A recente evolução do registo informático dos atos de prescrição e levantamento de medicação disponibiliza um conjunto de dados que possibilita a mensuração dos comportamentos de adesão terapêutica, por recurso a Fontes administrativas de dados. Pretendeu‐se caracterizar o comportamento de adesão terapêutica, no subgrupo fármaco‐terapêutico dos antagonistas dos recetores da angiotensina, dos doentes hipertensos residentes na região de saúde do Alentejo nos anos de 2010‐2011. Constatou‐se que a adesão terapêutica primária foi de 61,2% e que a adesão terapêutica total se situou entre 55,7‐69,5%, com elevada variabilidade nos padrões comportamentais por idade, sexo e área geográfica.
The recent development in electronic pharmacy records made possible the measure of patients’ adherence behavior using administrative data sources. The overall objective of the study was to characterize the adherence behavior to Angiotensin Receptor Blockers of hypertensive patients living in Alentejo, Portugal, in 2010 and 2011. The results revealed that primary adherence stood at 61.2% and total adherence was situated between 55.7% and 69.5% with high variability on behavioral patterns for age, gender and geographic area.
Apesar do conceito de adesão terapêutica apresentar falta de concordância e consenso terminológico, este pode entender‐se como a medida em que o comportamento individual do doente corresponde às recomendações acordadas entre este e um prestador de cuidados de saúde, seja esse comportamento respeitante a toma de medicação, seguimento de regime alimentar e/ou alteração de estilos de vida1. É na natureza consensual da relação estabelecida entre prestador e doente que podemos diferenciar os conceitos de adesão (adherence) e cumprimento (compliance) terapêutico. Este último sugere que o doente segue passivamente as orientações clínicas que lhe são prescritas, pelo que, atualmente, tende a ser menos aceite na comunidade científica2.
A adesão terapêutica é frequentemente segmentada em adesão terapêutica primária e adesão terapêutica secundária, correspondendo a primeira ao peso dos levantamentos de medicação no total de prescrições efetuadas e a segunda à conformidade da toma da medicação com as orientações posológicas prescritas3.
A relevância deste tema pode ser evidenciada sobretudo em 2 dimensões: clínica e económica.
A importância clínica da adesão terapêutica resulta da assunção de que a prescrição terapêutica e o seguimento por parte do doente das orientações posológicas acordadas com o prescritor lhe é benéfico e que o seu comportamento racional implica seguir as recomendações terapêuticas. Existe assim uma associação direta entre adesão terapêutica e efetividade terapêutica. Charles Koop, cirurgião norte‐americano, resume esta ideia numa simples frase: «Drugs don¿t work in patients who don’t take them».
Vários são os estudos que corroboram esta abordagem. Bramley et al. (2006)4 confirmaram a associação entre níveis de adesão terapêutica mais elevados e a redução da tensão arterial em doentes hipertensos, constatando que os doentes que verificaram níveis de adesão superiores a 80% apresentaram uma probabilidade de controlo efetivo da tensão arterial 45% superior aos doentes que verificaram níveis de adesão terapêutica inferiores a 80%. Dunbar et al. (1991)5 concluíram, relativamente ao tratamento da hipertensão arterial, que 50% dos doentes desistem da terapêutica e que dos 50% que permanecem em tratamento apenas 2 terços consomem a medicação necessária para controlar efetivamente a tensão arterial. Concomitantemente, existindo evidência científica de que o controlo da tensão arterial permite reduzir significativamente o risco de desenvolvimento de complicações cardiovasculares, designadamente enfarte agudo do miocárdio, doença coronária isquémica e aguda, acidente vascular cerebral, etc., parece possível concluir que incrementos no nível de adesão terapêutica tendem a minimizar a probabilidade de ocorrência de complicações clínicas6,7.
A importância económica da adesão terapêutica não pode ser dissociada da sua importância clínica, na medida em que se manifesta com maior ênfase no desenvolvimento de complicações clínicas que requerem, por regra, o encaminhamento do doente para níveis de cuidados e/ou terapêuticas mais diferenciadas e, consequentemente, mais caras. A importância económica da adesão terapêutica está intrinsecamente associada ao conceito de eficiência económica na utilização dos recursos disponíveis. Nos EUA, estima‐se que o impacto financeiro das admissões por falta de adesão terapêutica atinja valores anuais próximos dos $100.000 milhões de dólares2,8. Estes são alcançados devido a níveis de adesão terapêutica medicamentosa relativamente reduzidos, situados na ordem dos 50%2,9. A este respeito, Osterberg et al. (2005) e Vermeire et al. (2001), citando estudos realizados anteriormente, avançam que a fraca adesão terapêutica resulta num acréscimo de 10% nas admissões hospitalares e num acréscimo de 23% de cuidados domiciliários.
A importância da adesão terapêutica para o planeamento em saúde é, assim, uma consequência direta da importância clínica e económica, na medida em que é expectável que a afetação de recursos técnicos, humanos e financeiros promova a efetividade clínica e a eficiência económica.
Métodos e instrumentos de medição da adesão terapêuticaA definição dos métodos e instrumentos de medição da adesão terapêutica assume particular importância na investigação da temática e decorre, por um lado, da inexistência de um «gold standard» comummente aceite pela comunidade científica e, por outro, da possibilidade de se verificar obtenção de resultados distintos entre os diversos instrumentos disponíveis1,8,10.
Neste âmbito, o uso de fontes administrativas de dados de prescrição e levantamento de medicação, para quantificação e qualificação dos comportamentos de adesão terapêutica dos doentes, tem‐se tornado mais frequente na última década e acompanhou o processo progressivo de informatização dos registos de saúde. O recurso a estas fontes de informação tem resultado na construção de indicadores que capturam quer os comportamentos de adesão primária quer os comportamentos de adesão secundária. A simplicidade do seu cálculo e utilização, produzindo resultados objetivos e quantificados, bem como os custos reduzidos da sua utilização para uma amostra populacional significativa, são as principais vantagens apontadas na literatura2,10,11.
Vários estudos permitiram concluir a validade científica da utilização de fontes de dados administrativos de prescrição e levantamento de medicação, quando comparada com outros instrumentos de mensuração dos comportamentos de adesão terapêutica10,12,13. Sistematizam‐se na tabela 1 os indicadores mais frequentemente citados, explicitando‐se a sua designação, descrição e fórmula de cálculo.
Indicadores de adesão terapêutica
Método | Descrição | Fórmula | |
---|---|---|---|
Rácio de adesão terapêutica primária | (RAP) | Compara a medicação que foi levantada por cada doente com a medicação que foi prescrita a esse doente num determinado período de tempo3. Os valores admissíveis para este indicador situam‐se entre 0‐1, inclusive, correspondendo 0 a não adesão primária total, i. e., da totalidade de medicação prescrita o utente não adquire qualquer medicação no período, e um a adesão terapêutica primária total, i. e., o utente adquire a totalidade da medicação que lhe foi prescrita no período. Constatou‐se que nem todos os autores assumem o conceito de adesão/não adesão primária na formulação inicial definida por Beardon (1993) e que se encontra acima descrita: alguns autores assumem metodologicamente que um doente só é considerado não aderente primário se se verificar que num determinado período de tempo não levantou qualquer medicação para o tratamento da sua patologia14,15 | (N.° comprimidos levantados)/ (N.° comprimidos prescritos) |
Taxa de posse de medicação «medication possession ratio» | (MPR) | Mede a percentagem de dias em que cada utente teve, em função da orientação posológica diária que lhe foi prescrita, terapêutica disponível num determinado período. Este indicador permite capturar, em simultâneo, a adesão terapêutica primária e a adesão terapêutica secundária na medida em que contabiliza tanto as prescrições não levantadas como a adequação da frequência dos levantamentos à posologia prescrita. São admitidos valores entre 0 e +∞, correspondendo 0 a não adesão terapêutica total, o valor um significa que a medicação levantada pelo doente lhe conferiu um número de dias de tratamento exatamente igual ao número de dias considerados no período e valores superiores a um que o doente adquiriu, no período, mais terapêutica que a necessária para cobrir o período temporal considerado. O indicador MPR é, de entre os indicadores que fazem uso de informação administrativa para mensurar os comportamentos de adesão terapêutica, aquele que é mais utilizado, sendo que são conhecidas várias modificações ao indicador formulado supra e que o aproximam dos restantes indicadores10,11 | (N.° acumulado de dias de terapêutica levantada)a / (N.° de dias avaliados)b |
Taxa de cumprimento «compliance rate» | (CR) | Compara o número total de dias de terapêutica em que cada doente teve medicação disponível, exceptuando os que resultam da última aquisição, com o tempo decorrido entre o primeiro e o último levantamento de medicação desse doente. A disponibilidade de medicação é aferida em função da posologia específica associada a cada prescrição. Também este indicador permite capturar, em simultâneo, a adesão terapêutica primária e adesão terapêutica secundária. Com este indicador pretende‐se ultrapassar a limitação associada ao indicador MPR que decorre de, dentro de uma janela temporal, nem todos os doentes iniciarem tratamento na mesma data e nem todos os doentes se manterem em tratamento até ao final da janela temporal. Ainda que a formulação matemática seja distinta, a interpretação dos valores admissíveis para este indicador é em tudo semelhante à apresentada para o indicador MPR10,11 | (N.∘ de dias de terapêutica levantada exc. últ. levantamento)c / (N.∘ de dias entre o 1.∘ e últ. levantamento)d |
Taxa de cumprimento da aquisição «refill compliance rate» | (RCR) | Compara o número total de dias de terapêutica em que cada doente teve medicação disponível, excetuando os que resultam da última aquisição, com o tempo decorrido entre o primeiro e o último levantamento de medicação desse doente. A disponibilidade de medicação é aferida em função da posologia média diária não ponderada associada a cada doente no período em análise. Este indicador apenas difere do indicador CR pela forma como a disponibilidade de medicação é capturada. A interpretação dos resultados mantém‐se igual ao do indicador CR e o indicador permite capturar, em simultâneo, a adesão terapêutica primária como a adesão terapêutica secundária | [(Soma quantidades levantadas exc. últ. levantamento)e/posologia média diária)f] / (N.∘ de dias entre o 1.∘ e últ. levantamento)d |
Medida contínua dos intervalos de aquisição de medicação «continuous measure of medication gaps» | (CMG) | Tal qual formulado, este indicador apenas difere do indicador CR por descontar, para cada doente, o efeito da sobreaquisição de medicação na melhoria do resultado de adesão terapêutica. Assim, os valores admissíveis para este indicador oscilam entre 0 (não adesão terapêutica total) e um (adesão terapêutica total). A respeito da sobreaquisição de medicação é de referir o pouco consenso de como a mesma deva ser tratada e de como a interpretação dos resultados deve ser extrapolada para o plano da adesão terapêutica11. Não existindo consenso quanto aos níveis de sobreaquisição a partir dos quais um doente deva passar a ser considerado não aderente, cumpre aqui referenciar que a discussão científica em torno deste tema se mantém acesa | 1 ‐ (N.∘ dias entre o 1.∘ e últ. levantamentod ‐ N.∘ dias terapêutica levantada exc. últ. levantamentoc)g/ (N.∘ dias entre o 1.∘ e últ. levantamento)d |
O objetivo do presente estudo é caracterizar a adesão terapêutica dos doentes através de Fontes administrativas de dados de prescrição e levantamento de medicação. Delimita‐se este objectivo aos doentes hipertensos residentes na região do Alentejo, em particular no subgrupo fármaco‐terapêutico dos antagonistas dos recetores da angiotensina (ARA).
Constituem objetivos específicos do presente estudo:
- •
Caracterizar a adesão terapêutica primária em ambiente de cuidados de saúde primários (CSP) nas dimensões de género, escalão etário e concelho de residência.
- •
Caracterizar a adesão terapêutica pelos indicadores taxa de posse de medicação (MPR), taxa de cumprimento (CR), taxa de cumprimento da aquisição (RCR) e medida contínua dos intervalos de aquisição da medicação (CMG) nas dimensões género, escalão etário e concelho de residência.
- •
Verificar se existe diferença de médias de adesão terapêutica entre género, entre escalão etário e entre concelhos de residência.
Como fonte de dados foram utilizadas as bases de dados de prescrição e faturação (independentes) de medicação na região Alentejo, dos anos de 2010 e 2011, que se encontram na base do Sistema de Informação das Administrações Regionais de Saúde (SIARS). Os dados de prescrição respeitavam, exclusivamente, a prescrições efetuadas em CSP integrados no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que efetuassem prescrição eletrónica (90,5%), enquanto os dados de faturação continham todos os levantamentos de medicação, independentemente do local onde a prescrição subjacente havia sido efetuada.
As opções metodológicas visaram garantir a correta associação entre as 2 bases de dados e, assim, permitir associar as orientações posológicas referentes a cada receita prescrita ao seu levantamento em farmácia de oficina. Na medida em que não se encontravam disponíveis os dados das prescrições efetuadas noutros níveis de cuidados que não CSP (hospitais, prestadores privados, etc.), assumiu‐se que a orientação posológica diária associada a estes levantamentos correspondia, para cada doente, à média das orientações posológicas diárias que se tinham verificado nas prescrições efetuadas em CSP no período em análise.
Os critérios de inclusão da informação, cumulativos e que conduziram à definição da amostra subjacente ao estudo, foram os seguintes:
- i.
Foram consideradas todas as prescrições em CSP de medicamentos ARA (categoria fármaco‐terapêutica, CFT 3.4.2.2.)17, cuja orientação posológica se encontrasse presente e permitisse a quantificação diária do número de comprimidos que o doente deveria tomar. Foi possível obter uma quantificação diária válida da posologia para 30,1% dos utentes a quem foi prescrita medicação ARA em CSP. Todos os medicamentos desta CFT são de levantamento sujeito a receita médica.
- ii.
Foram consideradas todas as prescrições cujo número de receita fosse válido, i. e., não nulo.
- iii.
Os utentes que reunissem as 2 condições supracitadas deveriam verificar a existência de 2 prescrições de medicamentos ARA, independentemente de estas terem ou não sido levantadas.
- iv.
Foram consideradas todas as prescrições que estivessem associadas a utentes com idade igual ou superior a 18 anos e cujo número de beneficiário do SNS fosse válido, i. e., não nulo.
- v.
Foram considerados todos os levantamentos de medicamentos ARA dos doentes que cumprissem os 4 critérios de inclusão anteriores, independentemente da natureza e nível de cuidados do local onde a prescrição tivesse ocorrido, devendo os dados respeitantes ao levantamento de medicação conter o número de receita e o número de beneficiário do SNS válido.
A associação entre os dados de prescrição e os dados de levantamento de medicação foi feita através do n.° de utente e n.° de receita para os levantamentos de prescrições efetuadas em CSP, e pelo n.° de utente para os levantamentos de prescrições efetuadas noutro tipo de cuidados.
O receituário triplo foi considerado. Apesar de, no momento da prescrição, não existir nenhum elemento que diferencie cada uma das 3 vias, a uma prescrição com o mesmo n.° de receita podem estar associados vários levantamentos em momentos distintos. Estas particularidades foram consideradas, tendo exigido um trabalho prévio de associação destes levantamentos a cada prescrição através do n.° de receita e datas de levantamento.
Após aplicação dos critérios metodológicos definidos obteve‐se uma amostra de 22450 doentes residentes na região de saúde do Alentejo que, em 2010 e 2011, adquiriram aproximadamente 230.000 embalagens de antagonistas dos recetores da angiotensina (CFT 3.4.2.2) e cujo encargo para o SNS foi de sensivelmente 5 milhões de euros.
Para validação estatística dos resultados apurados foram utilizados os testes de Kruskall‐Wallis, o teste de Games‐Howell e o teste de correlação de Spearman. Recorreu‐se a um nível de confiança de 95%.
Apresentação de resultadosCaracterização da amostraO presente estudo conta com uma amostra de 22.450 doentes, aos quais estiveram associados, pelo menos, 2 prescrições de medicação anti‐hipertensora ARA efetuadas nos centros de saúde da região do Alentejo. Constatou‐se que 39,7% das observações respeitavam a doentes do sexo masculino, cuja média de idades se situou em 66,4 anos (DP 12,4 anos), e que 60,3% das observações respeitavam a doentes do sexo feminino, cuja média de idades se situou em 68,2 anos (DP 12,2 anos). Estão representados os 47 concelhos que integram a região do Alentejo, A tabela 2 visa sistematizar a informação de prescrição e faturação de medicação ARA, nos anos de 2010 e 2011, associada aos 22.450 doentes considerados na amostra. Independentemente do nível e tipo de cuidados em que a prescrição ocorreu, verificou‐se que foram levantadas em farmácia de oficina 233.357 embalagens de medicamentos ARA por 19.758 doentes distintos. Constata‐se, assim, que existiram 2.692 doentes (12,0%) que, não obstante terem associadas pelo menos 2 prescrições no período em CSP, não tiveram associado qualquer levantamento. A 167 destes 2.692 utentes esteve associada prescrição de medicação sem qualquer comparticipação e que, não sendo considerada pelo centro de conferência de faturas (CCF), não é possível determinar se se trata ou não de não adesão terapêutica primária.
Sistematização da prescrição e faturação de ARA
n | Média | CV | |
---|---|---|---|
Prescrição em CSP | |||
N.° utentes | 22.450 | ||
Embalagens | 289.883 | 12,9 | 0,634 |
Comprimidos | 11.655.526 | 519,2 | 0,593 |
PVP | 8.446.177€ | 376,2 | 0,705 |
SNS | 6.238.398€ | 277,9 | 0,735 |
Levantamentos c/ prescrição em CSP | |||
N.° utentes | 19.528 | ||
Embalagens | 175.341 | 9,0 | 0,702 |
Comprimidos | 6.933.838 | 355,1 | 0,619 |
PVP | 4.956.557€ | 253,8 | 0,716 |
SNS | 3.718.364€ | 190,4 | 0,748 |
Levantamentos totais | |||
N.° utentes | 19.758 | ||
Embalagens | 233.357 | 11,8 | 0,625 |
Comprimidos | 9.153.036 | 463,3 | 0,541 |
PVP | 6.579.641€ | 333,0 | 0,635 |
SNS | 4.938.573€ | 250,0 | 0,668 |
Outras variáveis | |||
Posologia média diária ponderada | 1,011 | 0,130 |
CV: coeficiente de variação.
Em média, foram levantadas 11,8 embalagens por doente (CV 62,5%) e a posologia diária média foi de 1,01 comprimidos/dia (CV 13,0%). O encargo total com a medicação levantada foi de, aproximadamente, 6,6 milhões de euros, dos quais cerca de 4,9 milhões de euros (74,2%) foram suportados pela comparticipação do SNS. O encargo médio (out‐of‐pocket) suportado por cada doente foi de aproximadamente 83 euros para os 2 anos considerados, i.e., 41,5 euros/ano.
Adesão terapêutica primáriaObteve‐se um rácio de adesão primária (RAP) de 0,612 (tabela 3), sendo possível concluir também pela existência de uma variabilidade elevada de comportamentos que o coeficiente de variação verificado foi de 53,1%. Objetivamente, tal significou que, em média, por cada 100 comprimidos de ARA prescritos nos centros de saúde da região, em 2010 e 2011, apenas foram adquiridos pelos doentes 61,2 comprimidos.
A informação disponível permitiu ainda concluir pela existência de comportamentos extremos, i.e., doentes que no período, ou não têm registo de qualquer medicação, não obstante a necessidade clínica da toma ter sido identificada em pelo menos 2 momentos, ou adquiriram um número de comprimidos superior ao que lhes foi prescrito. Relativamente à primeira situação, identificaram‐se 2.692 doentes (12% da amostra), devendo ser tido em conta o efeito da medicação não comparticipada referido acima, ainda que o mesmo tenha expressão reduzida. Relativamente à segunda situação, foi possível identificar 255 doentes (1,1% da amostra) que levantaram mais 129.322 comprimidos do que o previsto nas receitas subjacentes, tendo tal resultado num encargo adicional para o SNS de 48.450 euros. Clarifica‐se que este excesso é marginal e não corresponde a levantamento de medicação não prescrita; antes respeita a levantamento de medicação prescrita, mas cuja apresentação dispensada (n.° de comprimidos por embalagem) foi superior à apresentação prescrita (e.g. prescrição de caixa de 28 comprimidos e dispensa de caixa de 30 comprimidos).
Adesão terapêutica, indicadores taxa de posse de medicação, taxa de cumprimento, taxa de cumprimento da aquisição e medida contínua dos intervalos de aquisição de medicaçãoEm termos globais, verificou‐se que a adesão terapêutica oscilou entre 0,557, quando medida pelo indicador MPR, 0,697 (indicador CR), 0,695 (indicador RCR) e 0,648 (indicador CMG).
O indicador MPR indica que, em média, nos 730 dias considerados, só em 55,7% dos dias o doente teve à sua disposição a medicação necessária ao tratamento da sua condição, em conformidade com a orientação posológica prescrita.
Para os restantes indicadores a leitura é ligeiramente distinta, na medida em que a formulação matemática do indicador é também ela distinta. Os valores obtidos indicam que, em média, no período compreendido entre o primeiro e o último levantamento de medicação, só em 69,7% dos dias (69,5% para o indicador RCR e 64,8% para o indicador CMG) os doentes tiveram à sua disposição a medicação necessária ao tratamento da sua condição, em conformidade com a orientação posológica prescrita (tabela 4).
Em quaisquer dos indicadores selecionados verificou‐se a existência de uma dispersão elevada em torno da média, indiciando uma heterogeneidade dos comportamentos dos doentes.
A análise da adesão terapêutica por estes 4 indicadores permitiu confirmar a existência de comportamentos extremos de adesão terapêutica (tabela 5), que haviam sido sinalizados na quantificação da adesão terapêutica primária, i. e., doentes que no período não têm registo de qualquer levantamento de medicação e doentes que adquiriam mais medicação que a necessária ao tratamento da sua condição em conformidade com as orientações posológicas prescritas.
Comportamentos extremos
MPR | CR | RCR | |
---|---|---|---|
Doentes s/ qualquer levantamento (%) | 2.692 (12) | 2.692 (12) | 2.692 (12) |
Doentes c/ excesso de levantamentos (%) | 1.915 (8,5) | 4.095 (18,2) | 4.020 (17,9) |
Excesso dias tratamento levantados por doente | 155 | 97 | 96 |
Excesso comprimidos levantados por doente | 154 | 96 | 97 |
Excesso encargo SNS | 159.557€ | 213.236€ | 211.769€ |
A não adesão terapêutica total é capturada de forma idêntica pelos 4 indicadores, tendo‐se constatado que existiram 2.692 doentes, 12% da amostra, que se enquadravam neste tipo de comportamento.
Já a sobreaquisição de medicação é capturada de forma distinta, sendo que o indicador CMG trunca a adesão terapêutica máxima a 100%. Em todo o caso, para estes 4 indicadores, a sobreaquisição de medicação deve ser entendida como o excesso de dias de tratamento que os utentes tiveram medicação em sua posse por não cumprirem a orientação posológica subjacente, sendo tal aferido pela cadência dos levantamentos da medicação prescrita.
Assim, quando considerado o indicador MPR, verificou‐se que 1.915 doentes, 8,5% da amostra, adquiram um excesso de medicação que lhes conferiu, em média, mais 155 dias de tratamento do que os 730 dias em análise. Observou‐se também que, quando considerado o indicador CR, a sobreaquisição de medicação afetou 4.095 doentes, 18,2% da amostra, conferindo‐lhes em média mais 97 dias de tratamento do que os necessários ao tratamento da sua condição em conformidade com a orientação posológica prescrita.
Do total de encargos suportados pelo SNS com medicação ARA para os doentes considerados na amostra (aproximadamente 5 milhões de euros) estimou‐se que entre 3,2‐4,3% estavam associados a sobreaquisição de medicação.
GéneroIndependentemente do indicador selecionado, verificou‐se que a adesão terapêutica era significativamente mais elevada nos doentes do sexo feminino do que nos doentes do sexo masculino, que a dispersão relativa em torno da média era mais elevada nos doentes do sexo masculino e que a ordenação dos indicadores, em função dos resultados obtidos para ambos os géneros, se manteve idêntica à registada para a amostra total (tabela 6).
Distribuição da adesão terapêutica por género
MPR | CR | RCR | CMG | |
---|---|---|---|---|
Masculino | ||||
n | 8.902 | 8.902 | 8.902 | 8.902 |
Média | 0,531 | 0,672 | 0,670 | 0,627 |
Coef. Variação | 0,728 | 0,788 | 0,791 | 0,585 |
Amplitude | [0; 2,8] | [0; 28,0] | [0; 28,0] | [0; 1] |
Var. % face à média amostral | ‐4,61% | ‐3,64% | ‐3,63% | ‐3,24% |
Feminino | ||||
n | 13.548 | 13.548 | 13.548 | 13.548 |
Média | 0,574 | 0,714 | 0,712 | 0,662 |
Coef. Variação | 0,652 | 0,712 | 0,716 | 0,513 |
Amplitude | [0; 4,2] | [0; 18,7] | [0; 18,7] | [0; 1] |
Var. % face à média amostral | +3,03% | +2,39% | +2,39% | +2,13% |
Da análise dos comportamentos extremos foi possível concluir que, independentemente do indicador, 15,5% dos doentes do sexo masculino não chegaram a efetuar qualquer levantamento de medicação no período, enquanto para os doentes do sexo feminino a prevalência deste tipo de comportamento se situou em 9,7%.
No extremo oposto e relativamente à sobreaquisição de medicação, constatou‐se que os diferentes indicadores produziam diferentes resultados, ainda que o fenómeno seja sempre mais prevalente no sexo feminino do que no sexo masculino. Pelo indicador MPR constatou‐se que a prevalência de sobreaquisição foi de 9,1% nos doentes do sexo feminino e 7,7% dos doentes do sexo masculino. Pelo indicador CR, que registou valores aproximados ao indicador RCR, verificou‐se que a prevalência de sobreaquisição foi de 18,9% nos doentes do sexo feminino e 17,3% nos doentes do sexo masculino.
Escalão etárioTambém a desagregação da análise em função da idade permitiu constatar que os diferentes indicadores produziam diferentes resultados e que, em regra, o indicador MPR apresentava valores de adesão terapêutica mais baixos e o indicador RCR apresentava os valores mais elevados (tabela 7).
Adesão terapêutica por escalão etário
MPR | CR | RCR | CMG | |
---|---|---|---|---|
Total | 0,557 | 0,697 | 0,695 | 0,648 |
[18; 30[ | 0,400 | 0,662 | 0,668 | 0,625 |
[30; 40[ | 0,376 | 0,579 | 0,578 | 0,529 |
[40; 50[ | 0,416 | 0,567 | 0,566 | 0,543 |
[50; 60[ | 0,467 | 0,605 | 0,604 | 0,566 |
[60; 70[ | 0,542 | 0,675 | 0,673 | 0,629 |
[70; 80[ | 0,619 | 0,753 | 0,750 | 0,696 |
[80; 90[ | 0,633 | 0,782 | 0,780 | 0,726 |
≥90 | 0,596 | 0,824 | 0,828 | 0,751 |
A faixa etária entre 30‐39 anos registou os valores mais baixos de adesão terapêutica pelos indicadores MPR e CMG, enquanto para os indicadores CR e CMG esse valor foi verificado na faixa etária entre 40‐49 anos. Os valores de adesão mais elevados foram registados na faixa etária entre 80‐90 anos pelo indicador MPR e na faixa etária que compreende os doentes com idade superior a 90 anos nos restantes 3 indicadores.
Não obstante se confirmar que em todas as faixas etárias existiriam doentes que não fizeram qualquer levantamento de medicação no período, as classes etárias entre 40‐70 anos são as que apresentam prevalências do fenómeno superiores à média amostral.
Relativamente à sobreaquisição de medicação, constatou‐se que a mesma era mais prevalente nas faixas etárias que registaram melhores desempenhos de adesão terapêutica, i.e., faixa etária 80‐89 anos para o indicador MPR com uma prevalência estimada de 10,9%, faixa etária ≥90 anos para os indicadores CR e RCR, com uma prevalência estimada de aproximadamente 28%.
Área geográficaA análise da adesão terapêutica pelos 4 indicadores selecionados foi feita para os 47 concelhos da região do Alentejo. Por facilidade de exposição, apenas se apresenta o melhor e o pior resultado para cada um dos indicadores (tabela 8).
Concelhos com melhor e pior desempenho
n | MPR | CR | RCR | CMG | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | Var.% | Média | Var.% | Média | Var.% | Média | Var.% | ||
Aljustrel | 767 | 0,667 | +19,8% | 0,790 | +13,3% | 0,788 | +13,4% | 0,711 | +9,7% |
Monforte | 238 | 0,648 | +16,4% | 0,823 | +18,1% | 0,827 | +18,9% | 0,733 | +13,0% |
Total | 22.450 | 0,557 | 0,697 | 0,695 | 0,648 | ||||
Almodôvar | 164 | 0,478 | ‐14,1% | 0,591 | ‐15,3% | 0,591 | ‐15,0% | 0,565 | ‐12,9% |
Marvão | 62 | 0,466 | ‐16,3% | 0,877 | +25,8% | 0,877 | +26,1% | 0,597 | ‐7,9% |
Var. %: variação percentual da média do concelho face á média amostral.
Assim, pelo indicador MPR, constatou‐se que o melhor desempenho ao nível da adesão terapêutica foi registado no concelho de Aljustrel (0,667) e o pior desempenho no concelho de Marvão (0,466). Pelos indicadores CR e RCR, o melhor desempenho verificou‐se no concelho de Marvão e o pior desempenho no concelho de Almodôvar. Pelo indicador CMG, verificou‐se que o melhor desempenho se verificou no concelho de Monforte e o pior desempenho no concelho de Almodôvar.
Em todos os concelhos foi possível validar a existência de comportamentos extremos. Os concelhos que verificaram uma maior prevalência de doentes que não efetuaram qualquer levantamento de medicação foram Marvão (21,0%), Cuba (20,9%) e Évora (20,1%), constatando‐se que existiram 16 concelhos que apresentaram uma prevalência deste comportamento superior à média amostral. Os concelhos de Ferreira do Alentejo (4,2%), Borba (5,1%) e Avis (5,5%) foram aqueles onde se verificou a menor percentagem de utentes que não efetuaram qualquer levantamento no período.
A prevalência da sobreaquisição de medicação foi mais elevada nos concelhos de Aljustrel (17,9%), Mora (13,8%) e Barrancos (11,8%), quando considerado o indicador MPR. Quando considerado o indicador CR, constata‐se que a prevalência da sobreaquisição foi mais elevada nos concelhos de Mora (28,7%), Aljustrel (28%) e Ferreira do Alentejo (27,3%). Estes resultados são válidos para o indicador RCR, com diferenças marginais na prevalência do fenómeno.
DiscussãoDiscussão metodológicaCom o presente estudo, pretendeu‐se caracterizar o comportamento dos doentes relativamente à adesão terapêutica com medicação anti‐hipertensora.
Os indicadores utilizados no presente estudo não permitem aferir a toma efetiva de medicação; antes aferem a posse de medicação pelos doentes e assumindo que a aquisição e posse de medicação implicam a sua toma. Esta é uma limitação que deve ser considerada e que é amplamente reconhecida na literatura científica, constatando‐se também que ela se manifesta na maioria dos métodos de aferição dos comportamentos de adesão terapêutica. Em concreto, é reconhecido que esta limitação tende a sobrestimar a adesão terapêutica2,10,11,16. Destarte, os mesmos autores concluem pela validade do recurso a indicadores administrativos de adesão terapêutica e pela validade dos resultados por eles obtidos, em confrontação com os obtidos por outros métodos de aferição da adesão terapêutica2,10,11,16.
Não obstante se encontrar disponível toda a informação de levantamento da medicação ARA, a disponibilidade dos dados de prescrição de medicação apresentou‐se circunscrita à prescrição efetuada em CSP. Na medida em que tal inviabilizou a obtenção das orientações posológicas prescritas fora dos CSP, houve a necessidade de se efetuar 2 opções metodológicas:
- i)
cálculo da adesão terapêutica primária pelo indicador RAP apenas para as prescrições efetuadas em CSP;
- ii)
para os indicadores MPR, CR, RCR e CMG assumir que a orientação posológica subjacente aos levantamentos cujas prescrições haviam sido efetuadas fora dos CSP correspondia, para cada doente, à média ponderada das orientações posológicas que esse doente verificou nas prescrições de CSP.
Existe um conjunto de particularidades associadas à prescrição e levantamento de medicação, e consequente conferência de receituário para efeitos de comparticipação dos encargos pelo SNS, que devem ser considerados aquando da leitura dos resultados obtidos, na medida em que podem não se consubstanciar como efetivos comportamentos de não adesão terapêutica, não obstante os indicadores os estarem a classificar como tal. São de tal exemplo o extravio do receituário e a existência de desconformidades administrativas na própria receita, invalidando o levantamento da medicação, situações que, por regra, são colmatadas pela emissão de nova receita e não pela reemissão da receita original. Esta limitação metodológica é particularmente relevante na interpretação do RAP, na medida em que este relaciona diretamente o que foi prescrito com o que foi levantado pelo utente. Os restantes indicadores (MPR, CR, RCR e CMG) não se apresentam vulneráveis a esta limitação, na medida em que da sua formulação matemática resulta a relação entre o número de dias em que o doente teve medicação em sua posse, i. e., medicação efetivamente levantada, com o número de dias que era suposto o doente ter medicação em sua posse, em conformidade com as orientações posológicas prescritas.
Pelas limitações metodológicas mencionadas, o indicador RAP apenas incide sobre as prescrições efetuadas em CSP, pelo que a sua comparabilidade com os restantes indicadores se encontra bastante limitada.
Outra limitação que deve ser considerada prende‐se com a prescrição e levantamento de medicação não comparticipada pelo SNS, que, por esse facto, não é conferida pelo CCF. No presente estudo considerou‐se a prescrição desta medicação e assumiu‐se que os utentes não levantaram a medicação, uma vez que não existia qualquer registo de levantamento associado, ainda que, em rigor, não seja possível determinar se essa medicação foi ou não adquirida. Da totalidade de comprimidos prescritos considerados, apenas 1,03% corresponderam a prescrições sem comparticipação. A opção metodológica adoptada pretendeu assegurar a maior captura possível das orientações posológicas associadas a cada utente.
O indicador MPR permite medir a proporção de dias que cada doente se encontra a coberto de medicação num determinado período (730 dias no presente estudo). Esta abordagem apresenta algumas limitações, em particular quando aplicada numa base populacional. Em primeiro lugar, porque o denominador se mantém fixo independentemente do doente, não descontando assim o enviesamento decorrente do abandono da terapêutica antes do termo do período de análise, nem o enviesamento decorrente de doentes que iniciem a terapêutica após o limite inferior do período em análise. Neste sentido, tenderá a sobrevalorizar a não adesão terapêutica. Em segundo lugar, porque permite que a sobreaquisição de medicação contribua para melhoria dos resultados, sem que tal configure uma efetiva melhoria na adesão terapêutica dos doentes10,11,16.
Os indicadores CR e RCR são bastante similares na sua formulação matemática, tendo‐se verificado que as diferenças nos resultados obtidos são marginais. A grande limitação associada a estes 2 indicadores prende‐se com o facto da sobreaquisição de medicação contribuir para a melhoria dos resultados médios de adesão terapêutica, limitação essa que é ultrapassada pelo indicador CMG, cuja formulação apenas difere do indicador CR por truncar a 100% o valor máximo de adesão terapêutica. Faz‐se, no entanto, notar que o tratamento da sobreaquisição de medicação, e a forma como deve ser interpretada ao nível da adesão terapêutica, não se reveste de consenso científico11. É questionável que um doente que adquira, por hipótese, o dobro da medicação necessária ao tratamento da sua condição em linha com as orientações terapêuticas prescritas deva ser considerado aderente.
Discussão de resultadosAdesão terapêutica primáriaGlobalmente, foi possível concluir que, para a amostra considerada (22.450 doentes), em média, em cada 100 comprimidos de anti‐hipertensores ARA prescritos em centros de saúde da região do Alentejo apenas foram levantados pelos doentes 61,2 comprimidos. A não adesão terapêutica primária situou‐se em 38,8%, sendo mais elevada no sexo masculino (40,8%) do que no sexo feminino (37,4%).
Os estudos consultados, resultantes da revisão de literatura efetuada, cujo objeto fosse a adesão terapêutica primária em patologia hipertensiva apresentaram valores que oscilaram entre 17,7‐28,4%18–20. Numa análise mais aprofundada aos critérios metodológicos adoptados por estes investigadores, em particular relativamente à seleção amostral, concluiu‐se que os mesmos limitavam a comparabilidade dos resultados com os obtidos pelo presente estudo.
Foi também possível constatar que 64,9% dos doentes (14.565) apresentaram RAP inferiores a 80%, i. e., 65% dos doentes não adquiriram, pelo menos, 20% da medicação que lhes havia sido prescrita em CSP.
Igualmente se evidenciou que as faixas etárias que compreendiam os doentes em idade ativa apresentaram RAP significativamente inferiores aos verificados nas faixas etárias que compreendiam doentes em idade não ativa (>65 anos). Esta tendência confirma os resultados obtidos por Wroth (2008)19.
Confirmou‐se a existência de comportamentos extremos numa franja significativa da amostra: 12% dos doentes (2.692) não têm qualquer levantamento de medicação associado à prescrição no período, não obstante a necessidade clínica da terapêutica ter sido identificada em pelo menos 2 momentos distintos.
Adesão terapêutica, indicadores taxa de posse de medicação, taxa de cumprimento, taxa de cumprimento da aquisição e medida contínua dos intervalos de aquisição de medicaçãoOs 4 indicadores de adesão terapêutica selecionados permitem quantificar os comportamentos de adesão terapêutica de uma forma mais abrangente do que o indicador RAP, seja porque capturam cumulativamente comportamentos de adesão terapêutica primária e secundária, seja porque permitem capturar os comportamentos em todos os níveis e tipos de cuidados onde tenha existido prescrição.
Globalmente, conclui‐se que a adesão terapêutica, para os doentes considerados na amostra, oscilou entre 55,7% (MPR), 69,7% (CR), 69,5% (RCR) e 64,8% (CMG). O indicador MPR é aquele que é referido na literatura científica como o instrumento de aferição da adesão terapêutica mais frequente. A comparação dos resultados obtidos com outros estudos científicos realizados não foi conclusiva; embora na esmagadora maioria dos estudos o indicador MPR seja aquele que apresenta valores de adesão mais baixos, e os valores obtidos pelo presente estudo e pelos diversos indicadores se enquadrem dentro do leque de valores encontrados na revisão de literatura, constatou‐se que os critérios metodológicos adoptados e as características das amostras diferem bastante de estudo para estudo4,8,10,16,21.
Independentemente do indicador considerado, constatou‐se que os doentes do sexo masculino apresentaram níveis de adesão terapêutica significativamente mais baixos que os doentes do sexo feminino, o que se encontra em linha com as conclusões obtidas ao nível da adesão terapêutica primária.
As faixas etárias que compreendem os doentes em idade não ativa, independentemente do indicador considerado, apresentaram consistentemente valores de adesão terapêutica mais elevados, sempre superiores à média amostral, que os verificados nas restantes faixas etárias. Não obstante confirmar‐se a diferença de médias entre as diversas faixas etárias, a correlação encontrada entre a idade e o nível de adesão terapêutica, apesar de positiva, foi fraca (0,13).
Foi possível confirmar a existência de comportamentos extremos em qualquer dos indicadores, i. e., comportamentos de não adesão total e comportamentos de sobreaquisição de medicação. Independentemente do indicador, 12% dos doentes considerados não tiveram, no período, associado qualquer levantamento de medicação ARA, sendo que a necessidade terapêutica foi identificada em pelo menos 2 momentos distintos. No extremo oposto, constatou‐se a existência de comportamentos de sobreaquisição de medicação, sendo que a prevalência do fenómeno variou em função do indicador selecionado. A prevalência mais reduzida de sobreaquisição de medicação (8,5% da amostra) foi obtida pelo indicador MPR, enquanto a mais elevada pelo indicador CR (18,2% da amostra), o que permitiu concluir que o encargo suportado com o SNS relativo à sobreaquisição de medicação se terá situado entre 160.000‐213.000 euros, respetivamente 3,2 e 4,3% do total de encargos SNS suportados com medicação ARA na região. A comparação dos resultados obtidos pelos indicadores CR e CMG permitiu concluir que a sobreaquisição de medicação, face às orientações posológicas prescritas, terá contribuído para a melhoria dos resultados de adesão terapêutica em cerca de 7,6%.
À semelhança do verificado para a adesão terapêutica primária, a desagregação da análise à dimensão do concelho de residência não permitiu obter, com os elementos disponíveis, padrões muito evidentes de distribuição geográfica do fenómeno. Em regra, verificou‐se que os concelhos que apresentavam um valor de adesão terapêutica superior à média amostral, por um determinado indicador, viam confirmada essa tendência pelos restantes indicadores.
ConclusãoO presente estudo confirmou que, com a informação administrativa de prescrição e levantamento de medicação que atualmente é recolhida pelos diversos prestadores de cuidados, é possível a mensuração da adesão terapêutica numa base populacional. Não obstante, verifica‐se a existência de um conjunto de limitações e barreiras, na sua essência decorrentes dos métodos logísticos de prescrição e recolha da informação que, não inviabilizando a mensuração dos comportamentos, se não forem devidamente acautelados, poderão conduzir a enviesamentos na leitura dos resultados. Referimo‐nos aqui à inexistência de uma base de dados centralizada de todas as prescrições realizadas, independentemente do local em que tenham sido efetuadas, conduzindo à impossibilidade de se obter sistematizadamente as orientações posológicas da terapêutica prescrita, à subsistência de alguns prestadores públicos que ainda não aderiram à prescrição eletrónica, ao facto das desconformidades administrativas associadas ao receituário conduzirem à emissão de nova receita, ao invés de ser reemitida a receita inicial, etc. A progressiva eliminação destas barreiras parece ser desejável na medida em que, assegurando uma maior qualidade e fiabilidade da informação, permitirá aferir, para todos os doentes de uma forma standardizada e universal, os níveis de adesão terapêutica por estes registados.
O presente estudo permitiu também constatar que os resultados de adesão terapêutica variam consoante o indicador utilizado. Neste sentido, reforça‐se a importância da escolha dos instrumentos de medida em adequação aos objetivos e condicionalismos de cada estudo concreto, facto amplamente reforçado pela inexistência de um «gold standard» reconhecido pela comunidade científica e pela falta de consenso científico, terminológico e conceptual, relativamente a muitos dos conceitos que se relacionam com a adesão terapêutica9–11.
Em função das conclusões e resultados obtidos e da evidência científica consultada, não se recomenda a prossecução de estudos de adesão terapêutica por recurso exclusivo a um indicador; antes se adopta a posição assumida por Andrade et al. (2006) de se mensurar os níveis de adesão terapêutica por recurso a diferentes indicadores11.
O presente estudo pretendeu perceber como se distribui a adesão terapêutica em 3 variáveis: género, idade e área geográfica de residência. Perceber o porquê dos comportamentos apresentarem índices de variabilidade elevados será o aprofundamento lógico do presente estudo. O relacionamento entre a adesão terapêutica e níveis de rendimento, condições sociodemográficas, disponibilidade de recursos de saúde, condições de acessibilidade a cuidados de saúde, causas de admissão hospitalar, entre tantas outras variáveis que possam apresentar capacidade preditiva dos comportamentos de adesão terapêutica, contribuirá seguramente para um melhor entendimento sobre as motivações e consequências dos comportamentos individuais de adesão terapêutica.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.