Nos últimos anos, diferentes estudos têm demonstrado que um nível inadequado de literacia em saúde pode ter implicações significativas nos resultados em saúde, na utilização dos serviços de saúde e, consequentemente, nos gastos em saúde. O conceito de literacia em saúde evoluiu de uma definição meramente cognitiva para uma definição que engloba as componentes pessoal e social do indivíduo, assumindo‐se como a capacidade de tomar decisões fundamentadas no seu dia‐a‐dia.
O presente estudo transversal analítico teve como objetivo traduzir e validar para a população portuguesa o European Health Literacy Survey (HLS‐EU).
O HLS‐EU‐PT foi aplicado em todo o território nacional, incluindo as regiões autónomas, através de investigadores de uma rede académica. A recolha de dados foi realizada por entrevista presencial. A amostra final ficou constituída por 1.004 indivíduos com idades ≥16 anos.
Este estudo disponibilizou o instrumento de avaliação do nível de literacia para a saúde em Portugal, tão importante na gestão da saúde.
O HLS‐EU‐PT apresenta‐se como um instrumento adequado para aferir o nível de literacia em saúde da população portuguesa e evidencia propriedades psicométricas comparáveis às versões utilizadas nos outros países.
Em Portugal, 61% da população inquirida apresenta um nível de literacia geral em saúde problemático ou inadequado, situando‐se a média dos 9 países em 49,2%.
Relativamente à dimensão cuidados de saúde, apenas 44,2% apresenta um nível suficiente ou excelente de literacia em saúde. No que respeita à prevenção da doença, cerca de 45% dos inquiridos revela ter um nível suficiente ou excelente de literacia em saúde, comparativamente com a média dos 9 países, que nesta dimensão apresenta o valor de 54,5%. Na dimensão promoção da saúde, 60,2% da população auscultada apresenta um nível de literacia em saúde problemático ou inadequado, sendo que a média se situa nos 52,1%.
Assim, considera‐se fundamental e urgente a conceção e implementação de uma estratégia nacional de literacia em saúde.
In the last few years, several studies have shown that inadequate health literacy levels can have significant implications in health outcomes, in the use of health care services and, consequently, in health costs. The concept of health literacy has changed from a purely cognitive definition to a definition that includes the personal and social components of the individual, assuming the ability to make informed decisions in their everyday life.
This analytical cross‐sectional study aimed to translate and validate the European Health Literacy Survey (HLS‐EU) to the Portuguese population.
The HLS‐EU‐PT has been applied throughout the country, including the autonomous regions, through research of an academic network. Data collection was conducted by personal interview. The final sample was composed of 1004 individuals aged ≥16 years.
This study provided the assessment tool of literacy level for health in Portugal, so important in health management.
The HLS‐EU‐PT is an adequate instrument to measure the health literacy levels of Portuguese population and shows comparable psychometric properties to versions used in the other countries.
In Portugal, 61% of the surveyed population has general health literacy level problematic or inadequate, reaching the average of the nine countries in 49.2%.
Concerning the Healthcare dimension, only 44.2% have a sufficient or excellent level of health literacy. In terms of disease prevention, about 45% of respondents reveal a sufficient or excellent level of health literacy, and the average stands at 54.5%. In Health Promotion dimension about 60.2% of the auscultated population has an health literacy level problematic or inappropriate, and the average stands at 52.1%.
Therefore, it is fundamental and urgent to design and implement a National Strategy for Health Literacy.
Durante as últimas décadas tem crescido o interesse na literacia em saúde enquanto conceito fundamental para um papel mais ativo por parte dos cidadãos em matéria de saúde e de cuidados de saúde1–3.
O conceito de literacia em saúde surge em 1974 num artigo intitulado «Health education as social policy», intimamente ligado às questões de promoção de saúde4, mas atualmente assume‐se também como ferramenta fundamental para «navegar» nos sistemas de saúde, cada vez mais complexos5.
O conceito literacia em saúde, ao longo dos últimos anos, tem ganho destaque na agenda europeia para a saúde6–8, evidenciando‐se em diferentes publicações oficiais de organizações políticas europeias, como sejam o White Paper intitulado Together for Health da Comissão Europeia9, o Vilnius Declaration on Sustainable Health Systems for Inclusive Growth in Europe10, o Health 2020 strategy of the World Health Organization11 e o Health literacy: the solid facts12, da Organização Mundial de Saúde (OMS), baseado nos resultados do estudo European Health Literacy Survey (HLS‐EU)13, financiado pela Comissão Europeia.
Também em Portugal a promoção da literacia em saúde dos cidadãos tem sido, nas últimas décadas, identificada como o caminho para a melhoria dos cuidados de saúde e assumida como uma preocupação na definição de políticas de saúde, contemplada inclusivamente no Plano Nacional de Saúde (PNS) 2012‐201614.
Apesar do conceito ter sido utilizado pela primeira vez nos anos 70, foi somente no final da década de 90 que surgiram as primeiras definições do conceito e, desde então, este tem vindo a evoluir. Evoluiu de uma definição relacionada com desempenho de determinadas tarefas, numa perspetiva completamente individual, para um conceito que contempla não só a componente pessoal, mas também a componente social do indivíduo, assumindo‐se como a capacidade de tomar decisões fundamentadas no seu dia‐a‐dia, assumindo as responsabilidades dessas decisões.
Assim, em 1998, a OMS definiu literacia em saúde como o conjunto de «competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para acederem à compreensão e ao uso da informação, de forma a promover e manter uma boa saúde»15.
No ano seguinte, um relatório do Council of Scientific Affairs da American Medical Association, datado de 1999, refere‐se à literacia em saúde como «a capacidade de ler e compreender prescrições, bulas de medicamentos, e outros materiais essenciais relacionados com a saúde requeridos para com sucesso ser possível o funcionamento como doente»16.
São Kickbusch et al., em 2005, que acrescentam à definição a componente social e de vida em sociedade, definindo literacia em saúde como «a capacidade para tomar decisões fundamentadas, no decurso da vida do dia‐a‐dia, em casa, na comunidade, no local e trabalho, na utilização de serviços de saúde, no mercado e no contexto político. É uma estratégia de capacitação para aumentar o controlo das pessoas sobre a sua saúde, a capacidade para procurar informação e para assumir as responsabilidades»5.
De 2005 a esta parte outras definições têm sido preconizadas 17–25, no entanto, nenhuma se revela tão completa e integradora como a de Kickbusch et al.5, pelo que continua a ser a definição mais utilizada em trabalhos académicos.
De acordo com Nutbeam25, a literacia é vista usualmente como sendo constituída por 2 elementos fundamentais, as tarefas (tasks) e as competências (skills). A literacia baseada nas tarefas refere‐se à medida de acordo com a qual o indivíduo consegue realizar determinadas tarefas, como ler um texto básico ou escrever frases simples. Por outro lado, a literacia baseada em competências centra‐se no nível de conhecimento e competências que as pessoas devem ter para realizar tais tarefas.
O mesmo autor considera 3 tipos ou níveis de literacia, designadas de funcional (ou básica), interativa (comunicacional) e crítica2.
- ‐
Literacia funcional/básica: competências suficientes para ler e escrever, permitindo um funcionamento efetivo nas atividades do dia‐a‐dia.
- ‐
Literacia interativa/comunicativa: competências cognitivas e de literacia mais avançadas que, em conjunto com as capacidades sociais, podem ser usadas para participar nas atividades no dia‐a‐dia, para obter informação e significados a partir de diferentes formas de comunicação e aplicar essa nova informação.
- ‐
Literacia crítica: competências cognitivas mais avançadas que, juntamente com as capacidades sociais, podem ser utilizadas para analisar criticamente a informação e usar esta informação para exercer maior controlo sobre as situações da vida.
A importância da literacia em saúde como tema de investigação tem sido destacada num conjunto de estudos, que sugere que esta pode desempenhar um importante papel na manutenção ou melhoria da condição de saúde, e que pode ser um elemento preditor pouco explorado de desigualdades em saúde26–28.
Para além de a literacia em saúde desempenhar um papel fundamental na transição do modelo biomédico para o «collaborative management» (modelo colaborativo)29, os seus impactes incluem um melhor estado de saúde, a redução dos custos de cuidados de saúde, o aumento do conhecimento em saúde e a utilização menos frequente dos serviços de saúde30–33. De acordo com Baker34,35, estes resultados em saúde são consequência da aquisição de novos conhecimentos, de atitudes mais positivas, de uma maior autoeficácia e de comportamentos de saúde positivos associados a uma maior literacia em saúde.
Nos últimos anos, vários estudos têm demonstrado que um nível inadequado de literacia em saúde pode ter implicações significativas, tanto na saúde individual como coletiva, e na gestão dos recursos e gastos em saúde 35–39.
Literacia em saúde e resultados em saúdeA relação entre o nível de literacia e estado de saúde da pessoa está bem documentada na literatura científica35–39 – os indivíduos com baixa literacia em saúde apresentam menor probabilidade de: (i) compreender informação escrita e oral fornecida pelos técnicos de saúde; (ii) serem capazes de navegar pelo sistema de saúde para obter os serviços necessários; (iii) realizar os procedimentos necessários; e (iv) seguir indicações prescritas.
Como consequência, sabe‐se hoje em dia que um nível inadequado de literacia em saúde acarreta muitos custos para o sistema40–43.
Uma literacia em saúde inadequada (quando comparada com uma literacia em saúde adequada) está fortemente ligada a um baixo conhecimento ou compreensão quer dos serviços de prestação de cuidados, quer dos próprios resultados em saúde, e poderá estar também associada a uma probabilidade elevada de hospitalização, uma elevada prevalência e severidade de algumas doenças crónicas, piores condições gerais de saúde, e uma baixa utilização de serviços de prevenção e rastreio de doença44,45.
Um nível baixo literacia em saúde tem vindo a ser identificado em diversos estudos como um fator de risco para diversas doenças46, nomeadamente: obesidade (um nível de literacia em saúde inadequado tem sido associado a valores superiores de índice de massa corporal)47,48, diabetes49, doenças cardiovasculares50 e cancro51. Níveis adequados de literacia em saúde parecem resultar em melhorias na condição de saúde das pessoas.
Estudos recentes destacam a relação entre um nível inadequado de literacia e taxas de mortalidade mais elevadas, sendo que o risco de mortalidade nos idosos é claramente superior em pessoas com uma baixa literacia em saúde50. Os motivos para esta relação centram‐se muito numa menor capacidade que os idosos têm para tomar os medicamentos corretamente, numa menor capacidade de interpretar os rótulos e as mensagens de saúde e na existência de piores condições de saúde geral neste grupo populacional52.
A literatura aponta para que os idosos, os doentes crónicos e aqueles que precisam de tomar medicação regularmente (tidos como grupos mais vulneráveis), sejam os mais afetados pelos inadequados níveis de literacia em saúde e em quem se fazem sentir mais os efeitos de inadequada literacia em saúde50,52.
Contudo, a literatura também aponta para que os efeitos de um inadequado nível de literacia em saúde nos resultados de saúde podem ser atenuados através de apoio social ou pelas características do próprio sistema de saúde52.
A literatura analisada sobre intervenções de promoção de literacia para melhorar resultados em saúde demonstra que existem várias intervenções com resultados significativos. Os programas de autogestão de saúde parecem ser efetivos na redução da prevalência de algumas doenças, e o desenvolvimento de algumas plataformas e/ou materiais específicos para promoção da literacia em saúde são efetivos e constituem‐se estratégias eficientes para a autogestão de doenças crónicas, nomeadamente diabetes, obesidade, asma e hipertensão, e na adesão à terapêutica53–57.
Literacia em saúde e utilização dos serviços de saúdeDe acordo com a literatura, um nível inadequado de literacia em saúde está fortemente ligado a um baixo conhecimento ou compreensão quer dos serviços de prestação de cuidados, quer dos próprios resultados em saúde, e poderá estar também associado a uma probabilidade elevada de hospitalização58– com períodos mais longos de internamento, mais exames de diagnóstico e baixa adesão à terapêutica medicamentosa – uma elevada prevalência e severidade de algumas doenças crónicas, piores condições gerais de saúde, e uma desvalorização dos serviços de prevenção e rastreio44,45,59. De acordo com o Institute of Medicine (IOM), dos Estados Unidos da América (EUA), está também negativamente relacionado com a autogestão de doenças crónicas como sejam a diabetes, a hipertensão arterial, a asma, as doenças cardiovasculares e o vírus da imunodeficiência humana (VIH)/sida; e com a automonitorização de saúde33.
De acordo com um estudo levado a cabo pela World Health Communication Associates, cerca de 90% dos adultos norte‐americanos tem dificuldades com o modo como a informação de saúde é facultada, e a maioria não consegue reconhecer e compreender os fatores de risco, agir em conformidade com a informação disponibilizada ou «navegar» no seu sistema de saúde60.
Um estudo desenvolvido na Medicare concluiu que são os idosos que apresentaram níveis de literacia em saúde mais baixo, no que diz respeito à utilização dos serviços de saúde61.
Como referido anteriormente, o problema de um nível de literacia em saúde baixo afeta vários aspetos dos cuidados de saúde, particularmente no diz respeito à medicação e à adesão à terapêutica. Estudos recentes destacam a relação entre um nível inadequado de literacia em saúde e confusões no que diz respeito à toma de medicamentos prescritos pelo médico, erros na medicação, uma não compreensão dos folhetos informativos33,62,63.
Podem ser prescritos medicamentos, mas sem a capacidade de compreender as instruções de toma, as pessoas frequentemente cometem erros na toma dos medicamentos, que podem ser graves, o que leva a uma não correta adesão à terapêutica33.
Poucos doentes percebem na íntegra para que serve a medicação que toma, como a tomar, quais as interações que algumas combinações de medicamentos podem ter e feitos adversos dessa medicação. A bibliografia disponível sobre o tema está repleta de exemplos de «gaps» entre o que os doentes deveriam saber e aquilo que realmente demonstram saber, no que diz respeito à medicação que tomam33,64. Uma das estratégias que tem vindo a ser adotada para melhorar a adesão à terapêutica e diminuir estas lacunas passa pela promoção da literacia em saúde, por forma a dar competências à pessoa para participar ativamente na decisão sobre a terapêutica a fazer. Estudos que têm vindo a ser desenvolvidos no domínio da adesão à terapêutica demonstram que as pessoas pretendem cada vez mais sentir‐se parte integrante na gestão da sua saúde, desejando ter mais informação e tornar‐se elemento ativo na interação com os profissionais de saúde65.
A literatura evidencia ainda que as estratégias de promoção da literacia em saúde no sentido de promover disgnósticos precoces de determinadas doenças, nomeadamente o cancro, têm vindo a aumentar e a tornar‐se mais efetivas ao longo dos últimos anos, com especial enfoque no rastreio do cancro coloretal, cancro de mama e de colo do útero e cancro da próstata66,67.
Literacia em saúde e custos para o sistemaA base de evidência para relacionar o nível de literacia em saúde e os custos para o sistema de saúde é ainda limitada, pelo que é difícil determinar com precisão o custo da literacia em saúde, quer do ponto de vista individual quer do ponto de vista do sistema como um todo.
Contudo, e como consequência do anteriormente exposto, que se traduz essencialmente numa utilização ineficiente do sistema de saúde, sabe‐se hoje em dia que um nível baixo de literacia em saúde acarreta muitos custos para o sistema40–43.
Um estudo levado a cabo pela American Medical Association aponta para que o custo de uma baixa literacia em saúde represente uma perda económica de 73 mil milhões de dólares por ano aos EUA43. Estima‐se ainda que esta tenha um custo nacional, nos EUA, entre os 100‐200 mil milhões de dólares anuais68,69.
Através de uma revisão sistemática da literatura, na qual foram analisados os custos associados a inadequados níveis de literacia em saúde, Eichler concluiu que, ao nível do sistema, os custos adicionais são equivalentes a cerca de 3‐5% do orçamento total da saúde70 e que, ao nível individual, cada pessoa com um nível baixo nível de literacia em saúde gaste entre 143‐7.798 dólares a mais por ano em cuidados de saúde.
Os problemas de saúde relacionados com a obesidade nos EUA somam 9,1% dos gastos clínicos, cerca de 147 mil milhões de dólares – as despesas‐extra consumidas no tratamento da diabetes e de outras doenças mais comuns numa população com excesso de peso poderiam ser direcionadas para intervenções de promoção de literacia em saúde. Isto pode traduzir‐se numa poupança significativa de gastos na prestação de cuidados porque, em média, um obeso consome mais 1.400 dólares por ano do que uma pessoa com o peso adequado71.
Não há ainda evidência em Portugal sobre a questão dos custos individuais e para o sistema de inadequados níveis de literacia em saúde da população. Contudo, sabe‐se que, sendo as situações de evolução prolongada – como o cancro, a diabetes e as doenças cardiovasculares – as mais prevalentes e mais dispendiosas para o sistema de saúde, a literacia em saúde pode assumir aqui um papel central na prevenção destas e na adesão a planos de tratamento, uma vez diagnosticadas.
Especialmente nos últimos 5 anos, as instituições, nomeadamente as autoridades de saúde, têm vindo a investir em programas de gestão da doença, nomeadamente da doença crónica, para melhorar a qualidade da prestação de cuidados e reduzir custos.
Ainda em 2011, o Decreto‐Lei n.° 124/2011 de 29 de dezembro, veio determinar que os programas de saúde prioritários a desenvolver pela Direção Geral de Saúde (DGS) seriam: (i) Programa Nacional para a Diabetes, (ii) o Programa Nacional para a Infeção VIH/sida, (iii) o Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo, (iv) o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, (v) o Programa Nacional para a Saúde Mental, (vi) o Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, (vii) o Programa Nacional para as Doenças Respiratórias e (viii) o Programa Nacional para as Doenças Cérebro‐cardiovasculares.
Mais recentemente, no primeiro semestre de 2016, o Despacho n.° 6401/2016 de 16 de maio determinou que, no âmbito do PNS, o desenvolvimento de programas de saúde prioritários deveriam decorrer nas seguintes áreas: (i) prevenção e controlo do tabagismo, (ii) promoção da alimentação saudável, (iii) promoção da atividade física, (iv) diabetes, (v) doenças cérebro‐cardiovasculares, (vi) doenças oncológicas, (vii) doenças respiratórias, (viii) infeção VIH/sida e tuberculos, (ix) hepatites virais, (x) prevenção e controlo de infeções e de resistência aos antimicrobianos, e (xi) saúde mental.
Assim, destaca‐se o facto de os programas selecionados como prioritários estarem maioritariamente relacionados com doenças crónicas ou com os seus fatores de risco, o que demonstra a importância que estes problemas detêm a nível nacional.
Reconhecendo a importância que a literacia em saúde pode ter neste âmbito, foi implementado, também em 2016, o Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados que pretende reforçar o papel do cidadão no sistema de saúde português e fazer da informação, do conhecimento e da decisão informada, veículos privilegiados desse reforço.
Contudo, é ainda insuficiente a evidência disponível que relacione os custos associados à implementação destes programas face à redução de gastos e melhoria de cuidados que proporcionam.
Medir o nível de literacia em saúdeTendo em consideração o impacte dos níveis de literacia na saúde individual, coletiva e na utilização dos recursos de saúde disponíveis, tornou‐se imperativo o desenvolvimento de instrumentos de diagnóstico do nível de literacia em saúde das populações72–74.
Uma vez que as pessoas que apresentam níveis de literacia em saúde inadequados mostram dificuldades significativas no que diz respeito à compreensão de prescrições médicas, instruções relacionadas com a saúde e mesmo com a monitorização de parâmetros biométricos, e que revelam ainda taxas de hospitalização mais elevadas, maiores custos com cuidados com saúde e pior estado geral de saúde, a avaliação do nível de literacia em saúde é um aspeto fundamental para a saúde pública75.
Dada a complexidade do conceito literacia em saúde e a sua evolução concetual, na literatura estão descritos vários instrumentos que se propõe a avaliar o nível de literacia em saúde76–88. Os instrumentos mais amplamente utilizados são o Test of Functional Health Literacy in Adults (TOFHLA) e a sua versão reduzida S‐TOFHLA, o Rapid Estimate of Adult Literacy in Medicine (REALM) e o Newest Vital Sign (NVS)34,89,90.
Contudo, estes instrumentos, como se têm centrado principalmente na avaliação de competências cognitivas (capacidade de ler e, em alguns casos, de usar numeracia, nomeadamente para calcular dosagens para a toma de medicamentos) para aferir os níveis de literacia das populações, revelam ser ainda insuficientes para a medição do grau de literacia em saúde de uma forma que corresponda satisfatoriamente à definição mais atual.
À semelhança de outros países europeus, desde cedo Portugal sentiu a necessidade de conhecer o nível de literacia em saúde da população, tendo para o efeito incluído num estudo de literacia em geral algumas questões relativas à saúde. Esta primeira contribuição efetiva para aferir o nível de literacia a nível nacional remonta a 1995, e revelou níveis de literacia em saúde baixos ou muito baixos91. Este estudo revelou também que são idosos, desempregados e domésticas que apresentam níveis mais baixos de literacia.
Em 2014, quase 20 anos após esta primeira iniciativa, foi aplicado em Portugal o HLS‐EU13 que, por ser um instrumento de avaliação multidimensional, permitiu perceber, de forma concertada, a capacidade das pessoas acederem, compreenderem, analisarem e utilizarem a informação de saúde nos domínios da utilização dos cuidados de saúde, da promoção da saúde e prevenção da doença.
Seguidamente, apresentam‐se o instrumento, a sua validação para Portugal e os principais resultados.
European Health Literacy SurveyTendo em conta a necessidade de desenvolver um instrumento que fosse capaz de aferir os níveis de literacia em saúde de uma forma mais próxima às definições atuais do conceito, um grupo de peritos europeus, coordenados pela Universidade de Maastricht, juntou‐se e deu origem ao consórcio Health Literacy Survey‐EU, que visa o desenvolvimento, validação e aplicação nos diferentes países de um questionário que consegue aferir os níveis de literacia da saúde da população de forma muito próxima às definições mais recentes do conceito13. O objetivo final deste projeto foi fazer o diagnóstico dos níveis de literacia em saúde das suas populações e poder compará‐los entre si, utilizando os seus resultados como suporte às iniciativas de promoção de literacia em saúde, tornando‐as mais dirigidas e adequadas às necessidades reais das populações. Na primeira fase, integraram este projeto países como a Espanha, a Grécia, a Holanda, a Irlanda, a Alemanha, a Bulgária, a Polónia e a Áustria.
European Health Literacy Survey – PortugalDada a relevância da problemática e da necessidade premente de elaborar o diagnóstico de literacia em saúde em Portugal, a Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa estabeleceu um acordo com os mentores e com a coordenadora do projeto europeu, de forma a ter a autorização e o apoio necessários ao desenvolvimento do projeto estabeleceu uma parceria com a DGS/PNS, no sentido de se traspor os resultados do estudo para a realidade nacional e para as decisões estratégicas no domínio da saúde pública, e consolidou uma rede de colaboração académica nacional, designada como «Rede Académica», constituída por 12 escolas de saúde ao nível nacional e regiões autónomas: (i) Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa; (ii) Centro de Investigação em Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade de Évora; (iii) Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Portalegre; (iv) Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Instituto Politécnico do Porto; (v) Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viana do Castelo; (vi) Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viseu; (vii) Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Beja; (viii) Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra; (ix) Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Instituto Politécnico de Lisboa; (x) Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores; (xi) Centro de Competência Tecnologias da Saúde da Universidade da Madeira; e (xii) Escola Superior de Saúde da Universidade do Algarve.
O desenvolvimento de uma «Rede Académica» desta natureza, com a participação de escolas de saúde de diferentes pontos do país, possibilitou a recolha de dados ao nível micro, permitindo conhecer as características e especificidades das populações e possibilitando direcionar as intervenções a desenvolver para as reais necessidades das populações.
Para além desta mais‐valia, a colaboração destas escolas com experiência reconhecida no domínio da literacia em saúde revela‐se muito importante na partilha de experiências e métodos, estimulando a possibilidade de beneficiarem mutuamente de aprendizagens e instrumentos, não só para o projeto em curso, mas também para investigações futuras, consolidando desta forma a colaboração interescolas. Esta iniciativa também se traduz numa influência efetiva no sentido da criação de núcleos locais de desenvolvimento de iniciativas de promoção e análise de literacia em saúde de âmbito local.
Desta parceria resultou o primeiro estudo nacional de literacia em saúde, com uma amostra de 1.004 indivíduos. Este estudo permitiu a comparação dos resultados em Portugal com os resultados dos países onde o mesmo questionário foi aplicado. Permitiu sobretudo perceber a capacidade das pessoas acederem, compreenderem, analisarem e utilizarem a informação de saúde para tomarem decisões informadas que lhes permitam manter uma boa condição de saúde, prevenir doenças e procurar tratamento adequado em caso de doença.
Plano de investigação e métodosObjetivos do estudoO estudo aqui descrito tem 2 objetivos fundamentais: (i) traduzir e validar para Portugal o HLS‐EU; e (ii) fazer o diagnóstico do nível de literacia em saúde da população portuguesa passível de ser comparado com o de outros países europeus, de forma a direcionar e alinhar melhor as estratégias e intervenções de literacia em saúde a ser desenvolvidas não só ao nível nacional, mas também ao nível europeu.
Caracterização do instrumentoO HLS‐EU é um instrumento para avaliar o nível literacia em saúde. A opção pelo referido instrumento de avaliação foi efetuada após uma revisão da literatura relativamente à temática e por forma a possibilitar a inclusão de Portugal no consórcio Health Literacy Survey‐EU, coordenado pela Universidade de Maastricht.
Tendo em consideração o processo de operacionalização adotado na conceção e desenvolvimento do questionário, cujo detalhe poderá ser consultado em Sørensen et al.92, apesar do referido instrumento aferir por autoperceção, assume‐se que este efetivamente avalia o nível de literacia em saúde e que segue a tendência descrita na literatura para avaliar este tipo de questões subjetiva6.
Este instrumento é composto por 47 questões, desenhadas de acordo com um modelo conceitual que integra 3 domínios muito importantes da saúde – cuidados de saúde (16 questões), promoção da saúde (16 questões) e prevenção da doença (15 questões) – e 4 níveis de processamento da informação – acesso, compreensão, avaliação e utilização – essenciais à tomada de decisão (fig. 1). A combinação destes domínios com os níveis resulta numa matriz de análise de literacia em saúde com 12 subíndices (fig. 2) que são operacionalizadas nas 47 questões do instrumento. Pretende‐se que, através de uma escala de 4 valores (muito fácil ao muito difícil), o indivíduo refira o grau de dificuldade que sente na realização de tarefas relevantes na gestão da sua saúde93.
Modelo concetual.
(Fonte: Sørensen,93, 2012).
Matriz dos subíndices de literacia em saúde baseadas no modelo concetual do HLS‐EU, utilizadas na construção do questionário.
(Adaptado de Sørensen et al.93, 2012: pp.10).
Importa também referir que este é um instrumento que mede literacia em saúde por autoperceção.
Adaptação e validaçãoPara a tradução, adaptação e validação do instrumento HLS‐EU‐PT, seguiu‐se uma metodologia composta por 2 fases complementares: tradução e adaptação cultural do questionário e validação estatística.
A adaptação transcultural foi realizada com o objetivo de obter um instrumento equivalente ao desenvolvido no país de origem; assegurando‐se a equivalência de conteúdo e semântica. Para esta adaptação foi usado o método tradução‐retroversão de Hill e Hill94. O processo foi desenvolvido de acordo com os seguintes passos: tradução pelo investigador responsável e simultaneamente por tradutor independente; confronto das versões para elaboração da primeira versão em português; retroversão por tradutor independente, não conhecedor da versão inicial em língua inglesa; confronto de versões (original e retrovertida) por grupo de peritos, com o objetivo de avaliar a identidade do conteúdo dos itens; e adaptação e correção dos termos técnicos por um médico.
Seguindo‐se a realização de um pré‐teste para avaliar a adequação e compreensão dos itens da versão traduzida, adequação do método de recolha de dados e elaboração da versão final. Deste modo, e também para detetar problemas de ambiguidade ou de dificuldade de compreensão, o pré‐teste foi realizado com uma amostra de 250 indivíduos portugueses, com idade ≥16 anos, abordados aleatoriamente na rua e inquiridos por entrevista presencial, seguindo os passos descritos no ponto recolha de dados. Da sua análise resultou um conjunto de alterações pouco significativas relacionadas com a interpretação de palavras concretas. Para a integração dos resultados do pré‐teste na redação da versão final do instrumento, utilizou‐se a técnica de focus group, tendo sido este painel composto por 12 peritos em questões relacionadas com literacia em saúde e participação do cidadão.
AmostraÀ semelhança da aplicação do HLS‐EU nos países que integraram o estudo numa fase inicial, para o HLS‐EU‐PT foi selecionada uma amostra de conveniência de cerca de 1.000 indivíduos, recolhida no espaço público, em diferentes locais e em diferentes períodos do dia. Tendo em conta que a população portuguesa é de 10.626.008 indivíduos e, por forma a respeitar uma distribuição geográfica equitativa, a amostra foi calculada de acordo com a densidade populacional das unidades territoriais para fins estatísticos (NUT), especificamente as regiões da NUT II – região Norte (n=349), Centro (n=224), Algarve (n=44), Lisboa e Vale do Tejo (n=265), Alentejo (n=73), Região Autónoma dos Açores (n=23) e Região Autónoma da Madeira (n=16) – e estratificação por gênero; perfazendo uma amostra total de 1.004 indivíduos com idades ≥16 anos (sendo 60% do sexo feminino).
A maior percentagem da amostra apresentava entre os 36‐45 anos; como habilitações literárias, o secundário (36,3%); quase metade apresentava o estado civil de solteiro (49,6%); 53,9% são casais com filhos e 40,9% da amostra encontra‐se empregada a full‐time (tabela 1).
Caracterização da amostra
Masculino | Feminino | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |
385 | 39,6 | 588 | 60,4 | 973 | 100,0 | |
Idade (anos) | ||||||
≤25 anos | 106 | 36,1 | 171 | 38,1 | 277 | 37,3 |
26‐35 anos | 50 | 17,0 | 53 | 11,8 | 103 | 13,9 |
36‐45 anos | 52 | 17,7 | 85 | 18,9 | 137 | 18,4 |
46‐55 anos | 37 | 12,6 | 85 | 18,9 | 122 | 16,4 |
56‐65 anos | 31 | 10,5 | 36 | 8,0 | 67 | 9,0 |
66‐75 anos | 11 | 3,7 | 15 | 3,7 | 26 | 3,5 |
≥76 anos | 7 | 2,4 | 4 | 0,9 | 11 | 1,5 |
Estado civil | ||||||
Solteiro | 203 | 53,4 | 274 | 47,1 | 477 | 49,6 |
Casado/união facto | 150 | 39,5 | 257 | 44,2 | 407 | 42,3 |
Separado/divorciado/viúvo | 27 | 7,1 | 51 | 8,7 | 78 | 8,1 |
Habilitações literárias | ||||||
1.° ciclo | 27 | 7,0 | 30 | 5,1 | 57 | 5,9 |
2.°‐3.° ciclos | 64 | 50,6 | 267 | 15,3 | 90 | 15,8 |
Secundário | 148 | 38,6 | 204 | 34,8 | 352 | 36,3 |
Licenciatura | 117 | 30,5 | 200 | 34,1 | 317 | 32,7 |
Mestrado/doutoramento | 27 | 7,1 | 63 | 10,7 | 90 | 9,2 |
Agregado familiar | ||||||
Um indivíduo | 90 | 23,6 | 91 | 15,5 | 181 | 18,7 |
Casal sem filhos | 39 | 10,2 | 61 | 10,4 | 100 | 10,3 |
Casal com filhos | 199 | 52,2 | 323 | 55,0 | 522 | 53,9 |
Família monoparental | 26 | 6,8 | 56 | 9,5 | 82 | 8,5 |
Outros | 27 | 7,1 | 56 | 9,5 | 83 | 8,6 |
Situação profissional | ||||||
Full‐time | 157 | 41,0 | 237 | 40,4 | 394 | 40,7 |
Part‐time | 24 | 6,3 | 24 | 4,1 | 48 | 5,0 |
Desempregado | 29 | 7,6 | 50 | 8,5 | 79 | 8,2 |
Estudante | 107 | 27,9 | 186 | 31,7 | 293 | 30,2 |
Reformado | 32 | 8,4 | 38 | 6,5 | 70 | 7,2 |
Outro | 34 | 8,9 | 51 | 8,7 | 85 | 8,7 |
Após o processo de tradução/retroversão que garantiu a equivalência semântica e cultural entre as versões original e em português e a realização do pré‐teste, obteve‐se um instrumento que, posteriormente, foi submetido a testes de validação.
Os dados foram colhidos entre os meses de março e maio de 2014 com recurso a entrevista presencial. O entrevistador iniciava a entrevista com uma introdução onde eram apresentados os objetivos e garantida a confidencialidade e anonimato. A aplicação do questionário foi feita ao nível regional por entrevistadores de cada uma das instituições parceiras, tendo sido construída uma base de dados conjunta.
Antes do preenchimento do questionário e após o esclarecimento dos objetivos do estudo, foi entregue aos participantes um consentimento informado em duplicado que, depois de assinado, um ficava para o indivíduo e outro para o investigador.
O instrumento HLS‐EU original, como referimos anteriormente, é constituído por 47 questões agrupadas em 3 domínios e 4 níveis de processamento da informação, permitindo categorizar grupos de literacia em saúde de acordo com pontos de corte. De modo a garantir o cálculo correto dos índices e assegurar a comparação entre eles, os 4 índices calculados foram uniformizados numa escala métrica variável entre 0‐50, na qual o 0 é o mínimo possível de literacia em saúde e o 50 o máximo possível de literacia em saúde. Para os 4 níveis foram identificados os seguintes pontos de corte: scores iguais ou inferiores a 25 pontos=literacia em saúde inadequada; scores entre 25‐33 pontos=literacia em saúde problemática; scores entre 33‐42=literacia em saúde suficiente; e scores entre 42‐50=literacia em saúde excelente.
Após a recolha dos dados, o tratamento estatístico foi realizado através do software SPSS (versão 21.0).
Resultados do estudo nacional de literacia em saúdeValidaçãoConsistência internaA fiabilidade do instrumento, baseada no coeficiente de alfa de Cronbach, na escala de 47 itens, foi de 0,96. Os valores do HLS‐EU‐PT para a literacia em geral e para os subíndices, analisados individualmente, são apresentados na tabela 2, sendo os valores comparados com os outros países europeus onde o estudo foi realizado. Analisando a tabela, verificamos que os coeficientes de alfa de Cronbach classificam‐se de muito bons, oscilando entre 0,90‐0,96, para a versão portuguesa.
Alphas de Cronbach para os subíndices, por país e por total
Alpha de Cronbach | AT | BG | DE(NRW) | EL | ES | IE | NL | PL | PT | Total |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Literacia em saúde geral | 0,96 | 0,97 | 0,96 | 0,97 | 0,96 | 0,97 | 0,95 | 0,98 | 0,96 | 0,96 |
Literacia em cuidados de saúde | 0,90 | 0,93 | 0,91 | 0,92 | 0,89 | 0,91 | 0,88 | 0,94 | 0,90 | 0,91 |
Literacia em prevenção da doença | 0,90 | 0,93 | 0,91 | 0,92 | 0,89 | 0,91 | 0,87 | 0,94 | 0,90 | 0,91 |
Literacia em promoção da saúde | 0,90 | 0,93 | 0,90 | 0,93 | 0,89 | 0,93 | 0,88 | 0,95 | 0,91 | 0,91 |
AT: Áustria; BG: Bulgária; DE: Alemanha; EL: Grécia; ES: Espanha; IE: Irlanda; NL: Holanda; PL: Polónia; PT: Portugal.
(Adaptado de HLS‐EU Consortium13, 2012: pp.22)
A validade de critério foi medida através da correlação dos subíndices entre si, através do coeficiente de correlação de Pearson, sendo que todos os resultados obtidos se situaram abaixo de 0,85, o que significa a não existência de redundância (tabela 3).
Coeficientes de correlação de Pearson interíndices
GEN‐HL | HC‐HL | DP‐HL | HP‐HL | FHI | UHI | JHI | AHI | HC‐FHI | HC‐UHI | HC‐JHI | HC‐AHI | DP‐FHI | DP‐UHI | DP‐JHI | DP‐AHI | HP‐FHI | HP‐UHI | HP‐JHI | HP‐AHI | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
GEN‐HL | 1,00 | |||||||||||||||||||
HC‐HL | ,914** | 1,00 | ||||||||||||||||||
DP‐HL | ,934** | ,803** | 1,00 | |||||||||||||||||
HP‐HL | ,917** | ,727** | ,783** | 1,00 | ||||||||||||||||
FHI | ,918** | ,841** | ,847** | ,841** | 1,00 | |||||||||||||||
UHI | ,902** | ,857** | ,822** | ,801** | ,779** | 1,00 | ||||||||||||||
JHI | ,909** | ,806** | ,887** | ,816** | ,774** | ,733** | 1,00 | |||||||||||||
AHI | ,900** | ,800** | ,818** | ,857** | ,742** | ,771** | ,760** | 1,00 | ||||||||||||
HC‐FHI | ,728** | ,810** | ,635** | ,570** | ,824** | ,631** | ,599** | ,556** | 1,00 | |||||||||||
HC‐UHI | ,759** | ,864** | ,644** | ,587** | ,668** | ,844** | ,619** | ,617** | ,632** | 1,00 | ||||||||||
HC‐JHI | ,774** | ,808** | ,699** | ,626** | ,660** | ,607** | ,844** | ,651** | ,547** | ,576** | 1,00 | |||||||||
HC‐AHI | ,720** | ,776** | ,625** | ,582** | ,576** | ,714** | ,555** | ,779** | ,435** | ,609** | ,506** | 1,00 | ||||||||
DP‐FHI | ,802** | ,712** | ,838** | ,666** | ,853** | ,708** | ,663** | ,661** | ,603** | ,579** | ,553** | ,580** | 1,00 | |||||||
DP‐UHI | ,696** | ,626** | ,733** | ,566** | ,597** | ,806** | ,533** | ,614** | ,449** | ,550** | ,403** | ,637** | ,636** | 1,00 | ||||||
DP‐JHI | ,796** | ,666** | ,872** | ,666** | ,674** | ,629** | ,912** | ,641** | ,522** | ,521** | ,664** | ,447** | ,592** | ,474** | 1,00 | |||||
DP‐AHI | ,685** | ,549** | ,727** | ,595** | ,562** | ,527** | ,634** | ,734** | ,440** | ,410** | ,551** | ,379** | ,448** | ,347** | ,582** | 1,00 | ||||
HP‐FHI | ,798** | ,631** | ,688** | ,866** | ,857** | ,641** | ,696** | ,662** | ,524** | ,496** | ,575** | ,456** | ,595** | ,444** | ,594** | ,535** | 1,00 | |||
HP‐UHI | ,784** | ,633** | ,678** | ,829** | ,665** | ,834** | ,660** | ,687** | ,476** | ,526** | ,518** | ,543** | ,555** | ,516** | ,560** | ,541** | ,639** | 1,00 | ||
HP‐JHI | ,749** | ,582** | ,645** | ,823** | ,637** | ,639** | ,770** | ,653** | ,451** | ,487** | ,482** | ,476** | ,541** | ,483** | ,565** | ,461** | ,613** | ,616** | 1,00 | |
HP‐AHI | ,729** | ,575** | ,606** | ,819** | ,611** | ,585** | ,620** | ,845** | ,443** | ,449** | ,499** | ,476** | ,530** | ,465** | ,507** | ,443** | ,568** | ,544** | ,593** | 1,00 |
AHL: avaliar em literacia em saúde; DP‐HL: literacia em prevenção da doença; FHL: literacia em saúde funcional; GEN‐HL: literacia em saúde geral; HC‐HL: literacia em cuidados de saúde; HP‐HL: literacia em promoção da saúde; JHL: julgar em literacia em saúde; UHL: compreender em literacia em saúde.
Na tabela 4 apresentam‐se a média e o desvio‐padrão (DP) dos níveis de literacia em saúde, apresentando também os valores por subíndices, permitindo a comparação com outros países que validaram e aplicaram o questionário.
Média e desvio‐padrão dos subíndices de literacia em saúde, por país e por total
Países | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
AT | BG | DE (NRW) | EL | ES | IE | NL | PL | PT | Total | |
Índice de literacia geral | ||||||||||
Média | 32 | 30,5 | 34,5 | 33,6 | 32,9 | 35,2 | 37,1 | 34,5 | 31,5 | 33,5 |
DP | 7,6 | 9,2 | 7,9 | 8,5 | 6,1 | 7,8 | 6,4 | 8 | 7 | 7,6 |
Índice de literacia em cuidados de saúde | ||||||||||
Média | 32,8 | 32,8 | 34,8 | 34,1 | 33,2 | 36,3 | 38 | 35,4 | 32 | 34,4 |
DP | 8,3 | 9,5 | 8,5 | 8,7 | 6,7 | 7,8 | 6,8 | 8,1 | 7,2 | 8,0 |
Índice de literacia em prevenção da doença | ||||||||||
Média | 32,6 | 30,4 | 35,8 | 34 | 33,2 | 35,1 | 37,7 | 34,1 | 31,8 | 33,9 |
DP | 8,5 | 10,1 | 8,8 | 9,1 | 6,7 | 8,5 | 7,1 | 9 | 7,7 | 8,4 |
Índice de literacia em promoção da saúde | ||||||||||
Média | 30,5 | 27,9 | 32,9 | 32,7 | 32,2 | 34 | 35,7 | 33,8 | 31 | 32,3 |
DP | 8,8 | 10,2 | 8,9 | 9,6 | 6,9 | 9,7 | 7,6 | 8,8 | 8 | 8,7 |
AT: Áustria; BG: Bulgária; DE: Alemanha; EL: Grécia; ES: Espanha; IE: Irlanda; NL: Holanda; PL: Polónia; PT: Portugal.
(Adaptado de HLS‐EU Consortium13, 2012: pp.24)
Em Portugal, cerca de 61% da população inquirida apresenta um nível de literacia geral em saúde problemático ou inadequado, situando‐se a média dos 9 países em 49,2%. Em pior situação que os portugueses só se encontram os búlgaros, que revelam que 62,1% da população deste país apresenta níveis de literacia em saúde problemáticos ou inadequados. No polo oposto está a Holanda, país em que esta percentagem é de apenas 28,7% (fig. 3).
Literacia em saúde de cuidados de saúdeÉ na dimensão cuidados de saúde que se destacam os valores mais preocupantes, visto ser, dos 9 países, aquele onde se verificam os piores resultados. Apenas 44,2% apresenta um nível suficiente ou excelente de literacia em saúde (fig. 4).
Literacia em saúde de prevenção da doençaNo que respeita à prevenção da doença, apenas cerca de 45% dos inquiridos revela ter um nível suficiente ou excelente de literacia em saúde, comparativamente com a média dos 9 países, que, nesta dimensão, apresenta o valor de 54,5% (fig. 5).
Literacia em saúde de promoção da saúdeNo que se refere à promoção da saúde, 60,2% da população auscultada apresenta um nível de literacia em saúde problemático ou inadequado. Comparativamente, a Bulgária apresenta, nesta dimensão, um nível de promoção da saúde problemático ou inadequado de 70,3%, sendo que a Irlanda e a Holanda, os países com os melhores resultados a este nível, apresentam 40,6 e 36,3%, respetivamente. A média situa‐se nos 52,1% (fig. 6).
A análise dos resultados deste estudo revela também que existem problemas de literacia em saúde quando analisados os grupos com algumas características sociais específicas. Nos 4 subíndices de literacia em saúde analisados (capacidade de as pessoas acederem, compreenderem, analisarem e utilizarem a informação de saúde), verifica‐se uma tendência decrescente dos seus níveis quando cruzados com os grupos etários – à medida que a idade aumenta o nível de literacia em saúde diminui.
Por outro lado, observa‐se tendencialmente o inverso no que diz respeito ao nível de escolaridade – à medida que o nível de escolaridade aumenta os níveis de literacia em saúde tendem a ser superiores. São também os desempregados que apresentam os piores níveis de literacia em saúde, quando comparados com a população ativa.
DiscussãoO HLS‐EU‐PT é o primeiro estudo que proporciona informação sustentada sobre os níveis de literacia em saúde da população portuguesa, comparável aos níveis dos 8 países que fazem parte do consórcio europeu de literacia em saúde. À semelhança dos outros países, a amostra foi construída tendo por base a metodologia do Eurobarómetro13,16.
Este estudo teve como objetivos fundamentais validar e adaptar culturalmente a versão original do HLS‐EU para Portugal e, com base neste instrumento, avaliar o nível de literacia em saúde da população portuguesa, tendo em conta a sua capacidade para aceder, compreender, avaliar e utilizar informação reativa a cuidados de saúde, prevenção da doença e promoção da saúde13.
No âmbito deste estudo, são ainda disponibilizados as normas e scores a utilizar aquando da aplicação do instrumento versão portuguesa (HLS‐EU‐PT), possibilitando a definição de 4 níveis de literacia em saúde (inadequada; problemática; suficiente e excelente.). A interpretação dos resultados da escala deve ser no sentido de que quanto maior a pontuação obtida, maior o nível de literacia em saúde apresentado pelo indivíduo. Após a análise dos itens, foram mantidas as 47 questões originais, pelo que o HLS‐EU‐PT se assemelha em termos de propriedades psicométricas com a escala original.
O valor do alfa de Cronbach revelado garante a fiabilidade da escala e é comparável ao encontrado, quer pelos autores originais quer pelos autores das versões de cada um dos países participantes no estudo, situando‐se os valores entre 0,90‐0,96 no índice geral de literacia em saúde e nos respetivos subíndices. O mesmo acontece no que diz respeito à validade de critério, aferida através do coeficiente de correlação de Pearson, que situa todos os resultados obtidos abaixo de 0,85, o que significa que, apesar da dimensão do questionário, não existe redundância95.
Nas últimas décadas, temos assistido a um aumento da investigação e evidência científica sobre a temática literacia em saúde14. Com este gradual interesse, e dada a importância da avaliação da literacia em saúde na população em geral e em grupos de risco, denotou‐se uma crescente pesquisa de instrumentos para medir a literacia em saúde. Assim, os estudos referentes à avaliação da literacia em saúde em diferentes países, através de um instrumento comum e adaptado culturalmente (HLS‐EU), são fundamentais, por forma a aferir os níveis de literacia em saúde da população em causa, avaliar o diferencial que existe entre os países envolvidos relativamente aos cuidados de saúde, prevenção da doença e promoção da saúde e compará‐los entre si.
A evidência científica tem demonstrado que os níveis de literacia em saúde variam de acordo com o contexto social e cultural. Assim, e de acordo com os dados da tabela 3, a média do índice de literacia geral variou entre 30,5±9,2 na Bulgária e 37,1±6,4 na Holanda; sendo que Portugal foi o segundo país com uma média mais baixa (31,5±7). De salientar que Portugal foi, dos 8 países que constituem o consórcio Health Literacy Survey‐EU, o país que apresentou a média mais baixa relativamente ao subíndice de literacia em cuidados de saúde (32±7,2); o segundo em relação ao subíndice literacia em prevenção da doença (31,8±7,7); e o terceiro país com uma média mais baixa no subíndice literacia em promoção da saúde (31±8,0). Estes índices comprovam que deve ser uma prioridade para as políticas de saúde a validação deste instrumento e a sua aplicação na população em geral e em grupos específicos para a definição e implementação de estratégias baseadas num diagnóstico de situação. De acordo com o PNS 2012‐2016, a promoção da literacia em saúde é uma prioridade nacional, pois constitui um caminho para a melhoria dos cuidados de saúde, melhoria da qualidade de vida e do bem‐estar individual e populacional51.
Os resultados obtidos no estudo HLS‐EU‐PT sugerem que os scores de literacia em saúde da população portuguesa variam de acordo com as 4 competências base – aceder, compreender, avaliar e utilizar – e este facto é consistente com os resultados dos 8 países participantes no HLS‐EU13.
Acresce o facto das dificuldades sentidas variarem de acordo com a dimensão específica. Por exemplo, aceder a informação de cuidados de saúde suscita mais dificuldade do que aceder a informação de prevenção da doença. Esta conclusão também é apresentada no estudo HLS‐EU13. Isto pode evidenciar que o nível de literacia em saúde pode variar de acordo com a dimensão, e tanto no HLS‐EU como no HLS‐EU‐PT é notório. Contudo, no caso português as diferenças não são grandes, a dimensão que apresenta maior diferença é a literacia em cuidados de saúde, quando comparada à dimensão literacia em promoção da saúde.
De acordo com Moritsugo, um nível de literacia em saúde inadequado não é exclusivamente um problema individual mas um problema sistémico, no qual deve ser assegurado que as estratégias de intervenção e programas dos cuidados de saúde e das autoridades de saúde estão em conformidade as necessidades da comunidade96.
De acordo ainda com o mesmo autor, o sistema de saúde tem um papel fundamental no desenvolvimento das competências do cidadão e da comunidade, no sentido da promoção do seu nível de literacia em saúde. Esta influência do sistema de saúde na pessoa pode ser avaliada pelos serviços que proporciona, pela forma como os profissionais de saúde interagem com as pessoas, pela facilidade com que as pessoas «navegam» dentro do próprio sistema, e pelos sistemas de apoio que tem disponíveis para ajudar as pessoas na procura de informação e de respostas de que necessita96.
Uma grande da parte da prevenção da doença centra‐se na responsabilidade que o sistema de saúde e os profissionais de saúde têm no processo de comunicação, para que as pessoas possam ouvir, compreender, apreender e atuar com base na evidência disponível, e assim poderem tomar melhores decisões e fazer melhores escolhas sobre a sua saúde. Isto torna‐se ainda mais crítico quando falamos de prevenção e gestão das doenças crónicas96.
A literatura aponta para que o sistema de saúde precisa de ser mais proactivo em dar resposta às necessidades de literacia em saúde no que diz respeito à utilização dos serviços de saúde, direcionando mais as intervenções para o suprir das necessidades dos cidadãos97.
Destaca‐se também deste estudo a existência de subgrupos da amostra que evidenciam níveis mais baixos de literacia em saúde (em todas as dimensões avaliadas), sugerindo a existência de grupos vulneráveis, como sejam os mais velhos, os menos escolarizados e os desempregados e reformados. Tendo em conta as características sociodemográficas da população portuguesa, estes dados são muito preocupantes.
Quando falamos de escolaridade, é notória uma relação entre o grau de escolaridade e o nível de literacia em saúde, quanto mais elevado o grau de escolaridade, maior o nível de literacia em saúde. E este fenómeno verifica‐se em todos os países que participaram no estudo13. Apesar dos esforços e dos sucessos obtidos ao longo da última década, Portugal conta ainda com taxas de analfabetismo e de baixa escolaridade relativamente altas, sendo que, em 2011, a população com 15 ou mais anos sem qualquer nível de ensino completo considerado é de 39,3%98. Contudo, este indicador, tendo em conta o fator geracional, deve ser olhado em 3 dimensões: população com 65 ou mais anos com uma proporção de 32,3%, considerando o grupo etário dos 35‐64 anos a proporção representava 5,3% e apenas 1,7% para a população entre 15‐34 anos98.
Relativamente ao abandono escolar, Portugal regista uma descida acentuada entre 2004 (39,3%) e 2014 (17,4%), sendo que a média dos 28 Estados Membro da União Europeia (UE‐28) 11,1%, a Alemanha apresenta uma taxa de 9,5%, a Áustria de 7%, a Bulgária de 12,9%, a Espanha de 21,9%, a Irlanda de 6,9%, Grécia 9% e a Polónia de 5,4%98.
As taxas de escolaridade do nível de ensino superior (população entre 30‐34 anos) aumentaram de modo consistente, quer em Portugal quer em Espanha, no período 2004‐2013. O nosso país registou um aumento mais acentuado (passou de 16,3% em 2004 para 30,0% em 2013), Espanha registou valores sempre superiores (passou de+‐36% em 2004 para 42,3% em 2013), mesmo em relação à UE‐28 (passou de+‐26% em 2004 para 36,9% em 2013)98.
De acordo ainda com os dados do INE, no espaço de 10 anos, diminuiu fortemente a proporção dos jovens que saem do sistema de ensino com títulos escolares mais baixos, até 6 anos de escolaridade (os valores caem de 34,6 para 11,3% entre 2001‐2011) e eleva‐se significativamente a proporção daqueles que saem da escola com diplomação intermédia e superior – de 52,1 para 62,5%, no caso dos possuidores de 9‐12 anos de escolaridade; de 13,3 para 26,3%, no caso dos que saem do sistema com títulos de ensino médio, pós‐secundário ou superior. Apesar de o abandono escolar desqualificado (abandono da escola sem conclusão da escolaridade obrigatória) continuar a fazer parte do panorama educativo português, é inegável que os jovens portugueses de hoje beneficiam de uma formação escolar mais longa e mais bem‐sucedida98.
Estes dados, se os níveis de literacia dependessem somente da escolaridade, reforçariam a ideia que daqui a 10 anos Portugal iria estar muito melhor posicionado face aos valores identificados em 2014. Mas será que vai, se tudo o resto se mantiver igual?
No que diz respeito à idade, quando correlacionadas as curvas, à medida que a idade aumenta, o nível de literacia em saúde tende a diminuir, o panorama português também não é muito animador. Em 2014, a população residente em Portugal era constituída por 14,4% de jovens, 65,3% de pessoas em idade ativa e 20,3% de idosos. Relativamente a 2013, Portugal apresentava uma das estruturas etárias mais envelhecidas entre a UE‐28: a proporção de jovens atingiu 15,6% na UE‐28, quando em Portugal era de 14,6%, verificando‐se a maior proporção de jovens na Irlanda (22,0%) e a mais baixa na Alemanha (13,1%)99.
A proporção de pessoas com 65 e mais anos, em 2014, era 18,5% na UE‐28 e 19,9% em Portugal, valor apenas ultrapassado pela Grécia (20,5%), Alemanha (20,8%) e Itália (21,4%); a proporção mais baixa verificou‐se na Irlanda (12,6%). A Bulgária apresenta um valor semelhante a Portugal e os restantes países onde o nível de literacia em saúde foi avaliado também apresentam valores mais baixos que a média da UE‐28100.
Tendo em conta que o risco de mortalidade nos idosos é claramente superior em pessoas com uma baixa literacia em saúde52 e relacionando‐o com a distribuição etária portuguesa, verificamos com alguma facilidade que estamos perante um problema sério que deverá ser tido em conta na formulação de políticas de saúde.
A literatura não refere a situação perante o emprego como preditor do nível de literacia em saúde, contudo, com base nos resultados obtidos, são os desempregados, seguidos dos reformados e os trabalhadores em part‐time que, por esta ordem, apresentam os valores mais baixos de literacia em saúde. Num país cujas taxas de desemprego atingiram os 17% em 2013, apenas ultrapassado pela Grécia (27,5%), a Espanha (26,5%) e a Croácia (17,6%), no ano cuja média da UE‐28 foi 11% e a Alemanha e a Áustria registaram os valores mais baixos, 5,4 e 5%, respetivamente, este é um indicador inquietante que merece ser aprofundado em estudos subsequentes101.
De modo geral, olhando para as características demográficas e socioeconómicas que se constituem indicadores preditores do nível de literacia em saúde de uma população, e apesar de se reconhecer uma melhoria nestes ao longo dos últimos anos, percebemos porque é que Portugal, dos 9 países envolvidos no estudo, é dos que apresenta os piores níveis de literacia em saúde, sendo apenas ultrapassado pela Bulgária. Na dimensão cuidados de saúde é mesmo o país com os piores resultados.
Não nos podemos esquecer que literacia em saúde não é um problema individual isolado, é um determinante sistémico que deve ser analisado segundo uma visão holística. Na definição de programas e iniciativas de promoção de literacia em saúde, há que ter em conta não só os aspetos ligados diretamente à saúde, mas também os relacionados com as condições de vida. O mesmo se deve fazer quando se analisam e discutem dados relativos aos perfis de literacia em saúde das populações, já que estes são fortemente influenciados pelos indicadores sociais, demográficos e económicos.
O diagnóstico do nível de literacia em saúde da população portuguesa permite direcionar e alinhar melhor a estratégia e intervenções de literacia em saúde a serem desenvolvidas.
Cada vez mais, as estratégias de promoção da literacia em saúde devem ser incluídas no discurso da saúde em todos os níveis – internacional, nacional e, em particular, ao nível local – e devem ser encaradas como investimentos sólidos e sustentáveis, e de suporte à gestão estratégica e à decisão política na área da saúde.
O presente estudo, como qualquer investigação, apresentou algumas limitações comuns no desenvolvimento de estudos desta natureza, como sejam a extensão do questionário e o recurso a diferentes entrevistadores na aplicação do instrumento.
No âmbito deste estudo foi utilizada a versão de 47 itens do instrumento, mas tendo em conta os custos associados à aplicação da versão extensa do instrumento, e porque, muitas vezes, a contenção de custos e de tempo se revela estratégia predominante no desenho de estudos desta natureza, considera‐se que a utilização da versão Short poderá ser, em algumas situações, uma alternativa válida, pelo que se sugere um novo estudo para aplicação da versão Short do mesmo instrumento, com 16 itens.
Acrescenta‐se o facto de a amostra estudada não poder ser vista como representativa da população portuguesa. Contudo, não se considera que estas limitações tenham uma influência negativa significativa nos resultados, dado que os objetivos major deste estudo são levantar pistas para estudos mais focados e aprofundados em determinadas áreas e levantar um conjunto de questões muito importantes, que é necessário ter em conta no desenvolvimento das políticas de saúde, em especial na definição das estratégias locais de saúde.
ConclusõesO HLS‐EU‐PT apresenta‐se como um instrumento adequado para aferir o nível de literacia em saúde da população portuguesa e evidencia propriedades psicométricas comparáveis às versões utilizadas nos outros países.
Salienta‐se ainda que a validação de um instrumento para avaliar o nível de literacia em saúde na população portuguesa reveste‐se de particular importância, pois permite direcionar e melhorar as estratégias e intervenções de literacia em saúde a serem desenvolvidas.
Com base nos dados apresentados, considera‐se ainda que o HLS‐EU‐PT tem um grande potencial para identificar indivíduos e grupos populacionais com níveis de literacia em saúde baixos, possibilitando uma melhor e mais direcionada definição de intervenções.
Considerando o nível de literacia em saúde um determinante de saúde, e porque a sua promoção não ocorre isolada do contexto, faz sentido a realização de estudos com o intuito de associar outros indicadores, como sejam o grupo etário, a escolaridade e a situação face ao emprego.
Na sequência do já anteriormente referido, o reconhecimento da literacia em saúde como caminho para a melhoria dos cuidados de saúde e dos níveis de saúde em Portugal não é novo14. Muitos esforços e iniciativas têm vindo a ser desenvolvidas neste âmbito, contudo não de forma integrada e coordenada. O trabalho de promoção de literacia em saúde em Portugal está fragmentado, os grupos de trabalho estão isolados e não existe uma concertação de objetivos e prioridades nacionais, nem tão pouco uma partilha de abordagens metodológicas e experiências. Como consequência, diminuem substancialmente as oportunidades de investigadores, profissionais de saúde, organizações de saúde, cidadãos e decisores políticos trabalharem em conjunto de forma concertada, com trabalhos orientados segundo prioridades nacionais, aprendendo uns com os outros, de acordo com as suas competências e valências.
Assim, considera‐se fundamental e urgente a conceção e implementação de uma estratégia nacional de literacia em saúde.
Tendo em especial atenção que a literacia em saúde não é um problema individual, mas antes um problema sistémico96, que integra diferentes dimensões e competências, e fundamentando‐a num conjunto de documentos que visam a elaboração de estratégias de atuação nestes domínios17,102–106, propõe‐se que uma estratégia nacional de literacia em saúde, abrangente e consistente, deva ter em conta os seguintes eixos estratégicos: incluir a literacia em saúde no próprio sistema; assegurar o acesso e gestão de informação eficiente; assegurar uma comunicação efetiva; integrar a literacia em saúde na educação; e garantir a sustentabilidade das iniciativas de promoção de literacia em saúde.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Os autores agradecem a todos os representantes das instituições que compõem a «Rede Académica» a colaboração neste estudo: Ana Pires, Carlos Pereira, Carla Nunes, Cláudia Quaresma, Carlota Vieira, Dulce Cruz, Filipe Nave, Helena Jardim, Luis Miguel Gomes, Manuel Lopes, Felismina Mendes, Victor Assunção, Pedro Lopes Ferreira, Mara Rocha, Rafaela Sousa e Rui Pimenta. A todos os investigadores/entrevistadores que colaboraram na recolha dos dados. Agradecem também a Constantino Sakellarides e a Isabel Andrade o apoio na revisão do artigo.