelos fatores ligados ao trabalho (a tarefa em si, o design e circuitos do local de trabalho, a organização do trabalho, os recursos humanos alocados, entre outros) e ligados ao indivíduo (por exemplo, idade, sexo, características antropométricas, capacidade física, motivação, capacidade de resolução de problemas, formação e treino do método). Pelo facto de ser influenciada por fatores ligados ao trabalho e ao trabalhador, a (re)aprendizagem dos gestos profissionais com o intuito de reduzir a suscetibilidade individual não deve substituir a intervenção prioritária sobre a melhoria das condições de trabalho39 (no sentido mais amplo do termo).
Assim, devido ao cariz multifatorial na origem das LMELT, subsiste a necessidade de mais estudos nesta área.
Em síntese, os resultados da presente revisão sistemática não suportam os programas de formação exclusiva dos profissionais de saúde sobre mobilização de doentes no contexto da prevenção das LMELT a nível lombar.
b) Estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e com programa de exercício físico
Tendo ainda em conta as estratégias centradas no indivíduo, identificou‐se um estudo que referia um benefício adicional da prática de exercício físico com o intuito de melhorar a capacidade física do profissional de saúde, cumulativamente com formação sobre as técnicas de mobilização de doentes. Apesar disso, o estudo de Warming et al.29 concluiu que a implementação de um programa de formação sobre técnicas de transferência de forma isolada ou em combinação com um programa de exercício físico, numa equipa de enfermagem a nível hospitalar, quando comparada com um grupo de controlo, não evidencia diferenças estatísticas a nível da dor lombar auto referida, do nível de dor, das incapacidades resultantes e dos registos de absentismo por doença após um ano de follow‐up.
Seria esperado que um indivíduo com uma boa capacidade física estivesse melhor preparado para realizar uma tarefa fisicamente mais exigente e tivesse, por isso, menor risco de lesão musculoesquelética. No entanto, julga‐se que devido à exposição multifatorial aos fatores de risco relacionados com a atividade, organizacionais e psicossociais não foi possível obter inferências deste tipo, isto é, a intervenção centrada sobre o indivíduo revelou‐se insuficiente para a prevenção nesse contexto.
Nas conclusões da sua revisão sistemática, Silverstein et al.32 referem que existe evidência muito limitada de que o exercício físico, entendido como fator de risco individual, tenha algum efeito positivo na prevenção das LMELT a nível da coluna lombar. No entanto, tem efeitos positivos na recuperação de algumas lesões do sistema musculoesquelético. Estes resultados são congruentes com os de Warming et al.29, que evidenciam a melhoria da (in)capacidade do grupo que cumpriu um programa de formação e de treino físico, demonstrando que o exercício físico deverá ser um conceito adicional nos programas de prevenção da dor lombar nos enfermeiros.
Dawson et al.36, por seu lado, encontraram informação contraditória: identificaram um estudo baseado no exercício físico realizado em casa, no tempo de lazer, que revela não existir uma redução na sintomatologia lombar, no entanto, identificaram outro estudo que demonstrou que o exercício físico, quando orientado no local de trabalho por um fisioterapeuta, reduz a intensidade e a prevalência da dor lombar.
Estudos posteriores a 2008 – ano em que foram publicados os dados de Warming et al.29 – como o de Ewert et al.40 apenas confirmaram os benefícios na recuperação de lesões musculoesqueléticas. Bell e Burnett41 verificaram que existe substantiva evidência de que o exercício físico reduz a intensidade da dor lombar. No entanto, devido à reduzida qualidade metodológica dos estudos e da presença de resultados contraditórios, existe reduzida evidência e particularmente limitada (insuficiente informação) de que o exercício físico contribua efetivamente para a redução da dor lombar nos locais de trabalho com exigências de mobilização de cargas. Tullar et al.32, numa revisão sistemática, identificaram apenas um estudo, pelo que se considera não existir informação suficiente que permita generalizar seja o que for nesse contexto.
Segundo as diretrizes europeias para prevenção da lombalgia, o exercício físico é recomendado na prevenção do absentismo laboral, na diminuição das queixas e na prevenção de futuros episódios de lombalgias42.
Em síntese, no essencial, não é possível obter conclusões sobre a influência dos programas de melhoria da capacidade física com base apenas no resultado de Warming et al.29 e sugere‐se a realização de mais estudos nesta área. Reforça‐se também a ideia de que a inclusão de programas de melhoria da capacidade física poderá ser uma etapa a integrar em futuros programas de prevenção.
c) Estudos com programa de formação sobre mobilização de doentes e introdução de equipamento mecânico de apoio à mobilização de doentes
Relativamente à intervenção com base em programas de formação e programas de introdução e utilização de equipamentos mecânicos de apoio à mobilização de doentes, foram identificados 2 estudos: Yassi et al.30 e Daynard et al.24, sendo que o segundo deriva do delineamento do primeiro.
Yassi et al.30 verificam que um programa de formação/treino combinado com a disponibilidade e utilização de equipamentos de assistência à mobilização de doentes apresenta melhores resultados na promoção do conforto dos profissionais de saúde durante as técnicas de mobilização, diminui o cansaço da equipa e a carga física exigida. Os resultados desse estudo são reconhecidos por outros autores17,36,43,44.
Kjellberg5, em concordância com Yassi et al.30, refere que a combinação de programas de formação e de introdução de equipamentos de mobilização de doentes demonstra níveis mais elevados de bem‐estar na equipa e uma maior concordância com os conteúdos do programa de formação, comparados com os programas exclusivamente de formação ou centrados sobre o trabalhador. A mesma autora refere que, em consequência da disponibilidade do equipamento de transferência e pequenas intervenções na área de trabalho, se observa uma menor prevalência de sintomas musculoesqueléticos, em oposição a um programa exclusivo de formação.
Nesse contexto, a escolha da estratégia de introdução de equipamentos de apoio à mobilização tem sido preferida por muitos investigadores, porque é uma intervenção com alterações permanentes no procedimento de abordagem à mobilização do doente que reduz e tendencialmente elimina o risco na sua origem34.
Apesar disso, é necessária alguma prudência na introdução de novo equipamento. Equipar os serviços com novos dispositivos de assistência à mobilização de doentes não significa, por si só, que a equipa os passará a utilizar no seu dia‐a‐dia45. Por um lado, é necessária formação acerca da sua correta utilização/manuseamento, pois uma mobilização de doentes realizada incorretamente com equipamento mecânico pode provocar idêntico nível de carga no sistema musculoesquelético que uma mobilização realizada com a técnica manual33. Por outro lado, é igualmente importante proceder‐se a uma correta avaliação do trabalho real, nomeadamente a uma análise das posturas assumidas/observadas, da sequência de movimentos, da frequência dos mesmos, a uma avaliação dos momentos de aplicação de força, assim como da componente cognitiva do trabalho, em particular dos processos de análise da decisão para a ação e respetivo controlo/regulação20.
A escolha do equipamento deve decorrer da avaliação do trabalho real: além da escolha do equipamento adequado ao objetivo pretendido é necessário ter em conta as diferenças substantivas entre os doentes e os diversos aparelhos disponíveis no mercado. A aceitação do equipamento pelos profissionais de saúde é um fator muito importante, sendo que uma correta avaliação é um facilitador à sua utilização34. Os resultados positivos obtidos no estudo de Yassi et al.30 derivaram de uma correta avaliação do trabalho real e da disponibilização de equipamento adequado ao grupo de intervenção (grupo C), em relação à frequência e à atividade desempenhada, que se enquadrou no trabalho diário da equipa.
No estudo de Yassi et al.30 a avaliação cingiu‐se aos fatores de risco relacionados com a atividade, havendo pouco enfoque nos fatores de risco individuais, sociais e organizacionais, o que a longo prazo poderá constituir um viés devido à origem multifatorial das LMELT.
Ainda nesse estudo, a introdução de equipamentos mecânicos de apoio à mobilização de doentes originou um aumento dos tempos de transferência. Na prática, a velocidade da transferência continua a ser referida como um dos critérios de suporte pela opção da técnica manual. O manuseamento do equipamento implica o recurso a posturas, por vezes, extremas durante a colocação do doente sobre o equipamento. Daynard et al.24 verificaram que o uso de equipamento aumentou a carga acumulada na coluna lombar, por vezes superior à referida com a técnica manual.
Daynard et al.24 concluíram que a existência de novos equipamentos no programa de prevenção de LMELT resultou numa maior aceitação das técnicas de mobilização recomendadas. A introdução de equipamento nas áreas de trabalho de prestação de cuidados a doentes dependentes reduz a carga associada à sua movimentação e é uma medida com elevados benefícios uma vez que a maioria das lesões dos profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros, resulta de uma elevada frequência de realização de atividades que têm exigências físicas e que dão origem à presença de sintomas e dor – as lesões ocorrem e agravam‐se lentamente ao longo do tempo devido à aplicação de força, à repetição de gestos e/ou posturas extremas34,39,46.
Os estudos de Yassi et al.30 e Daynard et al.24, em geral, revelam melhores resultados na combinação da formação (medida centrada no indivíduo) com a introdução de equipamento mecânico de assistência à mobilização de doentes (medida centrada no posto de trabalho), do que um programa de formação intensiva apenas com recurso a técnicas de mobilização de doentes. Além disso, reforçam a ideia de que nenhum programa de intervenção exclusiva deverá ser recomendado.
Ficam ainda por analisar diversas variáveis que condicionam o trabalho real, nomeadamente o ambiente de trabalho, as características psicológicas e sociais em que ocorre a prestação de cuidados e as condições organizacionais do trabalho, o que permite questionar o sucesso desta combinação de programas e reforça a necessidade de abordar o problema como um todo, isto é, tendo em conta a interação entre as condicionantes do trabalho, a atividade de trabalho e os resultados, quer para o trabalhador quer para o sistema produtivo e para o doente.
d) Estudos com programa de intervenção multifatorial (sistémicos)
Em oposição aos programas de formação exclusiva sobre técnicas de mobilização de doentes, a implementação de programas multifatoriais de cariz sistémico demonstra uma evidência científica robusta que o risco de LMELT nos profissionais de saúde diminui significativamente. Os resultados encontrados por Nelson et al.12, Black et al.23 e Hignett et al.26 são unânimes.
Nos estudos identificados a formação (geralmente ministrada através dos pares) é aliada a várias estratégias tais como a (i) avaliação da situação de trabalho com a consequente intervenção ergonómica, (ii) a implementação de algoritmos de decisão de apoio à mobilização de doentes, (iii) a aprendizagem com o erro/incidentes (after action reviews), (iv) a introdução de equipamentos mecânicos de assistência à mobilização e (v) a adequação das políticas organizacionais, em particular a nível de recursos humanos.
De facto, nos 3 estudos identificados destaca‐se a perspetiva sistémica e integradora da abordagem das situações reais de trabalho. Nesse contexto, é a metodologia da análise ergonómica do trabalho, por privilegiar a avaliação das relações entre o trabalhador e o sistema com o intuito de garantir, por um lado a saúde, a segurança e o conforto do trabalhador, e por outro lado, a melhoria da produtividade em qualidade e quantidade, que se revela mais adequada. Esta perspetiva permite não só compreender o trabalho – como é organizado e como se realiza no concreto – como também produzir conhecimento sobre a adequação do envolvimento físico, tecnológico e organizacional, nomeadamente às exigências físicas e cognitivas, às capacidades humanas, permitindo a antecipação da futura atividade de trabalho, prevenindo as desarmonias entre o envolvimento e o trabalhador47.
A mobilização de doentes realizada pelos profissionais de saúde ocorre, na sua maioria, em unidades de saúde que, atualmente, apresentam elevada complexidade tecnológica, instrumental e física, com constante pressão temporal e tensão associadas à prestação de cuidados de saúde de qualidade. Em paralelo, observa‐se uma grande diversidade de profissionais de saúde, cada vez mais envelhecidos e maioritariamente do sexo feminino, enquanto o trabalho se mantém fisicamente exigente e realizado por turnos, incluindo o trabalho noturno. Estas particularidades (fatores de risco) podem ser uma ameaça (risco) para a saúde e segurança dos profissionais de saúde na situação real de trabalho, enquanto se esforçam para atingir o desempenho esperado pela organização47.
Frequentemente as organizações desvalorizam a variabilidade individual e do sistema (consideram o trabalho estável), e, em consequência, as situações de risco não são antecipadas47. Faria et al.48 referem que as organizações hospitalares portuguesas apenas têm valorizado, de forma fragmentada, as condições de trabalho, em particular os aspetos do ambiente físico, desvalorizando, quer o indivíduo quer a sua atividade real de trabalho.
A utilização da metodologia da análise ergonómica do trabalho irá permitir às organizações compreender melhor esse trabalho, contribuindo para soluções que, através de uma intervenção sobre os fatores determinantes do trabalho, permita a adaptação dos espaços, equipamentos e processos às características, capacidades e limitações dos trabalhadores, e crie harmonia entre o homem e o ambiente de trabalho. A diminuição do absentismo resultante dos acidentes e das doenças profissionais e o aumento do rendimento e da produtividade individual e coletiva serão os principais benefícios para as organizações47,48.
O estudo de Nelson et al.12 refere que a implementação de um programa multifatorial de cariz sistémico, num período de 10 anos, permitiria poupar cerca de 205.000 dólares por ano às organizações envolvidas. Estima, inclusive, recuperar o capital investido em materiais e formação dos recursos humanos num período de 3,75 anos. Os resultados de Black et al.23 também mostram resultados semelhantes, com 41% de redução dos custos por lesão após a intervenção, sendo que a média de dias de trabalho perdidos diminuiria mais de 50%, de 35,99 dias para 16,2 dias.
Os resultados referidos estão de acordo com a Osha49, cujos dados de 2009 indicam a possibilidade de uma poupança de 150.000 dólares nos custos de compensação dos trabalhadores por doença num período de 5 anos, uma redução de 55% dos dias de trabalho perdidos por doença e uma redução de 45% de lesões associadas à mobilização (incluindo o levante) de doentes nos 4 anos seguintes à implementação do programa multifatorial (que inclui equipamento mecânico de assistência à mobilização de doentes, política de «não realizar levante manual», em combinação com formação sobre técnicas de mobilização de doentes) com 6 anos de duração.
No estudo de Brophy50 a implementação de um programa multifatorial (com base na metodologia de análise e intervenção ergonómica no local de trabalho e a disponibilização de equipamento mecânico) com uma duração de 7 anos permitiu uma redução de custos na ordem dos 200.000 dólares para os 98.000 dólares, relativamente às lesões a nível da coluna lombar.
A intervenção sistémica integra, desse modo, a elaboração de soluções centradas nas condições de trabalho, na organização e na adequação dos dispositivos técnicos e posteriormente centradas no trabalhador, nomeadamente através da sua formação e informação47. Por outras palavras, as intervenções devem privilegiar a (i) adequação do envolvimento (físico, tecnológico e organizacional) à variabilidade das características, capacidades e limitações humanas, (ii) evitar a exposição a fatores de risco do local de trabalho acima de níveis aceitáveis, o desgaste prematuro dos trabalhadores, bem como a fadiga física e mental que possam contribuir para ocorrência de acidentes, (iii) garantir a manutenção do estado de saúde dos trabalhadores durante a sua vida ativa e (iv) apostar na melhoria e no aumento da qualidade de produção47.
A abordagem sistémica deve contemplar medidas como47:
- •
A conceção de espaços adequados à atividade, sendo que o design dos serviços hospitalares deve garantir a flexibilidade e adaptabilidade do sistema;
- •
Reorganização temporal do trabalho;
- •
Seleção de equipamentos adequados à função e aos utilizadores;
- •
Introdução de ajudas técnicas (hardware e software) para a diminuição da probabilidade de erro;
- •
Integração de programas de promoção da saúde e segurança dos profissionais de saúde (nomeadamente programas de gestão do stresse, de promoção da atividade física, de formação/informação, etc.);
- •
Análise da fiabilidade dos sistemas de trabalho.
A implementação de algoritmos de apoio à decisão na mobilização de doentes, afixados nos placards dos serviços e junto às camas dos doentes, são considerados como ferramentas de ajuda (fundamentalmente cognitiva) que auxiliarão os profissionais de saúde a aplicar os dados da evidência científica na prática, diminuindo a atual diversidade de abordagens ao doente durante a sua mobilização12,23,26,35.
A normalização de procedimentos e processos que reduzem a necessidade de memória a curto prazo e garantem que se mantenham os níveis de segurança e fiabilidade, incluindo a implementação de algoritmos de decisão, permitirão uniformizar a abordagem ao utente e tornar seguras as decisões acerca da mobilização de cada doente35,47.
A introdução de equipamento mecânico já tinha evidenciado ser uma mais‐valia nos estudos de Yassi et al.30 e Daynard et al.24, e surge nos programas multifatoriais de cariz sistémico como uma etapa indispensável. Os equipamentos devem ser perspetivados de acordo com a sua disposição/configuração (função, importância, frequência e sequência de utilização) e com o seu relacionamento com os componentes da situação de trabalho (comunicação, controlo e movimento). É ainda importante que exista uma facilidade de interação entre o profissional de saúde e o equipamento, com sequências lógicas de procedimentos que facilitem a memorização e a aceitação pelo utilizador. Caso contrário, a sua utilização será comprometida e o recurso à mobilização manual do doente será uma constante47.
A aprendizagem com o erro/incidentes (after action reviews) surge também como uma etapa do programa multifatorial do estudo de Nelson et al.12. Este tipo de estratégia é considerada para alguns autores como uma ferramenta extremamente importante. Quando bem utilizada, conduz o processo ativo de formação das equipas de saúde51.
Em simultâneo, a notificação dos eventos adversos constitui, também, um novo desafio devido ao problema da subnotificação das LMELT, todavia é crucial para a implementação desta estratégia52. O objetivo da notificação de eventos adversos ou potenciais situações de risco é aprender com os erros, difundir informação e introduzir mudanças nos sistemas ou nas práticas, de forma a evitar que os mesmos erros se repitam no futuro20. Quando o conhecimento é partilhado nos locais de trabalho pode tornar‐se transferível ou aplicável noutras situações, contribuindo para minimizar a probabilidade de eventos adversos. A reflexão sobre os acontecimentos proporciona não apenas um momento de análise dos objetivos a atingir e de avaliação dos erros inerentes ao processo a ser refletido, como também um momento facilitador da comunicação da equipa de saúde que contribui para a saúde e segurança de profissionais de saúde e doentes35,53.
Os estudos com programas multifatoriais identificados na presente revisão sistemática destacam 2 medidas a nível organizacional, nomeadamente a implementação da política de «não realizar levante manual» e a definição (por escrito) do guião de competências da mobilização de doentes (manual ou com recurso a equipamento mecânico). Hignett et al.26 referem as competências, designadamente o conhecimento, as capacidades e as atitudes que devem ser adotados para minimizar o risco. O objetivo passa por minimizar a distância entre a teoria e a prática, conduzindo à mudança de atitudes e comportamentos. No fundo, trata‐se, como já foi referido anteriormente, de normalizar os procedimentos de acordo com o conhecimento científico.
Nos programas multifatoriais de cariz sistémico a formação/informação ao trabalhador surge no seguimento (em paralelo ou após) serem implementadas ações no sistema. A formação sobre a mobilização de doentes é importante para a realização de uma técnica correta, que exponha o profissional de saúde a um menor risco (ou aceitável) aquando da sua realização.
Hignett et al.26 referem que a formação deve incluir a supervisão diária na prática e delinear estratégias de facilitação da resolução de problemas, referindo, tal como Black et al.23 e Nelson et al.12, a vantagem da utilização dos algoritmos de decisão. Os resultados encontrados parecem evidenciar que a formação, quando ministrada de acordo com competências organizacionais pré‐definidas, favorece a cultura de segurança no que respeita à mobilização de doentes.
Outras estratégias organizacionais, nomeadamente as de minimização da fadiga dos profissionais de saúde, não foram identificadas nesta revisão sistemática. A fadiga resultante de longos períodos consecutivos de trabalho, do trabalho noturno e por turnos está na origem de um elevado número de erros, em geral35,54. Julga‐se, nesse contexto, igualmente importante para a prevenção das LMELT o estudo das estratégias que reduzem a fadiga e que permitem a limitação de horas consecutivas de trabalho, pois os níveis de desempenho e a atenção durante a noite, ou após muitas horas consecutivas de trabalho, não são possíveis de manter a um nível compatível com o desempenho exigido pela segurança do doente52,53,55,56. Em particular ao nível da enfermagem, elevadas exigências físicas, de cargas e de trabalho, aliadas, por um lado ao aumento das solicitações e à incorreta distribuição dos enfermeiros pelos serviços, e por outro à redução de pessoal e à diminuição do tempo de internamento, julga‐se estarem na base do aumento da fadiga e da probabilidade de erro durante a prestação de cuidados de saúde aos doentes.
Destaca‐se, ainda, o esperado efeito decorrente da inversão da pirâmide etária, designadamente o envelhecimento da população, que se julga irá provocar um aumento da procura de cuidados de saúde. Tal, associado à diminuição dos recursos humanos da saúde e também ao seu envelhecimento, e à sua utilização como se de um trabalho industrial se tratasse (linha de produção), reduzirá, consequentemente, o tempo destinado a cada doente e aumentará o risco de acidente e doenças profissionais34,47,54. É importante referir que, segundo Markkanen et al.52, baseando‐se em Goetch, o sucesso de um programa multifatorial de cariz sistémico depende de 5 elementos: (i) tipo de liderança do programa, (ii) política adotada (e sempre que possível colocada por escrito), (iii) envolvimento do trabalhador, (iv) monitorização contínua e (v) implementação de ajustamentos baseados nos resultados da monitorização contínua.
Importa referir também que a presente revisão sistemática comporta algumas limitações, devidas sobretudo à heterogeneidade dos estudos analisados, o que torna difícil a sua comparação.
ConclusõesOs cuidados de saúde implicam mobilização de doentes, incluindo a sua movimentação em situações particularmente complexas que acarretam riscos para os profissionais de saúde, nomeadamente risco de lesão musculoesquelética a nível da coluna lombar. A saúde dos profissionais de saúde faz parte integrante da tão atual e aclamada «qualidade em saúde». Criar ambientes de trabalho seguros, com rotinas adequadas e locais de trabalho corretamente planeados irá diminuir as desigualdades em saúde no trabalho destes profissionais, promovendo a sua segurança, conforto e bem‐estar e diminuindo a ocorrência de eventos adversos, tanto na perspetiva do profissional de saúde como na do doente.
A implementação de programas baseados em formação exclusiva sobre mobilização de doentes persiste na prática dos profissionais de saúde por se acreditar que se trata de uma medida eficiente na perspetiva custo‐benefício e custo‐efetividade para a prevenção de LMELT neste sector profissional.
Desta revisão sistemática concluiu‐se que não existe evidência científica que suporte o investimento em programas centrados na formação/informação dos profissionais de saúde acerca das técnicas de mobilização de doentes com o intuito de prevenir as lesões musculoesqueléticas da coluna lombar13,25,27,28,31. Os resultados estão de acordo com anteriores revisões bibliográficas, de que se destaca Hignett7, apesar de a dúvida subsistir e diversos estudos26,27 se debruçarem sobre o tema.
Os programas de intervenção multifatorial que utilizam os contributos da ergonomia para a harmonização das exigências organizacionais que se colocam aos profissionais de saúde apresentam vantagens inequívocas7,37. A componente sistémica e integradora da metodologia de análise e intervenção ergonómica permite compreender as relações entre o trabalhador e o trabalho, contribuindo para a harmonia entre o homem e o sistema. Existe substantiva evidência científica de que os programas multifatoriais de cariz sistémico previnem a ocorrência de LMELT12,23,26 e permitem recuperar o capital investido a curto prazo. Nelson et al.12 frisam que num período de 10 anos se poupariam mais de 200.000 dólares por ano, sendo que o capital investido em materiais e formação dos recursos humanos seria recuperado ao final de 3,75 anos. Black et al.23 reportam cerca de 40% de redução dos custos por LMELT e uma diminuição da média de dias de trabalho perdidos de 36 dias para 16 dias.
Nesse contexto, dá‐se particular destaque às soluções adequadas a cada local de trabalho, tendo em conta o trabalho real e as características dos trabalhadores. Algumas das estratégias que integram os programas multifatoriais de cariz sistémico que emergiram desta revisão sistemática no contexto da mobilização de doentes foram: (i) a análise ergonómica do trabalho e a intervenção ergonómica, (ii) os algoritmos de apoio à decisão, (iii) a implementação de equipamentos mecânicos para transferência e levantamento de doentes, (iv) a formação sobre técnicas e procedimentos de mobilização de doentes e o manuseamento dos equipamentos, (v) a aprendizagem com o erro/incidentes (after action reviews), (vi) a política de «não realizar levante manual» e (vii) a elaboração de um manual de competências para a mobilização de doentes. A maioria destas medidas não implica substantivos investimentos à sua implementação, mesmo no presente momento de crise económica, obrigam apenas a verdadeiramente compreender o trabalho e a implementar uma cultura de segurança e de aprendizagem com os erros.
Assim, face à atividade dos enfermeiros e em particular pelas frequentes queixas/sintomas musculoesqueléticos referidos11 como ligados ao trabalho, a formação sobre mobilização de doentes não deve deixar de existir, deve manter‐se no sentido de reciclar conhecimentos e garantir a concordância com a técnica recomendada. Esta estratégia apenas demonstra evidência científica quando combinada com outro tipo de intervenções12,23,24,30. Os resultados de suporte a esta tipologia de intervenção incluem a diminuição de cerca de 40% dos custos por lesão e de 45% da média dos dias de trabalho perdidos, de acordo com Daynard et al.24.
Relativamente aos programas de melhoria da capacidade física dos trabalhadores, não foi possível chegar a conclusões fidedignas. O estudo identificado apenas revelou resultados positivos ao nível da recuperação das lesões29.
Decorrente dos resultados obtidos com esta revisão sistemática sugere‐se:
- ‐
Abandonar a implementação de programas de formação intensiva sobre mobilização de doentes como estratégia única, isolada e sem monitorização do seu impacto ao longo do tempo;
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Implementar programas de prevenção de acordo com a abordagem sistémica e integradora das situações de trabalho, incluindo:
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Estudos sobre o benefício da melhoria da capacidade física dos profissionais de saúde ao nível da prevenção das LMELT;
- •
Estudos sobre os efeitos da reorganização do trabalho na fadiga dos profissionais de saúde que realizam trabalho noturno e por turnos;
- •
Estudos futuros com monitorização do impacto das diversas medidas adotadas em programas de prevenção de LMELT em profissionais de saúde, particularmente nos enfermeiros.
- •
Os autores declaram não haver conflito de interesses.