Concomitante com o processo de envelhecimento existe um declínio da saúde física dos indivíduos, por interação de inúmeros fatores, interferindo com as suas atividades de vida diária e qualidade de vida. Desta forma, é essencial promover uma avaliação multidimensional que permita identificar esses fatores e intervir precocemente.
ObjetivoAvaliar a capacidade funcional na área de saúde física da população com idade≥75 anos do concelho de Coimbra.
MétodoEstudo quantitativo, descritivo e correlacional, com amostra probabilística (estratificada por sexo, idade e área de residência), constituída por 1.153 indivíduos. Foi utilizado o Questionário de Avaliação Funcional Multidimensional para Idosos. A avaliação da área de saúde física comporta o número de consultas médicas, a prescrição de medicamentos, as patologias referidas e sua interferência nas atividades, a autoperceção da visão e audição, o consumo de álcool, a prática de atividade física e a autoavaliação da saúde física.
ResultadosRelativamente às consultas médicas, 89,5% dos participantes (90,0% dos homens e 89,2% das mulheres) referiram ter tido pelo menos uma consulta, num período de 6 meses. A hipertensão arterial foi a patologia mais referida (51,6%), seguida da artrite ou reumatismo (49,5%).
Quanto à visão e audição, 24,8 e 26,8%, respetivamente, responderam que estava mal. As mulheres e os participantes≥85 anos são os que avaliam a sua saúde física mais negativamente.
ConclusãoO conhecimento da capacidade funcional produzido nesta área de estudo, conjugado com a rede de cuidados de saúde primários, pode ser útil no rastreio, no encaminhamento e na resolução de situações de incapacidade.
Concurrent with the aging process there is a decline of the individuals’ physical health, by the interaction of numerous factors, which interferes with their activities of daily living and quality of life. Thus, it is essential to promote a multidimensional assessment to identify those factors and intervene early.
ObjectiveTo assess the functional status in physical health area of individuals aged 75 years old or more from Coimbra.
MethodQuantitative, descriptive and correlational study with a random sample (stratified by gender, age and area of residence), composed by 1153 individuals. The questionnaire used was the Questionário de Avaliação Funcional Multidimensional para Idosos. The evaluation of physical health area involves number of physician visits, prescribed drugs, pathologies mentioned and their interference with activities, self‐evaluation vision and hearing, consumption of alcohol, and self‐rated physical health.
ResultsIn a period of six months, 89.5% of participants (90.0% men and 89.2% women) reported having had at least one physician visit. Hypertension was the most referred pathology (51.6%), followed by arthritis or rheumatism (49.5%).
As for vision and hearing, 24.8% and 26.8%, respectively, answered that was poor. The women and individuals ≥85 years evaluated more negatively their physical health.
ConclusionThe knowledge of the functional capacity produced in this study area, conjugated with primary health care network, may be useful for screening, routing and addressing situations of disability.
Nas sociedades contemporâneas, a um nível global, observa‐se uma diminuição das taxas de mortalidade com aumento da esperança média de vida e uma diminuição nas taxas de fecundidade, repercutindo‐se numa transição demográfica marcada, com envelhecimento populacional1.
Em Portugal, o índice de envelhecimento é, de acordo com os dados publicados no ano de 2013 pelo Instituto Nacional de Estatística2, de 131 pessoas idosas (≥65 anos) por cada 100 jovens (0‐14 anos), sendo a esperança média de vida de 79,8 anos2. Este fenómeno é mais acentuado nas mulheres, refletindo a sua maior longevidade2, e no grupo dos muito idosos (idade≥85 anos), constituindo estes 12,0% da população em países desenvolvidos1.
O envelhecimento demográfico está associado a um aumento da incapacidade, amplificando os custos em saúde. Como tal, é fundamental criar condições de saúde, sociais e económicas, para que a pessoa possa permanecer autónoma e independente o maior número de anos possível1.
Neste contexto, desenvolvemos em Coimbra, o projeto Os muito idosos: estudo do envelhecimento em Coimbra, PTDC/CS‐SOC/114895/2009, com o intuito de avaliar a capacidade funcional e a utilização, e necessidade sentida de serviços de saúde e de apoio social pelos indivíduos com idade≥75 anos.
O conceito de capacidade funcional reporta‐se à capacidade da pessoa para desenvolver as atividades essenciais ao seu bem‐estar, integrando os domínios biológico, psicológico e social3. Desta forma, é fundamental que a sua avaliação seja multidimensional e orientada para os 3 domínios. Contrariamente, a incapacidade funcional pode ser definida como a incapacidade ou dificuldade em realizar as atividades diárias, podendo estar relacionada com a saúde física, psicológica, social, económica ou de recursos, impossibilitando uma vida independente.
É neste pressuposto que assenta a avaliação multidimensional da pessoa idosa e, por sua vez, o presente estudo. Foi utilizado o Questionário de Avaliação Funcional Multidimensional para Idosos (QAFMI)4,5, que abrange as áreas determinantes para a saúde e, por conseguinte, para a capacidade funcional do idoso, nomeadamente recursos sociais, recursos económicos, saúde física, saúde mental e atividades de vida diária.
No presente artigo pretendemos descrever a avaliação da capacidade funcional na área de saúde física, colocando em evidência as diferenças entre sexos e grupos etários, por ser uma das áreas em que a intervenção dos técnicos de saúde é mais notória e em que o seu papel é determinante no rastreio, cuidado e encaminhamento das situações em que necessitam de serviços de saúde.
EnquadramentoA avaliação da saúde física da pessoa idosa implica o reconhecimento da coexistência de uma multiplicidade de fatores que acompanham o processo de envelhecimento e da possibilidade de interações entre estes6.
As pessoas idosas são mais suscetíveis à incapacidade, refletindo a acumulação de fatores de risco durante o seu percurso de vida. Estima‐se que 46,0% das pessoas com mais de 60 anos apresentem incapacidade, sendo as principais causas a diminuição da acuidade visual e auditiva, a demência e a osteoartrite7. Muitas destas condições são altamente incapacitantes e poderiam ser prevenidas, ou pelo menos retardado o seu aparecimento, de forma a manter a capacidade funcional e qualidade de vida o maior número de anos possível.
Um dos aspetos característicos da incapacidade na população idosa é a existência de «multimorbilidade», ou seja, de coexistirem múltiplas doenças no mesmo indivíduo8. Este facto aumenta de forma significativa o risco do idoso vir a necessitar de cuidados de longa duração num período de 5 anos, sendo a demência e o acidente vascular cerebral (AVC) aqueles que são mais fortemente correlacionados com este risco9.
A apresentação da multimorbilidade, e do padrão de doenças associadas, difere de forma significativa entre sexo e idade. As mulheres apresentam uma maior prevalência de patologias do foro musculoesquelético, nomeadamente osteoartrose e osteoporose, do foro psiquiátrico (depressão e ansiedade), apresentam mais frequentemente diminuição da acuidade visual e incontinência. Os homens são mais frequentemente acometidos por doença cardiovascular e metabólica (diabetes, obesidade, hipertensão, insuficiência cardíaca congestiva, entre outras)10,11. Nos indivíduos mais idosos (≥85 anos) ocorre mais frequentemente doença cerebrovascular, insuficiência cardíaca, demência e osteoporose10,11.
Também a utilização dos cuidados de saúde, nomeadamente de consultas médicas, difere entre homens e mulheres, observando‐se que a probabilidade de não consultar o médico num período de 3 meses é superior para os homens e que a proporção de mulheres que procuram o médico entre 1‐6 vezes é superior, denotando‐se uma tendência para atrasar a procura de ajuda médica por parte dos homens12.
Apesar das diferenças individuais e da multiplicidade de diagnósticos, o paradigma dominante dos cuidados de saúde contemporâneos permanece focado na abordagem de cada doença em separado, resultando em problemas de articulação entre os profissionais dos cuidados de saúde primários e especializados, com prejuízo para a pessoa13.
É no sentido de mudar o paradigma atual que surgem as medidas de avaliação multidimensionais, tal como a metodologia e instrumento utilizado no presente estudo, pois estas têm em consideração a multiplicidade de diagnósticos de saúde a que os idosos estão sujeitos6,14.
MetodologiaTipo de estudoTrata‐se de um estudo quantitativo de tipo descritivo e correlacional, realizado no concelho de Coimbra.
População e amostraDefinimos como população‐alvo os utentes com idade≥75 anos (a 31 de dezembro de 2011) inscritos e residentes na área geográfica de abrangência dos 6 centros de saúde do concelho de Coimbra, pertencentes ao Agrupamento de Centros de Saúde Baixo Mondego.
A constituição da amostra baseou‐se nos dados disponibilizados pela Administração Regional de Saúde do Centro (ARS Centro) relativamente à população alvo. Segundo os dados, a população total era constituída por 16.474 indivíduos. Tendo em conta o tempo e os recursos disponíveis para a recolha de dados, definimos como tamanho da amostra 7,0% da população, representando 1.153 participantes.
De forma a estratificar a amostra, subdividimos o ficheiro de acordo com: sexo, grupos etários (74‐84 e ≥85) e área de residência (centro de saúde). A seleção da amostra foi efetuada, em cada estrato, mediante seleção aleatória simples, segundo a ordem aleatória das bases de dados fornecidas pelos centros de saúde.
Para alcançar o nosso objetivo foram realizados 2.175 contactos. Destes, 1.022 (47,0%) não participaram no estudo maioritariamente devido a contactos erróneos (41,4%), recusas (21,4%) ou óbito (12,7%). Quando ocorria uma destas situações o potencial entrevistado era substituído por outro com as mesmas características, respeitando a aleatoriedade da amostra definida.
Procedimentos para a recolha de dadosAntes do início da recolha de dados foi realizada uma sessão de esclarecimento em cada centro de saúde abrangido pelo estudo com os profissionais de saúde, de forma a informar acerca dos objetivos e procedimentos de recolha de dados.
O primeiro contacto foi realizado pelo enfermeiro do centro de saúde, tal como solicitado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD). Este informava o utente sobre o estudo e questionava sobre o seu interesse em participar. Assim sendo, a recolha de dados foi realizada através de entrevista estruturada, maioritariamente no domicílio, mas também nos centros de saúde, pelas bolseiras de investigação, com uma duração média de 47,38 minutos (σ=15,661). Esta fase decorreu de junho de 2012 a outubro de 2013.
Instrumento de recolha de dadosO instrumento de recolha de dados utilizado foi a versão validada em português europeu do Older Americans Resources and Services (OARS), o QAFMI4,5. Este é um instrumento multidimensional com qualidades reconhecidas na área da saúde, desenvolvido especificamente para idosos, cujas características lhe permitem desempenhar um papel no estudo desta população, auxiliando na identificação de problemas e orientando intervenções15. O QAFMI/OARS é constituído apenas por perguntas fechadas e, atendendo às características da população alvo, o limite máximo de apelo à memória é de 6 meses e o mínimo de um mês.
O questionário inicia‐se pela caracterização sociodemográfica e pelo Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ)16. Este último é composto por 10 questões e pretende avaliar a função cognitiva, determinando se o idoso é idóneo para responder ao questionário ou se é necessário recorrer a um informante. A determinação da idoneidade é realizada através do somatório das respostas incorretas. No presente estudo, tendo em conta a idade dos entrevistados, ficou definido que o participante estaria idóneo a responder ao questionário se o número de respostas incorretas fosse até 5 e não as 4 habitualmente definidas como critério de exclusão, decisão esta decorrente dos trabalhos originais de Pfeiffer16 e de Fillenbaum17, bem como na utilização dos estudos de validação e aplicação para a população portuguesa4–6,18.
Em termos de estrutura, o QAFMI/OARS é composto fundamentalmente por 2 partes. A parte A (70 questões) corresponde à avaliação funcional das áreas de recursos sociais, recursos económicos, saúde mental, saúde física e AVD. A parte B recolhe informação sobre a utilização, nos últimos 6 meses, de 6 conjuntos de serviços, nomeadamente, serviços de saúde, de avaliação e coordenação, não classificados, de apoio geral, de apoio económico, e sociais e recreativos, num total de 23 serviços.
A avaliação da área de saúde física, apresentada no presente artigo, engloba 20 questões, correspondendo ao grupo entre a 37.a e a 55.a questão.
O primeiro grupo de questões (37‐40) corresponde à análise da frequência das consultas médicas e dos dias em que esteve doente e/ou internado, sendo solicitado à pessoa para referir o número de vezes ou número de dias no período de 6 meses. A questão 41 questiona a necessidade de cuidados médicos adicionais.
Na questão 42 e 43 é apresentada uma lista de medicamentos, solicitando‐se ao doente que indique quais os que tomou no último mês. Enquanto na questão 44 é apresentada uma lista de 25 doenças e é solicitado aos participantes que indiquem aquelas que padecem atualmente, referindo de que modo estas interferem nas suas atividades («nada», «pouco» ou «muito»).
Na pergunta 45 é questionado acerca da presença de incapacidade física como «paralisia total», «paralisia parcial», «falta de membro/função» ou «fratura óssea», e a questão 48 inquere sobre a presença de outro problema de saúde que afete seriamente a sua saúde (resposta dicotómica «sim/não»).
As questões 46 e 47 são relativas à acuidade visual e auditiva, respetivamente, variando as respostas desde «muito boa» a «cego/surdo».
As questões 49 e 50 são relativas aos dispositivos de apoio e próteses, em que as pessoas são questionadas acerca de quais utilizam e de quais necessitariam, mediante listagem.
A questão 51 é relativa ao consumo de bebidas alcoólicas) e a 52 à prática de atividade física (ambas respostas dicotómicas «sim/não»).
Por fim, as questões 53 a 55 reportam‐se à autoavaliação da pessoa relativamente à sua saúde física. A primeira questiona acerca da opinião da sua saúde em geral, desde «muito boa» a «má», a segunda solicita uma comparação com há 5 anos («melhor», «igual» ou «pior») e, por último a 55.ª inquere de que forma os problemas de saúde interferem com a sua vida («nada», «um pouco», «muito»).
As 3 dimensões (doença crónica, incapacidade funcional e autoavaliação de saúde) e a relação que estabelecem entre si são o ponto central de qualquer modelo de avaliação de saúde física em idosos19.
Além destes dados, é também possível atribuir uma classificação a cada área funcional em estudo. Tendo por base o QAFMI/OARS, foi construído um programa informático que classifica a capacidade funcional dos respondentes, em cada área, de 1‐6, correspondendo, respetivamente, a excelente, boa, limitação pequena, limitação moderada, limitação grave e limitação total18. Na área de saúde física, o programa tem em conta as respostas dadas nos itens anteriormente descritos. O ponto de corte definido como «incapacidade» foi estabelecido ao nível da pontuação 5 e 6.
Tratamento estatístico dos dadosOs dados obtidos foram processados no programa informático Statistical Package for the Social Sciences (SPSS® versão 22.0) do Windows, tendo‐se recorrido a métodos inerentes à estatística descritiva (apresentando cálculos referentes a frequências absolutas e relativas) e inferencial, tendo‐se recorrido às estatísticas resumo adequadas e ao teste de comparação de proporções do qui‐quadrado e respetiva medida de associação (V de Cramer). Para melhor compreensão da leitura das tabelas, gostaríamos de referir que nas tabelas 6 e 7 serão apresentados os dados relativos à comparação entre sexos para cada um dos grupos etários (75‐84 anos[A] e≥85 anos[B]) e para o total da amostra[C] e, ainda, à comparação entre os 2 grupos etários[D].
Considerações ético‐legaisO estudo foi autorizado pela ARS Centro, pela CNPD (autorização n.°1713/2012) e pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (parecer n.° 90‐05/2012). No momento da entrevista, o indivíduo era informado dos objetivos do estudo e da garantia de confidencialidade dos dados recolhidos, assinando o consentimento informado.
ResultadosOs resultados referentes à área funcional de saúde física serão apresentados de acordo com parâmetros de avaliação enunciados na metodologia.
Características da amostraA amostra é constituída, quanto ao sexo, por 422 participantes do sexo masculino e 731 do sexo feminino. Quanto ao grupo etário é constituída por 814 participantes entre 75‐84 anos e por 339 participantes com idade≥85 anos.
Em relação ao estado civil dos participantes, o estado de solteiro foi referido maioritariamente por mulheres (10,1% do sexo feminino e 1,4% do sexo masculino), enquanto a percentagem de homens casados é superior (76,1 e 33,9%, respetivamente). A situação de viúvo é mais frequente nas mulheres (52,5 e 20,6%, respetivamente).
Quanto às habilitações literárias, não sabiam ler nem escrever, 8,8% dos homens e 26,0% das mulheres. Detinham o ensino básico primário, 51,4% dos homens e 45,6% das mulheres, e o ensino superior 9,5% dos homens e 6,0% das mulheres.
Consultas médicasQuanto à frequência de consultas médicas (tabela 1), observamos que 89,5% dos participantes referiram ter tido uma consulta médica nos últimos 6 meses, sendo a percentagem mais alta para as mulheres e para os participantes do grupo etário 75‐84 anos (89,2 e 91,3%, respetivamente). Mas apenas 32,3% referiram ter estado doentes, sendo este facto mais referido pelas mulheres e pelos participantes com idade≥85 anos (35,6 e 41,6%, respetivamente) e 15,1% referiram ter estado internados num hospital, também maioritariamente mulheres (15,0%) e participantes≥85 anos (17,4%).
Distribuição segundo referência a consulta médica, período de doença, internamento (nos últimos 6 meses) e necessidade de mais cuidados médicos
Grupo etário 75‐84 anos | Grupo etário≥85 anos | Total | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M (n=320) | F (n=494) | Total (n=814) | M (n=102) | F (n=237) | Total (n=339) | M (n=422) | F (n=731) | Total (n=1.153) | |
% | % | % | % | % | % | % | % | % | |
Visto pelo médico | 90,0 | 92,1 | 91,3 | 90,2 | 83,1 | 85,3 | 90,0 | 89,2 | 89,5 |
Esteve doente | 23,4 | 31,6 | 28,4 | 36,3 | 43,9 | 41,6 | 26,5 | 35,6 | 32,3 |
Esteve internado | 11,9 | 15,6 | 14,1 | 16,7 | 17,7 | 17,4 | 13,0 | 15,0 | 15,1 |
Necessita de mais cuidados/tratamentos médicos | |||||||||
Sim | 15,3 | 18,8 | 17,4 | 16,6 | 13,5 | 14,5 | 15,6 | 17,1 | 16,6 |
Não | 84,4 | 79,8 | 81,6 | 77,5 | 77,6 | 77,6 | 82,7 | 79,1 | 80,4 |
NS/NR | 0,3 | 1,4 | 1,0 | 5,9 | 8,9 | 7,9 | 1,7 | 3,8 | 3,0 |
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Cerca de 16,6% dos participantes referiu necessitar de cuidados médicos, além daqueles que recebem.
PatologiasNa tabela 2 é conjugada a informação das questões relativas às patologias mais referidas e à medicação com receita médica no último mês, indicando‐se para cada patologia o grau com que interfere nas atividades (valores percentuais para o total de vezes referida).
Distribuição segundo as doenças referidas por sexo, grau de limitação, que provocam interferência nas atividades e receita de medicamentos
Doenças referidas | Distribuição das doenças referidas por sexo | Interferência nas atividadesa | Receita de medicamentosb | |||
---|---|---|---|---|---|---|
M (n=422) | F (n=731) | Nada | Pouco | Muito | ||
% | % | % | % | % | % | |
Hipertensão | 50,2 | 52,4 | 38,7 | 56,6 | 4,7 | 67,4 |
Artrite ou reumatismo | 32,7 | 59,2 | 1,6 | 39,6 | 58,8 | 10,1 |
Problemas cardíacos | 38,2 | 39,8 | 11,1 | 67,0 | 21,9 | 68,8 |
Diabetes | 20,1 | 17,9 | 16,2 | 59,3 | 24,5 | 23,0 |
Problemas circulatórios dos membros | 8,1 | 14,1 | 5,8 | 59,1 | 35,0 | 15,4 |
Doença da tiroide ou outras glândulas | 16,1 | 5,6 | 30,3 | 47,7 | 22,0 | 4,8 |
Úlceras (sistema digestivo) | 5,5 | 5,6 | 6,3 | 70,3 | 23,4 | 19,2 |
Epilepsia | 0,5 | 0,1 | 33,3 | 33,3 | 33,3 | 0,2 |
A hipertensão arterial foi a patologia mais referida pelos participantes (51,6%), especialmente no grupo etário 75‐84 (55,3%) e pelas mulheres (52,4%).
A artrite ou reumatismo foi referida por 49,5% dos participantes, sendo neste caso mais evidente no grupo etário≥85 anos com 57,8%. Apresenta, também, valores percentuais mais elevados para as mulheres (59,2%).
Os problemas cardíacos foram mencionados por 39,2% dos participantes (39,8% das mulheres e 38,2% dos homens).
A diabetes foi referida por 18,7% dos participantes, sendo maior a percentagem dos homens (20,1%).
Quanto aos problemas circulatórios dos membros e à doença da tiroide estes foram referidos por 11,9 e 9,5% dos participantes, respetivamente, e, para ambos, a percentagem foi mais elevada para as mulheres (14,1 e 16,1%, respetivamente).
Contudo, as patologias mais referidas não são necessariamente aquelas que mais interferem nas atividades.
As patologias referidas com maior interferência nas atividades são a artrite ou reumatismo (58,8%), problemas circulatórios dos membros com 35,0%, epilepsia (33,3%), diabetes com 24,5%, úlceras (sistema digestivo) com 23,4%, doenças da tiroide ou outras glândulas (22,0%), problemas cardíacos (21,9%) e hipertensão com 4,7%.
Duas das 3 patologias mais citadas, a hipertensão (51,6%) e os problemas cardíacos (39,2%), são referidas como interferindo pouco nas atividades, respetivamente em 56,6 e 67,0% dos casos, sendo ao mesmo tempo aquelas para as quais há maior percentagem de inquiridos (67,4 e 68,8%) a indicar a existência de receita de medicamento com elas relacionadas.
VisãoRelativamente à perceção do estado da sua visão (tabela 3), a maioria dos participantes classificou‐a como regular (37,4%). Apenas 4,3% do total dos participantes referiram que está muito boa (6,6% dos homens e 2,9% das mulheres), 30,2% classificou‐a como boa, 24,8% como mal. Referindo estar cego está 1,0% da amostra total (0,7% dos homens e 1,2% das mulheres), é o grupo etário≥85 anos que apresenta percentagem mais alta (1,8%).
Distribuição segundo a perceção do estado de visão
Visão | Grupo etário 75‐84 anos | Grupo etário≥85 anos | Total | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M (n=320) | F (n=494) | Total (n=814) | M (n=102) | F (n=237) | Total (n=339) | M (n=422) | F (n=731) | Total (n=1.153) | |
% | % | % | % | % | % | % | % | % | |
Muito boa | 7,5 | 3,6 | 5,2 | 3,9 | 1,3 | 2,1 | 6,6 | 2,9 | 4,3 |
Boa | 38,7 | 30,0 | 33,4 | 24,5 | 21,5 | 22,4 | 35,3 | 27,2 | 30,2 |
Regular | 36,6 | 37,7 | 37,2 | 39,2 | 37,1 | 37,8 | 37,2 | 37,5 | 37,4 |
Mal | 16,3 | 25,9 | 22,1 | 25,6 | 33,7 | 31,2 | 18,5 | 28,5 | 24,8 |
Está cego | 0,0 | 1,2 | 0,7 | 2,9 | 1,3 | 1,8 | 0,7 | 1,2 | 1,0 |
NS/NR | 0,9 | 1,6 | 1,4 | 3,9 | 5,1 | 4,7 | 1,7 | 2,7 | 2,3 |
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Quanto à perceção do estado da sua audição (tabela 4), também a maioria dos participantes a classificou como regular (31,0%). Com muito boa classificou‐se 12,0% da amostra total (10,7% dos homens e 12,9% das mulheres), tendo o grupo etário 75‐84 anos uma percentagem mais alta (15,0%); com boa classificou‐se 27,3% da amostra total; com mal classificou‐se 26,8%. Classificando‐se como estando surdo foi 0,6% da amostra total (1,0% das mulheres), sendo o grupo etário≥85 anos a apresentar uma percentagem mais elevada (1,5%).
Distribuição segundo a perceção do estado de audição
Audição | Grupo etário 75‐84 anos | Grupo etário≥85 anos | Total | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M (n=320) | F (n=494) | Total (n=814) | M (n=102) | F (n=237) | Total (n=339) | M (n=422) | F (n=731) | Total (n=1.153) | |
% | % | % | % | % | % | % | % | % | |
Muito boa | 12,2 | 16,8 | 15,0 | 5,9 | 4,6 | 5,0 | 10,7 | 12,9 | 12,0 |
Boa | 32,2 | 30,0 | 30,8 | 17,7 | 19,4 | 18,9 | 28,7 | 26,5 | 27,3 |
Regular | 30,6 | 31,6 | 31,2 | 35,3 | 28,3 | 30,4 | 31,7 | 30,5 | 31,0 |
Mal | 24,1 | 19,6 | 21,4 | 38,2 | 40,5 | 39,8 | 27,5 | 26,4 | 26,8 |
Está surdo | 0,0 | 0,4 | 0,2 | 0,0 | 2,1 | 1,5 | 0,0 | 1,0 | 0,6 |
NS/NR | 0,9 | 1,6 | 1,4 | 2,9 | 5,1 | 4,4 | 1,4 | 2,7 | 2,3 |
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
A referência de indicação médica de redução do consumo de bebidas alcoólicas, apenas surgiu por parte dos homens (7,3% no total da amostra), representando 8,1% dos homens do grupo etário 75‐84 anos e 4,9% do grupo etário≥85 anos.
Atividade físicaQuando questionados se praticavam algum tipo de atividade física (tabela 5), 33,7% da amostra total (50,0% dos homens e 24,2% das mulheres) referiu que sim, tendo sido no grupo etário 75‐84 anos que esta percentagem foi mais alta (41,0%).
Distribuição segundo a prática de atividade física
Pratica atividade física | Grupo etário 75‐84 anos | Grupo etário≥85 anos | Total | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M (n=320) | F (n=494) | Total (n=814) | M (n=102) | F (n=237) | Total (n=339) | M (n=422) | F (n=731) | Total (n=1.153) | |
% | % | % | % | % | % | % | % | % | |
Sim | 56,9 | 30,8 | 41,0 | 28,4 | 10,6 | 15,9 | 50,0 | 24,2 | 33,7 |
Não | 42,8 | 68,6 | 58,5 | 70,6 | 88,6 | 83,2 | 49,5 | 75,1 | 65,7 |
NS/NR | 0,3 | 0,6 | 0,5 | 1,0 | 0,8 | 0,9 | 0,5 | 0,7 | 0,6 |
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
A maioria dos participantes autoavaliou a sua saúde física como regular (49,8% dos homens e 55,7% das mulheres) (tabela 6). Como muito boa classificaram‐na 5,0% dos homens e 1,2% das mulheres, e como má foram 19,4% das mulheres e 12,3% dos homens. Foram observadas diferenças significativas entre sexos (χ2=36,013; p=0,000), apresentando as mulheres pior perceção da sua saúde física. As diferenças entre grupos etários foram também significativas (χ2=27,913; p=0,000), tendo os participantes com idade≥85 anos pior perceção do seu estado de saúde.
Distribuição segundo a autoavaliação de saúde física
Autoavaliação de saúde física | Grupo etário 75‐84 anos[A] | Grupo etário≥85 anos[B] | Total[C],[D] | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M (n=320) | F (n=494) | Total (n=814) | M (n=102) | F (n=237) | Total (n=339) | M (n=422) | F (n=731) | Total (n=1.153) | |
% | % | % | % | % | % | % | % | % | |
Atual | |||||||||
Muito Boa | 5,6* | 1,6 | 3,2* | 2,9* | 0,5 | 1,2 | 5,0* | 1,2 | 2,6 |
Boa | 30,3* | 20,0 | 24,1* | 22,5 | 15,6 | 17,7 | 28,4* | 18,6 | 22,2 |
Regular | 49,7 | 56,5 | 53,8 | 50,0 | 54,0 | 52,8 | 49,8 | 55,7 | 53,5 |
Má | 12,2 | 18,2* | 15,8 | 12,8 | 21,9* | 19,2 | 12,3 | 19,4* | 16,8 |
NS/NR | 2,2 | 3,7 | 3,1 | 11,8 | 8,0 | 9,1* | 4,5 | 5,1 | 4,9 |
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Comparado com há 5 anos | |||||||||
Melhor | 1,2 | 0,6 | 0,9 | 1,0 | 0,0 | 0,3 | 1,2 | 0,4 | 0,7 |
Igual | 44,1* | 21,3 | 30,2* | 27,4* | 15,2 | 18,9 | 40,0* | 19,3 | 26,9 |
Pior | 52,2 | 74,5* | 65,7 | 61,8 | 75,9* | 71,7* | 54,5 | 75,0* | 67,5 |
NS/NR | 2,5 | 3,6 | 3,2 | 9,8 | 8,9 | 9,1* | 4,3 | 5,3 | 4,9 |
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Atual
*Resíduos ajustados estandardizados>1,96
[A] χ2=25,728; p=0,000; VC=0,18; [B] χ2=10,232; p=0,037; VC=0,17; [C] χ2=36,013; p=0,000; VC=0,18; [D] χ2=27,913; p=0,000; VC=0,16.
Comparado com há 5 anos
*Resíduos ajustados estandardizados>1,96
[A] χ2=49,857; p=0,000; VC=0,25; [B] χ2=10,073; p=0,018; VC=0,172; [C] χ2=62,417; p=0,000; VC=0,23; [D] χ2=30,952; p=0,000; VC=0,16.
Quando questionados sobre a comparação que fazem entre a situação atual e a que tinham há 5 anos (tabela 6), a maioria dos participantes referiu que se sente pior (75,0% das mulheres e 54,5% dos homens, no total da amostra). Apenas 0,7% referiu que se sentia melhor e 40,0% dos homens e 19,3% das mulheres referiram sentir‐se igual. Observam‐se diferenças significativas entre sexos (χ2=62,417; p=0,000) e entre grupo etário (χ2=30,952; p=0,000), tendo as mulheres e os participantes≥85 anos uma maior perceção de declínio.
Capacidade funcional na área de saúde físicaA classificação segundo o modelo QAFMI/OARS permite classificar a capacidade funcional do indivíduo na área de saúde física (tabela 7).
Distribuição segundo a pontuação do modelo OARS na área de saúde física
Pontuação em saúde física | Grupo etário 75‐84 anos[A] | Grupo etário≥85 anos[B] | Total[C],[D] | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M (n=320) | F (n=494) | Total (n=814) | M (n=102) | F (n=237) | Total (n=339) | M (n=422) | F (n=731) | Total (n=1.153) | |
% | % | % | % | % | % | % | % | % | |
Excelente | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ |
Boa | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ | ‐ |
Limitação pequena | 0,3 | 0,4 | 0,4 | ‐ | ‐ | ‐ | 0,2 | 0,3 | 0,3 |
Limitação moderada | 61,9 | 57,1 | 59,0* | 51,0 | 39,2 | 42,8 | 59,3* | 51,3 | 54,2 |
Limitação grave | 29,7 | 29,5 | 29,6* | 23,5 | 22,8 | 23,0 | 28,2 | 27,3 | 27,6 |
Limitação total | 8,1 | 13,0 | 11,0 | 25,5 | 38,0 | 34,2* | 12,3 | 21,1* | 17,9 |
Total | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
*Resíduos ajustados estandardizados>1,96
[A] χ2=4,900; p=0,179; [B] χ2=5,563; p=0,062; [C] χ2=14,647; p=0,002; VC=0,11; [D] χ2=88,458; p=0,000; VC=0,28.
Com uma classificação de excelente ou boa não foi pontuado nenhum indivíduo da amostra. Com limitação pequena são classificados 0,3% das mulheres e 0,2% dos homens. A classificação de limitação moderada é atribuída a 54,2% da amostra total (59,3% homens e 51,3% mulheres). Com limitação grave são classificados 27,6 participantes (28,2% homens e 27,3% mulheres). A limitação total surge com 21,1 e 12,3%, respetivamente para mulheres e homens.
A diferença entre grupos etários (χ2=88,458; p=0,000) é significativa, sendo pior classificados os mais idosos (≥85 anos). Quanto ao sexo a diferença, no total da amostra, é significativa (χ2=14,647; p=0,002), sendo as mulheres pior classificadas.
DiscussãoA amostra em estudo tem uma composição semelhante à verificada na população nacional, onde prevalece uma diminuição da população ao longo dos grupos etários, com mais acentuado decréscimo dos homens20–22. Quanto ao estado civil, temos maior percentagem de solteiros entre as mulheres e, com o envelhecimento, observamos a diminuição do número de indivíduos casados e um aumento do número de viúvos23. Por último, a população idosa continua a deter, de modo geral, baixos níveis de escolaridade, registando as mulheres níveis mais baixos que os homens21.
No que concerne às consultas médicas, verificamos que a maioria dos participantes mencionaram ter consultado o médico nos últimos 6 meses, sendo a percentagem de homens e mulheres muito similar, ao contrário do verificado em outros. A grande percentagem de utilizadores observada está muito relacionada com a faixa etária em estudo (>75 anos), de acordo com o Ministério da Saúde, é o grupo com mais de 65 anos que detém a taxa de utilização de cuidados de saúde primários mais elevada (60,0%), além disso, outros estudos indicam que ser reformado e viver numa zona urbana implica também uma maior utilização de cuidados12.
Quanto às patologias referidas, observamos que as doenças crónicas são o fator major que influencia a capacidade das pessoas idosas em viverem o seu dia‐a‐dia de forma independente e segura no seio da comunidade onde residem6,18,20.
Pela análise dos resultados verificou‐se que a maioria dos participantes estavam polimedicados (utilização concomitante de vários medicamentos e que poderão interagir entre si), uma vez que a indicação de utentes com receita de medicamentos apresentava valores superiores aos da presença de patologia. Estão nesta situação a hipertensão, problemas cardíacos, diabetes mellitus, problemas circulatórios dos membros e úlcera (sistema digestivo)24–27.
Relativamente às patologias acima elencadas, os participantes no estudo referiram «não interferirem muito» nas atividades de vida diária, o que pode justificar o seu «esquecimento» aquando da solicitação para indicar as doenças de que padece no momento, apesar da questão sobre a toma de medicação ser prévia. A explicação para o facto poderá residir na elevada frequência com que estas patologias são mencionadas, a forma insidiosa e progressiva como se vão instalando, e a aceitação de um progressivo deterioro físico que acompanha o envelhecimento, que poderão levar os idosos a considerar esta situação como sendo resultado de um processo normal e não como algo passível de intervenção, cuidado ou tratamento. Este facto poderá estar também presente quando observamos que algumas das patologias que mais interferem nas atividades têm menor percentagem de receita de medicamentos. É exemplo a artrite ou reumatismo, referida por 49,5%, mas em que apenas 10,1% referem medicação associada. Na revisão da literatura constatamos que há um aumento da prescrição de medicamentos relacionada com a existência de maior número de múltiplas doenças crónicas24–27.
Quanto ao estado da visão, as mulheres estão pior classificadas, assim com o grupo etário com idade de≥85 anos, sendo que ambos os grupos etários, maioritariamente, consideram a sua visão como estando regular. Em termos das funções auditivas, também se verificou agravamento da perceção auditiva com o avanço da idade, tal como noutros estudos21,28, e por parte das mulheres.
Sobre a indicação de redução do consumo de bebidas alcoólicas, o consumo de álcool está ligado ao sexo masculino, uma tendência que se confirma a nível nacional, por questões culturais, de socialização e económicas, sendo prova disso as doenças e a mortalidade que lhes está associada20.
Quanto à prática regular de atividade física, denota‐se um decréscimo da prática com o avanço da idade, bem como, uma menor adesão pelas mulheres, sendo a percentagem de praticantes inferior ao apresentado noutro estudo20.
De um modo geral, para os valores do total da amostra, a classificação segundo o modelo QAFMI/OARS afasta‐se da autoavaliação efetuada pelos inquiridos, em que estes classificam melhor a sua saúde física. A presença de patologias crónico‐degenerativas e/ou incapacitantes, e as capacidades adaptativas não só a doenças, mas também a situações que vão surgindo ao longo da vida, podem, entre outros fatores não citados, influenciar a autoperceção do estado de saúde de um indivíduo, bem como a sua tomada de decisão em saúde29.
De facto, conforme já mencionado acima, a aceitação do processo de declínio na capacidade funcional que acompanha o envelhecimento poderá levar os idosos a conformar‐se com esta situação, considerando‐a como um processo normal e não necessariamente alvo de intervenção de cuidados de saúde.
Na revisão da literatura damos conta da análise referente a este fator de subjetividade do estado de saúde percecionado pelo sujeito e da sua relação com as condições objetivas de vida, onde pode existir a possibilidade de diversidade de respostas para o mesmo contexto, e da aceitação das condições impostas pelo declínio funcional6,30–34.
Na área de saúde física, se considerarmos o total da amostra, as mulheres apresentaram pior capacidade funcional, podendo ser explicado por uma autoavaliação mais negativa do seu estado de saúde e maior número de comorbilidades associadas6,30,31,33,34.
Os participantes com idade≥85 anos apresentaram as piores classificações. O facto de nenhum ser classificado com excelente ou boa saúde física pode ser resultado da morbilidade, do consumo elevado de medicação e de uma autoavaliação negativa da sua saúde física atual6,29,33,34.
No decorrer da aplicação desta metodologia, a dimensão do questionário e o tempo despendido para a recolha de dados podem surgir como uma limitação. Contudo, a quantidade e qualidade da informação justificam a sua utilização.
ConclusõesFoi possível a caracterização da população≥75 anos do concelho de Coimbra (com características urbanas e rurais), na área de saúde física, permitindo observar as diferenças intrínsecas entre homens e mulheres, e entre grupos etários.
Na área de saúde física, atendendo aos resultados obtidos, retemos a noção de que as patologias mais referidas não são necessariamente as que mais interferem na capacidade funcional do idoso. Por outro lado, a classificação segundo o modelo QAFMI/OARS revela que com uma classificação de excelente ou boa não foi pontuado nenhum indivíduo da amostra, sendo, das 5 áreas em estudo, aquela em que os participantes apresentaram maior incapacidade (45,6% com limitação grave ou total). Este facto revela a importância da promoção da saúde e prevenção de incapacidades que se manifestam nesta faixa etária, aconselhando a promoção de programas dirigidos à saúde física (como programas de atividade física) nos cuidados de saúde primários.
Assim, com o avanço da idade, verifica‐se que as pessoas apresentam uma maior complexidade na avaliação clínica, requerendo tratamento para muitas condições do foro físico e mental, refletindo‐se num aumento das despesas sociais relacionadas com a saúde e com a velhice, e numa necessidade crescente de cuidados de saúde e assistência.
Em termos de implicações para a prática clínica e de investigação, podemos concluir que o conhecimento da capacidade funcional nesta área de estudo, podendo ser utilizada a metodologia QAFMI/OARS, conjugado com a rede de cuidados de saúde primários, pode ser útil no rastreio, no encaminhamento e na resolução de situações de incapacidade, assim como os dados obtidos poderão ser utilizados para o planeamento e desenvolvimento das intervenções de saúde.
Nesta perspetiva, a coordenação dos serviços de saúde, tendo por base a avaliação multidimensional de idosos, promove um envelhecimento saudável e a resposta às necessidades sentidas, combinando as atividades de promoção de saúde com estratégias de prevenção de doenças, atendendo ao percurso de vida de cada individuo e às distintas formas de envelhecimento de homens e mulheres.
FinanciamentoProjeto financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do Programa Operacional Factores de Competitividade (COMPETE) e por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito do projeto PTDC/CS‐SOC/114895/2009.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.