O conhecimento dos níveis de atividade física e dos comportamentos sedentários dos adolescentes é importante para que as intervenções no âmbito da promoção da saúde possam estar de acordo com a população‐alvo. Assim sendo, o objetivo do estudo foi descrever a prática de atividade física, os comportamentos sedentários e diferentes perfis comportamentais de adolescentes citadinos.
MétodosParticiparam no estudo 651 adolescentes (273 rapazes e 378 raparigas), com idades compreendidas entre os 12‐14 anos, que frequentavam 4 escolas do ensino público em Lisboa. Os dados foram recolhidos através de fichas de registo diário de avaliação momentânea ecológica, com intervalos de 15 minutos.
ResultadosNos dias de semana, estudar foi o comportamento mais praticado (rapazes 114,5min/dia; 11,3%, raparigas 135,4min/dia; 13,1%); seguido de ver televisão (rapazes 97,8min/dia; 9,6%, raparigas 59,7min/dia; 5,8%); usar o computador, para os rapazes (42,7min/dia; 4,2%), e falar com amigos (31,5min/dia; 3%), para as raparigas. Rapazes e raparigas dedicaram 40,9min/dia (4%) e 24min/dia (2,3%) a praticar atividade física, respetivamente. No fim‐de‐semana, para os rapazes destacou‐se o tempo a ver televisão (145,8min/dia; 13,5%) e usar o computador (136,6min/dia; 12,9%), e para as raparigas estudar (144,3min/dia; 13,1%) e ver televisão (133,5min/dia; 12,2%). Com base nos comportamentos mais praticados, foram traçados 3 perfis dos adolescentes. Para os rapazes destacaram‐se: 1) pouco ativos, pouco dedicados aos estudos, mas que passavam muito tempo no computador, a ver televisão e a conversar com amigos (n=63); 2) dedicados aos estudos, não praticavam atividade física e viam pouco a televisão e o computador (n=126); 3) fisicamente ativos, muito tempo a ver televisão e pouco dedicados aos estudos (n=84). Para as raparigas destacaram‐se as: 1) fisicamente ativas, que passavam pouco tempo a estudar e a ver televisão (n=28); 2) que passavam muito tempo a estudar e conversar com os amigos e pouco ativas (n=77); 3) as que passavam muito tempo a ver televisão e pouco tempo a conversar com os amigos e a praticarem atividade física (n=273).
ConclusãoAs raparigas apresentaram níveis de atividade física inferiores aos rapazes. Os rapazes, apesar de apresentarem níveis mais elevados de atividade física do que as raparigas, apresentaram igualmente níveis mais elevados de comportamentos sedentários. Estes dados sugerem que é possível ser considerado fisicamente ativo e passar muito tempo em comportamentos sedentários. Isso deve ser considerado no planeamento de intervenções com vista a promover estilos de vida ativos e saudáveis junto dos adolescentes.
The knowledge of physical activity levels and sedentary behaviour of adolescents is important, so that interventions to promote health have to be in accordance with the target population. Therefore this study aimed to examine the prevalence and clustering of physical activity and sedentary behaviours among urban adolescents.
MethodsThe study comprised a total of 651 adolescents (273 boys and 378 girls) aged 12‐14, from 4 public urban schools. Ecological Momentary Assessment was used to measure sedentary behaviours and physical activity, using 15minutes time intervals.
ResultsOn weekdays, studying was the activity on which adolescents spent more time (boys 114.5min/day, 11.3%; girls 135.4min/day, 13.1%). Followed by television (TV) (boys 97.8min/day, 9.6%; girls 59.7min/day, 5.8%), computer use (boys 42.7min/day, 4.2%), and talking with friends (girls 31.5min/day, 3%). On average boys practiced 40.9min/day (4%) and girls 24min/day (2.3%) on physical activity. On weekend days, the most consuming leisure time was TV (145.8min/day, 13.5%) and computer use (136.6min/day, 12.9%) for the boys, and studying (144.3min/day, 13.1%) and TV (133.5min/day, 12.2%) for the girls. Based on these behaviours three meaningful cluster solutions were found both for boys and girls, respectively. For the boys: cluster 1) less actives, spent less time studying, but spent more time watching TV and on the computer (n=63); cluster 2) devoted more time studying and spent less time on physical activity, watching TV and using computer (n=126); cluster 3) actives, spent less time watching TV and studying (n=84). For the girls: cluster 1) actives, less time studying, watching TV and using computer (n=28); cluster 2) devoted to studies, sociable and non‐actives (n=77); cluster 3) much time watching TV, non‐sociable and non‐actives (n=273).
ConclusionGirls were less active than boys. Despite having higher levels of physical activity than girls boys also presented higher levels of sedentary behaviours. These data suggest that it is possible to be considered physically active and spend a lot of time in sedentary behaviours. This should be considered in intervention programs aimed to promote active and healthy lifestyles among adolescents.
Os benefícios da atividade física para a saúde dos adolescentes estão bem documentados1–3. Por outro lado, embora as consequências dos comportamentos sedentários na saúde dos adolescentes não sejam ainda bem conhecidas4, existem evidências que apontam que demasiado tempo em comportamentos sedentários tem um efeito nefasto para a saúde5,6. Não obstante o conhecimento atual, uma grande parte dos adolescentes não pratica atividade física suficiente para poder usufruir dos benefícios ao nível da saúde7,8 e a prevalência dos comportamentos sedentários entre os adolescentes tem vindo a aumentar, havendo mesmo adolescentes que despendem mais de 4 horas por dia em atividade lúdicas sedentárias, como ver televisão e usar o computador9–12.
Apesar da literatura já ter estabelecido uma estrutura conceptual para a compreensão dos comportamentos relacionados com a prática de atividade física junto dos adolescentes, o estudo dos comportamentos sedentários ainda é um importante tópico de investigação13–15. Atualmente, os comportamentos sedentários não são apenas vistos como a falta de atividade física, sendo reconhecidos como independentes da atividade física16,17. Assim, o interesse pelo estudo da atividade física e dos comportamentos sedentários simultaneamente está a desenvolver‐se rapidamente14.
A abordagem típica do estudo da atividade física e dos comportamentos sedentários foca principalmente comportamentos específicos, tais como a prática de atividade física nos clubes e os comportamentos em frente dos ecrãs (e.g., ver televisão, utilizar o computador). Uma abordagem baseada em comportamentos particulares não é ideal para a compreensão dos padrões comportamentais, porque são comportamentos complexos e que podem coexistir12. Por outro lado, os estudos usam normalmente métodos de avaliação direta da atividade física e dos comportamentos sedentários, ou questionários, sendo muitas vezes incapazes de fornecer informações sobre o contexto ou os momentos em que os comportamentos ocorrem. Para melhor compreensão dos comportamentos tem sido proposto a avaliação momentânea ecológica18,19. A avaliação momentânea ecológica é uma estratégia de avaliação da avaliação da atividade física e dos comportamentos sedentários que permite, simultaneamente, capturar um comportamento e os fatores que podem influenciá‐lo19. Permite ainda perceber a forma como os comportamentos se sucedem ao longo do dia, mesmo apresentando as limitações inerentes aos métodos de autorreporte. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi descrever o tempo passado em comportamentos de atividade física e sedentários com recurso à avaliação momentânea ecológica, para que fossem captados os contextos de realização desses comportamentos. Com base nessa informação, procurou‐se traçar diferentes perfis dos adolescentes.
MetodologiaDesenho do estudo e participantesEste é um estudo observacional transversal retrospetivo. Participaram no estudo adolescentes que frequentavam 4 escolas do sistema de ensino público na região de Lisboa. Todos os adolescentes que frequentavam do 7.° ao 9.° ano de escolaridade foram convidados a participar no estudo. O critério de exclusão usado foi a existência de limitações físicas que impedissem a participação nas aulas de educação física e uma idade inferior a 12 anos. A idade de 12 anos foi usada como valor de corte, porque a investigação refere que os questionários que requerem a evocação da prática de atividade não apresentam bons coeficientes de validade para as idades mais baixas20,21. Dos 1.323 estudantes elegíveis, 749 aceitaram participar voluntariamente. Desses 749, 65 não entregaram a ficha de registo da avaliação momentânea ecológica completamente preenchida, 13 tinham menos de 12 anos, 9 não preencheram os dados sobre o sexo e 11 apresentaram a ficha de avaliação momentânea ecológica com dados ilegíveis, sendo excluídos da análise. A amostra final ficou constituída por 651 estudantes (273 rapazes e 378 raparigas) com idades compreendidas entre 12‐14 anos (13,0±0,9).
InstrumentoOs dados foram recolhidos através de fichas de registo diário de avaliação momentânea ecológica. A técnica de registo da avaliação momentânea ecológica está descrita noutros estudos18,19, bem com a sua validade para avaliar a atividade física e os comportamentos sedentários dos adolescentes22,23. A ficha de registo era composta por 6 folhas que foram entregues aos alunos. A primeira folha foi utilizada para a recolha de informações sociodemográficas e as restantes 5 serviam para o registo das atividades. Para compreensão da tarefa, cada adolescente recebeu ainda uma folha com instruções de preenchimento, contendo uma imagem de uma ficha/exemplo já preenchida. De forma breve, a avaliação momentânea ecológica consiste num diário em que os adolescentes registam os comportamentos, locais e contexto social em que eles ocorreram. Os adolescentes foram instruídos para completarem o diário em 5 dias, 3 dias de semana (aleatoriamente escolhidos) e 2 dias de fim‐de‐semana. Para cada dia, 72 intervalos com a duração de 15 minutos foram preenchidos, desde as 07:00 às 00:45. Como em vários intervalos de 15 minutos os adolescentes poderiam ter mais do que um comportamento, foi pedido que reportassem o comportamento mais significativo durante esse intervalo. O diário foi preenchido retrospetivamente no final de cada dia, antes de se deitarem, respondendo a uma questão simples «o que estás a fazer neste tempo?» Para os mesmos intervalos, os adolescentes colocaram ainda o local onde estavam e com quem estavam. Para o presente artigo somente foi considerado o comportamento, porque a informação sobre o local e com quem estavam não foi preenchido por muitos adolescentes, uma vez que expressamente lhes foi comunicado que o objetivo do estudo era compreender os seus comportamentos. Em termos de validação, estudos mostram que a avaliação momentânea ecológica apresenta elevados níveis de concordância com resultados obtidos através da avaliação direta da atividade física e dos comportamentos sedentários, nomeadamente através de monitores de frequência cardíaca e acelerómetros18,19.
ProcedimentosA escolha das escolas foi feita de forma aleatória, junto de uma amostra de conveniência de 10 escolas, onde lecionam professores de educação física que se disponibilizam a colaborar na recolha dos dados para o estudo. Foi usado como critério de seleção apenas as caraterísticas socioeconómicas dos bairros onde estavam localizadas. Com este critério, pretendíamos que fossem selecionadas 2 escolas de bairros de estrato socioeconómico médio e médio‐baixo e 2 com estrato médio e médio‐alto. A informação sobre o estatuto socioeconómico dos bairros foi obtida através dos dados do Instituto Nacional de Estatística. Após aceitação dos estudantes para participar no estudo, foi obtido por escrito o consentimento livre e esclarecido dos encarregados de educação. Depois de obtidas as autorizações foram entregues aos adolescentes as fichas de registo de avaliação momentânea ecológica. Todos os adolescentes procederam ao preenchimento das fichas durante a mesma semana. O estudo foi realizado de acordo com os padrões éticos da investigação em ciências do desporto e exercício24 e o protocolo de investigação recebeu aprovação do Conselho de Ética da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa. A recolha de dados ocorreu durante o mês de janeiro de 2013.
Análise de dadosOs comportamentos reportados foram codificados em 17 categorias mutuamente exclusivas após a leitura e análise de cada diário (dormir, cuidados pessoais, refeição, aulas, estudar/trabalhos escolares, ver televisão ou jogar videojogos, usar o computador, ouvir música, ler, falar com amigos, transporte passivo, transporte ativo, passear, ver montras/compras, atividade física/desporto, tarefas domésticas, brincar). Os diários foram submetidos a uma análise de conteúdo indutiva, baseada nos procedimentos de análise temática. Neste sentido, os dados foram codificados e analisados mediante a identificação, comparação e extração dos comportamentos e padrões comuns. Mais especificamente, cada comportamento foi codificado de acordo com a sua ênfase, tendo como base de partida categorias já encontradas em outros estudos9,10. Após a análise dos 30 primeiros diários, submetemos o sistema de categorias à crítica de 2 especialistas em ciências do desporto, um professor do ensino superior com experiência na área dos correlatos da atividade física e outro, particularmente, pelo domínio das técnicas de análise de conteúdo, associadas à investigação qualitativa. Com o objetivo de avaliar a fiabilidade intra‐avaliador na utilização do sistema de categorias, procedemos ao cálculo do índice de fiabilidade, de acordo com a fórmula de Bellack (número de acordos/[número de acordos+número de desacordos] x100). Face aos resultados obtidos (92%), concluímos que o sistema apresentava condições de validade para ser usado. Para estimar o tempo que os adolescentes despenderam em cada categoria, o número de episódios em que o comportamento foi reportado foi multiplicado por 15, assumindo que o comportamento ocorreu durante todo o intervalo de tempo. Os dados sobre os dias de semana e os dias de fim‐de‐semana foram analisados separadamente. Para análise, as variáveis finais de cada categoria foram representadas em minutos por dia. Após calcular as variáveis finais, foi realizada a estatística descritiva, descrevendo a prevalência dos comportamentos. As diferenças entre os entre dias de semana e dias de fim‐de‐semana foram avaliadas através do teste‐t para amostras emparelhadas. Com base nos 5 comportamentos mais referidos pelos adolescentes (praticar desporto, estudar/trabalhos escolares, usar o computador, ver televisão ou jogar videojogos e conversar com os amigos) procurámos identificar os padrões comportamentais dos adolescentes. Importa referir que esses comportamentos ocupavam cerca de 26% do tempo dos adolescentes durante a semana e 43% ao fim‐de‐semana. Para essas variáveis, os dados dos dias de semana e dos dias de fim‐de‐semana foram agregados de modo a calcular a média, em minutos por dia. Posteriormente essas variáveis foram estandardizadas. O agrupamento dos adolescentes foi efetuado com os métodos de análise de clusters hierárquico e não hierárquico. Primeiramente, foi feita uma análise de clusters hierárquica com o método da menor distância (nearest neighbor), usando a distância euclidiana quadrada como medida de dissemelhança entre os adolescentes. Como critério para a decisão da retenção do número de clusters usou‐se o R‐square. Partindo dessa análise, foram identificados 3 clusters. Para a validação e classificação de cada aluno nos clusters identificados foi efetuada uma análise de clusters não hierárquica k‐Means. Todas as análises estatísticas foram realizadas utilizando o SPSS Statistics 22. O nível de significância estabelecido foi 0,05.
ResultadosOs dados de caraterização da amostra estão apresentados na tabela 1.
Características da amostra
Caraterísticas | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Rapazes | 273 | 41,9 |
Raparigas | 378 | 58,1 |
Idade (anos) | ||
12 | 245 | 37,6 |
13 | 147 | 22,6 |
14 | 259 | 39,8 |
Ano de escolaridade | ||
7.° ano | 308 | 47,3 |
8.° ano | 112 | 17,2 |
9.° ano | 231 | 35,5 |
n | Média±DP | |
---|---|---|
Idade (anos) | 651 | 13,0±0,9 |
Peso (kg) | 651 | 52,3±11,0 |
Altura (m) | 651 | 1,6±0,1 |
IMC (kg/m2) | 651 | 20,8±3,3 |
IMC z‐score | 651 | 0,0±1,0 |
IMC: índice de massa corporal.
O tempo despendido nos 17 comportamentos identificados pode ser consultado nas tabelas 2 (para os rapazes) e 3 (para as raparigas). A análise focou‐se em 14 comportamentos, não contando com dormir, cuidados pessoais e refeições, porque foram consideradas necessidades básicas.
Média e percentagem do tempo dedicada aos comportamentos – rapazes (n=273)
Comportamentos | Média min/dia (%) | ||
---|---|---|---|
Semana | Fim‐de‐semana | p | |
Dormir | 192,5 (18,9) | 295,0 (27,3) | <0,001 |
Cuidados pessoais | 24,0 (2,4) | 27,5 (2,5) | 0,023 |
Refeição | 125,6 (12,4) | 175,2 (16,2) | <0,001 |
Aulas | 316,9 (31,2) | 10,6 (1,0) | <0,001 |
Estudar/trabalhos escolares | 114,5 (11,3) | 110,0 (10,2) | 0,554 |
Ver televisão/videojogos | 97,8 (9,6) | 145,8 (13,5) | <0,001 |
Usar o computadora | 42,7 (4,2) | 139,6 (12,9) | <0,001 |
Ouvir música | 2,2 (0,2) | 5,4 (0,5) | <0,001 |
Ler | 1,7 (0,2) | 3,5 (0,3) | 0,006 |
Falar com amigos | 10,8 (1,1) | 27,1 (2,5) | <0,001 |
Transporte passivob | 16,3 (1,6) | 9,6 (0,9) | 0,003 |
Ver montras/compras | 0,5 (0,0) | 4,6 (0,4) | <0,001 |
Brincar | 7,2 (0,7) | 12,7 (1,2) | 0,005 |
Tarefas domésticas | 1,9 (0,2) | 9,0 (0,8) | <0,001 |
Passear | 3,6 (0,4) | 33,8 (3,1) | <0,001 |
Transporte ativoc | 17,9 (1,8) | 3,7 (0,3) | <0,001 |
Atividade física/desporto | 40,9 (4,0) | 66,7 (6,2) | <0,001 |
Tempo de estudod | 431,4 (44,4) | 120,6 (11,2) | <0,001 |
Comportamento sedentárioe | 171,4 (16,9) | 331,0 (30,7) | <0,001 |
Atividade física totalf | 62,4 (6,1) | 104,2 (9,6) | <0,001 |
Uso de computador para entretenimento. Nenhum adolescente reportou o uso do computador para estudar.
Variável computada a partir da soma do tempo passado na escola (com exceção do tempo nas aulas de Educação Física) e o tempo passado em casa a estudar e fazer os trabalhos escolares.
Para os rapazes, durante a semana as aulas ocuparam a maior parte do tempo (316,9min/dia; 31,2%), seguindo‐se estudar ou fazer os trabalhos escolares (114,5min/dia; 11,3%), ver televisão ou jogar videojogos (97,8min/dia; 9,6%), usar o computador (42,7min/dia; 4,2%) e praticar desporto (40,9min/dia; 4%). Nos dias de fim‐de‐semana, ver televisão ou jogar videojogos (145,8min/dia; 13,5%) e usar o computador (136,6min/dia; 12,9%) foram as atividades nas quais os rapazes passaram mais tempo. De seguida, surgiu estudar (110min/dia; 10,2%), praticar desporto (66,7min/dia, 6,2%) e passear (33,8min/dia; 3,1%). Para quase todas as atividades verificou‐se uma diferença estatisticamente significativa entre o tempo despendido durante os dias de semana e dias de fim‐de‐semana. De salientar que somente não se observou diferença no tempo passado a estudar entre os dias de semana e fins‐de‐semana.
Para as raparigas, durante os dias de semana, as atividades mais realizadas foram estar nas aulas (320,1min/dia; 30,9%), estudar ou fazer os trabalhos escolares (135,4min/dia; 13,1%), ver televisão ou jogar videojogos (59,7min/dia; 5,8%), falar com amigos (31,5min/dia; 3%), praticar desporto (24min/dia; 2,3%), uso de transporte passivo nos deslocamentos (22,3min/dia; 2,1%) e usar o computador (21,7min/dia; 2,1%). Nos dias de fim‐de‐semana, estudar ou fazer os trabalhos foi a atividade mais praticada (144,3min/dia; 13,1%), seguida de ver televisão ou jogar videojogos (133,5min/dia; 12,2%), usar o computador (91,3min/dia; 8,3%), passear (49,3min/dia; 4,5%) e conversar com os amigos (37,6min/dia; 3,4%). Tal como para os rapazes, na maior parte dos comportamentos verificaram‐se diferenças significativas entre o tempo passado nos comportamentos durante os dias de semana e dias de fins‐de‐semana. Os comportamentos para os quais não se observaram diferenças foram estudar, conversar com amigos e a realização de tarefas domésticas, como se pode observar na tabela 3.
Média e percentagem do tempo dedicada aos comportamentos – raparigas (n=378)
Comportamentos | Média min/dia (%) | ||
---|---|---|---|
Semana | Fim‐de‐semana | p | |
Dormir | 199,5 (19,2) | 302 (27,5) | <0,001 |
Cuidados pessoais | 29,1 (2,8) | 27,9 (2,5) | 0,423 |
Refeição | 133,6 (12,9) | 181,1 (16,5) | <0,001 |
Aulas | 320,1 (30,9) | 13,3 (1,2) | <0,001 |
Estudar/trabalhos escolares | 136,4 (13,1) | 144,3 (13,1) | 0,159 |
Ver televisão/videojogos | 59,7 (5,8) | 133,5 (12,2) | <0,001 |
Usar o computadora | 21,7 (2,1) | 91,3 (8,3) | <0,001 |
Ouvir música | 1,6 (0,2) | 6,0 (0,5) | <0,001 |
Ler | 5,7 (0,5) | 8,1 (0,7) | 0,009 |
Falar com amigos | 31,5 (3,0) | 37,6 (3,4) | 0,058 |
Transporte passivob | 22,3 (2,1) | 12,6 (1,1) | <0,001 |
Ver montras/compras | ––– | 24,7 (2,2) | <0,001 |
Brincar | 10,6 (1,0) | 6,5 (0,6) | 0,036 |
Tarefas domésticas | 12,0 (1,2) | 13,3 (1,2) | 0,385 |
Passear | 12,0 (1,2) | 49,3 (4,5) | <0,001 |
Transporte ativoc | 17,8 (1,8) | 9,0 (0,8) | <0,001 |
Atividade física/desporto | 24,0 (2,3) | 38,1 (3,5) | <0,001 |
Tempo de estudod | 456,5 (44,0) | 157,6 (14,3) | <0,001 |
Comportamento sedentárioe | 142,5 (13,7) | 289,6 (26,4) | 0,008 |
Atividade física totalf | 53,8 (5,2) | 100,0 (9,1) | <0,001 |
Uso de computador para entretenimento. Nenhum adolescente reportou o uso do computador para estudar.
Variável computada a partir da soma do tempo passado na escola (com exceção do tempo nas aulas de Educação Física) e o tempo passado em casa a estudar e fazer os trabalhos escolares.
As figuras 1 e 2 representam os perfis que emergiram das análises para os rapazes e para as raparigas. Identificaram‐se 3 perfis distintos para cada sexo. Para os rapazes, o cluster 1 (n=63) correspondia aos menos ativos fisicamente, pouco dedicados aos estudos, mas que passavam muito tempo no computador, a ver televisão ou jogar videojogos e a conversar com os amigos. O cluster 2 (n=126) representava os rapazes muito dedicados aos estudos, mas que não praticavam desporto e usavam pouco a televisão ou jogar videojogos e o computador. Por fim, o cluster 3 (n=84) representava os rapazes fisicamente ativos, que passavam igualmente muito tempo a ver televisão ou a jogar videojogos, mas eram pouco dedicados aos estudos.
Para as raparigas, as que estavam representadas no cluster 1 (n=28) eram fisicamente muito ativas, dedicavam pouco tempo aos estudos e passavam pouco tempo a ver televisão ou jogar videojogos. As raparigas do cluster 2 (n=77) passavam muito tempo a estudar e dedicavam também muito tempo a conversar com os amigos. Por outro lado, eram pouco ativas fisicamente e passavam pouco tempo a ver televisão ou jogar videojogos. As raparigas do cluster 3 (n=273) eram caraterizadas por passarem muito tempo a ver televisão ou jogar videojogos e dedicavam pouco tempo a conversar com os amigos e a praticarem atividade física e desporto.
DiscussãoO presente estudo apresenta informação sobre a atividade física e os comportamentos sedentários dos adolescentes, utilizando a avaliação momentânea ecológica. Este método de recolha de dados permite estimar o tempo despendido em vários comportamentos, sendo mais exato que outros métodos autorreportados25. Com este método foi possível estudar uma grande variedade de comportamentos, para melhor compreender o que os adolescentes fazem durante os dias de semana e de fim‐de‐semana.
As aulas ocupavam a maioria do tempo dos adolescentes durante os dias de semana, seguidas de estudar/fazer trabalhos de casa. Estes resultados eram esperados, devido às cerca de 10 disciplinas que os estudantes têm no sistema de ensino. Destas disciplinas, apenas a Educação Física promove a atividade física, sendo que durante as outras disciplinas os adolescentes permaneciam a maior parte do tempo sentados. Atendendo a que os adolescentes passam a maioria do seu tempo na escola sentados, deveriam ser oferecidas atividades físicas extracurriculares, para que seja possível minimizar o tempo despendido em comportamentos sedentários no contexto escolar. Estas estratégias poderiam considerar os intervalos entre aulas, o tempo de almoço e o final da tarde. Investigações sobre programas de atividade física demonstram resultados favoráveis, verificando‐se melhores níveis de atividade física nos adolescentes26,27, em particular nas raparigas28.
Além do tempo na escola, nos dias de semana, uma parte significativa do tempo dos adolescentes era dedicada a estudar/fazer trabalhos de casa. Apesar de a educação ser uma parte importante das vidas dos adolescentes, esta situação é preocupante, considerando que a maioria dos adolescentes não é suficientemente ativa para promover a sua saúde7,8.
Durante os dias da semana, ver televisão ou jogar videojogos foi o comportamento sedentário mais popular entre os rapazes e as raparigas nos momentos de lazer. Este resultado é concordante com o de outros estudos realizados em diferentes países10,11,29–31. Com o avanço tecnológico não é surpreendente que os adolescentes despendam cada vez mais tempo em atividades que envolvam visionamento de ecrã, tais como ver televisão, jogar videojogos ou utilizar o computador. Porém, nenhum adolescente referiu utilizar o computador para estudar. Estes dados revelam que o computador é subaproveitado tanto pelos rapazes como pelas raparigas enquanto ferramenta de estudo. Nos dias de fins‐de‐seman,a o tempo passado nas atividades de ecrã (ver televisão, jogar videojogos e usar o computador) aumentou e, em média, os adolescentes despenderam mais tempo nesses comportamentos do que o tempo recomendado (<2 horas/dia)32. Da perspetiva da saúde pública, será importante que os adolescentes reduzam o tempo passado nos comportamentos sedentários, uma vez que podem ter um efeito nefasto para a saúde e qualidade de vida5,6.
Para além das atividades de ecrã, uma parte significativa do tempo de lazer dos adolescentes de ambos os sexos foi despendida no transporte passivo, ouvir música, ler e falar com amigos. A alteração do uso do transporte passivo para transporte ativo pode ser eficaz na melhoria dos níveis de atividade física dos adolescentes33. Caso os adolescentes optassem pela utilização de transporte ativo nos seus deslocamentos os níveis de atividade física total aumentariam, o que poderia ser suficiente para que cumprissem as recomendações da prática de atividade física34. Esta estratégia seria importante, principalmente para as raparigas, porque durante os dias de semana não praticavam atividade física suficiente para beneficiar a saúde.
Os resultados provenientes da análise de cluster demonstram que rapazes e raparigas têm perfis de comportamento diferentes, o que está em linha com outros estudos29,35–37. Entre os rapazes, usar o computador agrupa‐se com ver televisão e jogar videojogos e conversar. Uma mistura de comportamentos sedentários que aparentemente rivaliza com a atividade física e estudar. Todavia, num outro cluster a atividade física agrupou‐se com o tempo passado a ver televisão ou jogar videojogos, o que demonstra que níveis elevados de atividade física e comportamentos sedentários podem coexistir na vida dos adolescentes, tal como foi verificado em outras investigações12,15. Isso sugere que a intervenção para aumentar os níveis de atividade física pode ser independente da intervenção para reduzir os níveis de comportamentos sedentários, uma vez que não podem ser vistos como parte do mesmo construto12.
Nas raparigas os comportamentos agruparam‐se de forma diferente dos rapazes. Para as raparigas mais ativas fisicamente mais nenhum comportamento se associou à atividade física. Isso parece demonstrar que quando as raparigas se envolvem na prática de atividade fazem‐no com muita dedicação, o que pode retirar o tempo para as outras atividades. Por sua vez, as raparigas que dedicavam mais tempo a estudar também passavam mais tempo a conversar com os amigos, o que era completamente contrário ao perfil dos rapazes que estudavam durante mais tempo. Os amigos podem ser uma importante influência na atividade física dos adolescentes, nomeadamente ao nível do encorajamento e através da participação conjunta38,39. Neste sentido, explorar a influência dos amigos, em particular no subgrupo de raparigas que passam mais tempo com os amigos, poderá ser relevante para delinear programas de promoção de atividade física eficazes. Por último, surge o subgrupo das raparigas que se caracterizam por adotar diversos comportamentos sedentários relacionados com atividades de ecrã e ainda passarem pouco tempo a conversar com os amigos. Para estas raparigas é fundamental promover a sociabilização e a atividade física, assim como reduzir os comportamentos sedentários, podendo a família40, os amigos39,41, a escola e os especialistas da promoção de atividade física34 assumir um papel fundamental neste âmbito, tal como reconhecem diversas raparigas adolescentes em diversas investigações de cariz qualitativo42,43.
Apesar da recolha de dados com a avaliação momentânea ecológica oferecer benefícios em relação às outras formas de recolha de dados autorreportados, algumas limitações devem ser reconhecidas. Primeiro, apesar da avaliação momentânea ecológica ajudar a captar vários comportamentos, os dados são autorreportados, com o potencial das respostas serem influenciadas. Segundo, preencher os diários despende tempo e pode ser uma tarefa aborrecida para os adolescentes. Terceiro, a população com problemas psicossociais pode não compreender as indicações do diário18. Quarto, a intensidade dos comportamentos não é avaliada, sendo uma limitação para a discussão dos resultados sobre a atividade física. Para além dos aspetos metodológicos, de referir que a inexistência de uma variável que caracteriza o estatuto socioeconómicos dos adolescentes é também uma limitação, uma vez que é considerada uma fator determinante da atividade física14.
Este estudo, com recurso à avaliação momentânea ecológica, serviu para a identificação dos principais comportamentos dos adolescentes, assim como contribuiu para a definição dos seus perfis, considerando os comportamentos mais prevalentes. Para futuros estudos, recomenda‐se que haja uma complementaridade entre a avaliação momentânea ecológica e a avaliação da atividade física e dos comportamentos sedentários de forma objetiva (e.g. com pedómetros ou acelerómetros). Assim, a avaliação momentânea ecológica permitirá compreender o contexto em que os comportamentos se realizam, e a avaliação direta da atividade física e dos comportamentos sedentários permitirá determinar a intensidade e o gasto energético na realização dos comportamentos, permitindo que sejam feitas recomendações para a promoção da atividade física de forma mais assertiva. Será ainda importante a realização de estudos que envolvam adolescentes de diferentes zonas do país e utilizar o estatuto socioeconómico como uma variável fundamental na análise, visto que aqueles que têm baixo estatuto socioeconómico tendem a ser menos ativos. Para além disso, usando metodologias qualitativas, sugere‐se a seleção dos adolescentes considerados «críticos» para eventuais entrevistas, para se perceber melhor os seus comportamentos e as perspetivas dos mesmos sobre o que poderia ser alterado para serem mais ativos fisicamente.
ConclusãoNo geral, foi possível verificar que as raparigas apresentaram níveis de atividade física inferiores aos rapazes, sobretudo nos dias de semana, confirmando que são um subgrupo de risco. Por outro lado, os rapazes, apesar de apresentarem níveis mais elevados de atividade física do que as raparigas, apresentaram igualmente níveis mais elevados de comportamentos sedentários, tanto nos dias de semana como de fim‐de‐semana. Estes dados sugerem que é possível ao mesmo tempo ser fisicamente ativo e passar muito tempo em comportamentos sedentários. Isso é um dado importante que deve ser considerado no planeamento de intervenções, com vista a promover estilos de vida ativos e saudáveis nos adolescentes.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.