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Inicio Revista Portuguesa de Saúde Pública O risco e os consumos de performance na população jovem: entre as conceções ...
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Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 186-195 (mayo - agosto 2016)
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Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 186-195 (mayo - agosto 2016)
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O risco e os consumos de performance na população jovem: entre as conceções e as práticas
Risk and performance consumptions among young people: Between conceptions and practices
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3972
Hélder Raposoa,b
a Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa (ESTeSL‐IPL), Lisboa, Portugal
b Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE‐IUL), ISCTE‐IUL, Lisboa, Portugal
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Tabela 1. Posicionamento face ao risco dos consumos de performance
Tabela 2. Tipo de consumos e risco atribuído: médias
Tabela 3. Tipo de efeitos negativos dos consumos de performance
Tabela 4. Tipo de efeitos positivos dos consumos de performance
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Resumo
Objetivos

O foco deste artigo centra‐se na realidade emergente do consumo de medicamentos e/ou produtos terapêuticos naturais para finalidades de gestão do desempenho pessoal (aqui designados consumos de performance), e tem como objetivo analisar a relação entre as práticas de consumo e as perceções do risco e da eficácia atribuídas aos produtos farmacológicos e naturais para finalidades de melhoria e bem‐estar, por parte da população jovem portuguesa (18‐29 anos).

Metodologia

A análise dos resultados empíricos de carácter extensivo resulta da aplicação de um inquérito por questionário a uma amostra de âmbito nacional (n=1.483). Do vasto conjunto de indicadores do questionário aplicado, aqueles que são aqui especificamente mobilizados são os que dizem respeito às perceções de risco associadas a estes consumos; aos escalonamentos de risco atribuídos aos diferentes recursos terapêuticos para finalidades de performance; bem como às experiências (e formas de gestão) do risco e da eficácia resultantes das práticas efetivas de consumo.

Resultados

Constata‐se que, apesar de os posicionamentos relativamente ao risco dos consumos de performance fazerem salientar uma visão de valorização da segurança, há variações e diferenciações concretas que são indiciadoras não só de permeabilidades e predisposições ao consumo, mas também de conceções que se redefinem no quadro das experiências de uso, das circunstâncias do consumo e das finalidades da utilização dos diferentes produtos terapêuticos.

Conclusões

As conceções sobre o risco associado a estes consumos traduzem uma certa plasticidade social, no sentido em que a ancoragem na experiência e a familiaridade com o próprio consumo constituem‐se como aspetos decisivos para a perceção de um maior controlo na gestão do risco. Torna‐se, por isso, importante aprofundar o conhecimento sobre as especificidades contextuais dos segmentos juvenis onde se constroem as modalidades de gestão prática do risco e da eficácia associadas a estes consumos.

Palavras‐chave:
Risco
Juventude
Consumos de performance
Abstract
Objectives

This article discusses the emerging reality of the new therapeutic investments through medications and/or natural products for purposes of mental/cognitive and/or physical/body performance management (designated herein as performance consumptions) among the Portuguese youth (aged 18‐29).

Methodology

The sociological analysis of the empirical data results from the application of a questionnaire to a national survey (n=1483). From the set of questionnaire indicators applied, those that are specifically mobilized consist of the perceptions of risk associated with these consumptions; the grading of risk given to different therapeutic resources for performance purposes; and the experience (and management) of risk and efficacy of actual consumption practices.

Results

Although the positions regarding the risk of performance consumptions do point out the appreciation of safety, there are specific variations and differentiations that not only indicate permeabilities and predispositions towards consumption, but also conceptions that are redefined due to the actual practices, circumstances and purposes of the consumptions, as well as to the contexts in which those consumptions occur.

Conclusion

Conceptions of the risk associated with these intakes translate a certain social plasticity in the sense that anchoring experience and familiarity with own consumption constitute aspects as decisive for the perception of a greater control on risk management. It is therefore important to further knowledge about the contextual specificities of juvenile segments which are built forms of practical risk management and efficacy associated with these consumptions.

Keywords:
Risk
Youth
Performance consumptions
Texto completo
Introdução

Os chamados consumos de performance, ou seja, a utilização de fármacos e/ou produtos naturais para finalidades de manutenção ou melhoria do desempenho pessoal no plano cognitivo/mental e/ou físico/corporal1 correspondem a um fenómeno emergente e com crescente visibilidade social2–5. Não se tratando de um fenómeno que seja exclusivo de uma geração em particular, o mesmo tem vindo, todavia, a assumir um maior protagonismo junto da população mais jovem, no sentido em que os horizontes de reforço do desempenho ou de melhoria das capacidades pessoais – a nível corporal, cognitivo ou social – tendem a afigurar‐se como referências potencialmente significativas nos universos das culturas juvenis. O carácter mais saliente das predisposições culturais para a melhoria do desempenho físico e cognitivo, e a adesão social ao uso dos medicamentos para finalidades desvinculadas do enfoque da saúde (como a prevenção, a manutenção ou a «reparação»), remetem, assim, para um conjunto de investimentos de performance cujas lógicas importa identificar e compreender.

Com efeito, o reconhecimento de que o consumo de vários produtos terapêuticos para finalidades de melhoria de desempenho nos segmentos juvenis, e particularmente os estudantis, se tem vindo gradualmente a expandir, está na base de uma crescente atenção pública, mas também de um interesse científico que se vai disseminando em várias áreas de investigação, que tendem a configurar este fenómeno como um potencial problema de saúde pública3–7.

No caso do presente artigo, que se inscreve no quadro de uma investigação sociológica sobre o tema, a abordagem não se confina ao habitual enfoque da generalidade dos estudos empíricos existentes sobre os consumos terapêuticos de performance, dado que estes tendem a estar privilegiadamente orientados para perfis, práticas e contextos de consumo específicos e delimitados, quer sejam em torno dos consumos de performance cognitiva – as chamadas smartdrugs – junto dos estudantes universitários3,6,7, ou em contextos específicos ligados a práticas de investimento físico, como é o caso particular dos ginásios8,9. Na investigação que aqui se toma como referência, a opção passa pelo mapeamento da diversidade dos universos juvenis, na medida que se procurar situar o fenómeno dos consumos terapêuticos de performance no quadro social e cultural mais amplo em que se desenvolve.

É justamente por esta ordem de razões que a ancoragem empírica da investigação que enquadra a presente abordagem remete – como se verá na secção da metodologia – para a constituição de uma amostra que inclui na sua composição tanto jovens universitários como jovens trabalhadores (sem formação académica superior); as diferentes categorias de consumos de performance (para finalidades de desempenho neurocognitivo e físico‐corporal); e o consumo tanto de fármacos como de ditos produtos naturais.

Objetivos

Em termos dos objetivos específicos deste trabalho, aquilo que está em causa é fundamentalmente a caracterização e discussão analítica das perceções de risco e de eficácia que recaem sobre estes consumos, o que significa que a discussão não se debruça sobre os potenciais riscos para a saúde que estes podem efetivamente comportar, mas sim em que medida as conceções da população jovem acerca dos eventuais riscos deste tipo de consumos concorrem para estruturar as suas práticas de consumo. Trata‐se de uma abordagem que constitui uma importante porta de entrada para a compreensão das lógicas sociais que presidem às opções dos indivíduos face ao vasto mercado de fármacos e produtos naturais orientado para a melhoria do desempenho.

Nesta medida, e sendo certo que várias investigações tendem a salientar a existência de uma postura de maior experimentação na população jovem10, é importante frisar que tal não totaliza necessariamente todas as práticas de consumo, até porque importa não perder de vista o reconhecimento da diversidade de contextos (escolar, trabalho, lazer, etc.) e da potencial pluralidade de lógicas que nestes se desenvolvem.

Por esta razão, em lugar das conceções canónicas do risco11, que tendem a pressupor a sua realidade «objetiva» (passível de procedimentos de calculabilidade e de avaliação probabilística) e a conceber o indivíduo como um ator racional empenhado em escolhas e ponderações lógicas de benefício direto e utilitário, a abordagem desenvolvida na discussão dos resultados privilegia a exploração de outros níveis de compreensão relativamente ao modo como o risco vai sendo concebido pelos indivíduos no quadro dos seus contextos de vivência prática. Tal significa que em alternativa a uma perspetiva atomizada dos indivíduos na sua relação com o risco, entendendo‐a fundamentalmente enquanto conjunto de respostas individuais que se baseiam nos diferentes recursos cognitivos que cada um pode mobilizar face à informação pericial (designadamente preventiva)12,13, a ênfase da presente abordagem alicerça‐se na exploração daquilo que se designará de contextualidade social das conceções sobre o risco.

É justamente por este motivo que qualquer pressuposto que assuma como característica distintiva da juventude o seu «natural» alheamento face aos riscos – subsumida numa postura mais experimental e mundana desprovida de qualquer reflexividade – ou que, no seu contraponto, assuma que os jovens automonitorizam todos os aspetos das suas escolhas e investimentos por via da ponderação das opções menos desafiadoras da sua segurança ontológica14, constitui um evidente maniqueísmo teórico em que importa não incorrer.

Metodologia

A análise que aqui se apresenta tem por suporte empírico um estudo nacional sobre os consumos terapêuticos para a melhoria do desempenho físico, intelectual e social na população jovem portuguesa (18‐29 anos). No processo de recolha de dados foi adotado um modelo de métodos mistos15, que incluiu, entre outras técnicas, o inquérito por questionário1, tendo este sido antecedido pela realização de sessões de grupos focais (10 sessões/57 participantes). Com estes últimos, procedeu‐se à exploração prévia do universo dos consumos de performance em segmentos juvenis, circunstância que acabou por sustentar o essencial da operacionalização dos indicadores constantes do questionário16.

O inquérito por questionário (anónimo e autoadministrado) foi aplicado a uma amostra de âmbito nacional (n=1.483), não proporcional e por quotas, com erro máximo de±2,54%, e para um intervalo de confiança de 95%. Esta amostra é, em termos da sua composição, constituída por jovens universitários (70%) e por jovens trabalhadores sem formação de nível superior (30%). No caso dos primeiros incluem‐se estudantes provenientes das áreas científicas da Saúde (36,9%), Engenharia (13,5%), Ciências Sociais (12,8%) e Artes (6,8%)2, e, no segundo caso, incluem‐se trabalhadores de empresas de call‐center (15,4%) e de atendimento em lojas de grandes superfícies comerciais (megastores) (14,7%). Na distribuição por sexo, as mulheres representam 59,2% e os homens 40,8%.

No caso dos estudantes, a aplicação do questionário foi efetuada nas escolas e faculdades, sempre em espaços próprios cedidos para o efeito, e após obtida a respetiva autorização institucional. No caso dos trabalhadores, essa aplicação foi efetuada nas próprias empresas, onde também foram cedidos espaços adequados para esta finalidade. O contacto com os inquiridos foi sempre assegurado pela equipa de investigadores, constituída por sociólogos, sem qualquer interferência dos diferentes interlocutores institucionais. Já no caso das empresas, e para salvaguardar qualquer equívoco quanto às finalidades e à natureza anónima das respostas, foi também distribuída uma nota informativa prévia a todos quantos se voluntariaram para participar no estudo.

Os dados recolhidos através do inquérito por questionário foram tratados estatisticamente, através do recurso ao Software Statistical Package for Social Sciences (SPSS). Esse tratamento incluiu, numa primeira fase, a organização dos dados e a codificação das respostas e, numa segunda fase, diversas análises descritivas, bivariadas e multivariadas.

É, portanto, com base nestes dados que se procura traçar um retrato panorâmico dos padrões principais relativos às articulações entre as conceções sobre o risco e as práticas de investimento terapêutico no quadro dos consumos de performance. Os indicadores que são especialmente mobilizados são, então, os que dizem respeito às perceções de risco associados a estes consumos; aos escalonamentos de risco atribuídos aos diferentes recursos terapêuticos ligados às finalidades de melhoria; bem como às experiências (e formas de gestão) do risco e da eficácia resultantes dos consumos de performance.

Apresentação e discussão de resultadosPosicionamentos face ao risco dos consumos de performance

Relativamente à sinalização e respetiva discussão das principais linhas de tendência em termos dos posicionamentos dos inquiridos face ao risco associado aos consumos de performance é, sem dúvida, útil e relevante o exercício de determinar as suas configurações mais estruturantes e quantitativamente mais expressivas.

Nesta medida, e com o objetivo de aferir os diferentes modos como o reconhecimento do risco se inscreve nas perceções dos inquiridos acerca dos investimentos terapêuticos para finalidades de melhoria do desempenho, recorreu‐se a um indicador que visa avaliar o posicionamento dos inquiridos face ao risco dos consumos de performance.

Num plano genérico e inicial, o traço mais saliente que se destaca diz respeito ao tendencial alinhamento dos posicionamentos dos inquiridos com as conceções valorativas dominantes sobre a indesejabilidade de práticas potencialmente não seguras. Constata‐se uma notória adesão normativa à ideia que conota o risco como uma dimensão negativa e indesejável, pelo que é esse o aspeto que, numa primeira leitura descritiva, se assume como mais transversal (tabela 1).

Tabela 1.

Posicionamento face ao risco dos consumos de performance

Posicionamento face ao risco  ConcordaDiscordaNão sabeTotal 
   
A – Só se deve tomar medicamentos/produtos para a melhoria do desempenho se estivermos seguros de que não há riscos  1.304  88,1  143  9,7  33  2,2  100% (n=1.480) 
B – Só se justifica pensar na possibilidade de haver riscos associados aos medicamentos/produtos para a melhoria do desempenho se entretanto surgir algum problema  307  20,8  1.081  73,2  89  6,0  100% (n=1.477) 
C – O consumo dos medicamentos/produtos para a melhoria do desempenho só não é mais generalizado porque eles podem causar graves efeitos negativos  952  64,3  312  21,1  216  14,6  100% (n=1.480) 
D – Se os resultados dos medicamentos/produtos para a melhoria do desempenho compensarem vale a pena assumir alguns riscos  315  21,3  1.110  75,0  55  3,7  100% (n=1.480) 
E – As experiências anteriores de consumo de medicamentos/produtos para a melhoria do desempenho são suficientes para lidar eficazmente com os seus riscos  373  25,3  884  60,0  216  14,7  100% (n=1.473) 
F – As pessoas que têm um conhecimento aprofundado sobre os medicamentos/produtos para a melhoria do desempenho conseguem usá‐los de forma segura e eficaz  690  46,6  653  44,1  139  9,4  100% (n=1.482) 

A e B – «(des)valorização do risco»: o reconhecimento e a importância atribuída, ou não, ao risco enquanto critério decisivo que pode condicionar as práticas de consumo.

C e D – «opções entre riscos»: o modo como os riscos são, ou não, ponderados em articulação com a obtenção de resultados que sejam valorizados pelos indivíduos.

E e F – «imunidade subjetiva»: se a experiência própria, ou, em contraponto, o conhecimento de índole mais pericial, instauram, ou não, a confiança necessária para o risco poder ser – mesmo que reconhecido – subjetivamente diluído, deixando, por isso, de condicionar necessariamente as práticas de consumo.

Deste modo, e relativamente à leitura da expressão que esta configuração geral assume, parece plausível admitir que esta resultará mais do efeito de uma certa ressonância social relativamente à ideia de que tudo pode estar sujeito a risco17, do que propriamente de uma preocupação reflexiva com o risco, até porque se tratam de consumos que, embora remetendo para um certo grau de familiarização junto da população jovem, não estão tão amplamente disseminados em termos de práticas efetivas e estruturadas, no sentido de estas se traduzirem em investimentos sistemáticos e continuados1,16,18. Nesta medida, e sendo certo que os consumos para que as asserções explicitamente aludem estejam a remeter para o domínio específico da performance – ou seja, para domínios que tendem a estar na periferia da intervenção médica –, esta ressonância social do risco parece, acima de tudo, fazer eco da pregnância que o discurso medicalizado da prevenção e dos pressupostos normativos da promoção da saúde e dos estilos de vida saudáveis19–21 tem vindo a assumir no âmbito dos discursos e conceções leigas sobre a saúde22,23.

Em termos mais concretos, e decorrente deste padrão de carácter relativamente transversal, é, então, possível salientar a configuração de 3 orientações principais: a primeira delas diz respeito à existência de uma acentuada preocupação com o risco; a segunda diz respeito ao modo como a ideia de segurança parece prevalecer face a horizontes de experimentação com vista à obtenção das vantagens potencialmente associadas a este tipo de consumos; e, por fim, a terceira linha de orientação diz respeito à desqualificação das formas de gestão do risco ancoradas em critérios de natureza experiencial (dos próprios).

No quadro deste panorama geral é, todavia, possível verificar alguns recortes e matizes mais específicos, que indiciam diferenciações relevantes no modo como se expressam as tendências associadas aos diferentes posicionamentos.

Com base na distribuição sociodemográfica destes indicadores, torna‐se notória a valorização do critério da experiência de consumo como recurso suficiente de gestão dos riscos decorrentes do consumo por parte dos inquiridos mais velhos (24‐29 anos), aspeto que não será completamente surpreendente, isto se se atender ao facto de que a idade pode potencialmente providenciar uma situação de alguma sedimentação de experiências e de exposição a circunstâncias que podem tornar contextualmente justificável o recurso a consumos terapêuticos, designadamente os de melhoria do desempenho. Se uma das particularidades deste universo remete, justamente, para a constatação de que tendem a estar ausentes – sobretudo nas camadas mais jovens – trajetórias terapêuticas suficientemente longas e consistentes para que se possam constituir e organizar modalidades de investimento terapêutico menos tuteladas (quer seja pela família ou pela pericialidade do campo da saúde) e mais orientadas para a procura de finalidades que sejam significativas para os sujeitos, então não surpreende que esta circunstância tenha menos expressividade nos entendimentos dos inquiridos mais jovens, especialmente nos que se enquadram na categoria dos 18‐20 anos.

Já no que diz respeito à distribuição destes posicionamentos pelo perfil de atividade, ou seja, em função de se tratar do segmento dos jovens universitários ou dos jovens trabalhadores sem formação académica superior, as únicas diferenciações com significância estatística são as que se reportam ao segmento da população universitária, designadamente quando se procede ao desdobramento por áreas de formação e respetivos cursos.

Nesta medida, verifica‐se que as áreas de formação académica onde são efetivamente notórios os maiores níveis de preocupação com o risco dizem respeito, em primeira instância, aos cursos de Artes. A este aspeto não será certamente alheio o facto de ser nestes cursos que o consumo de produtos naturais para a gestão do desempenho é mais expressivo e de ser também nestes cursos que esses produtos naturais têm uma menor atribuição de risco (em exato contraponto aos produtos farmacológicos)1,18.

Mas igualmente relevante é a constatação segundo a qual se verificam posicionamentos transversais nos cursos de saúde, tanto em relação à preocupação com o risco, como à desqualificação dos critérios experienciais. Tal é particularmente notório nos cursos de Medicina e de Farmácia, pelo que o reconhecimento do risco enquanto propriedade intrínseca dos próprios produtos pode ser entendido à luz da natureza das formações periciais destas áreas.

Mobilizando também para esta análise um indicador que se designou por perfil de consumo, indicador esse que é composto a partir dos consumos declarados pelos inquiridos e que com base numa divisão feita entre os recursos destinados à performance neuro/cognitiva e os direcionados para a performance físico/corporal permitiu construir 4 perfis distintos (consumidor neuro; consumidor físico; consumidor de ambos; não consumidor)3, é possível verificar algumas tendências diferenciadas ao nível dos posicionamentos face ao risco dos consumos de performance.

Neste sentido, constata‐se que, no que diz respeito às formas de gestão do risco, é notório o modo como o perfil de consumo introduz posicionamentos distintos, dado que a valorização do critério da experiência (asserção E) é mais enfatizada pelos «consumidores de ambos» (36,2%), em contraponto aos «não consumidores» (23,8%), pelo que o património de experiências prévias de consumo se constitui efetivamente como um recurso concreto de gestão do risco. A mesma lógica de diferenciação se torna patente no posicionamento relativo ao critério da experimentação subjacente à opção entre riscos (asserção D), dado que os inquiridos que tendem a ter uma posição de maior discordância são os «não consumidores» (84,5%), ao passo que no caso dos «consumidores de ambos» essa discordância é consideravelmente menos expressiva (72,4%), o que sugere, uma vez mais, que a experiência de consumo parece concorrer para o desenvolvimento de predisposições à prossecução ou experimentação dos consumos de gestão do desempenho.

Hierarquias de risco nos consumos de performance

O estabelecimento de delimitações e de hierarquias de atribuição de risco constitui uma dimensão de análise relevante que permite explorar de que modos se organizam os escalonamentos do risco atribuído aos diferentes produtos, concretamente segundo a sua natureza (fármacos e naturais), mas também segundo as suas distintas finalidades (genericamente associadas à gestão do desempenho físico/corporal e/ou neuro/cognitivo).

Em termos genéricos, o traço mais saliente que a este propósito se destaca diz respeito ao tendencial escalonamento do risco em função, desde logo, da natureza dos produtos, pois este varia de acordo com as perceções associadas ao facto de estes serem fármacos ou produtos naturais. No caso destes últimos, e de resto em coerência com outras pesquisas17, tende a prevalecer um estatuto de maior inocuidade, tendência que se pode verificar através da distribuição das médias contidas na tabela 2.

Tabela 2.

Tipo de consumos e risco atribuído: médias

Tipo de consumos  Média  Desvio‐padrão 
Fármacos para aumentar a massa muscular  4,09  0,82 
Fármacos para emagrecer  3,90  0,84 
Fármacos para aumentar a energia física  3,64  0,83 
Produtos naturais para aumentar a massa muscular  3,44  1,01 
Fármacos para dormir  3,39  0,88 
Fármacos para descontrair/acalmar  3,25  0,86 
Produtos naturais para emagrecer  3,22  1,00 
Produtos naturais para aumentar a energia física  2,97  0,97 
Fármacos para a concentração  2,90  0,86 
Produtos naturais para descontrair/acalmar  2,57  0,89 
Produtos naturais para dormir  2,55  0,85 
Produtos naturais para a concentração  2,37  0,79 

Nota: escala de 1‐5, em que 1 corresponde a «nulo» e 5 a «muito elevado».

Um outro critério de distinção dos escalonamentos do risco a considerar é o que diz respeito à finalidade dos consumos. Tal é concretamente visível quando se constata que no caso particular dos produtos naturais para «aumentar a massa muscular» e para «emagrecer», bem como no caso dos «fármacos para a concentração», tende a prevalecer o critério da finalidade do produto face ao critério da natureza do mesmo. Ou seja, não obstante se tratarem de produtos naturais, verifica‐se que os recursos para a finalidade de «aumento da massa muscular» figuram como um dos que fazem recair sobre si uma das médias mais elevadas de atribuição de risco (3,44), sendo também essa a situação (embora com valores menos elevados), dos produtos «para emagrecer» (3,22).

Já no caso dos fármacos para a finalidade de «concentração» verifica‐se, pelo contrário, que a atribuição de risco é uma das mais baixas, donde se conclui que a natureza do produto se afigura, também aqui, como um critério que tende a ficar subsumido na valorização da sua finalidade. Trata‐se, com efeito, de um recurso cuja disseminação instaura não só um maior grau de familiaridade, mas neste caso também, de uma perceção mais acentuada de inocuidade, não obstante se tratar de um produto químico. Aliás, os fármacos para a concentração são, justamente, um dos produtos sobre os quais recaem os consumos mais elevados e a sua familiaridade decorre do facto de serem também estes produtos os que remetem para trajetórias de consumo com um início mais precoce em termos de idade (antes dos 18 anos)16,18, ou seja, para contextos maioritariamente marcados por experiências de consumo iniciadas no seio da família.

Uma outra particularidade destas aparentes dissonâncias que, com efeito, complexificam as atribuições de inocuidade e risco no quadro da organização geral já assinalada, diz respeito a uma menor consensualidade dos 2 produtos naturais já referidos (para «aumentar a massa muscular» e para «emagrecer»), uma vez que é precisamente nestes que se verifica um desvio‐padrão mais elevado (1,01 e 1,00 respetivamente). Tal parece significar que não só o natural tende a ser objeto de um maior desconhecimento por parte dos inquiridos comparando com os fármacos para as mesmas finalidades, mas também a ideia de que estão em causa investimentos cujas conotações negativas tendem a resvalar para o domínio da perigosidade e da ilicitude (no caso dos produtos naturais para «aumentar a massa muscular») ou até para o domínio da reprovação social (no caso dos produtos naturais para «emagrecer»)24.

Analisando os dados com mais detalhe, e tomando como referência a distribuição destes escalonamentos do risco em termos sociodemográficos, é relevante salientar algumas diferenciações importantes. Uma primeira diz respeito à configuração de um padrão geral que tende a associar a atribuição de um risco mais elevado aos produtos terapêuticos para finalidades de performance neuro/cognitiva («dormir», «concentração» e «descontrair/acalmar») ao universo do sexo masculino, e a atribuição de um risco mais elevado aos produtos para finalidades de performance física/corporal («aumentar a energia física», «emagrecer» e «aumentar a massa muscular») ao universo do sexo feminino. Estes elementos são, aliás, bastante convergentes com a orientação diferenciadora que a variável sexo tende também a potenciar relativamente ao tipo de reprovação dos consumos de performance, na medida em que no caso concreto dos consumos para finalidades de melhoria do desempenho físico/corporal (com exceção do «emagrecimento»), há, por parte das raparigas, uma coincidência entre a baixa atribuição da sua legitimidade com os níveis mais elevados de atribuição de risco24.

Já quando se analisam as distribuições destes mesmos escalonamentos de risco tendo em linha de conta as diferenciações que se configuram entre os segmentos da população jovem universitária e da população jovem trabalhadora, verifica‐se que o risco atribuído aos consumos associados ao desempenho neuro/cognitivo é mais elevado na população laboral relativamente à população universitária, ao passo que, no caso dos consumos mais ligados ao desempenho físico/corporal, a atribuição de risco tende a ser genericamente maior na população universitária.

Ainda um outro aspeto a merecer destaque é o que se prende com a constatação de diferenças resultantes das distintas formações académicas dos inquiridos provenientes do segmento da população jovem universitária. Com efeito, a pertença aos cursos revela‐se como um critério que estabelece diferenças concretas, particularmente no caso dos cursos da área da saúde (especialmente Farmácia e Enfermagem) e da área das Artes. A partir desses posicionamentos, especialmente os que dizem respeito aos produtos naturais, parece resultar claro que a formação académica concorre para o estabelecimento de orientações ideológicas bem demarcadas, pois enquanto se verifica uma considerável depreciação destes produtos nos referidos cursos de saúde (apesar de tudo, não tão acentuado em Medicina) – especialmente para as finalidades de melhoria do desempenho físico/corporal –, nos cursos das Artes há, em contrapartida, uma clara valorização do natural, pois quaisquer que sejam as finalidades destes produtos, é sempre sobre estes que sistematicamente recaem os valores mais baixos de atribuição de risco. Esta evidência empírica denota, portanto, o papel dos efeitos contextuais (neste caso as distintas pertenças académicas) na modulação das orientações e das conceções relativas às características e propriedades dos diferentes recursos para finalidades de performance.

Já quanto ao cruzamento com o perfil de consumo, a maior atribuição de risco tende a concentrar‐se nos «consumidores neuro» e nos «consumidores físico». Aquilo que é relevante destacar na arrumação desta tendência bipolarizada é a configuração de diferenças razoavelmente expressivas entre os consumidores exclusivamente «neuro» e os consumidores exclusivamente «físico», na medida em que no caso dos primeiros a atribuição de risco mais elevado concentra‐se justamente nos produtos para a melhoria do desempenho físico/corporal, ao passo que no segundo caso, a maior atribuição de risco recai nos produtos para a melhoria do desempenho neuro/cognitivo. O que esta dicotomia parece, assim, colocar em evidência é que a maior familiaridade com os produtos sugere uma diluição dos riscos. Em contraposição, ou seja, quando essa familiaridade está ausente, o que se verifica é um maior empolamento do risco, dado tratarem‐se de perceções que não estão ancoradas em experiências concretas de consumo.

A lógica destes quadros leigos de escalonamento do risco sugere, assim, que estas hierarquias têm, afinal, um carácter dinâmico e mutável, o que é sugestivo de uma reflexividade que se vai organizando em torno dos contextos sociais de vivência prática, em que a experiência e os saberes acumulados se revelam fundamentais na construção da confiança leiga nos respetivos recursos25.

As experiências do risco e da eficácia nos consumos de performance

A avaliação dos riscos e dos benefícios obtidos com os consumos efetivamente efetuados corresponde a uma outra dimensão específica que também aqui se justifica sinalizar e explorar. Nesse sentido, e sendo certo que a expressão quantitativa das experiências de consumo, concretamente as negativas, é relativamente diminuta (315 inquiridos, ou seja, 21,2% do total de inquiridos que consumiram algum produto para finalidades de performance, reportaram efeitos negativos), importa, ainda assim, aferir quais os efeitos e resultados experienciados com este tipo de consumos, assim como as respetivas opções em matéria da sua gestão, nomeadamente quando os mesmos se traduzem em efeitos negativos (tabela 3).

Tabela 3.

Tipo de efeitos negativos dos consumos de performance

Efeitos negativos 
Insónia ou sonolência  128  21,7 
Dores de cabeça/dores de estômago  91  15,4 
Dependência psíquica  65  11 
Arritmias/tremores  60  10,2 
Tonturas/alucinações/perda de coordenação  57  9,7 
Enjoo  55  9,3 
Depressão/irritabilidade  51  8,7 
Dependência física  38  6,5 
Diminuição da líbido  24  4,1 
Outro efeito  20  3,4 
Total  589  100 

Nota 1: pergunta de resposta múltipla.

Nota 2: n.° de respostas=589; n.° de inquiridos=315.

As experiências negativas relatadas centram‐se, sobretudo, em torno de alguns efeitos concretos, como sejam a «insónia ou sonolência» (21,7%), «dores de cabeça/estômago» (15,4%), «dependência psíquica» (11%) e «arritmias/tremores» (10,2%). Nestes casos, aquilo que é possível indicar passa pelo facto de serem os fármacos os produtos que estão maioritariamente associados a esses efeitos, embora também seja relevante destacar que os produtos naturais assumem igualmente alguma expressão – não obstante estarmos a lidar com quantitativos relativamente diminutos em termos absolutos –, nomeadamente nas «dores de cabeça/estômago» e «insónia ou sonolência». Com algum destaque afiguram‐se também as drogas recreativas, principalmente nas «arritmias/tremores» e, com um pouco menos de expressão, nas «insónias ou sonolência» e «dores de cabeça/estômago»16.

Nos casos em que o efeito reportado pelos inquiridos diz respeito à «insónia ou sonolência», tendem a predominar as referências aos psicofármacos, designadamente o Alprazolam e Xanax, aos quais se junta, na categoria dos psicofármacos à base de plantas, o Valdispert. Relativamente ao efeito «dores de cabeça/estômago», os fármacos mais mencionados na categoria dos analgésicos e antipiréticos são o Ben‐u‐ron e o Brufen, sendo também de registar a referência às bebidas energéticas. Já no que se refere aos efeitos de «dependência psíquica», e um pouco à semelhança da «insónia ou sonolência», os psicofármacos mais mencionados são o Alprazolam e Xanax, mas também a Fluoxetina, aos quais se junta, na categoria dos psicofármacos à base de plantas, o Valdispert. Há igualmente referência às drogas recreativas, sendo que as situações reportadas dizem respeito a Haxixe/Cannabis/Marijuana. Por fim, e em relação ao efeito «arritmias/tremores», as frequências são pouco expressivas e distribuem‐se por vários tipos de medicamentos. Há, no entanto, algumas referências às já referidas drogas recreativas16.

Já em termos das opções adotadas para lidar com esses mesmos efeitos, prevalece em todos os casos (exceto, naturalmente, na «dependência psíquica») a interrupção do respetivo consumo16, o que pode ser expressão de formas de consumo de índole mais pontual e intermitente. Pode‐se, assim, considerar que em matéria de gestão destes efeitos negativos concretos a opção predominante de interromper os consumos é denotativa de investimentos mais experimentais para finalidades que, podendo ser circunstancialmente significativas para os próprios, não assumem, porém, um carácter imperativo que vincule os indivíduos à necessidade de implementar alternativas para manter, mesmo que em formatos distintos, os consumos vistos como indispensáveis à obtenção de certos resultados, como, de resto, é mais frequente nas situações em que estão em causa finalidades de saúde17.

No que diz respeito à expressão quantitativa dos inquiridos que reportaram efeitos positivos decorrentes dos consumos de performance (957 inquiridos, ou seja, 64,5% do total de inquiridos que consumiram algum produto para finalidades de performance), esta revela‐se notoriamente superior aos que referem efeitos negativos, e os aspetos positivos mencionados acabam por ser, em grande medida, o reflexo do predomínio dos investimentos terapêuticos orientados para as finalidades de melhoria do desempenho neuro/cognitivo (tabela 4).

Tabela 4.

Tipo de efeitos positivos dos consumos de performance

Efeitos positivos 
Maior capacidade de concentração  360  18,7 
Mais calmo, tranquilo nos exames escolares/entrevistas emprego  341  17,7 
Bem‐estar geral  306  15,9 
Maior resistência para estudar/trabalhar durante longos períodos  296  15,4 
Melhor desempenho físico nas atividades desportivas  115 
Nunca/ainda não obteve nenhum efeito positivo  105  5,5 
Perda de peso  104  5,4 
Maior desinibição/capacidade de divertir‐se  100  5,2 
Melhor aparência estética  86  4,5 
Definição muscular  57 
Outro aspeto  38 
Alteração da líbido  15  0,8 
Total  1.923  100 

Nota 1: pergunta de resposta múltipla.

Nota 2: n.° de respostas=1.923; n.° de inquiridos=957.

Neste sentido, os resultados que imediatamente se destacam são os que dizem respeito à «maior capacidade de concentração» (com um recurso bastante expressivo aos suplementos alimentares, especialmente o Centrum e Cerebrum) e a capacidade de ficar «mais calmo, tranquilo nos exames escolares/entrevistas emprego», com um recurso fundamentalmente baseado em fármacos, em particular o Valdispert, mas também o Inderal. Na «maior capacidade de concentração» e, embora em menor escala, na «maior capacidade para estudar/trabalhar», predominam efetivamente os produtos naturais, ao passo que nos efeitos relacionados com o ficar «mais calmo, tranquilo nos exames escolares/entrevistas emprego» e no «bem‐estar geral» (embora menos) assumem maior expressão os fármacos16.

No fundo, tal ocorre não só porque se verifica que, ao nível da distribuição dos inquiridos pelos perfis de consumo, aquele que predomina é efetivamente o dos «consumidores neuro», mas também porque os recursos (tanto naturais como farmacológicos) orientados para finalidades de melhoria do desempenho neuro/cognitivo são aqueles que são objeto de uma menor atribuição de risco e, simultaneamente, aqueles onde se verificam níveis mais expressivos de consumo efetivo e com um nível de familiarização mais disseminado.

Conclusão

No quadro desta realidade emergente de novas práticas de consumos de performance, afigurou‐se relevante explorar o modo como se organizam as relações entre as perceções e conceções sobre o risco associado a estes recursos, e as práticas e predisposições de consumo dos mesmos. Nesta medida, a evidência empírica que aqui foi discutida permitiu problematizar algumas ideias relativamente disseminadas quanto às práticas e conceções de risco na população jovem, concretamente as que tendem a vincular as práticas de consumo destes segmentos populacionais ao pressuposto de que estas se esgotam em posturas de acentuada predisposição à experimentação, como se as mesmas fossem um reflexo de uma «natural» postura iconoclasta e voluntarista dos jovens e do seu alegado alheamento face ao reconhecimento e à ponderação dos riscos.

Assim, e em lugar de se assumir como postulado a naturalização de uma relação de interdependência entre práticas e consumos de risco e a juventude26–28, como se uma e outra se implicassem reciprocamente, importa considerar, como de resto a evidência empírica aqui mobilizada ilustrou, que a juventude não corresponde, de facto, a uma totalidade homogénea. Em termos práticos, tal traduziu‐se na constatação empírica da contextualidade social subjacente às lógicas de envolvimento com o risco, justamente porque sendo a população jovem heterogénea e segmentada em torno de diferenciações culturais e sociodemográficas concretas (tal como também é denotado pela própria composição da amostra selecionada), acaba por haver em matéria de consumos de performance condições para a constituição de diversas modulações e particularidades internas ao nível dessas mesmas práticas.

Deste modo, se é verdade que num primeiro patamar de análise os dados relativos aos posicionamentos dos inquiridos face ao risco dos consumos de performance parecem fazer prevalecer, no plano estrito das perceções, uma acentuada atribuição de risco aos mesmos, tal acaba por ser sobretudo mais notório nas situações em que os consumos são perspetivados de uma forma hipotética e abstrata. Ou seja, quando se tende a verificar uma dissociação entre essas perceções e as práticas efetivas de consumo.

Tal significa, portanto, que acaba por ter expressão um certo mimetismo retórico com as orientações normativas dominantes (concretamente os discursos preventivos) relativamente à tendencial associação destes investimentos aos seus potenciais riscos, o que os vincula à perspetiva de consequências indesejáveis e negativas. Contudo, essa associação acaba por se diluir e reconfigurar de uma forma significativa quando estão presentes práticas efetivas de consumo, o que traduz uma certa plasticidade social das conceções sobre o risco associados a estes consumos.

Também no que diz respeito ao modo como se constituem as hierarquias de risco relativamente aos medicamentos e produtos naturais para finalidades de melhoria do desempenho, foi possível constatar que o retrato providenciado por este tipo de informação confirma o estatuto simbolicamente desigual dos produtos terapêuticos em função da sua natureza (farmacológico ou natural), o que é convergente com outras pesquisas17,29,30 em que a conotação do natural à ideia de inocuidade tende a ser predominante. Todavia, não deixa de ser pertinente verificar que não só se constituem diferenciações significativas em função das finalidades específicas dos consumos, como os escalonamentos dos riscos são também modelados pela sua ancoragem na experiência e na familiaridade do consumo. As práticas efetivas de consumo e a experiência pessoal delas decorrentes acabam por conferir uma familiaridade com os recursos terapêuticos que concorre, no plano das perceções, para a diluição dos riscos, especialmente em alguns contextos. Designadamente, mas não apenas, os estudantis.

Limites e perspetivas da pesquisa

No que diz respeito à avaliação dos limites e possibilidades desta informação empírica de tipo extensivo, constata‐se a existência de uma margem ampla para o aprofundamento substantivo de outros aspetos cruciais da relação do risco com os consumos de performance, particularmente no quadro de um enfoque de natureza qualitativa. Trata‐se de uma orientação metodológica importante, no sentido em que comporta várias potencialidades para a exploração compreensiva da natureza contextual das conceções e das diferentes estratégias e modalidades de gestão prática do risco e da eficácia. Ou seja, para a análise dos modos como, no âmbito das experiências de consumo, os indivíduos dão sentido aos riscos e tomam as suas decisões de consumo terapêutico nos contextos específicos em que se enquadram as suas experiências diárias e de acordo com as próprias circunstâncias biográficas.

A compreensão da diversidade dos contextos de ação dos indivíduos torna‐se, assim, fundamental, atendendo ao facto de que esses contextos são potencialmente estruturadores dos imperativos e das necessidades performativas que podem, com efeito, justificar a predisposição para investimentos terapêuticos que visem a gestão do desempenho nas diferentes vertentes que se assumem como significativas no quadro da sua existência social.

Financiamento

O projecto «Consumos terapêuticos de performance na população jovem: trajectórias e redes de informação» foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC/CS‐SOC/118073/2010) e desenvolvido no quadro do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) (CIES‐IUL), em parceria com o Centro de Investigação Interdisciplinar Egas Moniz (CiiEM). Para além do autor do presente artigo, fazem parte da equipa de investigação Noémia Lopes (coordenação), Telmo Clamote, Elsa Pegado, Carla Rodrigues e Isabel Fernandes.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Um agradecimento a todos os jovens – estudantes e trabalhadores – que participaram no estudo, bem como aos responsáveis nas instituições – escolas e empresas – que possibilitaram a recolha de informação.

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O inquérito por questionário, bem como todos os dados apresentados e analisados ao longo do artigo, podem ser consultados no relatório estatístico do projeto de investigação, disponível em: http://www.cies.iscte.pt/Consumos_de_Performance.pdf. Relativamente ao questionário, este permitiu quantificar a expressão e configuração dos consumos de performance no âmbito do universo em estudo, tendo sido estruturado em 5 secções diferentes, que traduzem as dimensões de análise da investigação: consumos terapêuticos, perceções sobre consumos terapêuticos, perceções de risco, fontes de informação e autorrepresentações e práticas sociais, seguidas de uma secção de caracterização sociodemográfica. No caso presente, os indicadores remetem exclusivamente para a secção das perceções de risco.

As áreas científicas identificadas integram uma diversidade de cursos, de acordo com a seguinte distribuição: Saúde – Enfermagem (36%), Medicina (33,1%) e Ciências Farmacêuticas (30,9%); Ciências Sociais – História e História de Arte (38,9%), Economia (23,2%), Ciência Política e Relações Internacionais (17,4%) e outros (20,5%); Engenharia – Engenharia Civil (36%), Engenharia Metalúrgica e dos Materiais/Engenharia Mecânica (21%), Engenharia Eletrónica/Engenharia Eletrotécnica/Engenharia Eletromecânica (14,5%) e outros (28,5%); Artes – Música (55,4%), Teatro (25,7%) e Dança (18,8%).

Como referido, foram constituídos 4 perfis: «consumidor neuro» (42,1%) – que corresponde aos jovens que usam ou usaram algum produto exclusivamente com finalidades de gestão do desempenho neuro/cognitivo; «consumidor físico» (7,8%) – que inclui os que usam ou já usaram produtos exclusivamente para o desempenho físico/corporal; «consumidor de ambos» (22,0%) – onde são incluídos os inquiridos que consomem ou já consumiram um ou mais produtos para cada uma das finalidades; e «não consumidor» (28,1%) – do qual fazem parte os que indicaram nunca ter consumido nenhum produto para qualquer finalidade de performance.

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