covid
Buscar en
Revista Portuguesa de Saúde Pública
Toda la web
Inicio Revista Portuguesa de Saúde Pública Comportamentos autolesivos em adolescentes: uma revisão da literatura com foco ...
Información de la revista
Vol. 31. Núm. 2.
Páginas 213-222 (julio - diciembre 2013)
Compartir
Compartir
Descargar PDF
Más opciones de artículo
Visitas
9433
Vol. 31. Núm. 2.
Páginas 213-222 (julio - diciembre 2013)
Artigo de revisão
Open Access
Comportamentos autolesivos em adolescentes: uma revisão da literatura com foco na investigação em língua portuguesa
Deliberate self-harm in adolescents: A literature review with focus on Portuguese language research
Visitas
9433
Diogo Frasquilho Guerreiro
Autor para correspondencia
dfguerreiro@campus.ul.pt

Autor para correspondência.
, Daniel Sampaio
Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Figuras (1)
Tablas (2)
Tabela 1. Pesquisa de termos em suicidologia, no título de artigos indexados na PubMed. Entre parêntesis estão os artigos indexados escritos em português
Tabela 2. Pesquisa de termos em suicidologia, publicados entre 1971-2010, no título de artigos indexados na Scielo
Mostrar másMostrar menos
Resumo

Os comportamentos autolesivos em adolescentes são de grande relevância, estando associados a doença psiquiátrica e à maior probabilidade de suicídio futuro.

O nosso objetivo é rever os conceitos atuais, epidemiologia e clínica destes comportamentos, assim como sistematizar que investigação e qual a conceptualização do tema na comunidade científica de língua portuguesa.

Os principais resultados apontam para um claro problema de saúde pública, sendo que os estudos encontrados revelam elevadas prevalências em amostras comunitárias e clínicas. A investigação em língua portuguesa tem dado um contributo ainda modesto para a clarificação deste problema, verificando-se pouco consenso na nomenclatura e definição do problema.

Palavras-chave:
Comportamentos autolesivos
Suicídio
Adolescência
Saúde pública
Abstract

Deliberate self-harm in adolescents is a very relevant subject, that is associated with psychiatric disease and greater probability of future suicide.

The main goal of this paper is to review the actual concepts, epidemiology and clinical aspects of this behaviour. Also we will try to systematize, focusing on the research in Portuguese language, what is the current data and conceptualization of this problem.

Result point to a clear public health issue, the studies found show high prevalence in community or clinical samples. Research in Portuguese language still contributes modestly to clarify the issue, showing little consensus in nomenclature and definition.

Keywords:
Deliberate self-harm
Suicide
Adolescence
Public health
Texto completo
Introdução

A adolescência pode definir-se como uma etapa de desenvolvimento e de maturação entre a infância e a idade adulta, caracterizada por importantes mudanças fisiológicas e psicossociais e fortemente influenciada pela interação do adolescente com os seus contextos, reforçando-se assim a singularidade de cada adolescente e, consequentemente, a heterogeneidade desta etapa do ciclo de vida que impossibilita o estabelecimento de um padrão comum e universal a todos, bem como a delimitação rígida de um início e um fim da adolescência1,2. Esta etapa da vida caracteriza-se pela tentativa de construção de autonomia em relação à família e a construção de um self integrado que leve à identidade que marca o final da adolescência1. São frequentes os comportamentos de risco (p. ex. tabagismo; consumo de álcool e/ou drogas; relações sexuais não protegidas; etc.)1,3, que devem ser analisados em termos de intensidade, repetição e continuidade. Se correr alguns riscos faz parte do desenvolvimento normal na adolescência, importa considerar a possibilidade da fixação do jovem a um padrão de consequências negativas que afetará o seu desenvolvimento1.

As adolescências patológicas traduzem-se por falta de esperança e incapacidade para conseguir um sentido para: lidar com as emoções, organizar um sentido de pertença e manter um sentimento sustentado de bem-estar1. Os comportamentos autolesivos (CAL) na adolescência são sempre sinal de uma adolescência patológica. Embora de diferente gravidade, evidenciam um intenso mal-estar que não deve ser negligenciado. Investigações com jovens portugueses4,5 permitiram definir os CAL dos adolescentes (de intencionalidade diversa face à morte) como relacionados com um triplo fracasso nas vertentes individual, familiar e social e resultantes de uma tentativa desesperada de alterar uma situação insustentável.

O suicídio e os CAL (também denominados de comportamentos suicidários, parassuicidários, autodestrutivos ou violência autodirigida, conforme as nomenclaturas utilizadas6–10) estão indissociavelmente ligados, sendo difícil abordar separadamente os temas.

O suicídio é definido classicamente como todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria vítima, ato que a vítima saberia dever produzir esse resultado11. É, a nível global, a segunda causa de morte nesta faixa etária – sendo a terceira mais comum em rapazes (após acidentes de viação e causas violentas) e a primeira em raparigas entre os 15-19 anos7. O suicídio é relativamente raro antes dos 15 anos de idade (taxa de 0,5/100.000 em raparigas e de 0,9/100.000 em rapazes, entre os 5-14 anos) aumentando de frequência entre os 15-24 anos (5,6/100.000 em raparigas e 19,2/100.000 em rapazes)12. Em Portugal, a taxa de suicídio na adolescência (entre os 15-19 anos) tem sido reportada com uma das mais baixas na Europa13 –2,6/100.000 em rapazes e 0,9/100.000 em raparigas, dados de 2000– no entanto, o peso das «mortes de causa indeterminada» pode ser um fator que tenha levado a uma subestimação do verdadeiro peso do problema14.

Importa sublinhar que o suicídio na adolescência parece ser apenas a ponta visível do iceberg. Quase sempre ocultos, mas muitíssimo mais prevalentes, encontramos os CAL7. O estudo Child & Adolescent Self-harm in Europe (CASE)15, realizado em 7 países e com a maior amostra neste tipo de estudos (mais de 30.000 adolescentes em contexto escolar), define CAL («self-harm») da seguinte forma: «comportamento com resultado não fatal, em que o indivíduo deliberadamente fez um dos seguintes: iniciou comportamento com intenção de causar lesões ao próprio (p. ex. cortar-se, saltar de alturas); ingeriu uma substância numa dose excessiva em relação à dose terapêutica reconhecida; ingeriu uma droga ilícita ou substância de recreio, num ato em que a pessoa vê como de autoagressão; ingeriu uma substância ou objeto não ingerível».

De notar que esta definição não utiliza o conceito de intencionalidade suicida mas sim de intencionalidade de se magoar ou fazer lesões ao próprio, incluindo quer tentativas de suicídio quer CAL sem intenção suicida. Foi sugerido que a perceção de CAL por parte de adolescentes são concordantes com esta definição16, por esta razão e pelo facto de ser um estudo com uma amostra muito significativa a nossa equipa de trabalho adotou esta definição de trabalho para os CAL (adaptação de «self-harm»).

Apesar de existirem algumas divergências na comunidade científica relativas à definição dos CAL, sobretudo no que diz respeito à sua intencionalidade (ou não) suicidária, distinguem-se na literatura anglo-saxónica 2 grandes grupos:

  • Deliberate self-harm: que não diferencia se o comportamento é ou não uma tentativa de suicídio, incluindo todos os métodos de autolesão (p. ex. sobredosagens ou cortes na superfície corporal) e evita a questão da intencionalidade (ou falta desta), reconhecendo as dificuldades na medição da mesma17;

  • Non suicidal self-injury: que se refere apenas à destruição do tecido corporal do próprio na ausência de intencionalidade de morrer, incluindo apenas cortes (self-cutting) e comportamentos associados (p. ex. queimaduras, arranhões, etc.)18.

Uma revisão recente19 verificou que a prevalência de ambos é comparável a nível internacional, sugerindo que se estão a medir fenómenos altamente associados e globalmente prevalentes. Em Portugal, o grupo de trabalho responsável pelo Plano Nacional de Prevenção do Suicídio optou pela seguinte nomenclatura10:

  • Comportamentos autolesivos: Comportamento sem intencionalidade suicida, mas envolvendo atos autolesivos intencionais, como, por exemplo: cortar-se ou saltar de um local relativamente elevado; ingerir fármacos em doses superiores às posologias terapêuticas reconhecidas; ingerir uma droga ilícita ou substância psicoativa com propósito declaradamente autoagressivo; ingerir uma substância ou objeto não ingeríveis (p. ex. lixívia, detergente, lâminas ou pregos).

  • Atos suicidas: Tentativas de suicídio e suicídio consumado

    • Tentativa de suicídio: Ato levado a cabo por um indivíduo e que visa a sua morte, mas que, por razões diversas, geralmente alheias ao indivíduo, resulta frustrado.

    • Suicídio consumado: Morte provocada por um ato levado a cabo pelo indivíduo com intenção de pôr termo à vida, incluindo a intencionalidade de natureza psicopatológica (p. ex. precipitação no vazio de esquizofrénico delirante e alucinado, obedecendo a vozes de comando).

Dados de amostras comunitárias apontam para que 10% dos adolescentes apresente CAL pelo menos uma vez ao longo da vida, sendo consistentemente mais frequente em raparigas7. Antecedentes de CAL (com ou sem intenção suicida) são um fator risco acrescido de suicídio20,21 e podem ser identificados em até 40% dos suicídios consumados22, mesmo a presença de CAL sem intenção suicida (p. ex. cortar-se repetidamente) é um dos fatores de risco mais preditivos para tentativas de suicídio futura20 e esta relação é muitas vezes subvalorizada20,23.

Por esta elevada prevalência e pela sua forte associação à 2.a causa de morte em adolescentes7, os CAL são um alvo lógico de intervenção (e estudo) de modo a prevenir consequências letais e diminuir a mortalidade nesta faixa etária. Não é de admirar o facto de a prevenção e investigação dos CAL ser considerada uma prioridade na União Europeia24 e em Portugal10. O estudo dos CAL é uma área de emergente, que necessita de ser aprofundada e divulgada, especialmente pelos profissionais de saúde e da educação para promover a capacitação destes em termos de diagnóstico e posterior encaminhamento dos jovens em risco25.

Objetivos

Os autores pretendem criar uma base de conhecimento, em língua portuguesa focada na temática dos CAL em adolescentes. Pretende-se identificar quais as investigações realizadas nesta área por investigadores de língua portuguesa, comparando-as com os dados da literatura internacional, assim como tentar compreender qual a conceptualização do tema na comunidade científica de língua portuguesa. Esta base poderá ser utilizada por técnicos de saúde de diferentes áreas no sentindo de aprofundar a investigação e melhorar a capacidade de manejo deste importante problema de saúde pública.

Métodos

Foi efetuada uma pesquisa sistemática da literatura até março de 2012 através de bases de dados médicas, nomeadamente MEDLINE, PsycINFO, SciELO. Utilizaram-se como palavras-chave: adolescentes; suicídio; tentativa de suicídio; comportamento autolesivo («self-harm»); comportamento suicidário («suicidal behaviour»); comportamento autolesivo não suicidário («non-suicidal self-injury») e parassuicídio («parasuicide»). Para além da pesquisa em base de dados foram consultados livros de texto, sobretudo utilizados para referenciar questões de nomenclatura e aspetos históricos.

A seleção das referências foi feita tendo em conta a sua adequação aos objetivos desta revisão e a informação foi categorizada em 5 partes: «Definição de CAL: nomenclaturas e conceitos utilizados»; «Definição de CAL: síntese histórica»; «A epidemiologia dos CAL» e «Perfil clínico do adolescente com CAL». De seguida é feita uma discussão que pretende sintetizar os resultados destas revisões, apontando necessidades de investigação futuras.

ResultadosDefinição de comportamentos autolesivos: nomenclaturas e conceitos utilizados

Os CAL, nas suas diferentes formas, são tão antigos como a própria a humanidade, existindo relatos em várias culturas, populações e áreas geográficas6. Por exemplo, uma das descrições mais antigas de autolesão por cortes (self-cutting), neste caso um CAL sem intenção suicida, pode ser encontrada nos textos bíblicos que referem a história de «um homem possuído por um demónio, que gritava e se cortava com pedras» até ser «curado» por um exorcismo feito por Jesus. Muitas outras descrições deste tipo de comportamentos podem ser encontradas em registos de casos clínicos, fontes literárias, antropológicas e artísticas ao longo das décadas26. No entanto, nos últimos anos temos vindo a assistir a um aumento do interesse social, clínico e científico sobre este tema6, nomeadamente na adolescência15.

Existe na comunidade científica um debate aceso acerca da nomenclatura (conceitos básicos, terminologia e definição) a usar relativa a este tipo de comportamentos27. Observa-se que diferentes grupos de trabalho utilizam diferentes nomenclaturas, tendo estas discrepâncias implicações marcadas na compreensão e comparação de dados epidemiológicos, clínicos e mesmo ao nível da prevenção16. Este problema é, por si, complexo na língua inglesa, mas torna-se ainda mais complicado quando se tenta escolher o termo a utilizar na língua portuguesa.

Existem 4 conceitos básicos que são utilizados em todas as nomenclaturas9: método, resultado, letalidade e intencionalidade.

Método

Refere-se à forma ou processo utilizado para o sujeito se autolesionar. Exemplos são sobredosagem, cortes ou queimaduras corporais, precipitar-se de alturas, etc. Apesar de parecer algo muito objetivo e de fácil medição, verifica-se que a nível epidemiológico pode ser difícil de definir com precisão, uma vez que a maioria dos estudos nesta área são de autorelato6,9.

Resultado

Pode ser a morte (acidental ou suicídio), a sobrevivência com lesões/ferimentos ou sobrevivência sem lesões/ferimentos28.

Letalidade

Refere-se ao potencial de perigo de morte associado ao método utilizado9. Nesta perspetiva, exemplos como a utilização de armas de fogo, precipitar-se de alturas ou enforcamento são considerados métodos de alta letalidade, enquanto, por exemplo, automutilações ou alguns tipos de sobredosagens podem ser considerados de baixa letalidade. O conceito de letalidade pode ser visto de 2 dimensões, a letalidade objetiva (avaliada por exemplo por um médico) ou subjetiva (avaliada pelo próprio sujeito). Até 50% das pessoas com CAL avaliam incorretamente a letalidade do método29, daí a importância da dimensão subjetiva deste conceito.

Intencionalidade

É provavelmente o conceito mais controverso, sendo aquele que mais desacordo gera entre os investigadores nesta área. Pode ser definida como a determinação para agir de modo a atingir um objetivo, neste caso o suicídio. A sua avaliação é feita primariamente segundo autorelato, um método imperfeito com potencial de viés ao nível da sua imprecisão, da memória do ato ou mesmo da ambivalência sobre morrer6. De acordo com Sampaio4, é sugerido que a intencionalidade possa ser inferida a partir da maior ou menor rapidez do método utilizado e da sua reversibilidade, bem como tendo em atenção a possibilidade de uma intervenção salvadora.

Existem claras preferências geográficas em termos de nomenclatura. Nos Estados Unidos foi feito um esforço pelo National Institute of Mental Health e pela Associação Americana de Suicidologia de modo a criar uma nomenclatura universal, por vezes apelidada de Beck-O’Carroll-Silverman em que inicialmente30 os autores subdividiam os comportamentos suicidários em 2 grupos: comportamento instrumental relacionado com suicídio (sem intenção de morrer) e atos suicidas (com intenção de morrer). No entanto, numa revisão mais recente8 os autores reconheceram a crítica principal a esta classificação que refere que muitos casos de CAL não apresentam esta dicotomia, sendo muitas vezes difícil de definir a «intencionalidade zero». Assim sendo os autores atualizaram esta nomenclatura propondo que a intencionalidade do ato pode estar presente, ausente ou indeterminada e que do ato pode resultar a morte, a sobrevivência sem lesões/ferimentos ou com lesões/ferimentos. Outras correntes nos Estados Unidos favorecem o termo tentativa de suicídio apenas quando o CAL ocorre com esforços diretos e intencionalidade para terminar a vida do sujeito. Estes mesmos autores subdividem os CAL («deliberate self-harm») em lesão corporal sem intenção de morte (incluindo sobredosagens e automutilações) e CAL não suicidário («non-suicidal self-injury»), que se refere apenas a destruição do tecido corporal do próprio na ausência de intencionalidade de morrer (incluindo apenas automutilações e comportamentos associados)18.

A maioria das investigações na Europa, Austrália e Nova Zelândia utilizam preferencialmente a designação CAL («self-harm») que inclui todos os métodos suicidários e evita a questão da intencionalidade (ou falta desta), reconhecendo as dificuldades na medição da mesma17. Este termo tem algumas similaridades com o proposto por Kreitman e inicialmente adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de parassuicídio31, que tem sido progressivamente substituído nas investigações da OMS pelo termo comportamento suicidário28. Esta nomenclatura é apelidada de Kreitman-Hawton-de Leo9.

Numa perspetiva ainda mais teórica, Claes e Vandereycken32 propõem um algoritmo de diagnóstico diferencial para estes comportamentos, tendo como base o pressuposto que os CAL são o oposto dos comportamentos de autocuidado (CAC). A noção de cuidado, contraposta à de lesão, pode ser altamente variável de acordo com a perspetiva subjetiva da pessoa e da sua intenção. Por exemplo, tomar conta da sua saúde física (p. ex. não fumando, tendo hábitos de higiene) pode ser um exemplo de CAC, mas por outro lado preocupação excessiva com a saúde física (p. ex. lavagens incessantes das mão ou dos dentes ou exercício excessivo) também pode ser considerada uma forma de CAL. Por outro lado, existem CAL que podem ser considerados normais, em que comportamentos potencialmente lesivos são utilizados de forma socialmente aceite, como forma de valorização física, em que o objetivo é cuidar de si e do seu corpo (p. ex. piercings e tatuagens). Também relacionado com esta discussão surge outro termo, o de CAL indiretos, que têm sido definidos como comportamentos que causam algum grau de lesão/prejuízo corporal ou psicológico, como por exemplo beber álcool, comer alimentos com elevado teor de gordura ou fumar. Estes comportamentos não são realizados com intenção de causar lesão ou prejuízo, mas sim como atividades de prazer, e a «lesão» (o «self-harm») é um efeito indireto e indesejado6.

Na tabela 1 observamos a utilização dos conceitos na base de dados da PubMed ao longo de 4 décadas (1971-2010). Foi feita uma pesquisa dos títulos dos artigos, pesquisando as palavras-chave parassuicídio, comportamento autolesivo, comportamento autolesivo não suicida, tentativa de suicídio, comportamento suicidário e suicídio. Foram postos limites de acordo com 4 décadas e de acordo com linguagem do artigo português ou qualquer linguagem.

Tabela 1.

Pesquisa de termos em suicidologia, no título de artigos indexados na PubMed. Entre parêntesis estão os artigos indexados escritos em português

Termo utilizado (termo em inglês)  Referências encontradasTotal 
  1971-1980  1981-1990  1991-2000  2001-2010   
Parasuicídio (parasuicide)  34 (0)  72 (0)  95 (0)  60 (0)  261 
Comportamento autolesivo (self-harm)  5 (0)  28 (0)  136 (0)  604 (0)  773 
Comportamento autolesivo não suicida (non-suicidal self-injury)  0 (0)  0 (0)  0 (0)  39 (0)  39 
Tentativa suicídio (suicide attempt)  34 (0)  41 (0)  63 (1)  252 (1)  390 
Comportamento suicidário (suicidal behaviour; suicidal behavior)  111 (0)  203 (0)  322 (0)  737 (2)  1.373 
Suicídio (suicide)  1.722 (6)  2.644 (8)  5.257 (8)  7.325 (25)  16.948 
Total  1.906  2.988  5.873  9.017  19.784 

Verifica-se nesta pesquisa o discutido anteriormente, uma elevada heterogeneidade dos termos utilizados e um crescimento exponencial do interesse nesta área, correspondendo os estudos da última década a cerca de metade da totalidade dos estudos. Os termos mais comummente, para além de suicídio, utilizados são comportamentos suicidários e CAL. A figura 1 reflete o crescimento de todos os termos relacionados com esta área com a exceção do parassuicídio, que tem vindo a ser cada vez menos utilizado.

Figura 1.

Número de artigos indexados na PubMed em que no título surge algum dos seguintes termos: CAL: comportamentos auto-lesivos; CALNS: comportamentos auto-lesivos não suicidários; CS: comportamentos suicidários; PS: parassuicídio; TS: tentativa de suicídio.

(0.1MB).

Os artigos escritos na língua portuguesa são uma clara minoria dos indexados na PubMed, totalizando 51. A tabela 2 reflete pesquisa semelhante na base de dados Scielo, que inclui artigos publicados em português e em castelhano. Por ser menor o número de referências optou-se por não dividir cronologicamente.

Tabela 2.

Pesquisa de termos em suicidologia, publicados entre 1971-2010, no título de artigos indexados na Scielo

Termo utilizado  Referências encontradas 
Parassuicídio («parasuicide»; para-suicídio)  2 (0) 
Comportamento auto-lesivo («self-harm», «self-injury»)  1 (0) 
Comportamento auto-lesivo não suicida («non-suicidal self-injury»)  0 (0) 
Tentativa suicídio («suicide attempt»)  23 (8) 
Comportamento suicidário (comportamento suicida; «suicidal behaviour»; «suicidal behavior»)  9 (2) 
Suicídio («suicide»)  203 (89) 

Entre parêntesis estão os artigos indexados escritos em português.

A publicação de artigos científicos em português nesta área parece ser reduzida quando comparada com o crescimento exponencial da publicação internacional nesta área. É nossa opinião que isto poderá dever-se a 3 causas: os autores de língua portuguesa preferem publicar em inglês; existe uma lacuna na investigação científica das populações de língua portuguesa; ou muitos estudos em língua portuguesa são publicados em revistas não indexadas. De notar que os estudos em língua portuguesa apresentam elevada heterogeneidade na utilização dos termos que descrevem os CAL, sendo os termos mais utilizado comportamentos suicidários e tentativas de suicídio (ver tabela 2).

Definição de comportamentos autolesivos: síntese histórica

Como já foi referido, os CAL (nas suas várias formas) são referidos desde a antiguidade, com relatos em vários culturas, populações e áreas geográficas6.

Um dos autores mais influentes no campo do estudo do suicídio (e consequentemente dos CAL), que fez uma das primeiras tentativas de sistematização nesta área, foi o sociólogo francês Émile Durkheim, no final do século XIX11. Este definiria suicídio como todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo (p. ex. enforcamento) ou negativo (p. ex. greve de fome) praticado pelo indivíduo, ato que a vítima sabia dever produzir este resultado11,33. Este fenómeno era visto como fruto do progresso, da industrialização, da instrução, da civilização, sendo visto por 2 dimensões compreensivas: integração e regulação33. A integração refere-se às relações sociais que ligam o indivíduo ao grupo, e a regulação como os requisitos normativos ou morais exigidos para a pertença ao grupo. Apesar de extremamente importante e pioneira, esta visão de Durkheim é limitada no que diz respeito aos CAL sem intenção de suicídio e no baixo-relevo dado aos fatores individuais e psicopatológicos associados ao suicídio e aos CAL.

Também no final do século XIX Esquirol realça que apenas uma minoria das tentativas de suicídio é efetivamente mortal, iniciando o estudo comparativo deste fenómeno no seu trabalho Des Maladies Mentales34.

Em 1938, Karl Menninger tentou subcategorizar os comportamentos de automutilação, sugerindo que estes poderiam ser considerados como um «esforço para se curar a si próprio», conceptualizando estes como um suicídio parcial (ou focal) utilizado para prevenir o suicídio completo35.

Em 1964, Stengel36 propôs que as pessoas que se suicidam efetivamente (suicídio completo) e as que fazem tentativas de suicídio seriam 2 populações distintas, sendo que esta última categoria só seria considerada em casos em que «o indivíduo não morria, apesar de ser esse o objetivo». Este trabalho foi alvo de elevado criticismo levantado em torno do grupo de «tentativas de suicídio», no qual predominavam as mulheres. Tacitamente esta nomenclatura implicava que as mulheres seriam menos competentes que os homens (que predominavam no grupo de suicídio completo), o que levou as correntes psicológicas norte-americanas, suportadas por grupos feministas, a propor o termo «comportamento suicidário»28.

Apenas na ICD-9, em 1975, na secção «lesões e envenenamentos», é referida a diferenciação entre suicídio e tentativas de suicídio e lesões autoinflingidas deliberadas. Sendo que na ICD-10, em 1992, foi criada a categoria «auto-lesão intencional» (intentional self-harm), sendo explicitado que esta incluía lesões ou envenenamentos deliberados (purposefully) e suicídio (tentativa).

Entretanto, em 1969, Kreitamn37 propôs o termo parassuicídio, que foi posteriormente adotado pela OMS no estudo «WHO/EURO Multicenter Study on Parasuicide»38: «um ato com resultado não fatal em que um indivíduo inicia um comportamento não habitual que, sem intervenção de outros, irá causar autolesão, ou em que ingere uma substância em doses excessivas em relação à dose prescrita ou à dose terapêutica habitualmente reconhecida, e que visa realizar mudanças desejadas pelo sujeito, através das consequências físicas reais ou esperadas». Este termo apresentou vantagens e desvantagens tanto na investigação como na prática clínica28, sendo em certa medida pouco claro em termos conceptuais. O termo é utilizado por alguns autores para descrever tentativas de suicídio de baixa ou alta intencionalidade de morte, enquanto outros o reservam exclusivamente para comportamentos que mimetizam o suicídio de baixa intencionalidade. Para além das diferentes utilizações do termo pelas diferentes equipas de investigação e clínicas, a nível semântico o termo parassuicídio levanta dificuldades sobretudo pois o prefixo «para», em diferentes línguas (incluindo o português), significa «semelhante a», mas também «que mimetiza» ou «que finge». Estas interpretações parecem descrever bem os CAL sem intenção de morte, mas são pouco explícitas no que é por vezes referido como «suicídio falhado»28.

A história recente da investigação do suicídio e dos CAL é marcada por um interesse cada vez maior da comunidade científica, dando lugar a um número cada vez maior de estudos de vários tipos, focando-se na epidemiologia, procura de fatores de risco e de estratégias de prevenção. A nomenclatura atual é dominada por 2 correntes teóricas (descritas acima): a de Beck-O’Carroll-Silverman30 e a de Kreitman-Hawton-De Leo9.

Futuramente, é esperada na DSM-5 a inclusão de uma «patologia psiquiátrica» nomeada de «non-suicidal self-injury disorder»39, que corresponde a CAL sem intenção suicida, que ocorre de forma repetida e se considera apenas destruição do tecido corporal18. Esta nova categoria diagnóstica irá trazer certamente elevada controvérsia para esta área de difícil consensualização.

A epidemiologia dos comportamentos autolesivos

A epidemiologia dos CAL em adolescentes apresenta grande variação de acordo com o local geográfico, tipo de amostra (comunitária vs. clínica) e conforme a definição adotada nos estudos7. No entanto, parece inegável que se trata de um problema global e de elevada prevalência.

Estudos utilizando os critérios de comportamento autolesivo do estudo Child & Adolescent Self-harm in Europe15

O estudo multicêntrico CASE15, realizado na Austrália, Bélgica, Inglaterra, Hungria, Irlanda, Holanda e Noruega, é um dos maiores estudos até à data. Foi colhida uma amostra de 30.477 adolescentes, entre os 15-16 anos de idade, através da utilização de questionários («The Lifestyle & Coping Questionnaire») em meio escolar. Este estudo revelou uma prevalência de CAL no último ano de 8,9% em mulheres e de 2,6% em homens, sendo que a maioria dos adolescentes ocultava este facto e que cerca de metade apresentava CAL de forma recorrente. Este estudo permitiu a comparação direta de prevalências entre os países participantes no estudo, confirmando a ideia de que se trata de um fenómeno com variação geográfica. Em relação à presença de CAL no último ano, em mulheres as taxas de prevalência variaram entre 3,6% (na Holanda) e 11,8% (na Austrália). Em homens, as taxas de prevalência de CAL no último ano variaram entre 1,7% (na Hungria e na Holanda) e 4,3% (na Bélgica).

Dados de um estudo feito na Escócia40, numa amostra de 2.008 adolescentes, entre os 15-16 anos de idade, através da utilização de questionários de autopreenchimento em meio escolar, revelaram uma prevalência no último ano de 9,7%. Os CAL foram cerca de 3 vezes mais frequentes em raparigas, com uma prevalência no último ano de 13,6% contra 5,1% em rapazes.

Um estudo comparativo entre adolescentes na Alemanha e nos Estados Unidos revelou taxas semelhantes de ocorrência de non-suicidal self-injury durante a vida de 25,6%, sendo que 9,5% o fazia repetidamente41.

Estudos em países de língua portuguesa

O «Health Behaviour in School-aged Children» (HBSC)42 é um estudo colaborativo da OMS que pretende estudar os estilos de vida e comportamentos dos adolescentes nos vários contextos das suas vidas. Integra 44 países, incluindo Portugal. Na amostra de 5.050 adolescentes portugueses que integra este estudo, cuja média de idade é 14 anos, verificou-se que 15,6% afirma ter-se magoado a si próprio no último ano43. Este estudo apresenta uma amostra considerável de adolescentes nesta área específica, mas apresenta algumas limitações metodológicas (nomeadamente na restrição da identificação de casos) que poderão ter resultado nesta prevalência estimada superior ao esperado.

Num outro estudo da mesma equipa foram inquiridos 396 jovens das 5 regiões de Portugal, com idades compreendidas entre os 13-21 anos. Observou-se que 18% mencionou ter-se autoagredido pelo menos uma vez e 5,6% referiu ter-se autoagredido 4 vezes ou mais nos últimos 12 meses. Mencionaram sentimentos de raiva/hostilidade (8,8%), ausência de esperança no futuro (8,3%) e tristeza (8,1%) durante o comportamento de violência autodirigida25.

Um estudo português analisou uma amostra comunitária de 822 adolescentes entre o 10.°-12.° ano de escolaridade, tendo verificado que 34,4% dos jovens já teve em algum ponto da sua vida ideação suicida e, entre estes, 7% fizeram, pelo menos, uma tentativa de suicídio44.

Um outro estudo realizado em Portugal com uma amostra de 628 adolescentes, estudantes do 10.°, 11.° e 12.° ano, de escolas secundárias em Lisboa, com idades compreendidas entre os 15-18 anos, verificou que 48,2% já teve ideias de suicídio ao longo da vida, que cerca de 7% dos indivíduos fizeram tentativas de suicídio e que 35% apresentavam comportamentos de automutilação45. Este valor parece também sobrestimado, sendo reconhecido pelos autores que poderão ter existido dificuldades dos adolescentes «em identificarem os termos da pergunta sobre atos autolesivos».

A equipa da Consulta de Prevenção do Suicídio, em Coimbra, Portugal, revelou uma incidência de 200 casos anuais por 100.000 habitantes, ou 600 casos anuais por 100.000 habitantes quando restringido apenas às mulheres dos 15-24 anos46.

Um estudo realizado numa unidade de internamento de pedopsiquiatria (cuja faixa etária se situava entre os 12-17 anos), em Lisboa, verificou que entre 2006-2009, aproximadamente 4-12% dos internamentos foram motivados por comportamentos autolesivos47.

Mais recentemente, numa amostra comunitária de 1.713 adolescentes (entre os 12-20 anos) de escolas públicas da área metropolitana de Lisboa, utilizando metodologia idêntica ao estudo CASE15, verificou-se que 7,3% dos adolescentes já tinha apresentado pelo menos um episódio de CAL, calculando-se uma prevalência ao longo da vida de 10,5% para raparigas e 3,3% para rapazes e uma prevalência no último ano de 5,7% e 1,8%, respetivamente*. Nesta investigação verificou-se ainda que só uma minoria levou a apresentação hospitalar ou aos cuidados de qualquer técnico de saúde, permanecendo na sua maioria como um «comportamento oculto».

Um estudo realizado nas cidades de Porto Alegre e Erechim, no Brasil, utilizou uma amostra comunitária de 730 adolescentes com idades entre 13-19 anos, verificando que 34,7% apresentavam ideação suicida segundo a Escala de Ideação Suicida de Beck48.

Um estudo realizado nas urgências psiquiátricas de um hospital escola da região de Ribeirão Preto, São Paulo, durante os anos de 1988-1991, revelou que entre 40-50% da população entre os 10-24 anos que recorreu a este serviço apresentava quadro de suicídio ou lesões autoinfligidas49.

Outro estudo populacional realizado na cidade de Pelotas, no Sul do Brasil, numa amostra representativa de adolescentes entre os 11-15 anos mostrou uma prevalência de ideação suicida de 14,1%50.

Perfil clínico do adolescente com comportamentos autolesivos

De acordo com vários estudos7,17, os CAL são mais frequentes no sexo feminino e estão associados a níveis menores de educação51.

Os adolescentes com CAL apresentam maior psicopatologia geral, tal como ansiedade, depressão, impulsividade e agressividade7,52. Estão associados em aproximadamente 90% dos casos a um diagnóstico psiquiátrico18,53, sobretudo doença afetiva53.

Os adolescentes com CAL apresentam mais frequentemente perturbações da personalidade dos tipos borderline, esquizotípica, dependente e evitante, apresentando mais sintomas depressivos e ansiosos quando comparados com controlos5,52,54. A impulsividade, a baixa autoestima e o abuso de drogas foram também associados aos CAL5. Nock et al.18, numa amostra de adolescentes com CAL sem intenção suicida, verificaram que 87,6% apresentava critérios diagnósticos para patologia do eixo I da DSM-IV, sendo as perturbações mais frequentes: perturbação de conduta; perturbação de oposição desafio; depressão major; perturbação pós stresse traumático; abuso ou dependência de cannabis.

Um estudo da equipa da Aventura Social55 observou, numa amostra de 206 estudantes, associação entre CAL, perturbações do comportamento alimentar e dificuldades de autoregulação.

Experiências traumáticas na infância foram também associadas aos CAL. Destas têm sido consideradas relevantes problemas psicológicos parentais; separação dos pais; afastamento precoce ou prolongado de um dos pais; experiências infantis de negligência emocional, psicológica ou abuso físico, especialmente do tipo sexual56. A presença de disfunção familiar tem sido fortemente associada a estes comportamentos4,21,57,58.

A presença de alexitimia (défice na expressão emocional) parece ser também mais frequente nestes adolescentes59.

Os CAL em adolescentes parecem estar relacionados com a utilização de estratégias de coping não adaptativas, especialmente quando confrontados com situações percecionadas como impossíveis de resolver4,58. O estilo de coping «focado na emoção» e particularmente estratégias de comportamento do «tipo evitante» têm sido diretamente relacionadas com CAL em vários estudos58. Um estudo recente em estudantes universitários com antecedentes de CAL verificou que, quando comparados a amostra de controlo, apresentavam diferenças ao nível de estratégias de coping, utilizando com mais frequência o desinvestimento comportamental e a utilização de substâncias60. Para além desta vulnerabilidade a nível de resolução de problemas, tem-se verificado que, não só jovens com CAL têm maior número de eventos negativos (emocionais, sociais e psicológicos) ao longo da vida52, como maior perceção destes eventos stressantes61.

O temperamento afetivo, um possível marcador hereditário/biológico62, apesar de ainda pouco estudado, tem sido também associado a CAL. Um estudo verificou que os valores das escalas de temperamento afetivo, à exceção da hipertimia, são mais elevados em indivíduos com história de tentativa de suicídio63. Um estudo em 150 doentes psiquiátricos revelou que o temperamento irritável é um fator de risco para suicídio e que os temperamentos ciclotímico, ansioso e depressivo estão associados ao sentimento de desesperança64. Um estudo em crianças e adolescentes deprimidos verificou que o temperamento ciclotímico está associado a um maior risco de suicídio65.

Um estudo, realizado no Núcleo de Estudos de Suicídio do Hospital de Santa Maria66, em Lisboa, verificou que estes jovens, face aos fatores de stresse inerentes à etapa da adolescência e decorrentes de eventuais acontecimentos de vida não normativos, entram em estado de stresse caracterizado, sobretudo, por tristeza, pessimismo, insegurança, confusão, medo e ansiedade. Outro estudo do mesmo grupo de investigação definiu o perfil do adolescente com CAL que recorre às consultas de psiquiatria: habitualmente referenciado pelo serviço de urgência; com ideação suicida e sintomas depressivos habitualmente presentes à entrada; com vários seguimentos prévios e má adesão aos mesmos; maior número de dificuldades psicossociais, sobretudo a nível de conflitos familiares e afetivos, e com baixas expectativas relacionadas com o tratamento67.

Dados do estudo CASE indicaram que a presença de maior impulsividade, a observação de suicídio ou CAL em outras pessoas, o abuso sexual e preocupações acerca da sua orientação sexual são fatores que distinguem os adolescentes que efetivamente realizam CAL dos que apresentam apenas pensamentos autolesivos52.

Discussão

Os resultados desta revisão revelam um problema de elevada preponderância a nível social e clínico. Prevalências muito elevadas de CAL em adolescentes de vários países e culturas (incluindo Portugal e Brasil), em amostras comunitárias e clínicas. Não será descabido falar de um verdadeiro problema de saúde pública, com consequências eventualmente preocupantes e com risco para a saúde física e psicológica dos indivíduos e das comunidades em que se inserem. Um trabalho de revisão recente68 verificou que o reconhecimento precoce deste tipo de comportamentos é uma das estratégias eficazes de prevenção do suicídio, nomeadamente através do treino de médicos de medicina geral e familiar, pediatras, professores e outros membros da comunidade que contactem com estes jovens em risco. Isto evidencia a premência do tema e a necessidade de se investir neste tema de investigação.

Verificaram-se, como esperado, dificuldades de consenso de nomenclatura e definição do problema. A investigação em língua portuguesa tem dado um contributo ainda modesto, mas importante, para a clarificação deste problema, sofrendo das mesmas dificuldades a nível de metodologias de investigação e nomenclatura que os investigadores anglo-saxónicos. Dentro da grande quantidade de artigos indexados a nível global sobre este tema, só uma pequena percentagem está escrita na língua portuguesa. Neste aspeto existem obviamente limitações desta revisão e das conclusões que se podem estabelecer; deverá ainda considerar-se que o baixo número de artigos encontrados não está em relação direta com a produção científica dos países de língua portuguesa. É sobejamente conhecida a preferência para publicar em língua inglesa e quando publicados em português os artigos são muitas vezes publicados em revistas sem indexação nas grandes bases de dados (que foram as consultadas neste trabalho), o que dificultou a exatidão deste trabalho.

Apesar desta limitação, os dados nacionais encontrados apontam para prevalências elevadas destes comportamentos entre os nossos adolescentes, referindo valores que vão de 7-35% dos jovens ao longo da vida.

É nossa opinião que este assunto carece de mais estudos de vários tipos, nomeadamente epidemiológicos, que sigam metodologias semelhantes a outros estudos internacionais, de modo a ser possível comparar resultados e experiências de trabalho. A criação de consensos a nível de nomenclaturas por parte dos investigadores desta área é algo imprescindível para que isto seja possível. Também estudos clínicos tentando especificar características demográficas, psicológicas e psicopatológicas são de fundamental importância, pois serão estes que estarão na base de hipóteses de tratamento e prevenção de CAL. Em grande carência (a nível global) estão os estudos intervencionais, investigando a utilização de programas de prevenção e tratamento deste importante problema que afeta uma elevada proporção dos nossos jovens.

O estímulo para publicação de resultados em português, preferencialmente em revistas indexadas nas grandes bases de dados, é importante pois sabemos que escrever numa língua não nativa dificulta (e muitas vezes inibe) os investigadores, levando à não divulgação de resultados de realidades que poderão ser muito diferentes daquelas encontradas noutros países e culturas.

Conclusão

Deste trabalho de revisão destaca-se o relevo global dado ao estudo dos comportamentos autolesivos, especificamente em jovens. Como foi descrito, têm existido evoluções a nível dos conceitos, estudo epidemiológico e clínico, relevantes e com papel potencial de modular estratégias de prevenção e tratamento.

A literatura científica em língua portuguesa, nesta área, tem ainda uma contribuição modesta, mas importante. No entanto, um dos principais objetivos deste artigo é, não só chamar a atenção para esta lacuna, mas sim estimular a investigação e publicação nesta área por parte dos investigadores de língua portuguesa.

Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado por uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FCT pelo financiamento parcial deste estudo. Expressam também um agradecimento especial ao Professor Carlos Braz Saraiva e à Dra. Nazaré Santos pelo estímulo dado e pelo apoio dado na discussão da terminologia.

Bibliografia
[1]
D. Sampaio.
Lavrar o mar.
Editorial Caminho, (2006),
[2]
D. Shaffer, K. Kipp.
Developmental psychology: childhood and adolescence.
Wadworth, (2007),
[3]
M.G. Matos, C. Simões, G. Tomé, I. Camacho, M. Ferreira, L. Ramiro, et al.
A saúde dos adolescentes portugueses: relatório do estudo HBSC 2010.
Centro de Malária e outras Doenças Tropicais/IHMT/UNL, (2012),
[4]
D. Sampaio.
Ninguém morre sozinho: o adolescente e o suicídio.
Editorial Caminho, (1991),
[5]
C.B. Saraiva.
Estudos sobre o para-suicídio: o que leva os jovens a espreitar a morte.
1.a ed., Redhorse, (2006),
[6]
M.K. Nock.
Self-injury.
Annu Rev Clin Psychol, 6 (2010), pp. 339-363
[7]
K. Hawton, K.E. Saunders, R.C. O’Connor.
Self-harm and suicide in adolescents.
Lancet, 379 (2012), pp. 2373-2382
[8]
M.M. Silverman, A.L. Berman, N.D. Sanddal, P.W. O’Carroll, T.E. Joiner.
Rebuilding the tower of Babel: a revised nomenclature for the study of suicide and suicidal behaviors. Part 2: Suicide-related ideations, communications, and behaviors.
Suicide Life Threat Behav, 37 (2007), pp. 264-277
[9]
D. Ougrin, A.V. Ng, T. Zundel.
Self-harm in young people: a therapeutic assessment manual.
Hodder Arnold, (2010),
[10]
Á. Carvalho, B. Peixoto, C.B. Saraiva, D. Sampaio, F. Amaro, J.C. Santos, et al.
Plano Nacional de Prevenção do Suicídio 2013/2017.
Direcção Geral da Saúde, (2013),
[11]
E. Durkheim.
Le suicide: étude de sociologie.
F. Alcan, (1897),
[12]
J.M. Bertolote, A. Fleischmann.
Suicide and psychiatric diagnosis: a worldwide perspective.
World Psychiatry, 1 (2002), pp. 181-185
[13]
D. Wasserman, Q. Cheng, G.X. Jiang.
Global suicide rates among young people aged 15-19.
World Psychiatry, 4 (2005), pp. 114-120
[14]
E.M. Rutz, D. Wasserman.
Trends in adolescent suicide mortality in the WHO European Region.
Eur Child Adolesc Psychiatry, 13 (2004), pp. 321-331
[15]
N. Madge, A. Hewitt, K. Hawton, E.J. de Wilde, P. Corcoran, S. Fekete, et al.
Deliberate self-harm within an international community sample of young people: comparative findings from the Child & Adolescent Self-harm in Europe (CASE) Study.
J Child Psychol Psychiatry, 49 (2008), pp. 667-677
[16]
S. Stanford, M.P. Jones.
How much detail needs to be elucidated in self-harm research?.
J Youth Adolesc, 39 (2010), pp. 504-513
[17]
K. Skegg.
Self-harm.
Lancet, 366 (2005), pp. 1471-1483
[18]
M.K. Nock, T.E. Joiner Jr., K.H. Gordon, E. Lloyd-Richardson, M.J. Prinstein.
Non-suicidal self-injury among adolescents: diagnostic correlates and relation to suicide attempts.
Psychiatry Res, 144 (2006), pp. 65-72
[19]
J.J. Muehlenkamp, L. Claes, L. Havertape, P.L. Plener.
International prevalence of adolescent non-suicidal self-injury and deliberate self-harm.
Child Adolesc Psychiatry Ment Health, 6 (2012), pp. 10
[20]
P. Wilkinson, R. Kelvin, C. Roberts, B. Dubicka, I. Goodyer.
Clinical and psychosocial predictors of suicide attempts and nonsuicidal self-injury in the Adolescent Depression Antidepressants and Psychotherapy Trial (ADAPT).
Am J Psychiatry, 168 (2011), pp. 495-501
[21]
K. Hawton, L. Harriss.
Deliberate self-harm in young people: characteristics and subsequent mortality in a 20-year cohort of patients presenting to hospital.
J Clin Psychiatry, 68 (2007), pp. 1574-1583
[22]
J.T. Cavanagh, A.J. Carson, M. Sharpe, S.M. Lawrie.
Psychological autopsy studies of suicide: a systematic review.
Psychol Med, 33 (2003), pp. 395-405
[23]
B. Stanley, M.J. Gameroff, V. Michalsen, J.J. Mann.
Are suicide attempters who self-mutilate a unique population?.
Am J Psychiatry, 158 (2001), pp. 427-432
[24]
K. Wahlbeck, M. Mäkinen.
Prevention of depression and suicide. Consensus paper.
European Communities, (2008),
[25]
M. Reis, I. Figueira, L. Ramiro, M.G. Matos.
Jovens e comportamentos de violência autodirigida.
Aventura Social: promoção de competências e do capital social para um empreendedorismo com saúde na escola e na comunidade Lisboa,
[26]
A.R. Favazza.
Bodies under siege: self-mutilation and body modification in culture and psychiatry.
2nd ed., Johns Hopkins University Press, (1996),
[27]
M.M. Silverman.
The language of suicidology.
Suicide Life Threat Behav, 36 (2006), pp. 519-532
[28]
D. de Leo, S. Burgis, J.M. Bertolote, A.J. Kerkhof, U. Bille-Brahe.
Definitions of suicidal behavior: lessons learned from the WHO/EURO multicentre Study.
[29]
G.K. Brown, G.R. Henriques, D. Sosdjan, A.T. Beck.
Suicide intent and accurate expectations of lethality: predictors of medical lethality of suicide attempts.
J Consult Clin Psychol, 72 (2004), pp. 1170-1174
[30]
P.W. O’Carroll, A.L. Berman, R.W. Maris, E.K. Moscicki, B.L. Tanney, M.M. Silverman.
Beyond the Tower of Babel: a nomenclature for suicidology.
Suicide Life Threat Behav, 26 (1996), pp. 237-252
[31]
N. Kreitman.
Parasuicide.
Wiley, (1977),
[32]
L. Claes, W. Vandereycken.
Self-injurious behavior: differential diagnosis and functional differentiation.
Compr Psychiatry, 48 (2007), pp. 137-144
[33]
C.B. Saraiva.
Suicídio: de Durkheim a Shneidman, do determinismo social à dor psicológica individual.
Psi Clin, 31 (2010), pp. 185-205
[34]
L. Esquirol.
Des malades mentales.
Baillière, (1838),
[35]
K.A. Menninger.
Man against himself.
Harcourt, Brace, (1938),
[36]
E. Stengel.
Suicide and attempted suicide.
Penguin Books, (1964),
[37]
N. Kreitman, A.E. Philip, S. Greer, C.R. Bagley.
Parasuicide.
Br J Psychiatry., (1969), pp. 115
[38]
A. Schmidtke, U. Bille-Brahe, D. de Leo, A. Kerkhof, T. Bjerke, P. Crepet, et al.
Attempted suicide in Europe: rates, trends and sociodemographic characteristics of suicide attempters during the period 1989-1992: results of the WHO/EURO Multicentre Study on Parasuicide.
Acta Psychiatr Scand, 93 (1996), pp. 327-338
[39]
APA board of trustees approves DSM-V. News release No. 12-43. 2012 [consultado Mar 2013]. Disponível em: www.dsm5.org
[40]
R.C. O’Connor, S. Rasmussen, J. Miles, K. Hawton.
Self-harm in adolescents: self-report survey in schools in Scotland.
Br J Psychiatry, 194 (2009), pp. 68-72
[41]
P.L. Plener, G. Libal, F. Keller, J.M. Fegert, J.J. Muehlenkamp.
An international comparison of adolescent non-suicidal self-injury (NSSI) and suicide attempts: Germany and the USA.
[42]
C. Currie, S. Nic Gabhainn, E. Godeau.
The health behaviour in school-aged children: WHO Collaborative Cross-National (HBSC) study: origins, concept, history and development 1982-2008.
Int J Public Health, 54 (2009), pp. 131-139
[43]
Matos MG, coord. A Saúde dos adolescents portugueses: relatório do estudo HBSC 2010. Lisboa: Aventura Social & Saúde; 2011. Projecto “Health Behaviour in School-aged Children” [consultado Ago 2011]. Disponível em: http://aventurasocial.com/publicacoes.php.
[44]
D. Sampaio, A. Oliveira, M. Vinagre, M. Gouveia-Pereira, N. Santos, O. Ordaz.
Representações sociais do suicídio em estudantes do ensino secundário.
Anal Psi, 2 (2000), pp. 139-155
[45]
A. Oliveira, L. Amâncio, D. Sampaio.
Arriscar morrer para sobreviver: olhar sobre o suicídio adolescente.
Anal Psi, 4 (2001), pp. 509-521
[46]
C.B. Saraiva.
Entrevista de Avaliação dos Comportamentos Suicidários (EACOS).
Psiq Clin, 19 (1998), pp. 251-274
[47]
C. Cordovil, M. Crujo, D.F. Guerreiro.
Tentativas de suicídio em adolescentes internados na Unidade de Internamento de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Central.
Sau Mental, XI (2009), pp. 15-20
[48]
V.R. Borges, B.S.G. Werlang.
Estudo de ideação suicida em adolescentes de 13 e 19 anos.
Psi Sau Doe, 7 (2006), pp. 195-209
[49]
A.M.F. Teixeira, M.A.V. Luis.
Suicídio, lesões e envenenamento em adolescentes: um estudo epidemiológico.
Rev Latino-Am Enfermagem, 5 (1997), pp. 31-36
[50]
Souza LD, Silva RA, Jansen K, Kuhn RP, Horta BL, Pinheiro RT.;1; Suicidal ideation in adolescents aged 11 to 15 years: prevalence and associated factors. Rev Bras Psiquiatr;32:37–41.
[51]
R. Brunner, P. Parzer, J. Haffner, R. Steen, J. Roos, M. Klett, et al.
Prevalence and psychological correlates of occasional and repetitive deliberate self-harm in adolescents.
Arch Pediatr Adolesc Med, 161 (2007), pp. 641-649
[52]
N. Madge, K. Hawton, E.M. McMahon, P. Corcoran, D. de Leo, E.J. de Wilde, et al.
Psychological characteristics, stressful life events and deliberate self-harm: Findings from the Child & Adolescent Self-harm in Europe (CASE) Study.
Eur Child Adolesc Psychiatry, 20 (2011), pp. 499-508
[53]
C. Haw, K. Hawton, K. Houston, E. Townsend.
Psychiatric and personality disorders in deliberate self-harm patients.
Br J Psychiatry, 178 (2001), pp. 48-54
[54]
E.D. Klonsky, T.F. Oltmanns, E. Turkheimer.
Deliberate self-harm in a nonclinical population: prevalence and psychological correlates.
Am J Psychiatry, 160 (2003), pp. 1501-1508
[55]
M. Reis, M.G. Matos, L. Ramiro, I. Figueira.
Understanding self-harm in young people: an emotional unbalance in need for intervention.
Prob Psy 21st Cent, 4 (2012), pp. 50-61
[56]
H. Fliege, J.R. Lee, A. Grimm, B.F. Klapp.
Risk factors and correlates of deliberate self-harm behavior: a systematic review.
J Psychosom Res, 66 (2009), pp. 477-493
[57]
J.C. Santos, C.B. Saraiva, L. De Sousa.
The role of expressed Emotion, self-concept, coping, and depression in parasuicidal behavior: a follow-up study.
Arch Suicide Res, 13 (2009), pp. 358-367
[58]
D.F. Guerreiro, D. Cruz, D. Frasquilho, J.C. Santos, M.L. Figueira, D. Sampaio.
Association between deliberate self-harm and coping in adolescents: a critical review of the last 10 years’ literature.
Arch Suicide Res, 17 (2013), pp. 91-105
[59]
C. Zlotnick, M.T. Shea, T. Pearlstein, E. Simpson, E. Costello, A. Begin.
The relationship between dissociative symptoms, alexithymia, impulsivity, sexual abuse, and self-mutilation.
Compr Psych, 37 (1996), pp. 12-16
[60]
S. Brown, K. Williams, A. Collins.
Past and recent deliberate self-harm: emotion and coping strategy differences.
J Clin Psychol, 63 (2007), pp. 791-803
[61]
K. Rodham, K. Hawton, E. Evans.
Reasons for deliberate self-harm: comparison of self-poisoners and self-cutters in a community sample of adolescents.
J Am Acad Child Adolesc Psychiatry, 43 (2004), pp. 80-87
[62]
J. Bates.
Temperament as an emotion construct: theoretical and practical issue.
Handbook of emotions, pp. 382-396
[63]
A. Rihmer, S. Rozsa, Z. Rihmer, X. Gonda, K.K. Akiskal, H.S. Akiskal.
Affective temperaments, as measured by TEMPS-A, among nonviolent suicide attempters.
J Affect Disord, 116 (2009), pp. 18-22
[64]
M. Pompili, Z. Rihmer, H.S. Akiskal, M. Innamorati, P. Iliceto, K.K. Akiskal, et al.
Temperament and personality dimensions in suicidal and nonsuicidal psychiatric inpatients.
Psychopatho, 41 (2008), pp. 313-321
[65]
F.J. Kochman, E.G. Hantouche, P. Ferrari, S. Lancrenon, D. Bayart, H.S. Akiskal.
Cyclothymic temperament as a prospective predictor of bipolarity and suicidality in children and adolescents with major depressive disorder.
J Affect Disord, 85 (2005), pp. 181-189
[66]
D. Cruz, D. Sampaio, S. Nazaré, N. Isabel.
Comportamentos auto-destrutivos na adolescência: experiência de avaliação clínica por uma equipa hospitalar.
Rev Sau Men, IX (2007), pp. 10-23
[67]
D.F. Guerreiro, E.L. Neves, R. Navarro, R. Mendes, A. Prioste, D. Ribeiro, et al.
Clinical features of adolescents with deliberate self-harm: a case control study in Lisbon, Portugal.
Neuropsychiatr Dis Treat, 5 (2009), pp. 611-617
[68]
C.M. van der Feltz-Cornelis, M. Sarchiapone, V. Postuvan, D. Volker, S. Roskar, A.T. Grum, et al.
Best practice elements of multilevel suicide prevention strategies: a review of systematic reviews.
Crisis, 32 (2011), pp. 319-333

Guerreiro DF, Sampaio D, Figueira ML, Madge N. Deliberate self-harm in adolescents: a self-report survey in schools from Lisbon, Portugal. Manuscript under review.

Copyright © 2012. Escola Nacional de Saúde Pública
Descargar PDF
Opciones de artículo
es en pt

¿Es usted profesional sanitario apto para prescribir o dispensar medicamentos?

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos