Para avaliar a fiabilidade e validade, em pessoas com 55 ou mais anos, o WHODAS 2.0 de 12 itens foi traduzido e adaptado ao português e foi aplicado por 2 vezes, com um intervalo de 7 dias, em 144 participantes de serviços de apoio comunitário. Os resultados obtidos indicam boa consistência interna (α=0,86) e excelente reprodutibilidade CCI=0,77 (IC95%=0,69‐0,83]. Os resultados desta versão do instrumento associam‐se com o Índice de Barthel, com a rede de suporte social e discriminam a funcionalidade dos participantes em função da existência duma condição clínica. Esta versão é equivalente à original, é fiável e válida.
To evaluate the reliability and validity in people aged 55 or more, WHODAS 2.0 ‐ 12 items was translated and adapted into Portuguese. With an interval of seven days, 144 participants from community support services fulfilled WHODAS 2.0 twice. The results show good internal consistency (α=0.86) and excellent reproducibility ICC=0.77 [95% CI=0.69‐0.83]. The results show an association between the Barthel Index and the Lubben Social Network Scale and discriminate the overall functioning of the participants according to the presence or absence of a medical condition. This version is equivalent to the original version, is reliable and valid.
A Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) conceptualiza a funcionalidade humana como o resultado da interação entre diferentes componentes que influenciam a realização de atividades e o envolvimento nas situações de vida1. Para além das condições de saúde, presentes em determinado momento, são também incluídos os fatores contextualizadores, sejam eles fatores ambientais ou fatores pessoais2. Com o propósito de operacionalizar a utilização da CIF foi elaborado, no âmbito da Organização Mundial de Saúde (OMS), o World Health Organization Disability Assessment Schedule 2.0 (WHODAS 2.0), que tem como objetivo avaliar a limitação nas atividades e a restrição na participação3.
O WHODAS 2.0 tem‐se mostrado útil para avaliar a saúde e os níveis de funcionalidade de uma forma uniformizada, na população geral e em grupos específicos. Sendo etimologicamente neutro, não é específico para nenhuma condição de saúde, o que torna possível traduzir diretamente a funcionalidade e a incapacidade e tratar a avaliação deste constructo separadamente das condições de saúde4. Os resultados da consistência interna e da fiabilidade do WHODAS 2.0 demonstram o seu potencial quer em avaliações individuais quer em avaliações de grupos5. A validade do instrumento em comparação com outras medidas de incapacidade foi estabelecida numa ampla variedade de populações de pacientes, em amostras da população geral e entre países e idiomas diferentes6.
As versões de 36 itens e de 12 itens podem ser aplicadas por entrevista (incluindo a uma pessoa próxima) ou por autoadministração e a versão de 12+24 itens pode ainda ser utilizada como aplicação informática. A versão de 12 itens inclui 2 questões por cada um dos 6 domínios – cognição, mobilidade, autocuidado, relações interpessoais, atividades diárias e participação – fornecendo um indicador de funcionalidade global7. As questões para cada domínio são respondidas indicando o nível de dificuldade, numa escala ordinal de 5 níveis, no desempenho ou participação em atividades, considerando o período relativo aos últimos 30 dias. Embora a versão de 36 itens da WHODAS 2.0 esteja disponível em português8,9, a versão de 12 itens poderá ser útil nas situações onde o tempo e o custo sejam um fator crítico quer em contexto clínico quer em contexto de pesquisa e investigação.
Este estudo teve como objetivo traduzir e avaliar a fiabilidade (consistência interna, teste‐reteste) e a validade da versão portuguesa do WHODAS 2.0 – 12 itens, em adultos com 55 ou mais anos.
MetodologiaTradução e adaptação cultural e linguística do WHODAS 2.0 – 12 itensA versão original do WHODAS 2.0 – 12 itens em inglês foi fornecida pelos autores do instrumento através da OMS. O processo de adaptação cultural e linguística para português foi realizado de acordo com orientações estabelecidas internacionalmente10 e envolveu os seguintes passos.
Passo 1 (tradução): a versão original do WHODAS 2.0 em inglês foi traduzida por 2 tradutores independentes cuja língua materna é o português.
Passo 2 (versão de reconciliação): três investigadores compararam as 2 traduções e construíram uma versão de reconciliação com base nas traduções e na versão original do WHODAS 2.0.
Passo 3 (retroversão): a versão de reconciliação foi traduzida de português para inglês por um profissional de tradução cuja língua materna é o inglês, sem formação na área da saúde e sem conhecimento da versão original do WHODAS 2.0.
Passo 4 (versão pré‐final): uma comissão de investigadores desenvolveu a versão pré‐final do WHODAS 2.0 com base na retroversão e no instrumento original.
Passo 5 (teste piloto): para a versão pré‐final do instrumento foi realizado um ‘debriefing’ cognitivo com 8 indivíduos para avaliar a facilidade/dificuldade na formulação e compreensão dos itens. A informação recolhida foi utilizada para aperfeiçoar o instrumento e elaborar a versão final.
Passo 6: a retroversão e a descrição da metodologia utilizada no processo de adaptação cultural e linguística foram enviadas aos autores da versão original do WHODAS 2.0 – 12 itens para apreciação.
Participantes e procedimentosA amostra foi constituída por 144 pessoas adultas recrutadas consecutivamente, entre fevereiro e abril de 2011, na população que utiliza os serviços de apoio comunitário do concelho de Santa Maria da Feira. Foram incluídas as pessoas que aceitaram o convite para participar, com 55 ou mais anos e com capacidade para fornecerem consentimento informado.
A média de idade de 64 anos (dp=6,7; min=55; max=82), sendo 92 (63,9%) do sexo feminino. No momento da recolha de dados a maioria dos participantes eram casados (n=108; 75,0%), reformados (n=98; 68,1%), com baixas habilitações literárias (até 4 anos de escolaridade: n=65; 45,1%) e 55,6% (n=80) reportaram a existência no último ano de, pelo menos, uma condição clínica.
O WHODAS 2.0 – 12 itens, na versão portuguesa (WHODAS 2.0‐PT 12), foi aplicado por 2 vezes com um intervalo de 7 dias, tendo o resultado sido obtido pela soma simples de cada um dos itens. A correspondência entre as aplicações foi realizada através de um código numérico distribuído no momento da primeira recolha. O Índice de Barthel e a escala de avaliação da rede de suporte social de Lubben de 6 itens foram aplicados aquando da primeira recolha de dados. Todos os dados, nos 2 momentos de recolha, foram obtidos por autoadministração.
O estudo foi autorizado pela entidade responsável pelos locais de recolha de dados e todos os participantes assinaram o consentimento informado após terem sido apresentados os objetivos e procedimentos do estudo.
Análise de dadosA análise de dados foi realizada utilizando o Predictive Analitycs SoftWare (PASW) 18.0. A caraterização da amostra e a distribuição dos valores do WHODAS 2.0‐PT12 foi realizada utilizando estatística descritiva, sendo apresentados os valores referentes ao primeiro momento de recolha de dados. A análise de associação entre variáveis foi realizada através do coeficiente de correlação de Spearman. A comparação dos resultados entre amostras independentes foi realizada através do teste de Mann‐Whitney.
A consistência interna foi analisada através do alpha de Cronbach tendo sido considerado como ‘muito bom’ quando α ≥0,9, ‘bom’ quando 0,8≤ α <0,9, ‘razoável’ quando 0,7≤ α <0,8 e ‘fraco’ quando α<0.711. A reprodutibilidade foi avaliada através do coeficiente de correlação intraclasse (CCI) sendo considerada ‘excelente’ quando ρ ≥0,75, ‘boa’ quando 0,4≤ ρ <0,75 e ‘fraca’ quando ρ <0,412. O nível de significância foi estabelecido em α=0,05.
ResultadosO valor do Alpha de Cronbach foi de α=0,86 (tabela 1) no primeiro momento de avaliação e de α=0,84 no segundo momento de avaliação, indicando uma boa consistência interna. O valor obtido para o teste‐reteste foi de CCI=0,77 (IC95%=0,69‐0,83) o que indica uma concordância excelente entre as 2 aplicações.
Alpha de Cronbach do WHODAS 2.0‐PT12, correlação item‐total e Alpha de Cronbach se item eliminado
Correlação item‐total | α se item eliminado | |
---|---|---|
Quanta dificuldade teve em ficar de pé por longos períodos, como 30 minutos? | 0,661 | 0,844 |
Quanta dificuldade teve em tratar das suas responsabilidades domésticas? | 0,657 | 0,842 |
Quanta dificuldade teve em aprender uma nova tarefa, por exemplo, aprender o caminho para um novo lugar? | 0,504 | 0,854 |
Quanta dificuldade teve em participar em atividades na comunidade (como por exemplo, festivais, religiosas ou outras) da mesma forma que qualquer outra pessoa? | 0,457 | 0,856 |
Quanto se sentiu emocionalmente afetado pela sua condição de saúde? | 0,630 | 0,846 |
Quanta dificuldade teve em concentrar‐se a fazer algo durante dez minutos? | 0,553 | 0,850 |
Quanta dificuldade teve em andar uma distância longa como um quilómetro (ou equivalente)? | 0,652 | 0,842 |
Quanta dificuldade teve em lavar todo o corpo? | 0,572 | 0,853 |
Quanta dificuldade teve em vestir‐se? | 0,569 | 0,854 |
Quanta dificuldade teve em lidar com pessoas que não conhece? | 0,323 | 0,864 |
Quanta dificuldade teve em manter uma amizade? | 0,487 | 0,855 |
Quanta dificuldade teve no seu trabalho/escola do dia‐a‐dia? | 0,648 | 0,843 |
Alpha de Cronbach | 0,861 |
O valor médio da WHODAS 2.0‐PT12 foi de X¯=2,5 (dp=4,45). A distribuição das médias e percentis por grupo etário são indicadas na tabela 2.
Foi encontrada uma associação entre os valores da WHODAS 2.0‐PT12 com o Índice de Barthel (rho=−0,274, p<0,01) e com a escala de avaliação da rede de suporte social de Lubben (rho=−0,190, p<0,05).
A comparação dos valores entre o grupo de participantes que reportaram a existência no último ano de pelo menos uma condição clínica e os restantes elementos da amostra foi estatisticamente significativa (Mann‐Whitney=1.829,5, p<0,01).
DiscussãoO WHODAS 2.0‐PT12 autoadministrado é de fácil compreensão e utilização por pessoas da comunidade com 55 ou mais anos. Os valores obtidos a nível da fiabilidade confirmam as boas propriedades psicométricas do WHODAS 2.0‐PT12 quer a nível da consistência interna quer a nível da reprodutibilidade, à semelhança do encontrado noutros trabalhos referidos no respetivo manual.
A associação entre os valores do WHODAS 2.0‐PT12 com o indicador de independência nas atividades de vida diária básica e com o indicador de risco de isolamento social indicia a sua validade de constructo. No mesmo sentido, o instrumento parece discriminar grupos com diferentes níveis de funcionalidade global em consequência de condições clínicas.
Uma primeira limitação do estudo realizado provém da inclusão dos participantes não aleatoriamente, que poderá ter como consequência um viés de seleção, devido à não representatividade da amostra. Salienta‐se, também, que a utilização de outra medida do mesmo constructo já validada para português poderia contribuir para a solidez das inferências a nível da validade do instrumento.
Os dados refletem uma primeira abordagem à fiabilidade e validade do WHODAS 2.0‐PT12. Considerando a massiva utilização da CIF com enquadramento teórico na área saúde e a aceitação que o WHODAS 2.0 tem obtido enquanto ferramenta de avaliação do constructo de funcionalidade, outros estudos devem ser desenvolvidos com vista a reforçar os dados sobre a sua fiabilidade e validade. No mesmo sentido, dados normativos devem ser obtidos de forma a ser possível monitorar os determinantes de incapacidade da população portuguesa.
Os resultados indicam que a versão portuguesa de 12 itens do WHODAS 2.0 autoadministrada é equivalente à versão original, é fiável e válida quando utilizada em pessoas com 55 ou mais anos.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.